domingo, 29 de setembro de 2013

Deslocamento paraláctico e o cálculo das distâncias

Luiz Barco

Artigo de Luiz Barco, explicando os recursos de que os cientistas se valem para explicar a distância entre os astros.
Se o Sol fosse uma grande abóbora, a Terra seria uma ervilha e a Lua, uma semente de papoula. “Essa comparação usada pelo astrofísico russo Georg Gamow (1904-1968) em seu livro Um, dois, três...infinito é um dos recursos de que os cientistas se valem para explicar a distância entre os astros. Mas como se medem efetivamente tais distâncias? Eratósteneas, por exemplo, cientista que viveu na colônia grega de Alexandria, no Egito, no século III a.C., conseguiu, com as poucas informações disponíveis na época, medir a circunferência da Terra.
Com duas estacas e a sombra que uma delas projetava, ele fez cálculos quase perfeitos. Isso mostra como, muitas vezes, um fato aparentemente sem importância pode ser usado de modo criativo. Por exemplo: coloque o dedo indicador a uma  certa distância do nariz e observe-o atentamente. A seguir, aproxime-o lentamente do rosto. Nessa operação, você teve, certamente, uma sensação muscular ao tentar manter os olhos fixos no dedo. Para  muitos isso não significa nada, mas para os cientistas sim. Ponha novamente o dedo indicador a uma certa distância dos olhos e observe-o contra uma parede ou mesmo uma janela no fundo da sala e dessa vez não use os olhos simultaneamente: primeiro feche o olho direito e depois o esquerdo.
Você não mexeu o dedo, mas teve a sensação visual de que ele se movimentou. Esse efeito é conhecido como deslocamento paraláctico: ao olharmos para um objeto com os dois olhos, focalizamos ambos  nele automaticamente e quanto mais perto ele estiver de nós mais viramos os olhos um em direção ao outro. A sensação muscular que esse ajuste provoca é que nos dá uma boa idéia da distância. Se você não está convencido, tente enfiar linha numa agulha. Primeiro, usando os dois olhos e, depois tapando um deles. Com um olho só, você, certamente, vai passar a linha bem longe do buraco da agulha.
Quanto mais distante estiver o objeto, tanto menor será seu deslocamento paraláctico. É por esse motivo que ele tem sido usado para calcular distâncias. Esse deslocamento é medido no aparelhos  com precisão muito superior àquela que a simples sensação muscular dos olhos nos dá. Como eles estão localizados na cabeça e a uma distância pequena um do outro, essa sensação funciona bem na avaliação de distâncias de poucos metros. Quando as distâncias são maiores, os eixos de ambos os olhos se tornam praticamente paralelos e o deslocamento paraláctico é muito reduzido. Seria, pois, necessário, que tivéssemos os olhos mais separados para usarmos adequadamente esse efeito. Veja como a questão foi resolvida:
Aparelhos como esse não confiam somente na sensação muscular do globo ocular. Possuem dispositivos especiais para medir com grande precisão o deslocamento paraláctico. No entanto, se revalaram quase inúteis para medir distâncias astronomicas, mesmo que fosse a da vizinha Lua. Registrar seu deslocamento paraláctico em relação ao pano de fundo das estrelas distantes exige uma base ótica bem maior. Se fosse calculada em quilômetros, seria algo como a distância entre São Paulo e Rio de Janeiro. Como não há apaelho que coloque um olho na Avenida Paulista e outro em Copacabana, o recurso que se usou foi fotografar a Lua simultaneamente em cidades diferentes. Ao colocar as fotos num estereoscópio comum (aparelho para estimar distâncias em fotografias), os astrônomos verificaram que o deslocamento paraláctico do astro – tal como se observa de dois pontos diferentes da Terra – leva-nos a estimar que a distância entre a Lua e a Terra é da ordem de 30,14 diâmetros, ou seja, 384 403 quilômetros.
Eles conseguiram medir também a distância da Terra ao Sol e, como ele está bem mais longe (385 vezes a distância da Lua), deu muito mais trabalho. Talves você queira saber qual a base ótica para medidas bem maiores. Se usamos as dimensões do planeta até para medir a sua órbita em torno do Sol, nada nos impede de utilizar a mesma órbita para calcular, usando o recurso das fotos, a distância até outra estrela. Ou seja: duas posições da Terra em sua órbita dão a base ótica para medidas maiores, como, por exemplo, até as estrelas mais distantes.

