sexta-feira, 24 de junho de 2011

DE TIM LOPES A BEIRA-MAR, UM RELATO DO CRIME ORGANIZADO

Roberto Candelori

O combate à violência, além da sua dimensão policial, tem uma dimensão política, pois o alimento das organizações criminosas é a exclusão social. Essa é a raiz do “poder paralelo” nas favelas e periferias das metrópoles.

Antônio Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, foi executado de forma brutal pelo líder do Comando Vermelho (CV), Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, quando preparava uma matéria sobre o abuso de menores e o tráfico de drogas nos bailes funk. Em todo o país e, principalmente, no Rio de Janeiro ocorreram manifestações de repúdio à violência e à obstrução ao trabalho da imprensa.
No entanto, o caso Tim Lopes evidencia algo mais: o “poder paralelo”, que julgou e executou o jornalista, desafia o poder constituído. Nos limites dos territórios sob o domínio dos “donos dos morros”, líderes do crime organizado, vigoram suas próprias leis.
Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, conhecido personagem do narcotráfico e do crime organizado, perambulou por várias prisões de “segurança máxima” do país entre fevereiro e abril de 2003. Detido no presídio de Bangu I, no Rio de Janeiro, foi transferido para Presidente Bernardes, no interior do estado de São Paulo, depois que o governador Geraldo Alckmin aceitou abrigar Beira-Mar pelo período de 30 dias. Vencido o prazo, seguiu para a Superintendência da Polícia Federal em Maceió. O périplo de Beira-Mar, pontuado pelas recusas dos governadores em aceitar sua presença nas penitenciárias dos estados, denuncia a precariedade do modelo prisional brasileiro.
Duas faces da mesma moeda. A ousadia crescente do crime organizado e a impotência do poder constituído revelam a moldura do embate que se trava atualmente entre o Estado e as organizações criminosas. O envolvimento de agentes do Estado com a corrupção, a superlotação dos presídios, a infiltração do crime organizado nas esferas do poder público e a impunidade são peças do intricado quebra-cabeças ao qual está subordinada a segurança de cada cidadão.
O crime organizado é responsável pela movimentação de grandes quantias de dinheiro, fruto dos seqüestros, assaltos a banco e tráfico de drogas . Também está ligado ao contrabando de armas e, mais recentemente, à receptação de carga roubada. Os grupos que hoje comandam o crime no país surgiram no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, na década de 70.
Entre as principais organizações estão o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, o PCC, de São Paulo.
Eles reúnem milhares de criminosos sob rígido regime hierárquico de compromissos e responsabilidades.
Para ingressar no PCC, o presidiário deve fazer seu “batismo” com sangue e comprometer- se com os “irmãos da prisão”, por meio de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ações de resgate.
Mesmo trancafiados, os líderes asseguram uma teia de contatos que liga o mundo das prisões com as atividades das ruas. Das prisões, planejam e comandam as operações externas, orientam os “negócios” e controlam as organizações contando com a cumplicidade de agentes penitenciários, que subornados ou ameaçados, se envolvem nos mecanismos do crime organizado. Renovando-se através da cooptação de novos elementos, essas organizações têm poder de resistência surpreendente e suas atividades criminosas representam dilema quase insolúvel para as autoridades.
O enfrentamento direto que, cada vez mais, descamba para a troca de tiros em locais urbanos, é modalidade de combate com grande visibilidade pública, mas não funciona como solução permanente.
Sem políticas públicas de inclusão social, os jovens carentes acabam seduzidos pelo dinheiro “fácil” do narcotráfico. A esse respeito, vale a pena conferir o filme “Cidade de Deus”, de Fábio Meireles.
Outro desafio encontra-se no sistema carcerário. Para que os presídios brasileiros não continuem sendo uma linha de produção da delinqüência, seriam necessárias providências como a recuperação salarial dos agentes penitenciários, a solução do problema da superlotação nas prisões e, principalmente, a implementação de programas de ressocialização capazes de inserir os ex-detentos na sociedade.
Também é flagrante a necessidade de uma reformulação na polícia. Melhores salários e preparação mais adequada dos policiais, campanha de valorização profissional para mudar a imagem social dos “homens de farda” são aspectos que poderiam contribuir para reduzir os índices de corrupção na corporação. Outras alternativas vêm sendo discutidas, como a unificação das polícias civil e militar e maior cooperação entre o governo federal e as autoridades dos Estados e municípios na formulação de políticas de segurança.

Origem do Comando Vermelho
Símbolo do crime organizado, o Comando Vermelho (CV) transformou-se numa griffe do crime e embala a imaginação dos jovens moradores dos morros cariocas que sonham alcançar o status de membro do CV – o que, acreditam, lhes traria poder, reconhecimento e proteção.
O Comando Vermelho surgiu no final da década de 70, no presídio Cândido Mendes (RJ), do convívio de detentos comuns com os militantes da Falange Vermelha, facção armada que lutava contra o regime militar. Segundo William da Silva Lima, o “Professor”, um dos fundadores da organização, “quando foi criado, o CV não era uma organização, mas um comportamento contra as arbitrariedades do sistema prisional.”. Apoiada no lema “Paz, Justiça e Liberdade”, na sua origem a facção mesclava criminalidade com idéias de justiça social, criando um código de ética dentro dos presídios.
A organização adquiriu suas feições atuais em meados dos anos 80, quando a cocaína entrou no Rio de Janeiro e foi substituindo a maconha. O comércio dessa droga, que movimenta milhões de dólares, transformou o crime em “organizado”, isto é, dotado de uma hierarquia de poder.

A execução de Marcinho VP
O assassinato do traficante Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, em julho último, no presídio de Bangu 3, reacendeu a polêmica sobre o excessivo destaque que a imprensa confere aos líderes do crime organizado. A trajetória de Marcinho VP é descrita, minuciosamente, nas páginas da obra Abusado, o dono do morro Dona Marta, do jornalista Caco Barcelos, que acaba de ser lançada pela editora Record.
Suspeita-se que Marcinho VP foi executado pela própria organização da qual fazia parte, o CV, em razão de ter se transformado numa “estrela” da vida marginal e revelado os meandros da organização. Abusado, uma reportagem policial, é leitura indispensável para conhecer com mais profundidade os mecanismos de funcionamento do crime organizado nos morros cariocas: a estrutura de distribuição das drogas, as disputas em torno do controle dos pontos de comércio, os fatores que levam centenas de jovens a se envolverem com a vida do crime.

Boletim Mundo Ano 11 n° 5

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