domingo, 29 de setembro de 2013

Deslocamento paraláctico e o cálculo das distâncias

Luiz Barco

Artigo de Luiz Barco, explicando os recursos de que os cientistas se valem para explicar a distância entre os astros.
Se o Sol fosse uma grande abóbora, a Terra seria uma ervilha e a Lua, uma semente de papoula. “Essa comparação usada pelo astrofísico russo Georg Gamow (1904-1968) em seu livro Um, dois, três...infinito é um dos recursos de que os cientistas se valem para explicar a distância entre os astros. Mas como se medem efetivamente tais distâncias? Eratósteneas, por exemplo, cientista que viveu na colônia grega de Alexandria, no Egito, no século III a.C., conseguiu, com as poucas informações disponíveis na época, medir a circunferência da Terra.
Com duas estacas e a sombra que uma delas projetava, ele fez cálculos quase perfeitos. Isso mostra como, muitas vezes, um fato aparentemente sem importância pode ser usado de modo criativo. Por exemplo: coloque o dedo indicador a uma  certa distância do nariz e observe-o atentamente. A seguir, aproxime-o lentamente do rosto. Nessa operação, você teve, certamente, uma sensação muscular ao tentar manter os olhos fixos no dedo. Para  muitos isso não significa nada, mas para os cientistas sim. Ponha novamente o dedo indicador a uma certa distância dos olhos e observe-o contra uma parede ou mesmo uma janela no fundo da sala e dessa vez não use os olhos simultaneamente: primeiro feche o olho direito e depois o esquerdo.
Você não mexeu o dedo, mas teve a sensação visual de que ele se movimentou. Esse efeito é conhecido como deslocamento paraláctico: ao olharmos para um objeto com os dois olhos, focalizamos ambos  nele automaticamente e quanto mais perto ele estiver de nós mais viramos os olhos um em direção ao outro. A sensação muscular que esse ajuste provoca é que nos dá uma boa idéia da distância. Se você não está convencido, tente enfiar linha numa agulha. Primeiro, usando os dois olhos e, depois tapando um deles. Com um olho só, você, certamente, vai passar a linha bem longe do buraco da agulha.
Quanto mais distante estiver o objeto, tanto menor será seu deslocamento paraláctico. É por esse motivo que ele tem sido usado para calcular distâncias. Esse deslocamento é medido no aparelhos  com precisão muito superior àquela que a simples sensação muscular dos olhos nos dá. Como eles estão localizados na cabeça e a uma distância pequena um do outro, essa sensação funciona bem na avaliação de distâncias de poucos metros. Quando as distâncias são maiores, os eixos de ambos os olhos se tornam praticamente paralelos e o deslocamento paraláctico é muito reduzido. Seria, pois, necessário, que tivéssemos os olhos mais separados para usarmos adequadamente esse efeito. Veja como a questão foi resolvida:
Aparelhos como esse não confiam somente na sensação muscular do globo ocular. Possuem dispositivos especiais para medir com grande precisão o deslocamento paraláctico. No entanto, se revalaram quase inúteis para medir distâncias astronomicas, mesmo que fosse a da vizinha Lua. Registrar seu deslocamento paraláctico em relação ao pano de fundo das estrelas distantes exige uma base ótica bem maior. Se fosse calculada em quilômetros, seria algo como a distância entre São Paulo e Rio de Janeiro. Como não há apaelho que coloque um olho na Avenida Paulista e outro em Copacabana, o recurso que se usou foi fotografar a Lua simultaneamente em cidades diferentes. Ao colocar as fotos num estereoscópio comum (aparelho para estimar distâncias em fotografias), os astrônomos verificaram que o deslocamento paraláctico do astro – tal como se observa de dois pontos diferentes da Terra – leva-nos a estimar que a distância entre a Lua e a Terra é da ordem de 30,14 diâmetros, ou seja, 384 403 quilômetros.
Eles conseguiram medir também a distância da Terra ao Sol e, como ele está bem mais longe (385 vezes a distância da Lua), deu muito mais trabalho. Talves você queira saber qual a base ótica para medidas bem maiores. Se usamos as dimensões do planeta até para medir a sua órbita em torno do Sol, nada nos impede de utilizar a mesma órbita para calcular, usando o recurso das fotos, a distância até outra estrela. Ou seja: duas posições da Terra em sua órbita dão a base ótica para medidas maiores, como, por exemplo, até as estrelas mais distantes.

Revista Super Interessante n° 041

Vênus: Imagens de um planeta gêmeo

Nave espacial Magalhães descobre em Vênus estranhas formas geológicas. Paradoxalmente, teriam sido criadas pelas mesmas forças que estão em ação na Terra.
A nave Magalhães mostra que o vizinho da Terra é muito mais parecido com ela do que supunha.
Construída aos pedaços, com peças de outros veículos espaciais, para reduzir custos, a nave americana Magalhães começou a ter problemas antes mesmo de levantar vôo, em maio de 1989. Mais tarde, um defeito, ainda não identificado, deixou-a muda e perdida em pleno vôo, por mais de dezessete horas. Mas, passado o temor de perda definitiva, redimiu-se inteiramente. Equipada com um acurado radar, capaz de distinguir pormenores de apenas 120 metros – contra os 1 200 metros atuais –, ela descobriu, em Vênus, estranhas formas geológicas.
Paradoxalmente, teriam sido criadas pelas mesmas forças que estão em ação na Terra.
Um exemplo são as imensas rochas fraturadas da região venusiana de Ishtar. Embora tenham mais de 100 quilômetros de extensão, sob um formidável empuxo subterrâneo, porem ter rachado, como um pára-brisa de automóvel ao ser atingido por uma pedra. “Trata-se de um fenômeno fundamentalmente similar aos que se vêem na Terra”, avalia Stephen Saunders, especialista da agência espacial americana, a NASA. Ele se refere aos turbilhões de rocha derretida que vazam continuamente das profundezas, especialmente sobre o leito dos oceanos. Assim, reconstroem a crosta do planeta e movem as gigantescas placas que alicerçam os continentes e oceanos – chamadas placas tectônicas.
Havia dúvida de que essa mecânica evolutiva funcionaria em Vênus, já que não existem na Lua, Mercúrio e Marte. Mas as fraturas em Ishtar forçam uma revisão nesse conceito, mesmo que o resultado final tenha sido algo único no sistema solar. É possível que, em Vênus, as placas tectônicas não sejam tão bem separadas quanto as terrestres. Desse modo, as rochas derretidas não poderiam vazar nos intervalos entre elas e tenderiam a erguer grandes frações da crosta, fraturando-as.
Outro  fenômeno pitoresco são largas redomas – pontos em que a crosta, de alguma forma, tornou-se mais maleável e inflou, tomando a aparência de uma bacia de boca para baixo.
Essa imagem traz à lembrança que a temperatura no solo de Vênus alcança 500 graus Celsius – o bastante para criar rios de chumbo, se esse metal existisse em grandes quantidades à superfície. Em tal forno, a crosta pode perder a rigidez, especialmente se for menor espessa do que a terrestre, como se supõe. Novamente, então, forças parecidas geram um cenário geológico peculiar, que se completa com os vulcões. Desde 1978, já se desconfiava que Vênus podia abrigar crateras explosivas, mas ninguém as imaginava tão numerosas como sugerem os sensores da Magalhães. Sua importância parece ser até maior que a Terra, onde a atividade vulcânica concentra-se em pontos e faixas associados com os vazamentos rochosos.
Em Vênus, a atividade vulcânica estende-se, de forma indiscriminada, por regiões inteiras – áreas cobertas por correntes de lava endurecida, com centenas de quilômetros de comprimento. Em vista de tudo isso, já se pensa, agora, que as lições aprendidas em Vênus podem ter utilidade prática na Terra. “Elas talvez nos ensinem como prever terremotos e erupções vulcânicas”, diz o geólogo Rymond Arvidson, um dos muitos cientistas que participam do projeto da Magalhães. Pode ser apenas entusiasmo, mas a torrente de novas informações parece justificar eventuais exageros.
As imagens já obtidas cobrem apenas 1,5% da superfície venusiana, mas, nos próximos cinco anos, ela será mapeada por completo, e mapeado oito vezes. Isso permitirá aprimorar os seus contornos. Nesse longo período, com alguma sorte, poderão surgir pequenas mudanças no perfil do planeta. Ficará provado, então, que o mundo gêmeo da Terra, além de ter tido uma adolescência semelhante, continua tão vivo quanto ela.

Revista Super Interessante n° 041

O que é daltonismo?

Eduardo J. Vieira Davini

É uma deficiência na visão que dificulta a percepção de uma ou de todas as cores. O olho humano possui cones, células capazes de distinguir três grupos de cores: verde, amarelo e vermelho, e azul-violeta. Nas pessoas daltônicas essas células não existem em número suficiente ou apresentam alguma alteração, como explica o oftalmologista Flavio A . Marchi, da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. A deficiência pode atingir os três grupos de cores (monocromatismo), ou apenas os responsáveis pela visão do vermelho (protanopia), do verde (deuteranopia) ou do azul (tritanopia). A palavra daltonismo teve origem no nome do químico inglês John Dalton (1766-1844), o primeiro a estudar cientificamente esse distúrbio da visão, do qual ele também padecia. Conta-se que ele só percebeu a deficiência quando, certa vez, comprou um par de meias de seda para a mão, que ele enxergava como pardo-azuladas. Na verdade, as meias eram vermelhas, e a mãe de Dalton jamais poderia usá-las. É que a família era quacre, grupo cristão conhecido como Sociedade dos Amigos, que acreditava serem as pessoas todas iguais e, assim, elas não deveriam se destacar umas das outras, vestindo-se, por exemplo, com cores berrantes.
Revista Super Interessante n° 041

As estrelas mais brilhantes do céu

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Artigo do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, em que diz que nesta época do ano podemos ver as estrelas mais brilhantes do céu.
Nem mesmo a luz das cidades rouba completamente o brilho do céu, nesta época do ano. Basta ver que, na lista da vinte estrelas mais reluzentes, apenas cinco estão fora do campo de visão. As outras, particularmente luminosas e fáceis de ver a olho nu, quando observadas com uma luneta, podem revelar detalhes surpreendentes. O motivo é que muitas delas são duplas ou triplas – isto é, onde parece haver apenas um pouco de luz, existe duas, três ou mais estrelas muito próximas. É o caso da terceira estrela da lista, Rigel, que, a olho nu, aparece coma mais brilhante da Constelação do Centauro.
Sob a luneta, entretanto, ela desdobra-se em duas, ambas muito semelhantes ao Sol, tanto em tamanho como em peso e na cor, embora uma delas seja mais amarela e a outra, mais alaranjada. Elas giram em torno de um centro comum (como duas crianças rodando de mãos dadas), mas o sistema é ainda mais complexo, pois a dupla, além disso, gira em torno da Próxima do Centauro, uma estrela pequena e fria, de cor vermelha, visível apenas com instrumentos mais precisos. Seu nome significa que é a estrela menos distante da Terra, situada a 4,3 anos-luz, ou 43 trilhões de quilômetros.
Não se deve confundir Rigel do Centauro com uma outra Rigel, a da Constelação de Órion, que, distante 900 anos-luz, é uma das maiores estrelas catalogadas. Tem um raio 33 vezes maior que o do Sol. Mas é curioso notar que Órion inclui uma estrela ainda maior, Betelgeuse, que está a 200 anos-luz e tem um raio 400 vezes maior que o Sol. Se fosse colocada no centro do sistema solar, os planetas Mercúrio, Vênus, Terra e Marte desapareceriam no seu interior. Apesar disso, Betelgeuse é vermelha, o que significa que é relativamente fria (com uma temperatura na superfície de 3 400 graus, contra os 5 000 graus do Sol). Assim, está colocada em décimo lugar na lista das mais luminosas do céu, enquanto Rigel, a sétima colocada, é branco  azulada e brilha a 13 000 graus.
Mesmo com uma pequena luneta, é possível verificar que Rigel é uma dupla: é circundada a cada dez dias por uma pequena estrela branca. Mas difícil é perceber que a estrela menor, por sua vez, é também uma dupla – a distância entre os dois astros é tão pequena, que apenas a análise da sua luz permite percebê-los. Entre diversas outras estrelas múltiplas, vale a pena destacar a Alfa de Gêmeos, Castor, a vigésima - terceira em brilho. Ela agrupa um complicado conjunto de seis corpos celestes. Onde se vê, a olho nu, um simples ponto de luz, percebe-se, inicialmente, com ajuda da luneta, que existem dois astros azuis girando em torno de um centro comum. Seu movimento porém, é extraordinariamente lento e não pode ser observado: os astros demoram 380 anos para completar uma volta em torno do centro.
Com uma luneta mais possante, se poderia observar uma estrela bem menos brilhante, a terceira peça desse carrossel. Enfim, é possível verificar que cada um desses componentes é uma dupla, mas a separação visual do astros, nesse caso, só pode ser feita com equipamento de alta qualidade.
É bom notar que se faz muita confusão sobre a potência dos telescópios comuns, acessíveis aos leigos. Eles podem aumentar os objetos, em muitos casos, até 100 vezes, mas nem sempre são de muita valia, por terem lentes de pequeno diâmetro. Seu campo de visão é estreito, e fica difícil localizar pequenos pontos. Em vista disso, é melhor empregar lunetas que não aumentam muito; cerca de dez vezes já é razoável. O mais importante é que tenham uma lente de bom tamanho, de aproximadamente 15 centímetros diâmetro.