Revista Super Interessante n° 041

Vênus: Imagens de um planeta gêmeo

Nave espacial Magalhães descobre em Vênus estranhas formas geológicas. Paradoxalmente, teriam sido criadas pelas mesmas forças que estão em ação na Terra.
A nave Magalhães mostra que o vizinho da Terra é muito mais parecido com ela do que supunha.
Construída aos pedaços, com peças de outros veículos espaciais, para reduzir custos, a nave americana Magalhães começou a ter problemas antes mesmo de levantar vôo, em maio de 1989. Mais tarde, um defeito, ainda não identificado, deixou-a muda e perdida em pleno vôo, por mais de dezessete horas. Mas, passado o temor de perda definitiva, redimiu-se inteiramente. Equipada com um acurado radar, capaz de distinguir pormenores de apenas 120 metros – contra os 1 200 metros atuais –, ela descobriu, em Vênus, estranhas formas geológicas.
Paradoxalmente, teriam sido criadas pelas mesmas forças que estão em ação na Terra.
Um exemplo são as imensas rochas fraturadas da região venusiana de Ishtar. Embora tenham mais de 100 quilômetros de extensão, sob um formidável empuxo subterrâneo, porem ter rachado, como um pára-brisa de automóvel ao ser atingido por uma pedra. “Trata-se de um fenômeno fundamentalmente similar aos que se vêem na Terra”, avalia Stephen Saunders, especialista da agência espacial americana, a NASA. Ele se refere aos turbilhões de rocha derretida que vazam continuamente das profundezas, especialmente sobre o leito dos oceanos. Assim, reconstroem a crosta do planeta e movem as gigantescas placas que alicerçam os continentes e oceanos – chamadas placas tectônicas.
Havia dúvida de que essa mecânica evolutiva funcionaria em Vênus, já que não existem na Lua, Mercúrio e Marte. Mas as fraturas em Ishtar forçam uma revisão nesse conceito, mesmo que o resultado final tenha sido algo único no sistema solar. É possível que, em Vênus, as placas tectônicas não sejam tão bem separadas quanto as terrestres. Desse modo, as rochas derretidas não poderiam vazar nos intervalos entre elas e tenderiam a erguer grandes frações da crosta, fraturando-as.
Outro  fenômeno pitoresco são largas redomas – pontos em que a crosta, de alguma forma, tornou-se mais maleável e inflou, tomando a aparência de uma bacia de boca para baixo.
Essa imagem traz à lembrança que a temperatura no solo de Vênus alcança 500 graus Celsius – o bastante para criar rios de chumbo, se esse metal existisse em grandes quantidades à superfície. Em tal forno, a crosta pode perder a rigidez, especialmente se for menor espessa do que a terrestre, como se supõe. Novamente, então, forças parecidas geram um cenário geológico peculiar, que se completa com os vulcões. Desde 1978, já se desconfiava que Vênus podia abrigar crateras explosivas, mas ninguém as imaginava tão numerosas como sugerem os sensores da Magalhães. Sua importância parece ser até maior que a Terra, onde a atividade vulcânica concentra-se em pontos e faixas associados com os vazamentos rochosos.
Em Vênus, a atividade vulcânica estende-se, de forma indiscriminada, por regiões inteiras – áreas cobertas por correntes de lava endurecida, com centenas de quilômetros de comprimento. Em vista de tudo isso, já se pensa, agora, que as lições aprendidas em Vênus podem ter utilidade prática na Terra. “Elas talvez nos ensinem como prever terremotos e erupções vulcânicas”, diz o geólogo Rymond Arvidson, um dos muitos cientistas que participam do projeto da Magalhães. Pode ser apenas entusiasmo, mas a torrente de novas informações parece justificar eventuais exageros.
As imagens já obtidas cobrem apenas 1,5% da superfície venusiana, mas, nos próximos cinco anos, ela será mapeada por completo, e mapeado oito vezes. Isso permitirá aprimorar os seus contornos. Nesse longo período, com alguma sorte, poderão surgir pequenas mudanças no perfil do planeta. Ficará provado, então, que o mundo gêmeo da Terra, além de ter tido uma adolescência semelhante, continua tão vivo quanto ela.

Revista Super Interessante n° 041

O que é daltonismo?

