sexta-feira, 13 de maio de 2011

O PATO PAGA O PATO

A eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva constitui um marco histórico pois, pela primeira vez, o Brasil tem um governo de esquerda, apoiado num partido – o PT – que surgiu das lutas operárias.
Pelo menos em tese, todo o modelo econômico e social brasileiro pode sofrer mudanças estruturais. Sob o selo “Brasil em debate”, Mundo acompanha e discute a postura do governo Lula diante das grandes questões nacionais.
Nesta página, focalizamos a Reforma Tributária, com ênfase sobre as desigualdades econômicas entre as unidades da federação. Na página 5, a partir de uma análise das origens e evolução do “pacto federativo” no Brasil, interpretamos as fontes da nova “política dos governadores” articulada pelo governo federal.
Há três grandes argumentos para justificar a reforma tributária. O primeiro é a injustiça na distribuição dos impostos. O caso mais grave é o do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que hoje é cobrado nos estados em que acontece a produção desses serviços ou mercadorias. O segundo argumento é que a reforma poderia pôr fim à chamada guerra fiscal, a redução acelerada de tributos promovida por estados e municípios para incentivar a migração de empresas. Só em 2002, nada menos que R$ 26 bilhões deixaram de entrar nos cofres de municípios e estados, por conta da renúncia fiscal. O terceiro e último argumento é a necessidade de reduzir a carga de impostos sobre as empresas, em especial aquelas que exportam, permitindo que operem a custos mais competitivos no mercado internacional.
O problema da guerra fiscal, pelo menos em nível local, já havia sido suavizado por uma lei que proíbe os municípios de cobrarem menos de 2% de Imposto Sobre Serviços (ISS). Nos anos 90, enquanto cidades que concentram muitos prestadores de serviços – como São Paulo e Rio de Janeiro – cobravam alíquotas de 5% de ISS, pequenos municípios vizinhos, como Barueri e Santana de Parnaíba, ambos na Grande São Paulo, reduziram a margem para até 0,25%. O resultado foi que dezenas de milhares de empresas – principalmente de pequeno porte – fingiram ter mudado para esses locais, fornecendo endereços falsos. Além da criação da alíquota mínima de 2%, cidades grandes, como São Paulo e Guarulhos, encontraram brechas legais para reduzir o ISS para alguns setores e, assim, atrair de volta parte dessas empresas.
Quanto ao problema da distribuição de rendas tributárias, ele teria de ser resolvido com mudanças nas  regras do ICMS, a principal fonte de recursos dos estados e que arrecadou R$ 103 bilhões em 2002. A proposta original do governo era alterar o local de cobrança do ICMS. Hoje, por ser cobrado no estado produtor, esse imposto beneficia as unidades da federação mais ricas. Se o ICMS passasse a ser cobrado no local de destino das mercadorias e serviços, haveria maior justiça, uma vez que a arrecadação estaria mais ligada à população de cada estado. Em teoria, isso daria aos estados pobres novos recursos para serem aplicados em programas sociais.
Acontece que a proposta gerou reações fortíssimas dos governadores dos estados mais ricos principalmente SP, RJ e MG. E, como eles controlam parcelas importantes das bancadas na Câmara Federal e no Senado, uma oposição dura poderia causar problemas, na hora de aprovar a reforma.
O governo Lula parece estar inventando uma nova “política dos governadores” Sob a batuta do próprio presidente e do chefe da Casa Civil, José Dirceu, o governo federal negocia as reformas com os governadores e consegue o apoio deles para formar vastas maiorias parlamentares. Por isso, diante da resistência dos estados mais ricos, Lula decidiu recuar e reformular a proposta. No novo formato, o ICMS continuará a ser cobrado na origem, mas a bolada será dividida com os estados de destino de mercadorias e serviço . E, para dissolver de vez a resistência dos estados ricos, o governo acenou com uma fatia maior dos impostos federais. Trocando em miúdos, os estados ficariam com 49% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), contra os atuais 47%, além de toda a arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR).
Então, feita a “conciliação dos governadores”, saem todos felizes? Médio. Falta decidir quem paga a conta. Será mesmo que o governo federal topa abrir mão de parte de sua arrecadação só para instaurar maior justiça fiscal? Poucas chances, já que a tônica da administração Lula tem sido apertar todos os cintos e cumprir à risca os acordos com o FMI, que prevêem fortes superávits fiscais destinados a reduzir o peso da dívida interna.
Uma pista do que deve acontecer: a redução da carga tributária sobre quem produz será menor do que se imagina. Ao mesmo tempo, o governo instituiu mecanismos para poder aumentar, por decreto – portanto, sem necessidade de negociação com o Congresso a CPMF e a Cide (contribuição sobre o consumo de combustíveis). Sem contar que a não-correção da tabela de descontos do Imposto de Renda representa um aumento de fato da tributação.
Como dizem os economistas, não existe almoço gratuito. A mudança no ICMS pode reduzir um pouco as desigualdades regionais. Mas tudo indica que quem vai pagar o pato será o próprio pato.
Ou melhor, os dois patos: o consumidor e o produtor.

Principais pontos da proposta de reforma tributária
ICMS – Continua a ser cobrado na origem, mas, em dois anos, a arrecadação será dividida entre os estados de origem e destino das mercadorias. Terá apenas cinco alíquotas, em vez das atuais 44. Fica proibida a concessão de reduções para atrair empresas.
CPMF – Torna-se permanente em 0,38% de cada transação bancária, mas a alíquota pode chegar a 0,5%, por decreto.
Cofins – Deixa de incidir sobre todas as etapas da produção.
Imposto sobre Herança e Doações – Hoje em 4%, pode ter alíquotas maiores, conforme o valor.
Imposto sobre Transferência de Bens Intervivos (imóveis) – Hoje em 2%, poderá ter alíquotas mais altas, conforme o valor do bem.
Imposto sobre Grandes Fortunas – Poderá ser criado por decreto.
Imposto Territorial Rural – Deixa de ser de competência da União e passa aos estados, com 50% dos valores destinados aos municípios.

Boletim Mundo Ano  11 n° 4

Nenhum comentário:

Postar um comentário