Revista Super Interessante n° 041

Vale-tudo contra a malária

Gisela Heymann

Diante de uma doença que ameaça 1/3 da população mundial, pesquisadores percorrem todos os caminhos em busca do remédio definitivo - a vacina. É um esforço à altura do desafio.
Há cerca de dez anos, centros de pesquisa, laboratórios e exames de cientistas em vários países decidiram voltar novamente suas atenções para uma doença que se acreditava vencida desde os anos 50: a malária. Também chamada maleita ou paludismo, ela é transmitida por um mosquito que transporta os parasitas causadores do mal de uma pessoa a outra, infectando-a e provocando, entre outros sintomas, acessos de febre que se repetem a cada dois ou três dias. Conhecida desde os tempos mais remotos — o médico grego Hipócrates, 500 anos antes da era cristã, já descrevera os diversos tipos da febre palustre — a malária fez incontáveis milhões de vítimas até a primeira metade deste século, quando rigorosas medidas sanitárias começaram a reduzir o ritmo de propagação da doença.Os motivos para a nova corrida às pesquisas são inequívocos e assustadores. De um lado, um dos quatro parasitas causadores da moléstia, o Plasmodium falciparum, justamente o que acarreta a forma mais grave, que pode levar à morte, desenvolveu insuspeitada resistência à nivaquina, substância que até então apresentava ótimos resultados no combate à doença. (Os outros três parasitas, Plasmodium vivax, malariae e ovale, este último mais raro, são responsáveis por versões benignas, também menos preocupantes em relação ao número de casos constatados).
De outro lado, o próprio vetor da malária, o mosquito anófele, abundante em regiões tropicais, a bordo do qual viajam os parasitas, tornou-se resistente ao inseticida DDT.Junte-se a isso o quadro desolador em matéria de saneamento na grande maioria dos países onde a malária costuma atacar e ainda o desflorestamento caótico, como é tipicamente o caso associado à instalação de garimpeiros no Estado de Roraima, no extremo Norte do país. O resultado dessa coleção de desastres aparece com todos os números nos relatórios da Organização Mundial de Saúde (OMS). A entidade estima que um terço da população do planeta, algo como 1,67 bilhão de pessoas, está exposto à doença e que o número de pessoas já contaminadas é da ordem de 100 milhões. Os países mais atingidos pelo novo surto são os centro-africanos, mais Sri-Lanka. Afeganistão, Vietnã e Camboja, na Ásia; Irã, Iêmen e Iraque, no Oriente Médio; Colômbia, Venezuela, Peru, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e ainda o Brasil, na América do Sul.A Amazônia , sozinha, é responsável pela metade do milhão de casos registrados em 1987 no continente. Em 1974, o número total nas Américas mal alcançava 270 000. Indícios de que a doença continua a se propagar com renovada rapidez na região amazônica surgem a cada levantamento. Estima-se que em 1989 nada menos de 6 000 brasileiros morreram de malária.
A malária representa uma das doenças infecciosas mais importantes do mundo”, atesta o professor Luís Hildebrando Pereira da Silva, chefe da Universidade de Parasitologia Experimental do Instituto Pasteur de Paris — e não há razão para supor que ele exagera.Um dos maiores especialistas no assunto, ao lado de dois outros brasileiros, o casal Vitor e Ruth Nussenzweig , da Universidade de Nova York, o paulista Luís Hildebrando, 61 anos, mora na França desde 1962, quando se doutorou ali em Biologia Molecular. Tempos mais tarde, instalou-se na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. No entanto, o sufoco nas universidades brasileiras durante o regime militar obrigou-o a voltar ao Instituto Pasteur. Tendo dedicado os últimos dez anos de trabalho à descoberta de uma vacina contra o paludismo, em cooperação com pesquisadores de outros organismos internacionais, entre eles a Universidade de São Paulo, Hildebrando prevê que "até o final do século teremos uma vacina eficaz contra a doença".
Esse prazo pode ser ainda maior. Para a pesquisadora francesa Dominique Mazier, do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (INSERM), e do Departamento de Parasitologia do Hospital Pitié-Salpetrière, em Paris, “se é impensável esperar uma vacina para já, um resultado dentro de dez anos é apenas provável", avalia. "Hoje  só temos vacinas contra vírus (como o da poliomielite), organismos muito menores e mais simples. Já o causador da malária é um parasita, ser infinitamente mais complexo. Se compararmos o vírus a um punho fechado, o parasita teria o tamanho de uma sala. Pode-se imaginar o que essa diferença implica."Típica de zonas tropicais, a malária migrou até a Europa, particularmente à Itália, onde durante a Segunda Guerra Mundial infligiu baixas em número alarmante. Pouco depois, foi ordenada a drenagem de todos os pântanos — o ambiente preferido pelo anófele para se reproduzir — que circundavam a cidade de Roma. Seguiram-se rigorosas medidas de saneamento para eliminar o mosquito de uma vez por todas do continente europeu. Há pouco tempo, porém, mais de trinta casos da chamada “malária de aeroporto" foram registrados na França e na Suíça.
Como o nome indica, trata-se da contaminação provocada pelos mosquitos que alcançam a Europa a bordo dos aviões provenientes de países, sobretudo da África, onde a doença já ultrapassou qualquer limite aceitável.Quando a fêmea do mosquito anófele se alimenta do sangue de uma pessoa contaminada, está incluindo em sua refeição alguns gametócitos, formas sexuadas precursoras dos gamelas (o equivalente, nos parasitas, aos precursores dos espermatozóides e dos óvulos na espécie humana). Os gametócitos amadurecem no estômago do mosquito onde ocorrerá a fecundação, ou seja, a união dos gametócitos fêmeas aos machos, que dará origem a um ovo, o zigoto. Os zigotos instalam-se na parede exterior do estômago do anófele até o crescimento de inúmeras células chamadas esporozoítos.
Plenos de energia, estes penetram na glândula salivar do mosquito, que será ativada a cada nova refeição, pois contém uma substância anticoagulante que ajuda a sugar o sangue humano. Injetados no corpo de uma pessoa sã através da picada do anófele, os esporozoítos navegam pela circulação sanguínea até encontrar o fígado, após uns trinta minutos de viagem. Nas células hepáticas, completarão um ciclo de amadurecimento de cerca de duas semanas, durante as quais vão se multiplicar e liberar milhões de merozoítos, que atacam especificamente os glóbulos vermelhos (daí a anemia causada pela malária).
Só quando os merozoítos invadem os glóbulos vermelhos e continuam a se multiplicar até a sua literal explosão é que começam os ataques de febre, as vertigens e os calafrios, típicos do mal. Enquanto alguns parasitas se concentram em invadir e destruir, outros merozoítos irão formar gametócitos, ainda no interior dos glóbulos vermelhos, que servirão de alimento para um novo mosquito, que os transportará ao organismo de outra pessoa.No corpo de um indivíduo não protegido, o número de parasitas desse exército de ocupação desanda a se multiplicar. Em regiões mais expostas à doença, porém, pessoas já atingidas, sem que tenham desenvolvido a malária, acabam por criar uma defesa natural contra os parasitas, pois o sistema imunológico guarda a "memória" da infecção. Segundo o professor Luís Hildebrando, não se sabe o motivo exato pelo qual o Plasmodium falciparum passou a resistir aos medicamentos clássicos.
"Tudo que se pode dizer é que uma mutação genética ocorreu nesses organismos”, aponta. O fato é que a única solução para o problema é a descoberta de uma vacina.Para tanto, a equipe de catorze pesquisadores da Unidade de Parasitologia Experimental do Instituto Pasteur se concentra na busca de um antígeno — substância capaz de induzir uma reação imunológica do organismo — que possa ser reproduzido sinteticamente e, sobretudo, que assegure um contra-ataque perfeito. Para escolher entre os vários candidatos possíveis a antígeno, foi necessário, antes de tudo, determinar em qual fase de seu desenvolvimento o parasita deve ser atacado, além de identificar os seus constituintes dos quais tais candidatos faziam parte. "Só essa fase exigiu anos de estudo", informa o professor. Primeiro, foi necessário fazer a clonagem do gene, ou seja, recriar fragmentos de sequências de DNA, a molécula da herança dos seres vivos, a partir de uma sequência original, para encontrar a informação desejada, capaz de induzir o anticorpo imunizante."O trabalho poderia estar concluído em questão de meses, não houvesse sempre um contratempo", conta Luís Hildebrando, que divide seu tempo entre a coordenação da equipe de parasitologistas em Paris e as viagens.
No Senegal, o grupo acompanha a evolução da malária que atingiu todos os 300 habitantes de um lugarejo chamado Dielmon. De todo modo, seis antígenos relacionados à proteção contra a infecção já puderam ser identificados. Estágio mais avançado alcançou o professor Manoel Patarroyo, do Hospital San Juan de Diós, em Bogotá, Colômbia. Ele já testou em cerca de 30 000 pessoas uma vacina à base de peptídeos (conjunto de aminoácidos) sintéticos, que se mostrou eficaz "em 80% dos casos" em induzir uma proteção contra o Plasmodium falciparum. A vacina poderá ser testada também no Brasil a partir de 1991 em 500 adultos da região amazônica."A experiência colombiana é muito interessante, mas ainda restam dúvidas de extrema importância, como qual a duração da proteção e que acontece com o parasita depois de agredido", pondera Dominique Mazier, do INSERM francês. Outra dúvida resulta do seguinte: embora não apresentem sintomas da doença — os acessos palustres —, os indivíduos vacinados conservam parasitas em seu sangue.
Em comum, as pesquisas do Instituto Pasteur e do Hospital San Juan de Diós têm a convicção de que o melhor momento para atacar o agente infeccioso é durante a proliferação do parasita no interior do glóbulo vermelho, ou seja, na fase eritrocitária. Nessa fase, o Plasmodium envia à membrana do glóbulo sanguíneo proteínas encarregadas de captar substâncias nutritivas fundamentais ao seu desenvolvimento. Com isso, modifica a estrutura do glóbulo, tornando-o facilmente identificável pelo exército que cuida da proteção do organismo. Já o grupo liderado pela professora Mazier decidiu estudar a fase anterior, em que o Plasmodium se desenvolve no fígado da pessoa contaminada. "A vantagem é que esse é um estágio intermediário e já se comprovou que as relações entre os diferentes estágios do parasita são de fundamental importância", afirma ela. Isto é se a vacina liquidasse com o Plasmodium no interior do fígado, apenas alguns merozoítos se atreveriam a atacar as células sanguíneas, numa ofensiva controlável pelo organismo.
Um auxílio extra também seria possível, numa espécie de vacina-coquetel. Haveria, pois, duas oportunidades de eliminar o renitente inimigo.Extremamente complexos, os parasitas da malária são, porém, capazes de se dissimular e de se adaptar à contra-ofensiva do sistema imunológico — o que representa um complicador adicional aos cientistas. “Eu chegaria a afirmar que eles são inteligentes”, brinca a doutora Dominique. Talvez por isso, o imunologista escocês Richard Carter, da Universidade de Edimburgo, tenha escolhido estudar outro tipo de vacina, chamada altruísta. Isso porque ela não imuniza o indivíduo vacinado e sim o mosquito. Original, mas ainda longe de ser viabilizada, a substância acabaria com a malária extinguindo os gamelas que se servem do anófele como meio de transporte.
No Middlesex Hospital, em Londres, um grupo de cinco pesquisadores preferiu seguir um caminho diferente. “Já que a vacina capaz de eliminar o Plasmodium é tão difícil, estamos tentando desenvolver uma vacina que apenas elimine os sintomas da doença, ou seja, a pessoa contaminada viveria com o parasita mas não se sentiria doente, porque visamos apenas as toxinas agressoras do organismo", explica a imunologista Janice Tavane.Já os brasileiros Vitor e Ruth Nussenzweig, que estudam a malária há pelo menos vinte anos, desenvolveram um antígeno que, misturado a uma substância gordurosa, retarda a absorção da vacina pelo organismo, para que este possa produzir anticorpos em maior quantidade. A fórmula começa a ser testada pelo Instituto de Pesquisas do Exército dos Estados Unidos.
Outra pesquisadora francesa, Catherine Breton, também do Instituto Pasteur, observou um exemplo da versatilidade do Plasmodium. Ao estudar o primeiro dos seis antígenos do parasita candidatos a matéria-prima da vacina, ela constatou com espanto que estava lidando com uma proteína muito especial, situada na extremidade dos merozoítos — uma enzima cujo papel consiste em destruir as cadeias de glicoproteínas que revestem o glóbulo vermelho e o protegem de organismos estranhos. De fato, o parasita só consegue aderir ao glóbulo para então invadi-lo, depois de raspar sua "cabeleira" de glicoproteínas. Logo, descobrir como bloquear a ação dessa enzima, ou como impedir que ela seja estimulada, pode significar a chave da questão.A fim de testar a capacidade de cada um daqueles candidatos, foi ainda necessário escolher um animal que desenvolvesse exatamente o mesmo tipo de infecção provocada no homem pelo Plasmodium e que, portanto, pudesse servir de cobaia nos testes das novas vacinas.
Para tanto, desde 1980 o Laboratório de Imunologia Parasitária do Instituto Pasteur de Caiena, na Guiana Francesa, mantém uma criação de macacos saimiri, conhecidos comumente como macacos-esquilo. Cerca de 800 exemplares são mantidos em cativeiro; outros tantos são criados em liberdade na Ilha da Mãe, em frente a Caiena.Enquanto os pesquisadores se valem do que há de mais moderno em Biologia Molecular na guerra ao mosquito, há quem sensatamente defenda o emprego intensivo dos métodos tradicionais de combate. O uso de um simples mosquiteiro, responsável em parte pelo desaparecimento do paludismo na China, vem sendo recomendado como medida de precaução. Impregnada de um novo inseticida em fase experimental, a clássica malha não só protege as pessoas no seu abrigo como mata os mosquitos que dela se aproximam, a julgar pelo que se verificou em testes na Gâmbia. Trata-se de uma boa notícia mesmo porque há muito chão pela frente até a vacina.
Além de determinar quais os antígenos usados na elaboração do produto, “outros problemas retardam sua fabricação", avisa o professor Luís Hildebrando. "Para começar. não podemos obtê-la da forma usual, como é o caso das vacinas contra vírus e bactérias."De fato, enquanto vírus e bactérias se reproduzem à razão de milhares a cada 48 horas, o Plasmodium falciparum se multiplica por cinco no mesmo período. "Além disso, para que ocorra a reprodução do Plasmodium, é necessária a presença de glóbulos vermelhos, o que torna inviável a fabricação industrial." A alternativa seria sintetizar quimicamente os antígenos pelos métodos da Engenharia Genética, enxertando as proteínas antigênicas em bactérias que se reproduziriam em fermentadores industriais; enormes caldeirões repletos de uma substância adequada à sua proliferação. Todas essas dificuldades, mais o fato de não existir ainda nenhuma vacina contra doenças parasitárias — o que torna a tarefa uma espécie de caminhada no escuro, em que cada passo sem tropeços é saudado como uma importante conquista —, fazem da estimativa de uma vacina no prazo de dez anos uma corrida contra o relógio. "Pelo menos", garante Hildebrando, temos a certeza de que é possível fabricá-la.