Eduardo J. Vieira Davini

É uma deficiência na visão que dificulta a percepção de uma ou de todas as cores. O olho humano possui cones, células capazes de distinguir três grupos de cores: verde, amarelo e vermelho, e azul-violeta. Nas pessoas daltônicas essas células não existem em número suficiente ou apresentam alguma alteração, como explica o oftalmologista Flavio A . Marchi, da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. A deficiência pode atingir os três grupos de cores (monocromatismo), ou apenas os responsáveis pela visão do vermelho (protanopia), do verde (deuteranopia) ou do azul (tritanopia). A palavra daltonismo teve origem no nome do químico inglês John Dalton (1766-1844), o primeiro a estudar cientificamente esse distúrbio da visão, do qual ele também padecia. Conta-se que ele só percebeu a deficiência quando, certa vez, comprou um par de meias de seda para a mão, que ele enxergava como pardo-azuladas. Na verdade, as meias eram vermelhas, e a mãe de Dalton jamais poderia usá-las. É que a família era quacre, grupo cristão conhecido como Sociedade dos Amigos, que acreditava serem as pessoas todas iguais e, assim, elas não deveriam se destacar umas das outras, vestindo-se, por exemplo, com cores berrantes.
Revista Super Interessante n° 041

As estrelas mais brilhantes do céu

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Artigo do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, em que diz que nesta época do ano podemos ver as estrelas mais brilhantes do céu.
Nem mesmo a luz das cidades rouba completamente o brilho do céu, nesta época do ano. Basta ver que, na lista da vinte estrelas mais reluzentes, apenas cinco estão fora do campo de visão. As outras, particularmente luminosas e fáceis de ver a olho nu, quando observadas com uma luneta, podem revelar detalhes surpreendentes. O motivo é que muitas delas são duplas ou triplas – isto é, onde parece haver apenas um pouco de luz, existe duas, três ou mais estrelas muito próximas. É o caso da terceira estrela da lista, Rigel, que, a olho nu, aparece coma mais brilhante da Constelação do Centauro.
Sob a luneta, entretanto, ela desdobra-se em duas, ambas muito semelhantes ao Sol, tanto em tamanho como em peso e na cor, embora uma delas seja mais amarela e a outra, mais alaranjada. Elas giram em torno de um centro comum (como duas crianças rodando de mãos dadas), mas o sistema é ainda mais complexo, pois a dupla, além disso, gira em torno da Próxima do Centauro, uma estrela pequena e fria, de cor vermelha, visível apenas com instrumentos mais precisos. Seu nome significa que é a estrela menos distante da Terra, situada a 4,3 anos-luz, ou 43 trilhões de quilômetros.
Não se deve confundir Rigel do Centauro com uma outra Rigel, a da Constelação de Órion, que, distante 900 anos-luz, é uma das maiores estrelas catalogadas. Tem um raio 33 vezes maior que o do Sol. Mas é curioso notar que Órion inclui uma estrela ainda maior, Betelgeuse, que está a 200 anos-luz e tem um raio 400 vezes maior que o Sol. Se fosse colocada no centro do sistema solar, os planetas Mercúrio, Vênus, Terra e Marte desapareceriam no seu interior. Apesar disso, Betelgeuse é vermelha, o que significa que é relativamente fria (com uma temperatura na superfície de 3 400 graus, contra os 5 000 graus do Sol). Assim, está colocada em décimo lugar na lista das mais luminosas do céu, enquanto Rigel, a sétima colocada, é branco  azulada e brilha a 13 000 graus.
Mesmo com uma pequena luneta, é possível verificar que Rigel é uma dupla: é circundada a cada dez dias por uma pequena estrela branca. Mas difícil é perceber que a estrela menor, por sua vez, é também uma dupla – a distância entre os dois astros é tão pequena, que apenas a análise da sua luz permite percebê-los. Entre diversas outras estrelas múltiplas, vale a pena destacar a Alfa de Gêmeos, Castor, a vigésima - terceira em brilho. Ela agrupa um complicado conjunto de seis corpos celestes. Onde se vê, a olho nu, um simples ponto de luz, percebe-se, inicialmente, com ajuda da luneta, que existem dois astros azuis girando em torno de um centro comum. Seu movimento porém, é extraordinariamente lento e não pode ser observado: os astros demoram 380 anos para completar uma volta em torno do centro.
Com uma luneta mais possante, se poderia observar uma estrela bem menos brilhante, a terceira peça desse carrossel. Enfim, é possível verificar que cada um desses componentes é uma dupla, mas a separação visual do astros, nesse caso, só pode ser feita com equipamento de alta qualidade.
É bom notar que se faz muita confusão sobre a potência dos telescópios comuns, acessíveis aos leigos. Eles podem aumentar os objetos, em muitos casos, até 100 vezes, mas nem sempre são de muita valia, por terem lentes de pequeno diâmetro. Seu campo de visão é estreito, e fica difícil localizar pequenos pontos. Em vista disso, é melhor empregar lunetas que não aumentam muito; cerca de dez vezes já é razoável. O mais importante é que tenham uma lente de bom tamanho, de aproximadamente 15 centímetros diâmetro.

