sexta-feira, 13 de maio de 2011

LULA E A ALCA: O ENIGMA DE CAPITU

O enigma de Capitu, personagem do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, é um dos temas clássicos da literatura brasileira. Como o texto deixa as conclusões para o leitor, as opiniões se dividem: a jovem traiu ou não o marido?
Pois o encontro celebrado em junho, em Washington, entre os presidentes do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, e dos Estados Unidos, George Bush, gerou um novo enigma de Capitu. Lula capitulou ou não, ao aceitar “cooperar para a conclusão exitosa”, em 2005, da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), menina dos olhos da diplomacia americana para a América Latina?
Segundo alguns analistas, inclusive dentro do Itamaraty, Lula causou danos ponderáveis aos esforços de vários anos de diplomacia, ao aceitar o prazo de 2005 sem que Bush se comprometesse sequer negociar reduções dos bilionários subsídios agrícolas aos fazendeiros americanos, ou com o fim do protecionismo a setores industriais decadentes, como a siderurgia.
A vontade de Bush é que esses pepinos sejam remetidos à Organização Mundial do Comércio (OMC). Quer dizer, os Estados Unidos remeteriam o debate para outro foro e, no mínimo, ganhariam tempo para abrir um pouco mais seu mercado, enquanto o Brasil e outros países latino-americanos já estariam comprometidos com uma rápida liberalização, por exemplo, de seu mercado de bens industriais.
A idéia da capitulação ganha força diante da paralisia do Mercosul, cujo fortalecimento o Itamaraty encara como fundamental para reduzir os estragos de uma integração econômica acelerada, via Alca. Uma frase de Lula durante o encontro com Bush reforçou ainda mais a crença de certos setores na capitulação.
“O boxeador que nocauteia seu adversário tem que ter a humildade de abraçá-lo, depois”, afirmou. Não é preciso dizer quem são os nocauteadores  e o nocauteado, certo?
E Lula, durante a campanha eleitoral – talvez ele não goste dessa lembrança! – chegou a classificar a Alca como “um projeto de anexação”.
Há quem prefira acreditar numa hipótese melhor.
Para diversos analistas, Lula apenas ganhou tempo, evitando um confronto prematuro. Essa tese encontraria respaldo em algumas declarações genéricas emitidas no comunicado conjunto dos dois  presidentes .
A idéia é que, nos primeiros meses de governo, Lula  que já causou arrepios nos investidores estrangeiros  estaria fazendo tudo para evitar a fuga de capitais e uma eventual especulação contra a moeda brasileira, que repetiria o deus-nos-acuda do final de 2002.
Isso explicaria também a manutenção das altas taxas de juros e a promessa de cumprir os contratos da privatização do setor de telecomunicações, que vêm levando a enormes aumentos nas contas de telefone – ainda que amparados pela lei.
A tese de que Capitu não traiu  ou seja, que Lula apenas adiou o confronto  foi exposta com clareza, por exemplo, em entrevista do secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Otaviano Canuto ao jornal Gazeta Mercantil, na edição de 14 de julho. Na mesma linha do chanceler Celso Amorim, Canuto defendeu uma “Alca light” em 2005. Quer dizer: um acordo mínimo, que levasse a uma modesta redução dos subsídios e proteções americanos à agricultura e siderurgia, e a uma pequena moderação de barreiras não-tarifárias  como as exigências marotas de saúde pública e respeito ao meio ambiente que funcionam como meros pretextos para dificultar o ingresso de produtos estrangeiros nos Estados Unidos.
Em troca, o Brasil abriria um pouco, por exemplo, seu setor de serviços, ao capital estrangeiro.
Segundo a tese da “Alca light”, as grandes polêmicas ficariam para a OMC, enquanto o Brasil trataria de reforçar sua posição no cenário internacional, firmando acordos bilaterais com economias continentais  como China e Índia – e fortalecendo o Mercosul.
A polêmica Alca/Capitu promete durar vários meses. Enquanto isso, vale a pena deixar no ar algumas perguntas. Aos defensores da tese da capitulação: Será que a postura de Lula diante da Alca é tão definitiva que justifique o termo? E será que, ao assumir uma posição tão dura contra Lula, eles não terminam reforçando os setores favoráveis à Alca já? E à turma da “Alca light”: Era preciso explicitar, por escrito, um compromisso com a conclusão das negociações em 2005, como queria Bush?
Por que o comunicado conjunto sequer faz menção aos subsídios agrícolas? O velho Machado de Assis deve estar se torcendo no túmulo de ansiedade.

O comunicado conjunto
O comunicado dos dois presidentes só é específico na afirmação do compromisso com o prazo final de 2005 para a conclusão “exitosa” das negociações. Quanto ao resto, destaca-se a ausência completa de referência ao tema dos subsídios agrícolas e a profusão de afirmações genéricas. Veja algumas delas:
“Brasil e Estados Unidos decidem criar uma relação mais estreita e qualitativamente mais forte entre nossos dois países. É hora de se definir um novo e decidido rumo em nosso relacionamento, guiado por uma visão comum de liberdade, democracia, paz, prosperidade e bem-estar para nossos povos, com vistas à promoção da cooperação hemisférica e global.”
“Concordamos em que o livre comércio impulsiona a prosperidade e o desenvolvimento e contribui para a promoção da iniciativa empresarial e o fortalecimento do setor privado, com impactos sociais positivos”.
“Trabalharemos juntos para preservar e promover a estabilidade e o crescimento na economia mundial.
A abertura  ao comércio e a resistência ao protecionismo são essenciais para a superação desse desafio.”

Boletim Mundo Ano 11 n° 4

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