Ensinando natação a bactérias
Embora a obtenção da vacina seja o objetivo primordial dos institutos que estudam a malária, outras frentes de batalha foram abertas. Sem dúvida, a mais insólita nasceu no próprio Instituto Pasteur, em Paris. Trata-se de utilizar uma bactéria capaz de atacar as larvas dos mosquitos anófeles. A solução não teria os inconvenientes do uso de inseticidas para o ambiente e poderia contribuir de forma eficaz no combate ao paludismo — não fosse um pequeno problema: as tais bactérias não sabem nadar. Como as larvas do mosquito se desenvolvem na superfície da água, essa propriedade é essencial. O problema, contudo, não desesperou os pesquisadores. Eles recorreram à Engenharia Genética para dotar suas bactérias de certas características próprias das algas azuis, graças às quais são capazes de boiar. Ou seja, trata-se de implantar nas bactérias as sequências de DNA que contêm os genes responsáveis por essa peculiaridade das algas. A primeira etapa, que consistiu em determinar quais os genes a serem transportados, já foi vencida, reatando a fase certamente mais difícil da sua incorporação ao material hereditário das bactérias.

Revista Super Interessante n° 041

Um instrutivo passeio ao paraíso das serpentes

O maior e mais famoso serpentário do mundo completa 90 anos, reabre seu museu, ganha novas exposições e merece uma visita.
Uma fazenda de 73 hectares, bem no coração de São Paulo, cheia de cobras, aranhas, lagartos, escorpiões e ate jacarés, pode ser um bom passeio para um domingo de ócio e preguiça. Que digam os 500 000 visitantes que atravessam seus portões, todos os anos, boa parte dos quais estrangeiros, atraídos pela fama do maior centro de ofidismo do mundo. Estamos falando do Instituto Butantã, que este ano comemora 90 anos e se engalana como pode, com verbas escassas e raros investimentos, para festejar a data.
Ao nascer, o Butantã era apenas uma fazenda, de terra dura (daí o seu nome, em tupi-guarani). Três quartos de sua área foram cedidos, em 1945, para a Cidade Universitária; ainda assim, sobrou bastante terreno para que o centro de pesquisas conservasse sua condição de recanto aprazível, densamente arborizado. Se você passar por ali com disposição para ver e aprender, terá muito o que fazer – sobretudo se tiver acompanhado das crianças. Comece, naturalmente, pelo tanque e vitrinas ao ar livre, aonde os animais devidamente identificados, estão expostos. Terá ali, ainda, como atração extra parte das comemorações, um museu de rua, compostos de painéis espalhados pela alameda principal, mostrando a evolução da arquitetura paulistana século XX, pela história dos prédios do próprio Instituto. Programe-se, depois, para um belo passeio.
No final do mês estarão concluídas as reformas do Museu Biológico, um vasto salão de 600 metros quadrados, que abriga cerca de 300 animais vivos. Entre eles estão 40 espécies de cobras, vindas das mais diferentes partes do mundo. São 28 espécies brasileiras, seis africanas, muitas outras da Ásia e da Europa. Entre os destaques, uma surucucu de 3 metros, jibóias, sucuris, as exóticas najas indianas e um simpático berçário para os recém-nascidos.
Há,  ainda, painéis didáticos, onde os animais “conversam” com os visitantes, para explicar o significado do nome da exposição a que assistem: “ Na natureza não existem vilões”. É bom saber: com a sua dedicação a esses bichos que a gente sempre considerou vilões, pois suas picas podem ser mortais, o Butantã tem sido um centro de defesa da natureza desde sua fundação, muito antes que isso se tornasse moda e preocupação de todos em toda parte.
Assim, durante sua passada pelo Museu Biológico, você terá oportunidade de assistir, cada meia hora, a vídeos sobre temas ecológicos, ou então perigosos assim, desde que com eles se tomem alguns cuidados. A essa altura, você já terá visto a exposição iconográfica sobre os dezessetes institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. Se estiver interessado em conhecer mais a história do próprio Butantã, entre no Museu Histórico, uma réplica do primeiro laboratório utilizado pelo médico Vital Brasil, quando, chamado pelo  diretos do Instituto cientista Adolfo Lutz, começou a preparar, ainda no século passado, os primeiros soros eficazes para salvar as vítimas de picadas de cobra. Você vai ver os equipamentos que ele utilizava, na virada do século, alguns bem sugestivos. Por  exemplo a mesa revestida por lava vulcânica, para resistir aos muitos produtos químicos, muito dos quais altamente corrosivos, que ele utilizava nas suas experiências. Vai conhecer, também, o Hospital Vital Brasil, fundado em 1945, e que atende todos os anos cerca de 3 000 pessoas picadas por animais peçonhentos no Estado de São Paulo.
Toda a infra- estrutura que atende a essas ocorrências estará longe dos seus olhos. Mas você ficará sabendo que o Butantã produz anualmente, além dos soros específicos para esses casos, 20 milhões de doses de dezesseis tipos diferentes de vacinas para tétano, difteria, febre tifóide, varíola e raiva. As vacinas que seus filhos tomaram quando pequenos – tríplice e BCG – muito provavelmente foram produzidas ali (embora a produção seja insuficiente do consumo nacional). Nos laboratórios, pesquisadores especializados estudam a fisiologia dos animais peçonhentos e as maneiras de tornar mais eficientes os soros e as vacinas. No caso das cobras, o Instituto depende das doações feitas por particulares.
Compreensivelmente, a maioria das pessoas que topa com uma cobra, no meio do mato trata de fugir. Os mais valentes tratam de matá-la. Lamentavelmente, só uma minoria bem esclarecida da importância de capturar o animal vivo, e mandá-lo para o Butantã. No ano passado, a seção de recebimento de animais obteve 4 747 doação desse tipo. Para que o veneno seja extraído, a cobra é adormecida com gás e o técnico tem dois minutos para fazer a operação em segurança.
Se você ficar muito entusiasmado com essa visita, poderá até interessar-se pelo simpósio “ A modernização do Estado de São Paulo os institutos de pesquisa” que será realizado no próximo dia 25. Vai saber muito mais de tudo quanto o Instituto já realizou e do quanto a falta de verbas e os baixos salários dos funcionários atrapalham, hoje, o desenvolvimento desses trabalhos. É claro que o Butantã não poderia ficar imune a essa crise que aflige todo o país – nem ele é capaz de produzir um soro eficaz conta esse mal. E quem sabe pode até achar um jeito de dar uma força para um estabelecimento que, sem dúvida, é motivo  de orgulho para todos nós paulistas e brasileiros.

Revista Super Interessante n° 041

Qual o destino dado pelas formigas às suas companheiras mortas?

Edye E. Isaias

Cada espécie age de um jeito. De acordo com o engenheiro agrônomo Francisco A.M. Mariconi, da Escola Superios de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba, SP, as saúvas, por exemplo, levam as formigas mortas para uma câmera no formigueiro chamada “panela de lixo”, onde depositam também outros detritos. Já as sarassarás, carnívoras, não dispensam o valor nutritivo das companheiras e as comem. As formigas mais comuns encontradas nas residências abandonam as mortas na superfície do formigueiro.
Revista Super Interessante n° 041

Cérebro aponta a paquera certa

Pesquisadores americanos descobriram em pesquisas com pássaros que é o cérebro que indica o parceiro certo para o acasalamento.
Para cortejar uma fêmea, o canário emite um som específico, ensinado por machos mais experientes, nos primeiros meses de vida. Os cientistas sabem que o aprendizado da canção de amor só é possível graças a uma área no cérebro do pássaro, chamada Hvc. Até hoje, não havia evidência de que essa mesma região cerebral fosse necessária para as fêmeas reconhecerem a paquera sonora do companheiro de espécie. Mas pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, afirmam que, ao se destruir a área Hvc de fêmeas, elas passam a aceitar qualquer cantada.
Eles injetaram hormônios nas aves, para simular o período do acasalamento. Então, usaram uma gravação com sons de machos. Foi surpreendente: as fêmeas responderam com a mesma animação tanto à música dos canários quanto à dos pardais. Isso significa que, se os hormônios estimulam a atividade sexual, é o cérebro, por sua vez, que indica o parceiro certo. Segundo os pesquisadores, a experiência pode ser valiosa no sentido de mostrar que anormalidades sexuais pode ser origem no sistema nervoso.

