Nos últimos dez anos as tentativas de solução da complexa Questão Palestina alternaram fases de euforia e frustração. A trajetória pendular começou quando, em setembro de 1993, o líder palestino Yasser Arafat e o primeiro-ministro de Israel, Ytzhak Rabin, firmaram em Washington os acordos de paz negociados em Oslo. Naquele momento, pela primeira vez, estabeleceram-se as condições para um desfecho da mais renitente disputa geopolítica contemporânea.
A substância dos Acordos de Oslo era uma complexa carta de intenções na qual as duas partes se comprometiam com um processo de paz. O ponto de partida seria a implantação de um regime de autonomia palestina em partes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Nesses territórios, ocupados desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, sucessivos governos israelenses tinham empreendido a implantação de assentamentos judaicos e de uma densa rede de rotas reservadas aos colonos israelenses. A presença das colônias e dos colonos logo se revelou um obstáculo quase intransponível para o avanço do processo de paz.
O primeiro acordo assegurou aos palestinos apenas a retirada israelense de grande parte da Faixa de Gaza e da cidade de Jericó, na Cisjordânia. A Autoridade Palestina (AP) se encarregou da administração civil e da segurança interna dessas áreas, ficando a defesa e as relações exteriores nas mãos de Israel. O segundo acordo, Oslo II, assinado 1995, ampliou a autonomia palestina na Cisjordânia. O território foi dividido em três zonas.
Na chamada Zona A, os palestinos teriam autonomia limitada, nos moldes de Gaza e Jericó. Na Zona B, a administração civil seria compartilhada entre a AP e Israel.
A “Zona C”, onde se localizam as colônias judaicas, ficaria sob controle exclusivo de Israel.
O assassinato do primeiro-ministro Rabin, no final de 1995, por um fanático israelense de ultra-direita, e a vitória eleitoral do partido direitista Likud nas eleições de 1996 em Israel, provocaram o virtual congelamento do processo de paz. Os atentados terroristas dos fundamentalistas do Hamas, que pipocaram durante a campanha eleitoral em Israel, serviram como toque de reunir para a direita expansionista. Entre 1995 e 1999 brotaram dezenas de novos assentamentos na Cisjordânia, enquanto crescia a frustração entre os palestinos.
Novo giro do pêndulo. No final de 1999, com a eleição do trabalhista Ehud Barak para primeiro-ministro de Israel, o processo de paz foi retomado. Barak assumiu anunciando a disposição de formular um acordo definitivo com os palestinos e colocou em marcha a retirada israelense de áreas da Cisjordânia prevista por Oslo II. Em março de 2000, no zênite do processo, os palestinos controlavam, integral ou parcialmente, 40% da Cisjordânia.
Então, veio o clímax e o anticlímax. Em julho de 2000, Arafat e Barak se reuniram em Camp David, nos Estados Unidos, em conversações cuidadosamente preparadas por Bill Clinton para a elaboração de um acordo sobre o estatuto final dos territórios palestinos.
Sobre a mesa, estavam as questões vitais e espinhosas do traçado das fronteiras do Estado Palestino e do futuro de Jerusalém.
Ao que tudo indica, Barak formulou a mais ampla proposta de paz já apresentada por um líder israelense.
Ofereceu aos palestinos o controle integral da Faixa de Gaza e de cerca de 90% da Cisjordânia. Israel conservaria sob seu controle a estratégica faixa que acompanha o vale rio Jordão e dois corredores que conectam essa faixa ao território israelense propriamente dito. O futuro Estado palestino teria que se contentar com direitos de trânsito entre as três partes da Cisjordânia e entre esta e a Faixa de Gaza .
Os desacordos em Camp David não se limitaram às fronteiras. Não se chegou a consenso sobre o estatuto de Jerusalém ou o direito de retorno dos refugiados palestinos. A proposta de Barak acabou sendo rejeitada por Arafat, o que implodiu a frágil estrutura de todo o processo deflagrado em 1993.
A frustração dos palestinos com a demora na criação de seu Estado funcionou como pano de fundo para a tragédia. A gota d’água foi um ato deliberado de provocação: em 28 de setembro de 2000, Ariel Sharon, líder do Likud, protagonizou uma “visita” à Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém. O passeio do herói do expansionismo israelense pelo lugar sagrado dos muçulmanos, um gesto simbólico destinado a reafirmar a soberania israelense sobre toda Jerusalém, desencadeou ondas de protestos palestinos. Começava a segunda Intifada, uma nova revolta palestina contra a ocupação israelense.
A nova Intifada, ao contrário da primeira, que se desenrolou entre 1987 e 1993, logo ultrapassou o estágio das manifestações de rua e atingiu o das ações armadas e atentados suicidas. O governo de Barak dobrou-se sob o impacto do agravamento da violência, enquanto a sociedade israelense inclinava-se para a direita.
Nas eleições de fevereiro de 2001, o Likud voltou ao poder e Sharon tornou-se primeiro-ministro com um discurso contrário aos acordos de paz e a promessa de oferecer segurança à nação.
De lá para cá, o novelo da tragédia desenrolou-se implacavelmente. Os grupos extremistas palestinos o Hamas, a Jihad Islâmica e a Brigada dos Mártires de Al Aqsa – desencadearam uma campanha de ataques suicidas, de dimensões inéditas, contra civis em Israel. Sharon, o extremista israelense, não ficou atrás, mobilizando uma máquina de guerra contra civis desarmados e multiplicando os “assassinatos seletivos” contra lideranças palestinas.
Tropas e tanques passaram a realizar incursões em áreas sob regime de autonomia palestina, violando os pilares dos acordos de paz. Cada atentado palestino passou a ser “vingado” por sangrentas ações de represália israelense. A lógica perversa do atentado e da retaliação assassina destruiu o que restava do processo inaugurado em Oslo.
Mas a violência de Sharon tem uma lógica. Além de submeter os territórios palestinos a bloqueios externos e barragens militares internas, o primeiro-ministro israelense lançou-se à construção de um “muro protetor” projetado para envolver quase toda a Cisjordânia e, ao que parece, também a Faixa de Gaza. Na Cisjordânia, os trabalhos de construção já ergueram cerca de metade desse muro de 350 quilômetros de extensão .
O muro, formado por blocos de concreto e dispositivos eletrônicos de vigilância, sintetiza uma estratégia.
No horizonte de Sharon, o que se vislumbra é um Estado palestino constituído por fragmentos de território isolados e submetidos a controle militar de Israel. Qualquer semelhança com os bantustões que existiram na África do Sul do apartheid não é mera coincidência.
Boletim Mundo Ano 11 n° 4
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