sexta-feira, 24 de junho de 2011

VIAGEM À “IDADE DA PEDRA” DE 1973

Enquanto os judeus celebravam o Yom Kipur, o Dia do Perdão, em 5 de outubro de 1973, mais de 800 mil soldados egípcios cruzavam o Canal de Suez, dando início, de surpresa, a uma guerra pela reconquista de territórios árabes perdidos aos israelenses quase sete anos antes. A Guerra do Yom Kipur, como seria conhecida, terminou 19 dias depois. Mas apenas começava outra crise – dessa vez econômica – que paralisaria quase todo o mundo, lançando também o temor generalizado de que um planeta movido a petróleo estaria para sempre à mercê dos principais produtores do combustível.
No dia 17 de outubro, quando a guerra no deserto se inclinava para o lado de Israel, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em conferência no Kuwait, decretava um embargo do fornecimento aos Estados Unidos e à Europa Ocidental, acusados de apoiar a ocupação israelense de territórios árabes.
As conseqüências foram terríveis. Em poucas semanas, países industrializados que dependiam do petróleo importado literalmente pararam. Os noticiários de TV mostravam cenas de estradas vazias. Aconteceram, até, reações patéticas: a Holanda, com suas fábricas paralisadas, decidiu solenemente bloquear as exportações de tulipas aos países árabes...
O embargo durou apenas dois meses, mas aquele mundo que rodava à base do petróleo barato jamais seria o mesmo. A OPEP retomou as exportações promovendo um “choque de preços” e o barril de petróleo, que custava US$ 2,29 em 1972 e US$ 5,11 no início da guerra, atingiu US$ 11,65 em dezembro. O “choque de preços” arrebentou as finanças de muitos países, desequilibrando as contas externas das economias industrializadas e, mais ainda, dos países em desenvolvimento.
O Brasil, que importava 78% do petróleo consumido, viu o saldo da balança comercial, positivo há uma década, inverter de sinal. Em 1974, o déficit no comércio externo alcançou US$ 724 milhões.
A primeira crise do petróleo, como ficou conhecida, repercutiu além da economia, invadindo a esfera das concepções de mundo. A crença no progresso permanente das sociedades industriais foi ferida de morte. Nascia o movimento ecológico contemporâneo, que se expressou pela emergência dos partidos verdes europeus e a ativação da “diplomacia ambiental”. A crítica ecológica à queima desenfreada de combustíveis fósseis misturou-se com o mito do esgotamento iminente das reservas mundiais de petróleo.
O Departamento de Energia dos Estados Unidos chegou a profetizar o apocalipse, prevendo que a escassez física das reservas se refletiria em preços de até US$ 250 por barril na virada para o século XXI. O mundo lançou-se à busca de fontes alternativas de energia. O Brasil, ainda sob regime militar, mergulhou em 1975 no Proálcool, um plano ambicioso destinado à produção massiva de veículos movidos a álcool, combustível menos poluente, renovável e que, imaginava-se, logo substituiria o petróleo nos carburadores verde-amarelos.
O mundo ainda sofreu uma nova crise do petróleo no final dos anos 70, quando a Revolução Islâmica no Irã paralisou as exportações do então segundo maior produtor mundial. Mas o panorama energético global e a política mundial do petróleo evoluíram em direções que poucos imaginavam naqueles dias da “Idade da Pedra” de 1973.
O mito do esgotamento do petróleo desabou sob o impacto da descoberta de novas reservas. As prospecções, turbinadas justamente pelos “choques de preços”, revelaram vastos depósitos no Mar do Norte, na China, na África, na Bacia do Cáspio e, principalmente, no próprio Golfo Pérsico. As reservas comprovadas de petróleo cresceram mais de duas vezes e meia em vinte anos . O Brasil, que em 1973 produzia 155 mil barris/dia, atingiu 1,45 milhão de barris/dia em 2002, aproximando-se da auto-suficiência.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos, superpotência militar e maior consumidor mundial de petróleo, formularam uma estratégia e uma geopolítica destinadas a assegurar o fornecimento ininterrupto do combustível para as economias ocidentais. O núcleo da estratégia consistiu numa aliança especial com a Arábia Saudita e, através dela, com os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). A Arábia Saudita passou a funcionar como uma espécie de torneira de segurança.
Nos momentos de aumento da demanda, os sauditas utilizam a sua capacidade ociosa para aumentar a oferta, regulando assim os preços. Não é casual que, na última década, a crise da monarquia saudita gerada pelo fundamentalismo islâmico tenha passado a figurar como prioridade máxima da política externa de Washington.
É verdade que, desde o “choque” de 1973, os preços internacionais do petróleo nunca foram os mesmos.
Mas a violenta oscilação para cima deu lugar, desde meados da década de 80, a uma curva para baixo e a uma  certa acomodação instável . Ao longo do tempo, a tensão constante no Oriente Médio – a Guerra Irã-Iraque (1980-88), a primeira Guerra do Golfo (1991) e a segunda Guerra do Golfo (2003) –encheram as impressoras de altos-e-baixos nas cotações do combustível. Mas a economia mundial conseguiu absorver as flutuações e os preços se mantiveram em níveis administráveis. Depois de 1991, o embargo internacional contra o Iraque de Saddam Hussein não teve grandes conseqüências, a não ser, é claro, para a própria economia iraquiana.
Globalmente, a matriz energética sofreu mudanças razoavelmente significativas, mas o petróleo não foi substituído no seu trono: em 1973, respondia por 47% do consumo mundial de energia; hoje, representa ainda quase 43%. O carvão mineral caiu muito mais, de quase 14% para menos de 8%. As principais fontes substitutas, contudo, são o gás natural e, principalmente, a hidroeletricidade, cuja participação saltou de menos de 10% para quase 16%. As fontes alternativas, como a solar e a eólica, experimentaram crescimento mas ainda representam menos de 4% do total .
Trinta anos depois do susto provocado pelo rugido do leão da OPEP e pelo bafo na nuca do dragão da escassez de petróleo, os dois animais parecem ter se transformado em singelos bichinhos de estimação. O que sobrou da “Idade da Pedra” instalada há três décadas, em 1973? Sobrou a crítica ecológica à queima de combustíveis fósseis – agora adensada pelas provas do aquecimento global.

Boletim Mundo Ano 11 n° 5

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