Revista Super Interessante n° 041

Eclipse Providencial

Relato sobre como o navegador Genoves Cristovão Colombo escapou de morrer de fome usando a eclipse como sinal divino.
Conhecidos dos astrônomos desde a Antiguidade, os eclipses sempre espalhavam o pânico entre as pessoas. Certa vez, o navegador genovês Cristóvão Colombo (1451-1506) escapou de morrer de fome aproveitando-se desse medo. Em 1502, ele partira em busca de uma passagem marítima para a Ásia. Atropelado por tempestades que avariaram sua frota, aportou na atual Jamaica. Sem poder retornar, Colombo convenceu os nativos que estava ali em nome de Deus e, enquanto esperava ajuda, eles deveriam trazer-lhe alimentos. No entanto, o socorro demorava, e os índios decidiram parar de levar comida aos forasteiros. Sem alternativas, Colombo teve uma idéia. Ao consultar um livro de Astronomia, descobriu que dali a alguns dias haveria um eclipse da Lua. Então. Chamou os nativos e lembrou-lhe que estava em missão divina e que Deus iria castigá-los pela rebeldia. Como prova, enviaria um sinal do céu. Naquela noite, a Lua nasceria cor de sangue. De fato, foi o que ocorreu, e em seguida a sombra da Terra a encobriu. Aterrorizando, os índios foram ao navio pedir perdão. Fingindo entrar na cabine para falar com Deus, o navegador só saiu quando o eclipse estava no fim, para dizer que o Senhor os perdoaria. Mas com a condição de que eles continuassem a trazer alimentos. Naquele instante, o eclipse terminou, a Lua voltou a brilhar e a estratégia de Colombo funcionou.

Revista Super Interessante n° 041

Radiação contra poluição

Aparelho poderá ser usado pelas indústrias brasileiras no tratamento da água poluída por substâncias tóxicas difíceis de serem decompostas nas estações convencionais.
Se der certo, o método poderá ser usado pelas indústrias brasileiras no tratamento da água poluída por substâncias tóxicas difíceis de serem decompostas nas estações convencionais. As amostras de água contaminadas são submetidas ao bombardeio de um feixe de elétrons, capaz de quebrar suas moléculas e reagrupá-las em compostos biodegradáveis. Como a energia dos elétrons, obtida em um acelerador de partículas industrial, é muito baixa, a água tratada não se torna radioativa e pode servir para o abastecimento. Os primeiros resultados foram promissores. Testes realizados pelo Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da USP junto com o Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares (Ipen) demonstraram que houve uma destruição de 98% de pigmentos e dos compostos mais perigosos que surgem de reação com o cloro. “Trata-se de uma pesquisa promissora, mas é cedo para aplicá-la no tratamento de esgotos sanitários e despejo  industriais”, previne a química Maria Helena Sampa, do Ipen. “Mesmo em outro  países, como Estados Unidos, Japão e Alemanha, esse tipo de tratamento ainda é experimental.”

Revista Super Interessante n° 041

Treinando para o grande encontro

Jornalistas brasileiros estão fazendo um curso de informação ecológica para cobrir o evento, a ser realizado em junho 1992.
Além das queimadas na Amazônia, da sujeira na Baía de Guanabara e da ameaça de extinção do mico-leão, o Brasil tem outro grave problema para hospedar a 2.ª Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, em junho do próximo ano: faltam jornalistas especializados para a cobertura de um encontro reunirá pelo menos 20 000 pessoas, representantes de 170 países, entre quais 120 chefes de Estado. “A ecologia é um dos temas mais discutidos na atualidade, mas são poucos os profissionais de impressa que entendem do assunto”, preocupa-se o publicitário Rogério Ruschel, da Ruschel Associados Marketing Ecológico. Por isso, ele se associou à Escola Superior de Propaganda de Marketing e à revista Imprensa na promoção de um verdadeiro curso de informação ecológica, para jornalistas e formadores de opinião que estarão trabalhando na conferência. Serão 48 horas-aula, a partir do próximo mês, sobre temas ligados ao controle ambiental: planejamento urbano, fronteiras agrícolas, desmatamento, energia, legislação e política ambiental e a participação da empresa privada em todas essas questões. No segundo semestre pode haver novo curso no Rio de Janeiro.

Revista Super Interessante n° 041

Buraco do ozônio continua mal

Recentes fotos do satélite Nimbus-7 mostram que o ozônio voltou a faltar na primavera de 1990 na Antártida.
As últimas medições do buraco aberto na camada de ozônio sobre a Antártida, realizadas em outubro do ano passado, não são nada animadoras. As fotos do satélite Nimbus-7 mostram que o ozônio voltou a faltar na primavera de 1990, como já havia acontecido em 1987 e 1989: a área afetada aparece nas cores azul, violeta e rosa, com a Antártida delineada em preto. Para o físico Volker Kirchhoff, do Instituto de Pesquisas Especiais (Inpe), isso não significa que o volume de gases contendo cloro e que reagem com o ozônio tenha aumentado ou ficado constante na atmosfera. “Esses gases são muito estáveis”, explica, “As tentativas de eliminar o seu uso agora só vão surtir efeito daqui a dezenas de anos.” Enquanto isso, o ozônio, que protege a Terra dos raios solares ultravioleta, continuará a faltar.

Revista Super Interessante n° 041

 

Cenoura européia é outra coisa

Comunidade Econômica Européia transforma a cenoura em fruta, num pedido de Portugal, que é grande produtor de geléia da raiz.
 Atenção, botânicos: se alguém disser que o vegetal Daucus carota, popular fornecedor de vitamina A, pode ser uma fruta e não uma raiz, como a ciência houve por bem classificar, contenham o impulso de enfiar uma cenoura goela abaixo do cidadão – ao menos na Europa de 1991, ele não esta de todo errado. Ocorre que, na vasta plantação de regulamento que governa os negócios da Comunidade Econômica Européia (CEE), está escrito que, para gozar das vantagens do livre comércio entre os países membros, o produto chamado geléia só pode ser feito de fruta.
Ora, pois, como os portugueses apreciam geléia de cenouras e querem propagar além-fronteiras o pitéu confeccionado com secular engenho e arte, foram queixar-se aos fazedores de regras da nova Europa, instalados em Bruxelas. Ente a conveniência diplomática e a fidelidade às realidade da natureza, os eurocratas não hesitaram: mandaram às favas os escrúpulos de ciência e decretaram que, a contar do primeiro dia deste ano, cenoura também é fruta. Resta saber como fica a situação do tomate, fruta às vezes usada para fazer geléia, mas que na festança comercial européia entra travestida de legume.

Revista Super Interessante n° 041

Uma amostra do efeito estufa

Pesquisas realizadas nos últimos vinte anos na região dos Grandes Lagos, em Ontário, sudoeste do Canadá, já mostram as consequências do efeito estufa.
Os climatologistas já fizeram muitas previsões alarmantes sobre as possíveis consequências de um aquecimento anormal do planeta, provocado pelo excesso de dióxido de carbono e outros poluentes na atmosfera – mas sempre baseado em projeções de computador. Agora, foram divulgados os resultados de uma pesquisa real, realizada nos últimos vinte anos na região dos Grandes Lagos, em Ontário, sudeste do Canadá – justamente um dos pontos que seriam especialmente afetados pelo efeito estufa. Ali, a temperatura se elevou em média de 2 graus Celsius no período e, por causa disso, encurtou o tempo durante o qual permanecem congelados. Houve secas e os incêndios florestais se tornaram frequentes. Além disso, com menos chuva, o volume de água dos lagos diminuiu, o que fez aumentar a concentração de matéria orgânica e o consumo de oxigênio. Para desespero dos pescadores, sumiram as trutas, que só vivem em águas frias, limpas e oxigenadas. “Ainda não se sabe se o calor anormal foi resultado do efeito estufa”, resumiu um dos autores da pesquisa, o biólogo canadense David Schindler, da Universidade de Alberta. “Mas o tumulto no ecossistema é uma amostra do que pode acontecer se a temperatura continuar a subir.”

Revista Super Interessante n° 041

Livros Super Importantes

À caça de perguntas

O sorrido do flamingo, reflexões sobre História Natural, Stephen Jay Gould, Martins Fontes, São Paulo, 1990
No artigo que dá título a essa coletânea de ensaios, o paleontólogo Stephen Jay Gould pergunta por que o formato do bico do flamingo é diferente do que as outras aves. E dá uma resposta simples e contundente: é que os flamingos se alimentam de cabeça para baixo. A partir daí, Gould promove interessante discussão sobre o papel que a forma e a função desempenham na história da evolução. Mais uma importante contribuição do cientista à história da vida.

Erva bem brasileira
O livro do matte, Teresa Urban, Salamandra Consultoria Editorial, Rio de Janeiro, 1990

Planta característica do Sul do país , a erva-mate é parte integrante da cultura brasileira. Sua história, desde se uso pelos índios guaranis até os dias de hoje – quando é utilizada para se fazer a infusão conhecida como chá-mate ou mesmo no ritual gaúcho do chimarrão –, é narrada pela autora, historiadora e jornalista paranaense.
Faça você mesmo

50 pequenas coisas que você pode fazer para salvar a Terra, The Earth Works Group, Editora Best Seller, São Paulo, 1990
Se você se preocupa com o futuro de nosso planeta, tome uma atitude. Com esse objetivo, a entidade americana The Earth Works Group escreveu esse pequeno guia, de fácil entendimento, com informações sobre o meio ambiente. Além disso, dados estatísticos mostram a eficácia que podem ter as ações individuais no dia-a-dia.

Mudança sem povo
A formação das almas, o imaginário da República no Brasil, José Murilo de Carvalho, Companhia das Letras, São Paulo, 1990

Que histórias contam os monumentos erguidos em praça pública, as caricaturas de jornais, os hinos, as bandeiras e as obras de arte do final do século XIX no Brasil? Com originalidade, o respeitado historiador mineiro Joé Murilo de Carvalho utilizou-se desse material para interpretar o início do período republicano, mostrando como o povo esteve afastado desse processo de mudança e de que forma o novo regime se consolidou.
Depois de Copérnico

A revolução copernicana, Thamas S. Kuhn, Edições 70, Lisboa, 1990

Quando, em 1540, Nicolau Copérnico publicou o De Revolutionibus (Das revoluções dos corpos celestes), nascia a versão final da teoria heliocêntrica, segundo a qual, o Sol era o centro do Universo, e não a Terra, como até então se acreditava. As repercussões dessas teorias sobre a Astronomia, a Filosofia, a Física e a própria religião são analisadas pelo autor, professor de História da Ciência na Universidade Harvard, nos Estados Unidos
Das trevas às luzes

História da vida privada, da Europa feudal à Renascença, Georges Duby e Philippe Ariès, Companhia das Letras, 1990
Segundo de uma coleção de cinco, esse volume, que se estende do ano 1000 à Renascença, traça um retrato da aristocracia do norte da França entre os séculos XI e XII e da vida privada dos notáveis da região da Toscana, na Itália, nos séculos XIV e XV . Valendo-se de cartas, obras literárias, artefatos e objetos domésticos, os autores reconstituem as instituições e os costumes do período, fundamental para a compreensão do surgimento da sociedade moderna.

60 anos da História
Brasil dia-a-dia, Editora Abril, São Paulo, 1990

Levantamento cronológico completo dos fatos mais importantes que marcaram a vida brasileira, da década de 30 até 1990, quando foi eleito um presidente depois de quase trinta anos de escolhas indiretas. As transformações acontecidas no Brasil e no mundo, as frases e as personalidades destacadas nesses sessenta anos estão incluídas nessa obra. Um belo trabalho de pesquisa, baseado nas informações publicadas pela imprensa escrita, que vale a pena conferir.
Revista Super Interessante n° 041

Tecnologia e educação


Roberto Leal Lobo e Silva Filho
Artigo de Roberto Leal Lobo e Silva Filho, reitor da USP, em que analisa a tecnologia brasileira e diz que os obstáculos ao desenvolvimento tecnológico do Brasil estão ligados à má qualidade de educação do povo.