Revista Super Interessante n° 041

Vale-tudo contra a malária

Gisela Heymann

Diante de uma doença que ameaça 1/3 da população mundial, pesquisadores percorrem todos os caminhos em busca do remédio definitivo - a vacina. É um esforço à altura do desafio.
Há cerca de dez anos, centros de pesquisa, laboratórios e exames de cientistas em vários países decidiram voltar novamente suas atenções para uma doença que se acreditava vencida desde os anos 50: a malária. Também chamada maleita ou paludismo, ela é transmitida por um mosquito que transporta os parasitas causadores do mal de uma pessoa a outra, infectando-a e provocando, entre outros sintomas, acessos de febre que se repetem a cada dois ou três dias. Conhecida desde os tempos mais remotos — o médico grego Hipócrates, 500 anos antes da era cristã, já descrevera os diversos tipos da febre palustre — a malária fez incontáveis milhões de vítimas até a primeira metade deste século, quando rigorosas medidas sanitárias começaram a reduzir o ritmo de propagação da doença.Os motivos para a nova corrida às pesquisas são inequívocos e assustadores. De um lado, um dos quatro parasitas causadores da moléstia, o Plasmodium falciparum, justamente o que acarreta a forma mais grave, que pode levar à morte, desenvolveu insuspeitada resistência à nivaquina, substância que até então apresentava ótimos resultados no combate à doença. (Os outros três parasitas, Plasmodium vivax, malariae e ovale, este último mais raro, são responsáveis por versões benignas, também menos preocupantes em relação ao número de casos constatados).
De outro lado, o próprio vetor da malária, o mosquito anófele, abundante em regiões tropicais, a bordo do qual viajam os parasitas, tornou-se resistente ao inseticida DDT.Junte-se a isso o quadro desolador em matéria de saneamento na grande maioria dos países onde a malária costuma atacar e ainda o desflorestamento caótico, como é tipicamente o caso associado à instalação de garimpeiros no Estado de Roraima, no extremo Norte do país. O resultado dessa coleção de desastres aparece com todos os números nos relatórios da Organização Mundial de Saúde (OMS). A entidade estima que um terço da população do planeta, algo como 1,67 bilhão de pessoas, está exposto à doença e que o número de pessoas já contaminadas é da ordem de 100 milhões. Os países mais atingidos pelo novo surto são os centro-africanos, mais Sri-Lanka. Afeganistão, Vietnã e Camboja, na Ásia; Irã, Iêmen e Iraque, no Oriente Médio; Colômbia, Venezuela, Peru, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e ainda o Brasil, na América do Sul.A Amazônia , sozinha, é responsável pela metade do milhão de casos registrados em 1987 no continente. Em 1974, o número total nas Américas mal alcançava 270 000. Indícios de que a doença continua a se propagar com renovada rapidez na região amazônica surgem a cada levantamento. Estima-se que em 1989 nada menos de 6 000 brasileiros morreram de malária.
A malária representa uma das doenças infecciosas mais importantes do mundo”, atesta o professor Luís Hildebrando Pereira da Silva, chefe da Universidade de Parasitologia Experimental do Instituto Pasteur de Paris — e não há razão para supor que ele exagera.Um dos maiores especialistas no assunto, ao lado de dois outros brasileiros, o casal Vitor e Ruth Nussenzweig , da Universidade de Nova York, o paulista Luís Hildebrando, 61 anos, mora na França desde 1962, quando se doutorou ali em Biologia Molecular. Tempos mais tarde, instalou-se na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. No entanto, o sufoco nas universidades brasileiras durante o regime militar obrigou-o a voltar ao Instituto Pasteur. Tendo dedicado os últimos dez anos de trabalho à descoberta de uma vacina contra o paludismo, em cooperação com pesquisadores de outros organismos internacionais, entre eles a Universidade de São Paulo, Hildebrando prevê que "até o final do século teremos uma vacina eficaz contra a doença".
Esse prazo pode ser ainda maior. Para a pesquisadora francesa Dominique Mazier, do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (INSERM), e do Departamento de Parasitologia do Hospital Pitié-Salpetrière, em Paris, “se é impensável esperar uma vacina para já, um resultado dentro de dez anos é apenas provável", avalia. "Hoje  só temos vacinas contra vírus (como o da poliomielite), organismos muito menores e mais simples. Já o causador da malária é um parasita, ser infinitamente mais complexo. Se compararmos o vírus a um punho fechado, o parasita teria o tamanho de uma sala. Pode-se imaginar o que essa diferença implica."Típica de zonas tropicais, a malária migrou até a Europa, particularmente à Itália, onde durante a Segunda Guerra Mundial infligiu baixas em número alarmante. Pouco depois, foi ordenada a drenagem de todos os pântanos — o ambiente preferido pelo anófele para se reproduzir — que circundavam a cidade de Roma. Seguiram-se rigorosas medidas de saneamento para eliminar o mosquito de uma vez por todas do continente europeu. Há pouco tempo, porém, mais de trinta casos da chamada “malária de aeroporto" foram registrados na França e na Suíça.