O homem moderno certamente não está disposto a abrir mão das muitas vantagens proporcionadas pela tecnologia, embora – e cada vez mais – o mau uso dela venha sendo denunciado e, através de acordos supranacionais, controlado. É inegável, porém, que ninguém deseja, hoje em dia, abandonas a utilização de metais, ligas metálicas, polímeros, semicondutores etc., que já fazem parte do cotidiano do homem civilizado.
A tecnologia passa por cima até mesmo de ideologias. Por exemplo, uma pessoa que trabalhe em uma mina de extração mineral prefere, sem dúvida, apertar os botões que movimentam robôs nas galerias subterrâneas a trabalhar nelas em condições precárias de iluminação e ventilação, preocupando-se pouco com o fato de a mina ser propriedade pública ou privada.
É pra o bem-estar do ser humano que a tecnologia deve ser dirigida.
Para um país conseguir desenvolver-se tecnologicamente, o problema fundamental é o da educação de seu povo. Nosso país por uma profunda crise educacional, não só do ponto de vista do conteúdo ensinado, como do ponto de vista estrutural. Essa má qualidade do ensino reflete-se diretamente nas reflete-se diretamente nas relações de trabalho. O salário do nosso operário é baixo, insuportavelmente baixo, comparando com os países do Primeiro Mundo, mas sua produtividade insatisfatória impede que esse salários possam ser reajustados em níveis compatíveis com a dignidade do trabalho humano. Formam-se poucas pessoas no segundo grau, poucos atingem a universidade e quase ninguém se forma em escolas técnicas de nível intermediário – secundário ou pós-secundário –, criando uma lacuna gravíssima no mercado de trabalho de nosso país. Seria preciso multiplicar as escolas de nível mais técnico para as pessoas que desejassem seguir profissões ligadas ao setor industrial, abandonando nossa mentalidade bacharelesca de que só através do ensino universitário clássico se formam pessoas capacitadas ao exercício profissional na sociedade moderna.

Revista Super Interessante n° 041

Como se calcula a audiência dos programas de televisão?

Ricardo Mendonça da Silva

No Brasil, esse cálculo é feito pelo Instituto Brasileiro de Opinião Publica e Estatística, Ibope, que seleciona uma amostra representativa da população de dez capitais brasileiras. As famílias escolhidas podem ser pesquisadas de três maneiras. A mais sofisticada consiste em ligar à televisão um aparelho que registra automaticamente as mudanças de canal e as transmite ao Ibope através de uma linha telefônica privada. Outra forma de registrar as mudanças é acoplar um aparelho aos televisores e semanalmente um funcionário do instituto passa para recolher as informações. Mas, na maioria das capitais, as famílias recebem um questionário em que informam diariamente a programação sintonizada.
Revista Super Interessante n° 041

Caminhoneiros no tabuleiro

Carga Máxima  -  jogo para dois ou seis participantes, produzido pela Grow Jogos e Brinquedos S.A.
A vida de caminhoneiros não é fácil. Para quem quiser conferir divertindo-se, algumas das agruras desses profissionais estão disponíveis agora em jogo de tabuleiro. Em Carga Máxima, cada jogador representa um irmão de estrada às voltas com ordens de serviços, caminhos tortuosos ou bloqueados, imprevistos e até ladrões de carga. O tabuleiro é uma reprodução esquematizada da malha rodoviária brasileira.
Nele estão identificadas as capitais e algumas grandes cidades, que são apontadas às vezes como origem, às vezes como destino, num baralho com dezenas de ordens de serviço. Cada uma dessas ordens especifica, ainda, qual a carga a ser transportada e a respectiva remuneração. A posse de uma delas permite ao participante levar o seu caminhão até a cidade de origem, carregá-lo (literalmente, com pecinhas plásticas que simbolizam a carga) e ir descarregá-lo na cidade de destino.
Três ordens de serviço são distribuídas para cada jogador logo no início do jogo, enquanto outras podem ser ganhas ao longo da partida. Porém, a maior parte delas terá mesmo de ser comprada em duros leilões, que inflacionam seu custo e diminuem sua rentabilidade – é a livre concorrência, baixando o preço dos fretes. Os caminhões movem-se segundo o resultado do lançamento de um dado, mas quem escolhe o caminho é o jogador. Assim, é possível planejar uma rota que cumpra várias ordens de serviço numa só viagem.
Não dá para ficar admirando a paisagem, pois é preciso estar atento aos frequentes leilões de novas ordens de serviço, entre as quais pode haver algumas que lhe interessem, por já estarem em sua rota, ou próximas dela. Quando o jogo esquenta, o jogador se vê administrando um grande número de variáveis – algumas aleatórias –, que dão a sensação de estar numa banguela sem freios. Nesse ponto é fundamental engatar uma reduzida e pensar rápido, antes que o prejuízo seja inevitável.
O dado, infelizmente, tem uma influência demasiado forte no resultado da partida, o que pode causar frustração. Para evitá-las pode-se aboli-lo após as adaptações necessárias, predeterminando um valor fixo para todas as jogadas – digamos, três. A ser testado pelos caminhoneiros mais cerebrais.

Revista Super Interessante n° 041

Uma outra batalha naval

Luiz Dal Monte Neto

Não há quem não conheça a Batalha Naval, tradicional jogo com papel quadriculado e lápis. Mas o que pouca gente sabe é que ela tem diversas variantes. Algumas até incluem esquadras que se movimentam durante a partida, ao contrário do que acontece normalmente. O jogo descrito a seguir, conhecido por Batalha no Atlântico, de autoria de G.Grawsmays, embora sem esquadras móveis, incorpora elementos com aviões de reconhecimento, bombas e baterias antiaéreas, variáveis que o tornam mais interessante.
O primeiro passo é providenciar duas folhas de papel quadriculado e duas canetas. Ambos os jogadores devem delimitar em suas folhas duas regiões quadradas de 21x21 quadrinhos. As colunas serão marcada de A a V e as fileiras, de 1 a 21. numa das regiões – chamadas mares –, o jogador anotará a posição de seu armamento; na outra, a do seu adversário, conforme dor descobrindo-a. Cada participante tem uma cota de 160 pontos para gastar com bem entender. Dizem que uma boa estratégia é gastar entre 60 e 100 pontos na compra de embarcações e o restante nas outras armas.

Vejamos agora localização e a atuação de cada uma delas.
Embarcações: pode haver várias do mesmo tipo e elas estarem dispostas na horizontal ou na vertical, desde que não se toquem, nem mesmo diagonalmente. Podem encostar nas margens ou nas ilhas.
Ilhas: consistem numa área de 3x3 módulos. Podem haver várias, e umas podem encostar nas outras não custam nada.
Aviões de reconhecimento: têm de ser colocados necessariamente sobre as ilhas e porta-aviões, no máximo um em cada quadradinho. Esses são indicados pela letra A . Durante a partida, o jogador pode enviar um de seus aviões para fazer um reconhecimento sobre o mar adversário. Ele espionará uma área de 3x3 quadrinhos que terá como centro qualquer coordenada a sua escolha. Por exemplo, se o jogador mandar um avião para Q-17, o adversário deverá informar, casa a casa, o que há em P-16, P-17, P-18, Q-16, Q-17, Q-18, R-16, R-17 e R-18.Cada avião é usado uma única vez. Logo após, o jogador deve fazer uma marca sobre ele, inutilizando-o para o resto da partida. Os aviões podem ser destruídos pelas baterias antiaéreas, como veremos adiante – situação em que eles são perdidos, sem obter nenhuma informação.
Bombas: também devem ser colocadas sobre as ilhas e porta-aviões, no máximo uma em cada quadradinho. Esses são designados pela letra B. Em qualquer momento da partida, o jogador pode enviar uma dela em direção a qualquer coordenada do mar adversário. Ela destruirá tudo que estiver numa área de 3x3 quadradinhos cujo centro será a coordenada escolhida. O adversário deverá indicar precisamente o que foi destruído, sem contudo especificar em quais casas isso ocorreu. Cada bomba é usada uma única vez e, em seguida, deve ser imediatamente inutilizada, fazendo-se uma marca sobre ela. As bombas podem ser destruídas pelas baterias antiaéreas e, nesse caso , elas não provocam nenhum dano.
Bombas atômicas: designadas por BA, sua localização e utilização são semelhantes às das bombas comuns, porém, provocam estragos maiores. Cada uma destrói uma área de 5x5 quadradinhos cujo centro é a coordenada para a qual foi enviada. Cada jogador pode ter no máximo duas delas. A bomba atômica, ao contrário da comum, não pode ser destruída pelas baterias antiaéreas.
Bateria antiaéreas: indicadas por AA, são instaladas unicamente nas ilhas, uma por casa. Defensivas, destroem um avião ou uma bomba, quando esses são enviados para uma das casas de uma área de 3x3 quadradinhos que tenha como centro a bateria antiaérea. Cada bateria é utilizada uma só vez.
Salva de tiros: funciona como na Batalha naval comum. O atacante diz três coordenadas, e o adversário fala o que foi destruído, incluindo aviões, bombas etc. Após os três tiros, o atacante cancela uma salva em seu estoque de armamentos. O jogo se desenvolve com os adversários alternando-se na posição de atacante. Na sua vez, o jogador pode escolher uma destas alternativas:

a) dar uma salva de três tiros;
b) mandar um avião de reconhecimento;

c) soltar uma bomba comum ou atômica.
Após o defensor dar os resultados, os papéis se invertem, e assim sucessivamente, até que um dos jogadores destrua todas as embarcações inimigas. Esse será o vencedor. Se um deles esgotar sua munição antes que o adversário, o outro continua atacando sozinho. Se ambos esgotarem as munições, vencerá aquele com mais pedaços incólumes de embarcações.

Revista Super Interessante n° 041

Como funcionam os óculos em terceira dimensão?

Yolanda dos Santos Silva

Eles alteram a forma de propagação da onda de luz. Normalmente, uma onda luminosa vibra em todos os sentidos. Segundo o físico Mikia Muramatsu, da Universidade de São Paulo, uma imagem é vista em terceira dimensão quando está polarizada, ou seja, as ondas de luz que a compõem vibram em apenas dois sentidos: vertical e horizontal. No cinema, por exemplo, a imagem é lançada na tela por dois projetores, um que emite ondas de luz verticais e outro, horizontais. Os óculos, por sua vez, também funcionam como um polarizador: uma da lentes seleciona as raios de luz verticais, eliminando os demais, e a outra faz o mesmo com os horizontais. Portanto, os óculos mais a imagem polarizada dão uma noção de volume, que faz com que as pessoas enxerguem em terceira dimensão.
Revista Super Interessante n° 041

A areia que virou fumaça

Substância derivada da areia e transformada na mais leve e mais forte espuma já vista, já apelidada de fumaça sólida, está prestes a invadir a vida doméstica com inúmeras utilidades.

Fumaça sólida é um apelido bastante adequado para os aerogéis de silício, substâncias derivadas da areia e transformadas nas mais leves e mais fortes espumas já vistas. Prestes a invadir a vida doméstica com inúmeras utilidades, são apenas três vezes mais densas que o ar, mas podem sustentar uma carga 1 600 vezes maior que seu próprio peso. Na verdade, a técnica usada para construí-las consiste em criar uma complicada estrutura oca onde a areia entra com menos de 1 % do peso. O resto é ar. A primeira e mais fenomenal aplicação desse material deverá ser nas geladeiras, pois é um excelente isolante – doze vezes melhor que o vidro, por exemplo. Além disso, essas espumas não são poluidoras como as das geladeiras atuais, feitas de clorofluorcarbono. A capacidade de reter calor também é útil na construção de células solares: quando a espuma é colocada sobre uma superfície negra, a temperatura do ar em seu interior eleva-se rapidamente. Em seguida, o ar pode ser usado para aquecimento doméstico.
Revista Super Interessante n° 041

Mestres da pintura no laboratório

Lúcia Helena de Oliveira e Gisela Heymann

Obras de arte também ficam doentes, envelhecem e, se não forem tratadas, morrem. Equipamentos modernos e sofisticados ajudam os restauradores, antes que isso aconteça.
Desde 1989, um dos quadros mais famosos do mundo, a Mona Lisa, do pintor italiano Leonardo da Vinci, disputa a soberania da Sala dos Estados, no Museu do Louvre, em Paris. Pois, desde então, a dez passos dessa obra-prima do século XVI, que mede apenas 4081 centímetros quadrados, um gigantesco canteiro de obras com aspecto futurista desvia a atenção das máquinas fotográficas. Atrás de vidraças, três pessoas sobem e descem agilmente em um andaime um tanto cambaleante e, não raro, passam horas a observar velhas pinceladas de quatro séculos. São restauradores que trocam seu tranquilo ateliê pelo concorrido museu. Eles estão atentos aos mais ínfimos detalhes do maior quadro no acervo do Louvre, As bodas de Caná, que o italiano Paolo Veronese (1528-1588) pintou sobre uma tela com nada menos de 70 metros quadrados. "O canteiro é realmente impressionante", orgulha-se Nathalie Volle, chefe do Serviço de Restauração dos Museus Nacionais, que se encarrega de preservar os acervos franceses.
Formada em restauração, Nathalie adora contar histórias como a da obra de Veronese: Quando a tela foi transportada da Itália para a França, em 1797, teve de ser cortada em duas partes e, depois, remendada. Agora, para restaurá-la não será  necessário sequer tirá-la da parede". Saiu ganhando também o público, com a oportunidade de assistir a um trabalho artístico quase sempre anônimo, que devido a sua importância conta, hoje, com modernos recursos científicos. Mas nenhuma tecnologia, fique claro, é capaz de apressar o serviço lento de um restaurador, sempre munido com finos cotonetes, pequenas pinças e bisturis para tratar, pacientemente, milímetro por milímetro de uma pintura. Não é de espantar, portanto, que o quadro de Veronese demore três anos para ser restaurado. Todo o cuidado é pouco: a rigor, o que se considera arte, no caso de uma pintura, são delicadas camadas de tinta, às vezes tão finas quanto fios de cabelo, comprimidas entre um suporte, como a tela, e uma camada protetora de verniz.
Ao tentar consertar o suporte, limpar a sujeira depositada ou retirar o verniz envelhecido, o restaurador arrisca-se a danificar a criação do artista, isto é, a camada de tinta. Nesse sentido, os diversos exames de laboratório que vêm sendo aplicados em restauro — inclusive no de fotografias (veja quadro) — servem para dar mais segurança. Nem uma gota de solvente, destinado à limpeza do quadro, entra em contato com a tela antes que se saiba qual o tipo de tinta utilizado pelo autor, quantas camadas foram dadas, quantas restaurações já foram praticadas anteriormente. Para tanto, o ideal é que se tenha, como os franceses, na retaguarda, algo como o Ateliê de Restauração de Fotografias da Cidade de Paris, sob o comando Anne Cartier-Bresson, sobrinha do célebre fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson, ou o Laboratório de Pesquisas dos Museus Nacionais, instalado no subsolo do Louvre, longe dos olhares dos visitantes.
Estamos, junto com outras equipes européias, na vanguarda das análises de objetos de arte", conta o físico Jacques Bernard, diretor do laboratório. Ali abriga, há três anos, um aparelho de 20 metros de comprimento e 2 milhões de volts de potência—o Aglae, Acelerador Grande Louvre de Análise Elementar. Aceleradores de partículas como esse costumam ser encontrados nos centros avançados de Física, para o estudo, por exemplo, de partículas da atmosfera. Por enquanto, os franceses são os únicos a empregarem esse equipamento com a intenção de conhecer a estrutura íntima de quadros, esculturas, cerâmicas arqueológicas ou gemas.Dentro do Aglae, um feixe de prótons é impulsionado por eletroímãs até atingir 30 000 quilômetros por segundo, um décimo da velocidade da luz. Em seguida, esse feixe é literalmente espirrado do acelerador para bombardear a área de 1 milímetro quadrado da peça examinada, colocada a cerca de 10 centímetros de distância. "Os prótons excitam os átomos atingidos", explica o físico Joseph Salomon, um dos responsáveis pelo Aglae.
"Isso gera raios X, que são captados por detectores especiais." Conforme o tamanho e a configuração dos átomos, o impacto da pancada de prótons, cuja energia é constante, tem uma intensidade diferente, isto é, produz determinado comprimento de onda de raio X. Segundo Salomon, dois computadores analisam essa informação e indicam, com precisão, os pigmentos que compõem a tinta.Até então, com os métodos de análise disponíveis, nenhum laboratório de restauração era capaz de distinguir, por exemplo, as duas variedades, citadas pelos historiadores da arte, do amarelo de chumbo e estanho, um pigmento muito usado a partir do século XIV pelos pintores da escola primitiva italiana, mas que desapareceu das paletas ocidentais na metade do século XVIII. O acelerador de partículas mostrou, no entanto, que a chamada variedade II contém átomos de silício, enquanto a variedade I não. Com isso, ao analisarem várias obras com a ajuda do Aglae, os cientistas concluíram que a variedade I só começou a ser usada a partir da segunda metade do século XV, quando a outra variedade já fazia parte dos quadros italianos havia 150 anos. Informações como essa contribuem para datar e, muitas vezes, autenticar uma pintura.
Não se começa uma restauração sem conhecer todos componentes químicos de uma obra", afirma Vincent Pomarede, um dos responsáveis pelo Ateliê de Restauração dos Museus Classificados e Controlados da França, em seu agradável escritório, em frente ao Castelo de Versailles. Pomarede, que aliás considera a coleção do Museu de Arte de São Paulo "muito boa", também utiliza os serviços do laboratório do Louvre. Além do Aglae, esse laboratório conta com o chamado aparelho de cromatografia em fase gasosa. Nele, é evaporada uma amostra de tinta, nunca maior do que a cabeça de um alfinete, retirada cuidadosamente de uma pintura, com a ajuda do bisturi. Durante a evaporação, o aparelho identifica o teor de ácidos graxos, principais componentes das substâncias utilizadas para ligar os pigmentos de uma tinta, responsáveis muitas vezes por seu aspecto oleoso.O microscópio eletrônico, por sua vez, sempre é requisitado nos testes preliminares, para informar o tamanho dos grãos de pigmento e quantas camadas de tinta foram dadas.
Pigmentos maiores costumam permitir solventes mais fortes. "Com esse exame, nota-se que Leonardo da Vinci conseguia magníficas nuances ao pintar em camadas tão dissolvidas que mais pareciam aquarelas", exemplifica Pomarede. Saber disso é uma advertência para qualquer restaurador: "É necessário cuidado na hora de limpar áreas com camadas de tinta mais finas", conta Pomarede. Os novos recursos dos laboratórios especializados em restauro, porém, não dispensam a rotina, comum desde a década de 30, de radiografar pinturas e, ainda, fotografá-las com luzes infravermelha e ultravioleta — como esses raios têm comprimentos de onda diferentes, o resultado são imagens de diferentes aspectos da obra. "A radiografia mostra o estado do suporte, ou seja, a tela, madeira ou parede sobre a qual o artista pintou", explica Pomarede. "Não adianta restaurar a pintura em si, se o suporte está estragado.”Na verdade, os aparelhos de raio X usados para examinar uma obra de arte são idênticos aos encontrados em qualquer hospital. Apenas, no caso, o raio X é regulado para ter uma penetração menor, já que a tela é bem mais fina do que o corpo humano: para compensar, o tempo de exposição do filme acaba sendo maior — enquanto uma radiografia de tórax leva dois décimos de segundo, a de uma pintura demora cerca de quinze segundos.
Conforme os danos acusados pelo raio X. o suporte pode ser tratado de várias maneiras. "Se uma tela está se rasgando, eu arrumo um tecido semelhante para remendar fio por fio com a ajuda de uma lupa", conta a restauradora Nilva Leda Calixto, que participou, há quatro anos da restauro do Teatro Municipal de São Paulo. O reconhecimento desse trabalho Ihe abriu as portas do Mosteiro de São Bento, no Centro Velho da cidade. Nilva foi a primeira mulher a entrar no claustro do mosteiro, desde sua fundação em 1598, para recuperar, ali, a capela abacial (Quadro). Segundo a restauradora, que trabalha há dezoito anos no ramo, quando o suporte é madeira, o conserto não é mais fácil: depois de aplicar injeções de fungicidas, para preservar o material, trocam-se as vigas nas áreas mais porosas. Nas restaurações antigas, essas vigas eram dispostas transversalmente, bem unidas entre si, a fim de evitar a dilatação e o encolhimento da madeira de acordo com a temperatura e a umidade ambiente. O problema é que, impedido de realizar esses pequenos movimentos, o próprio suporte acabava trincando.
Hoje, para evitar que isso aconteça, os franceses chegam ao requinte de esculpir vigas com roldanas minúsculas, deixando o quadro em uma espécie de liberdade condicional — os movimentos da dilatação podem ocorrer à vontade, pois, graças às vigas móveis, não provocam rachaduras, o chamado efeito craquelê na camada de tinta.“A camada de tinta nunca e elástica", esclarece Nilva. "Por isso é natural que vá se quebrando ao longo dos anos, primeiro em grandes pedaços que, aos poucos, se subdividem. O craquelê aliás, é uma pista da idade do quadro: quanto menores os caquinhos coloridos, é sinal de que aquela tinta foi sujeita, durante mais tempo, ao vaivém da dilatação do suporte." Em outro exame usado pelos restauradores, a luz infravermelha, captada por uma máquina fotográfica comum ou câmara de vídeo, evidencia as primeiras camadas de tinta de uma tela, que compõem muitas vezes pinturas diferentes, inteiramente recobertas. Já a fotografia com ultravioleta mostra as camadas de tinta sobre o verniz, que podem ser desde retoques realizados pelo próprio autor da obra até restaurações posteriores. O exame do Juízo final, de Michelangelo, por exemplo — o afresco de 160 metros quadrados, atrás do altar da Capela Sistina, no Vaticano —, aponta tantas restaurações, que foi preciso consultar especialistas em Renascimento para distinguir os traços originais do genial florentino. Não é à toa que essa parede foi deixada para o final da chamada restauração do século, a da Sistina, que só ficará pronta em três anos.
Quando, em 1980, uma equipe chefiada pelo minucioso Gianluigi Colallucci, chefe do Laboratório de Restauração de Pintura dos Museus do Vaticano, passou a se debruçar sobre os afrescos da capela, foram consumidos seis meses apenas para radiografar e fotografar cada centímetro de pintura. Assim, descobriu-se entre outras coisas que Michelangelo não costumava repintar as pinceladas que não o agradavam. "Se o mestre cismava com o resultado de um de seus personagens, então arrancava tanto a pintura como a massa, para começar tudo de novo", explica Colallucci. Michelangelo agia desse modo porque jamais negligenciava a técnica, embora trabalhasse num ritmo alucinado, sob a impiedosa pressão do papa Júlio II, temeroso de não ver a obra terminada antes de sua morte. Quando a mistura de cal e areia usada no acabamento da parede começava a secar, o hidróxido de cálcio formado pela união dos dois elementos passava à superfície.
Nesse momento, reagia com o gás carbônico do ar e formava uma crosta de carbonato de cálcio capaz de envolver as moléculas de pigmento e com isso, fixar melhor a pintura.Essas reações químicas, assim como todos os dados referentes ao estado da parede e da tinta, foram parar na memória de um computador, instalado ao alcance das minhas mãos", conta Colallucci, que trabalha sobre uma ponte rolante em lugar do tradicional andaime. Apesar de toda a pesquisa envolvida, a restauração da Sistina tem sido alvo de uma polêmica acirrada. Afinal, ao retirar a gordura misturada com fumaça, os materiais empregados em inúmeras restaurações anteriores e a umidade causada por infiltrações de água no teto, a equipe de Colallucci revelou uma obra caracterizada por tons vivos e marcantes, o que se opõe à idéia de que o autor teria coberto algumas cenas com um véu escuro, feito com uma grossa camada de cola castanha. Surpreendidos com o colorido da capela, alguns críticos alegam que Colallucci teria cometido o pecado de alterar a obra do imortal Michelangelo.
A limpeza por si só  causa uma sensação muito nova", reconhece o professor Gilson Pedro, do Scriptorium de História da Arte, em São Paulo, um dos mais conceituados locais de estudo sobre a trajetória da pintura. O verniz é o único componente de uma obra que se oxida, isto é, reage com o oxigênio da atmosfera. "À medida  que isso acontece, formam-se substâncias que Ihe conferem o aspecto amarelado. Esse  tom dá o ar nostálgico que algumas pessoas, como eu, gostam muito", diz o professor. "Mas nem por isso posso dizer que, ao retirar simplesmente o verniz velho e a sujeira, o restaurador esteja interferindo na pintura." Segundo Gilson Pedro, existem duas escolas de restauração. "A ilusionista, de origem francesa, defende que a pintura deve voltar a ter uma aparência de obra recente", conta. "Para isso, são feitas pesquisas de cores muito precisas, para se repintar algumas áreas." Já a escola italiana seguida por Colallucci, prega que a restauração deve apenas evitar a deterioração. "A filosofia é deixar que o espectador perceba as marcas do tempo, como as rachaduras.
"Seja qual for a escola, os restauradores atuais concordam que seu trabalho deve ser reversível. Além de usarem materiais que possam ser facilmente retirados, eles lançam mão de equipamentos capazes de prever o futuro. Pois um verniz que fica muito bem hoje, amanhã poderá reagir com a tinta e até destruí-la. O equipamento mais avançado na realização desse teste final está no Centro de Restauração de Düsseldorf, na Alemanha — trata-se do Wetherometer. "A máquina acelera o envelhecimento de uma pequena área da pintura, já restaurada, simulando calor, vento, umidade e a ação de gases destrutivos", explica o falante Heinz Althöfer, especialista em obras contemporâneas. Paradoxalmente, essas obras são as mais ameaçadas pelo poluído mundo moderno. O dióxido de enxofre que sai do escapamento dos carros, por exemplo, se combina com a água presente na atmosfera, transformando-se em ácido sulfúrico, que corrói a pintura. É por isso que a maioria dos museus possui condicionadores de ar, mantendo o ambiente seco. Segundo Althöfer, uma das características das obras contemporâneas é quase nunca serem envernizadas, o que as torna facilmente degradáveis. "Nesses casos, não quebramos a cabeça apenas do ponto de vista técnico", conta o restaurador, "mas também para entender por que um autor criaria uma obra prevendo a sua destruição."