Como o nome indica, trata-se da contaminação provocada pelos mosquitos que alcançam a Europa a bordo dos aviões provenientes de países, sobretudo da África, onde a doença já ultrapassou qualquer limite aceitável.Quando a fêmea do mosquito anófele se alimenta do sangue de uma pessoa contaminada, está incluindo em sua refeição alguns gametócitos, formas sexuadas precursoras dos gamelas (o equivalente, nos parasitas, aos precursores dos espermatozóides e dos óvulos na espécie humana). Os gametócitos amadurecem no estômago do mosquito onde ocorrerá a fecundação, ou seja, a união dos gametócitos fêmeas aos machos, que dará origem a um ovo, o zigoto. Os zigotos instalam-se na parede exterior do estômago do anófele até o crescimento de inúmeras células chamadas esporozoítos.
Plenos de energia, estes penetram na glândula salivar do mosquito, que será ativada a cada nova refeição, pois contém uma substância anticoagulante que ajuda a sugar o sangue humano. Injetados no corpo de uma pessoa sã através da picada do anófele, os esporozoítos navegam pela circulação sanguínea até encontrar o fígado, após uns trinta minutos de viagem. Nas células hepáticas, completarão um ciclo de amadurecimento de cerca de duas semanas, durante as quais vão se multiplicar e liberar milhões de merozoítos, que atacam especificamente os glóbulos vermelhos (daí a anemia causada pela malária).
Só quando os merozoítos invadem os glóbulos vermelhos e continuam a se multiplicar até a sua literal explosão é que começam os ataques de febre, as vertigens e os calafrios, típicos do mal. Enquanto alguns parasitas se concentram em invadir e destruir, outros merozoítos irão formar gametócitos, ainda no interior dos glóbulos vermelhos, que servirão de alimento para um novo mosquito, que os transportará ao organismo de outra pessoa.No corpo de um indivíduo não protegido, o número de parasitas desse exército de ocupação desanda a se multiplicar. Em regiões mais expostas à doença, porém, pessoas já atingidas, sem que tenham desenvolvido a malária, acabam por criar uma defesa natural contra os parasitas, pois o sistema imunológico guarda a "memória" da infecção. Segundo o professor Luís Hildebrando, não se sabe o motivo exato pelo qual o Plasmodium falciparum passou a resistir aos medicamentos clássicos.
"Tudo que se pode dizer é que uma mutação genética ocorreu nesses organismos”, aponta. O fato é que a única solução para o problema é a descoberta de uma vacina.Para tanto, a equipe de catorze pesquisadores da Unidade de Parasitologia Experimental do Instituto Pasteur se concentra na busca de um antígeno — substância capaz de induzir uma reação imunológica do organismo — que possa ser reproduzido sinteticamente e, sobretudo, que assegure um contra-ataque perfeito. Para escolher entre os vários candidatos possíveis a antígeno, foi necessário, antes de tudo, determinar em qual fase de seu desenvolvimento o parasita deve ser atacado, além de identificar os seus constituintes dos quais tais candidatos faziam parte. "Só essa fase exigiu anos de estudo", informa o professor. Primeiro, foi necessário fazer a clonagem do gene, ou seja, recriar fragmentos de sequências de DNA, a molécula da herança dos seres vivos, a partir de uma sequência original, para encontrar a informação desejada, capaz de induzir o anticorpo imunizante."O trabalho poderia estar concluído em questão de meses, não houvesse sempre um contratempo", conta Luís Hildebrando, que divide seu tempo entre a coordenação da equipe de parasitologistas em Paris e as viagens.
No Senegal, o grupo acompanha a evolução da malária que atingiu todos os 300 habitantes de um lugarejo chamado Dielmon. De todo modo, seis antígenos relacionados à proteção contra a infecção já puderam ser identificados. Estágio mais avançado alcançou o professor Manoel Patarroyo, do Hospital San Juan de Diós, em Bogotá, Colômbia. Ele já testou em cerca de 30 000 pessoas uma vacina à base de peptídeos (conjunto de aminoácidos) sintéticos, que se mostrou eficaz "em 80% dos casos" em induzir uma proteção contra o Plasmodium falciparum. A vacina poderá ser testada também no Brasil a partir de 1991 em 500 adultos da região amazônica."A experiência colombiana é muito interessante, mas ainda restam dúvidas de extrema importância, como qual a duração da proteção e que acontece com o parasita depois de agredido", pondera Dominique Mazier, do INSERM francês. Outra dúvida resulta do seguinte: embora não apresentem sintomas da doença — os acessos palustres —, os indivíduos vacinados conservam parasitas em seu sangue.
Em comum, as pesquisas do Instituto Pasteur e do Hospital San Juan de Diós têm a convicção de que o melhor momento para atacar o agente infeccioso é durante a proliferação do parasita no interior do glóbulo vermelho, ou seja, na fase eritrocitária. Nessa fase, o Plasmodium envia à membrana do glóbulo sanguíneo proteínas encarregadas de captar substâncias nutritivas fundamentais ao seu desenvolvimento. Com isso, modifica a estrutura do glóbulo, tornando-o facilmente identificável pelo exército que cuida da proteção do organismo. Já o grupo liderado pela professora Mazier decidiu estudar a fase anterior, em que o Plasmodium se desenvolve no fígado da pessoa contaminada. "A vantagem é que esse é um estágio intermediário e já se comprovou que as relações entre os diferentes estágios do parasita são de fundamental importância", afirma ela. Isto é se a vacina liquidasse com o Plasmodium no interior do fígado, apenas alguns merozoítos se atreveriam a atacar as células sanguíneas, numa ofensiva controlável pelo organismo.