Retratos do Brasil
Uma mão leva o cotonete, para umedecer com solvente uma pequena área da pintura, equivalente à face de um dado. Imediatamente, a outra mão alcança aquele mesmo ponto com um algodão molhado. Os dois gessos são inseparáveis: "Eu tenho de passar um líquido que anule o efeito do solvente. Ou este continuará agindo, até retirar a tinta" mostra a restauradora Nilva Calixto sem interromper seu trabalho na capela abacial do Mosteiro de São Bento, magistral amostra paulistana do estilo ensinado, no início do século, pela tradicional Escola de Arte Beuron, na Alemanha. Quando se tem equipamentos de alta tecnologia para descrever cada componente de uma pintura, é possível selecionar de antemão os materiais mais seguros para a limpeza.Os restauradores brasileiros, no entanto, não costumam contar com esse apoio. Sua única segurança é a cautela. Se essa qualidade não existe, o resultado são manchas irreversíveis — na pintura e na história da arte, como já aconteceu em importantes museus nacionais. "Primeiro, eu experimento o solvente mais fraco, na forma mais diluída possível. Aos poucos, vou aumentando sua concentração. Se, ainda assim, essa substância não retira a sujeira e o verniz velho, eu a troco por outro solvente, um pouco mais forte", descreve Nilva.
Algumas vezes, a restauradora arranca a tinta de propósito: é o chamado teste da decapagem. Com um bisturi, ela retira lasquinhas de tinta, para verificar se existem pinturas recobertas por restaurações antigas — como, aliás, constatou em uma das paredes da capela abacial, pintada em 1921 pelo monge holandês Adelbert Grenicht.De acordo com o restaurador mineiro Antonio Fernando Batista Santos, as infiltrações em paredes são uma das maiores ameaças ao patrimônio histórico nacional. Santos é formado no mais antigo curso de pós-graduação em restauração no Brasil, criado há dez anos pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Há sete anos, ele trabalha na Fundação Pró-Memória, encarregada de preservar a obra dos artistas barrocos mineiros. "Tenho orgulho de ter participado, há dois anos, da restauração da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto", revela.
Ali, as infiltrações no teto quase destruíram o forro, pintado sobre madeira, pelo mestre do barroco Manoel da Costa Athayde, no início do século passado. Pois a água literalmente lava os chamados aglutinantes, que ligam os pigmentos entre si e ainda colam a tinta na parede. Nesses casos, os restauradores pincelam adesivos para consolidar novamente a pintura. "Mas, se passássemos um pincel na obra de Athayde, a poeira de tinta voaria", lembra Santos. A solução foi aplicar as substâncias adesivas na forma de vapor para, depois, suavemente, pressionar cada pedacinho de mais de 270 metros quadrados de pintura. "O resultado é comparável às restaurações européias", garante Santos.

Imagem recuperada
A fita adesiva era a única ferramenta contra rasgos, enquanto o pano molhado se encarregava da limpeza — até 1983, as fotografias pertencentes aos acervos dos museus franceses não tinham qualquer tratamento especial. De lá para cá, porém, elas vêm sendo encaminhadas ao Ateliê de Restauração de Fotografias da Cidade de Paris, sob o comando Anne Cartier-Bresson, sobrinha do célebre fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson. Anne é uma das primeiras restauradoras de fotografias da Europa: "A profissão só existe há dez anos", ela conta. "Nem sabemos ainda como restaurar fotografias em cores. Podemos retirar elementos externos que as destroem, como fungos, mas é só." O desconhecimento não se deve apenas ao pouco tempo de prática. Guardadas a sete chaves pelos fabricantes, as fórmulas dos filmes variam muito de acordo com sua sensibilidade.No ateliê, sete pessoas realizam cerca de 500 restaurações por ano, de fotos em preto-e-branco, de daguerreótipos e de outros tipos de imagens gravadas em vidro ou placas de metal. O primeiro passo do trabalho é examinar quais os componentes da foto, desde o tipo de papel até o do pigmento. Depois, são feitos testes de limpeza com substâncias simples como a água ou misturas complexas, elaboradas para cada caso. "Não arriscamos destruir a imagem. Antes de mais nada, aplicamos essas substancial numa área com o mesmo diâmetro de uma ponta de lápis", descreve Anne. Quando a foto está rasgada, a colagem é realizada milímetro por milímetro, com o auxílio de um microscópio.