Um auxílio extra também seria possível, numa espécie de vacina-coquetel. Haveria, pois, duas oportunidades de eliminar o renitente inimigo.Extremamente complexos, os parasitas da malária são, porém, capazes de se dissimular e de se adaptar à contra-ofensiva do sistema imunológico — o que representa um complicador adicional aos cientistas. “Eu chegaria a afirmar que eles são inteligentes”, brinca a doutora Dominique. Talvez por isso, o imunologista escocês Richard Carter, da Universidade de Edimburgo, tenha escolhido estudar outro tipo de vacina, chamada altruísta. Isso porque ela não imuniza o indivíduo vacinado e sim o mosquito. Original, mas ainda longe de ser viabilizada, a substância acabaria com a malária extinguindo os gamelas que se servem do anófele como meio de transporte.
No Middlesex Hospital, em Londres, um grupo de cinco pesquisadores preferiu seguir um caminho diferente. “Já que a vacina capaz de eliminar o Plasmodium é tão difícil, estamos tentando desenvolver uma vacina que apenas elimine os sintomas da doença, ou seja, a pessoa contaminada viveria com o parasita mas não se sentiria doente, porque visamos apenas as toxinas agressoras do organismo", explica a imunologista Janice Tavane.Já os brasileiros Vitor e Ruth Nussenzweig, que estudam a malária há pelo menos vinte anos, desenvolveram um antígeno que, misturado a uma substância gordurosa, retarda a absorção da vacina pelo organismo, para que este possa produzir anticorpos em maior quantidade. A fórmula começa a ser testada pelo Instituto de Pesquisas do Exército dos Estados Unidos.
Outra pesquisadora francesa, Catherine Breton, também do Instituto Pasteur, observou um exemplo da versatilidade do Plasmodium. Ao estudar o primeiro dos seis antígenos do parasita candidatos a matéria-prima da vacina, ela constatou com espanto que estava lidando com uma proteína muito especial, situada na extremidade dos merozoítos — uma enzima cujo papel consiste em destruir as cadeias de glicoproteínas que revestem o glóbulo vermelho e o protegem de organismos estranhos. De fato, o parasita só consegue aderir ao glóbulo para então invadi-lo, depois de raspar sua "cabeleira" de glicoproteínas. Logo, descobrir como bloquear a ação dessa enzima, ou como impedir que ela seja estimulada, pode significar a chave da questão.A fim de testar a capacidade de cada um daqueles candidatos, foi ainda necessário escolher um animal que desenvolvesse exatamente o mesmo tipo de infecção provocada no homem pelo Plasmodium e que, portanto, pudesse servir de cobaia nos testes das novas vacinas.
Para tanto, desde 1980 o Laboratório de Imunologia Parasitária do Instituto Pasteur de Caiena, na Guiana Francesa, mantém uma criação de macacos saimiri, conhecidos comumente como macacos-esquilo. Cerca de 800 exemplares são mantidos em cativeiro; outros tantos são criados em liberdade na Ilha da Mãe, em frente a Caiena.Enquanto os pesquisadores se valem do que há de mais moderno em Biologia Molecular na guerra ao mosquito, há quem sensatamente defenda o emprego intensivo dos métodos tradicionais de combate. O uso de um simples mosquiteiro, responsável em parte pelo desaparecimento do paludismo na China, vem sendo recomendado como medida de precaução. Impregnada de um novo inseticida em fase experimental, a clássica malha não só protege as pessoas no seu abrigo como mata os mosquitos que dela se aproximam, a julgar pelo que se verificou em testes na Gâmbia. Trata-se de uma boa notícia mesmo porque há muito chão pela frente até a vacina.
Além de determinar quais os antígenos usados na elaboração do produto, “outros problemas retardam sua fabricação", avisa o professor Luís Hildebrando. "Para começar. não podemos obtê-la da forma usual, como é o caso das vacinas contra vírus e bactérias."De fato, enquanto vírus e bactérias se reproduzem à razão de milhares a cada 48 horas, o Plasmodium falciparum se multiplica por cinco no mesmo período. "Além disso, para que ocorra a reprodução do Plasmodium, é necessária a presença de glóbulos vermelhos, o que torna inviável a fabricação industrial." A alternativa seria sintetizar quimicamente os antígenos pelos métodos da Engenharia Genética, enxertando as proteínas antigênicas em bactérias que se reproduziriam em fermentadores industriais; enormes caldeirões repletos de uma substância adequada à sua proliferação. Todas essas dificuldades, mais o fato de não existir ainda nenhuma vacina contra doenças parasitárias — o que torna a tarefa uma espécie de caminhada no escuro, em que cada passo sem tropeços é saudado como uma importante conquista —, fazem da estimativa de uma vacina no prazo de dez anos uma corrida contra o relógio. "Pelo menos", garante Hildebrando, temos a certeza de que é possível fabricá-la.

Ensinando natação a bactérias
Embora a obtenção da vacina seja o objetivo primordial dos institutos que estudam a malária, outras frentes de batalha foram abertas. Sem dúvida, a mais insólita nasceu no próprio Instituto Pasteur, em Paris. Trata-se de utilizar uma bactéria capaz de atacar as larvas dos mosquitos anófeles. A solução não teria os inconvenientes do uso de inseticidas para o ambiente e poderia contribuir de forma eficaz no combate ao paludismo — não fosse um pequeno problema: as tais bactérias não sabem nadar. Como as larvas do mosquito se desenvolvem na superfície da água, essa propriedade é essencial. O problema, contudo, não desesperou os pesquisadores. Eles recorreram à Engenharia Genética para dotar suas bactérias de certas características próprias das algas azuis, graças às quais são capazes de boiar. Ou seja, trata-se de implantar nas bactérias as sequências de DNA que contêm os genes responsáveis por essa peculiaridade das algas. A primeira etapa, que consistiu em determinar quais os genes a serem transportados, já foi vencida, reatando a fase certamente mais difícil da sua incorporação ao material hereditário das bactérias.

Revista Super Interessante n° 041

Um instrutivo passeio ao paraíso das serpentes

O maior e mais famoso serpentário do mundo completa 90 anos, reabre seu museu, ganha novas exposições e merece uma visita.
Uma fazenda de 73 hectares, bem no coração de São Paulo, cheia de cobras, aranhas, lagartos, escorpiões e ate jacarés, pode ser um bom passeio para um domingo de ócio e preguiça. Que digam os 500 000 visitantes que atravessam seus portões, todos os anos, boa parte dos quais estrangeiros, atraídos pela fama do maior centro de ofidismo do mundo. Estamos falando do Instituto Butantã, que este ano comemora 90 anos e se engalana como pode, com verbas escassas e raros investimentos, para festejar a data.
Ao nascer, o Butantã era apenas uma fazenda, de terra dura (daí o seu nome, em tupi-guarani). Três quartos de sua área foram cedidos, em 1945, para a Cidade Universitária; ainda assim, sobrou bastante terreno para que o centro de pesquisas conservasse sua condição de recanto aprazível, densamente arborizado. Se você passar por ali com disposição para ver e aprender, terá muito o que fazer – sobretudo se tiver acompanhado das crianças. Comece, naturalmente, pelo tanque e vitrinas ao ar livre, aonde os animais devidamente identificados, estão expostos. Terá ali, ainda, como atração extra parte das comemorações, um museu de rua, compostos de painéis espalhados pela alameda principal, mostrando a evolução da arquitetura paulistana século XX, pela história dos prédios do próprio Instituto. Programe-se, depois, para um belo passeio.
No final do mês estarão concluídas as reformas do Museu Biológico, um vasto salão de 600 metros quadrados, que abriga cerca de 300 animais vivos. Entre eles estão 40 espécies de cobras, vindas das mais diferentes partes do mundo. São 28 espécies brasileiras, seis africanas, muitas outras da Ásia e da Europa. Entre os destaques, uma surucucu de 3 metros, jibóias, sucuris, as exóticas najas indianas e um simpático berçário para os recém-nascidos.
Há,  ainda, painéis didáticos, onde os animais “conversam” com os visitantes, para explicar o significado do nome da exposição a que assistem: “ Na natureza não existem vilões”. É bom saber: com a sua dedicação a esses bichos que a gente sempre considerou vilões, pois suas picas podem ser mortais, o Butantã tem sido um centro de defesa da natureza desde sua fundação, muito antes que isso se tornasse moda e preocupação de todos em toda parte.