Revista Super Interessante n° 041

A química presente nas atividades do dia-a-dia

Lúcia Helena de Oliveira

De manhã, quase todas as pessoas tomam banho, lavam os cabelos, escovam os dentes, passam desodorante. Mas quase ninguém sabe o que acontece realmente durante essa rotina.
Todo dia, você acorda com péssimas notícias. Na sua boca, pode ter certeza, nasceu o embrião de uma cárie. Quanto à pele, não se iluda: milhões de bactérias aproveitaram a noite para um verdadeiro banquete à base de células descascadas, suor, gordura, um ou outro glóbulo sanguíneo e  eventuais resíduos de pus, que são encontrados com fartura depois de várias horas sem lavagem. Os produtos dessa comilança irão inevitavelmente fermentar, causando mau cheiro, mais cedo ou mais tarde. Água, pura e simplesmente, não resolverá o problema. Para se garantir um bom dia, é preciso lançar mão dos ácidos graxos — e aqui não se trata dos que estão presentes na gordura do leite e da manteiga no desjejum, mas dos componentes básicos de produtos como o sabonete, o xampu, o condicionador e a pasta de dentes.
Conforme a combinação dessas substâncias gordurosas com outros ingredientes é que se criam as mais diversas fórmulas de beleza e higiene, responsáveis pelo faturamento de 19 bilhão de dólares, das cerca de 1000 indústrias cosméticas nacionais, no ano passado. Mas apenas os especialistas em Cosmetologia, área das Ciências Farmacêuticas que elabora essas poções perfumadas, sabem como a expectativa de cada um pode se transformar, ou não, em realidade diante do espelho — pele macia, cabelos sedosos, sorriso mais branco, sem contar a sensação de frescor anunciada pelo desodorante. "É chocante mostrar a ciência que existe por trás de um mero banho", afirma a farmacêutica Maria Elisete Ribeiro, da Universidade de São Paulo, que há vinte anos estuda composições de cosméticos. "Isso porque as pessoas preferem acreditar  que o produto pode fazer milagres. E ignoram as reações químicas disparadas na rotina de todas as manhãs.
"Quando você mergulha na banheira ou toma uma ducha, a água só consegue arrastar algumas partículas de sujeira, coladas na superfície do corpo. Pois todo tipo de poeira ou de germe, mal encosta na pele, fica grudado em uma película oleosa. Trata-se da melhor emulsão protetora de que se tem notícia — a mistura do suor com a gordura secretada pelas glândulas sebáceas. O suor, como é ácido, dificulta a sobrevivência dos rnicroorganismos nocivos que, porventura, ousam se instalar na pele; já o sebo reveste a superfície, cobrindo certas brechas que poderiam servir de entrada para os germes. Ao longo das horas, porém, essa película engrossa, intercalando camadas de óleo e de sujeira. A pele fica cada vez mais pegajosa, e daí só tem um remédio — o sabão."Ao aquecer a mais de 80 graus Celsius qualquer espécie de gordura com soda cáustica ou outra substância muito alcalina, eu realizo uma saponificação, ou seja, fabrico sabão", explica o farmacêutico Luiz Antonio Gioielli, da Universidade de São Paulo, que há quinze anos pesquisa os ácidos graxos, o elemento comum às substâncias gordurosas.
"Nessa reação, formam-se moléculas com dois pólos, um solúvel em água e outro, em gordura." Em pleno banho, essas moléculas de sabão ficam cravadas em cada minúscula gota de água, deixando para fora a sua metade capaz de se ligar à gordura do corpo. Na realidade, ninguém molha o corpo por inteiro. Uma olhada pelo microscópio mostra que as gotículas de líquido se espalham distantes entre si sobre a pele. Mas tudo bem, porque as moléculas de sabão, alcalinas, atraem feito pequenos ímãs aquele sebo, que é ácido, com pH (índice de acidez) em torno de 4,5. Sequestrada, a sujeira oleosa é conduzida pela água, até escoar pelo ralo. "Quanto mais alcalino é um sabonete, mais gordura ele consegue retirar", conta Gioielli. Sabonetes, aliás, sempre são alcalinos. Se fosse possível fabricar um sabão realmente neutro, ele não ofereceria vantagens, porque não limparia direito. O Ministério da Saúde pretende dar um prazo para que as indústrias retirem das embalagens esse adjetivo, usado erroneamente como sinônimo de inofensivo.
É verdade que, quanto menos alcalino é o sabonete, menos ele irrita a pele. Essa qualidade dependerá da proporção de gorduras animais e vegetais  utilizadas como matérias-primas. "O balanço desses ingredientes também faz um sabonete ser mais duro ou mais macio", diz a farmacêutica Maria Elisete. Assim, os óleos derivados de animais com sangue quente se dissolvem em temperaturas mais elevadas do que óleos vegetais. Estes, em princípio, precisam ficar solúveis em temperaturas mais baixas para serem consumidos como fonte de energia pelas plantas e, por isso, são usados em sabonetes que derretem com facilidade.Um dos óleos mais aplicados nos chamados sabonetes finos é o de coco. Nove em cada dez estrelas nas prateleiras das perfumarias contêm esse ingrediente, idêntico ao da popular barra de sabão branco, usada para lavar roupa. "O óleo de coco, com seus doze átomos de carbono, assegura muitas bolhinhas de sabão", explica Maria Elisete. Espuma, contudo, não é sinal de limpeza. "Podem-se ter sabonetes sem um pingo de espuma, cujo efeito é apenas psicológico", garante a farmacêutica.
À massa de sabão propriamente dita, os fabricantes acrescentam ainda corantes, essências de perfume e uma boa dose de óleo livre, isto é, que não passou pela saponificação. Sua função é besuntar novamente a área da qual acabou de se tirar o sebo. Pois sem a sua gordura natural, a camada externa da pele apareceria tal qual é um forro de células mortas e esturricadas. Fora o problema da aparência, a pele seca é muito mais suscetível a irritações. É por isso que alguns discutem se não faria mal tomar banho com sabonete mais de uma vez por dia, costume de muitos brasileiros. No entanto, em condições normais, uma a duas horas depois de você ter saído do banho, sua pele já terá recuperado a oleosidade própria.Você molha a cabeça, espalha o xampu, massageia, deixa formar bastante espuma. O farmacêutico Artur Gradim, atual presidente da Associação Brasileira de Cosmetologia, resume o processo: "Lavar bem os cabelos é uma questão de eletricidade". Frases sintéticas como essa são raras quando Gradim conversa sobre cabelos, seu assunto predileto, depois de ter acumulado mais de 25 anos de experiência em diversas indústrias de cosméticos, dedicando-se com mais afinco à pesquisa de tratamentos capilares. Segundo sua descrição minuciosa, cada um dos 300 000 fios de uma cabeleira é revestido por células transparentes, sobrepostas como as telhas de uma casa.
Ao escorregar fio abaixo, o sebo secretado pelo couro cabeludo não fica apenas na cutícula, como se chama essa cobertura incolor, mas entra nas frestas entre as células. "Graças a sua carga elétrica, o xampu ergue essas células para a limpeza", descreve Gradim. Os detergentes contidos em um xampu podem ser idênticos aos de um sabonete (quadro). Este, no entanto, por ser sólido, deixa resíduos presos na cutícula. Tais partículas desviam os raios luminosos, tornando os fios opacos. "Quando a cutícula está fechada, os cabelos brilham mais", conta o especialista. Quem acabou de lavar a cabeça, porém, está com as células que revestem os fios abertas, como galhos de uma árvore esbarrando uns nos outros. O atrito tem efeito certo: seus cabelos estão embaraçados.Se cabelos opacos e difíceis de pentear são sintoma de cutícula capilar aberta, então a receita de brilho e maciez é simples: basta fechar suas células. Nesse instante, entra em cena o condicionador.
Além de conter doses de ácidos graxos, para repor a oleosidade perdida com a primeira etapa da lavagem, o condicionador possui carga elétrica oposta à do xampu, ou seja, positiva. Explicada dessa maneira, a fórmula de cabelos bonitos parece simples. Mas não é. Como bem sabem os físicos, cargas opostas se atraem. Portanto, os cosmetólogos devem equilibrar a eletricidade dos componentes do xampu e do condicionador, de modo que o uso combinado dos dois produtos aproxime os fios na medida certa, sem arrasar o volume dos cabelos."As vezes a intenção é dar volume como nas fórmulas com proteínas" exemplifica o químico Sérgio Bianchini, pesquisador da Universidade de Campinas, no interior de São Paulo. "As proteínas se depositam sobre os fios, tornando-os mais encorpados." Bianchini, junto com o estudante de Química  Luiz Claudio Pavani, vem estudando, há dois anos, a degradação do cabelo, especialmente pelo excesso de sol.
Esse é um dos temas, pode-se dizer, mais cabeludos da Cosmetologia, como pôde constatar Pavani, no final do ano passado, ao apresentar seu trabalho, com jeito tímido, a uma platéia de químicos de todo o país. Na ocasião, suas declarações foram recebidas com alguns protestos: "Nenhum produto é capaz de restaurar as pontas dos cabelos", disse o pesquisador no microfone. "Uma vez partido, um fio não tem conserto.” Na ocasião, os fabricantes não gostaram do que ouviram, porque, nesse aspecto, dezenas de produtos prometem o impossível — o fio de cabelo é uma longa linha de células mortas e não há como alterar um tecido morto.
O melhor que um xampu e um condicionador podem fazer por você é proteger os fios, evitando, por exemplo, que se quebrem com a mera escovação. Semanas depois, na Unicamp, o químico Bianchini reconheceu que fabricantes e pesquisadores usam a palavra restaurar com significados diferentes. "Para um bioquímico, restaurar seria recuperar a estrutura original", diz ele. "Os produtos de beleza podem recuperar a aparência, pois são cheios de truques. Os condicionadores têm polímeros, substâncias que formam uma capa sobre o fio. Esse filme artificial, tapa buracos na cutícula e força a união das pontas, como uma cola. " O disfarce dura até se lavar a cabeça de novo.”As bactérias da boca são boêmias por excelência. Aproveitam a noitada para devorarem, mais do que nunca, restos de alimentos entre os dentes. Ao mesmo tempo, se reproduzem numa velocidade espantosa: de quinze em quinze minutos, cada bactéria se divide em duas.
A esbórnia é facilitada pela diminuição de saliva na madrugada — afinal, esse líquido vive expulsando algumas bactérias, goela abaixo. De manhã, portanto, ninguém deveria acordar achando que tudo está em ordem. Pois, na boca, como em todo fim de festa, tem resto de comida e sujeira por tudo quanto é lado. Os fanfarrões, junto com esses restos, se depositam nos dentes e gengivas, criando a famosa placa bacteriana."Os dentes estão sempre interagindo com o ambiente", explica o bioquímico Jaime Aparecido Cury, professor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba. A placa bacteriana, no caso, deixa a saliva ácida, o que é péssimo para os dentes. Isso ocorre  com maior intensidade se alguém ingere açúcar." A saliva e o esmalte do dente compartilham dois minerais, o cálcio e o fosfato, cuja tendência é passar do lugar mais alcalino para o mais ácido. Desse modo, quando o pH da saliva fica inferior a 5,5, ela começa a roubar cálcio e fosfato dos dentes. Com isso, depois de certo tempo, o equilíbrio ácido-básico volta a reinar. Então, os dentes podem até tomar de volta os dois minerais.No entanto, se logo de manhã, por exemplo, a pessoa toma seu café açucarado e sai de casa sem escovar os dentes, a degradação de substâncias pelas famintas bactérias reinicia.
No final, os dentes acabam perdendo mais minerais. Quando os dentes mais perdem do que ganham a batalha pelo cálcio e pelo fosfato, a cárie aparece. Ela é a própria desmineralização do esmalte", define Cury. Segundo ele, o flúor é a substância ideal para reverter o processo. Durante muito tempo, acreditou-se que o flúor protegeria os dentes ao reagir com substâncias do esmalte para construir uma verdadeira barreira de minerais. Assim, a saliva ácida passa a sequestrar cálcio e fosfato dessa barreira, em vez de retirá-los do próprio dente. Além disso, hoje se sabe que o flúor deixa a saliva supersaturada de cálcio e de fosfato, acelerando a remineralização do esmalte.Jaime Cury é um velho defensor do flúor na pasta de dente. Há um ano e meio, desfrutou uma grande vitória, como assessor técnico do Ministério da Saúde: a Portaria número 21, a qual estabelece o padrão de 600 partículas por milhão (ppm) de flúor nas pastas de dente. Contudo, há flúor e flúor. Algumas formas químicas da substância reagem com o chamado abrasivo, o componente não-solúvel do dentifrício, normalmente à base de silício, que serve para retirar mecanicamente a sujeira, ao ser esfregado no dente.
A reação cria o flúor inativo, um flúor que não serve para nada. "Há dez anos, existiam cinco marcas no mercado brasileiro que anunciavam a presença de flúor", recorda Cury. "Dessas, porém, apenas uma marca continha flúor ativo. " A situação melhorou — e muito. No ano passado, entre dezenove marcas analisadas, apenas duas, a Forhan7rsquo;s e a pasta infantil da Mônica, não passaram na prova de fogo.A batalha mais recente envolve os enxaguatórios que prometem dissolver a placa bacteriana. Um cuidadoso exame realizado pela equipe da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, acusou que os detergentes desses produtos podem inibir até 70% do flúor. E, então, volta-se praticamente à estaca zero. Como o xampu e o sabonete, a pasta de dente também possui ácidos graxos na forma de detergente, para amolecer a placa bacteriana e os restos de alimento.
"Esse detergente não pode fazer espuma, ou a pessoa engasgaria", esclarece o químico Heytor Panzerri, da USP, em Ribeirão Preto. Há vinte anos, ele busca fórmulas para a fabricação de dentifrícios mais baratos e eficazes. "Mas não importa a composição de uma pasta, quem faz o serviço pesado da limpeza é a escova  de  dentes", reconhece o pesquisador. "A função da pasta é apenas auxiliar." Por isso, costuma ser à base de gel, mistura de glicerina e água, que provoca o deslizamento das cerdas.A função do desodorante é evitar que bactérias, habitantes das axilas, estraguem, o seu esforço matutino para passar o dia inteiro limpo e, quem sabe, cheiroso. O suor aumenta durante o dia, para refrescar o corpo, aquecido pelo calor do sol. Mas esse líquido em si não tem o aroma desagradável graças ao qual leva má fama.
O mau cheiro é devido à degradação de seus componentes por tais bactérias. "Os desodorantes são combinações de álcool, bactericidas e essências perfumadas", descreve a cosmetóloga Maria Elisete Ribeiro, da USP. "Ao diminuir a quantidade de bactérias, diminui a degradação e o mau cheiro." A maioria dos produtos também é antiperspirante, ou seja, ataca o problema por duas frentes.Além de matar os germes, os antiperspirantes reduzem a umidade de que as bactérias sobreviventes tanto gostam. Ao usá-lo, sais de alumínio ou de outros metais tapam literalmente os poros"A área de aplicação é muito pequena e, por isso, não causa problemas no sistema de controle de temperatura do organismo", esclarece Maria Elisete. Essas moléculas têm um tamanho perfeito: embora sejam grandes demais para serem absorvidas, elas se encaixam na saída do suor. O líquido acaba sendo reabsorvido pelo organismo. Mas, no decorrer do dia esses sais de alumínio vão saindo dos poros, como rolhas de champanhe. Termina o efeito do antiperspirante. Às vezes, resta o perfume. Sua combinação com o suor degradado costuma ser terrível. Afinal, se um cheiro incomoda muita gente, dois podem incomodar muito mais.

Mania nacional
O sabão é conhecido há pelo menos 2 600 anos, quando os fenícios se banhavam com uma pasta fabricada a partir da fervura da banha de cabra com cinzas de madeira. Mas não foi em todos os períodos da história que esse produto de higiene esteve em voga. Muito apreciado nas termas de Roma, o sabão desapareceu do mapa depois da queda do império Romano em 476. Só por volta do século IX, ele ressurgiu na cidade de Savona, na Itália — eis a origem de seu nome. Na época, era consumido pelos nobres. O uso do sabão se difundiu pela população apenas dez séculos mais tarde. Então, o químico alemão Justus von Liebig (1803-1873) declarou que o grau de civilização de um país podia ser indicado pela quantidade de sabão consumida.
Se isso é certo, o brasileiro pode ser considerado o povo mais civilizado da Terra, com um consumo de 12 sabonetes per capita. Essa média só é menor do que os 13 sabonetes per capita dos americanos e dos australianos. Mas deve-se levar em consideração que menos da metade dos brasileiros usa sabonetes. Isto é, no Brasil os consumidores de sabonete devem usar cerca de 24 unidades do produto por ano. Isso é seis vezes mais do que a média francesa  aliás, a mais baixa entre os países do Primeiro Mundo.

Sorriso branco, com urina
A pasta de dente foi mencionada pela primeira vez por historiadores egípcios: tratava-se de uma mistura muito abrasiva, feita com pedra-pomes triturada e vinagre.
Os antigos romanos trocaram o vinagre pela urina, à qual atribuíam-se poderes de deixar os dentes brancos. O ingrediente, um tanto exótico, foi usado até o século XVIII em diversos países europeus. Hoje se sabe que a urina era capaz de branquear os dentes por conter amônia, substância que continua sendo usada nas formulações.

Pitadas de sais
Passar perfume sobre as axilas é um hábito antigo, praticado há 5000 anos na Suméria Desodorantes, de fato, só surgiram nos Estados Unidos, no final do século passado, quando os químicos descobriram que sais de zinco poderiam inibir a produção de suor. Na época, é verdade, eles nem desconfiavam que isso acontecia porque as partículas de metal tampavam os poros. Ainda hoje, ao menos na França, a maioria das pessoas continua ignorando as propriedades dos sais de zinco e de outros metais usados em desodorante: de acordo com a Federação Nacional das Indústrias de Cosméticos Francesas, enquanto o consumo de perfume é o mais elevado do mundo — cerca de 12 frascos anuais por pessoa —, apenas três em cada dez franceses usam desodorante, apesar de metade da população só tomar banho uma vez por semana.

Revista Super Interessante n° 041