Assim, durante sua passada pelo Museu Biológico, você terá oportunidade de assistir, cada meia hora, a vídeos sobre temas ecológicos, ou então perigosos assim, desde que com eles se tomem alguns cuidados. A essa altura, você já terá visto a exposição iconográfica sobre os dezessetes institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. Se estiver interessado em conhecer mais a história do próprio Butantã, entre no Museu Histórico, uma réplica do primeiro laboratório utilizado pelo médico Vital Brasil, quando, chamado pelo  diretos do Instituto cientista Adolfo Lutz, começou a preparar, ainda no século passado, os primeiros soros eficazes para salvar as vítimas de picadas de cobra. Você vai ver os equipamentos que ele utilizava, na virada do século, alguns bem sugestivos. Por  exemplo a mesa revestida por lava vulcânica, para resistir aos muitos produtos químicos, muito dos quais altamente corrosivos, que ele utilizava nas suas experiências. Vai conhecer, também, o Hospital Vital Brasil, fundado em 1945, e que atende todos os anos cerca de 3 000 pessoas picadas por animais peçonhentos no Estado de São Paulo.
Toda a infra- estrutura que atende a essas ocorrências estará longe dos seus olhos. Mas você ficará sabendo que o Butantã produz anualmente, além dos soros específicos para esses casos, 20 milhões de doses de dezesseis tipos diferentes de vacinas para tétano, difteria, febre tifóide, varíola e raiva. As vacinas que seus filhos tomaram quando pequenos – tríplice e BCG – muito provavelmente foram produzidas ali (embora a produção seja insuficiente do consumo nacional). Nos laboratórios, pesquisadores especializados estudam a fisiologia dos animais peçonhentos e as maneiras de tornar mais eficientes os soros e as vacinas. No caso das cobras, o Instituto depende das doações feitas por particulares.
Compreensivelmente, a maioria das pessoas que topa com uma cobra, no meio do mato trata de fugir. Os mais valentes tratam de matá-la. Lamentavelmente, só uma minoria bem esclarecida da importância de capturar o animal vivo, e mandá-lo para o Butantã. No ano passado, a seção de recebimento de animais obteve 4 747 doação desse tipo. Para que o veneno seja extraído, a cobra é adormecida com gás e o técnico tem dois minutos para fazer a operação em segurança.
Se você ficar muito entusiasmado com essa visita, poderá até interessar-se pelo simpósio “ A modernização do Estado de São Paulo os institutos de pesquisa” que será realizado no próximo dia 25. Vai saber muito mais de tudo quanto o Instituto já realizou e do quanto a falta de verbas e os baixos salários dos funcionários atrapalham, hoje, o desenvolvimento desses trabalhos. É claro que o Butantã não poderia ficar imune a essa crise que aflige todo o país – nem ele é capaz de produzir um soro eficaz conta esse mal. E quem sabe pode até achar um jeito de dar uma força para um estabelecimento que, sem dúvida, é motivo  de orgulho para todos nós paulistas e brasileiros.

Revista Super Interessante n° 041

Qual o destino dado pelas formigas às suas companheiras mortas?

Edye E. Isaias

Cada espécie age de um jeito. De acordo com o engenheiro agrônomo Francisco A.M. Mariconi, da Escola Superios de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba, SP, as saúvas, por exemplo, levam as formigas mortas para uma câmera no formigueiro chamada “panela de lixo”, onde depositam também outros detritos. Já as sarassarás, carnívoras, não dispensam o valor nutritivo das companheiras e as comem. As formigas mais comuns encontradas nas residências abandonam as mortas na superfície do formigueiro.
Revista Super Interessante n° 041