A International Bible Society, dos Estados Unidos, já mandou 60 mil bíblias ao Iraque, em pacotes com a inscrição “Deus traz a paz”. Centenas de missionários se incorporam às operações de ajuda humanitária como “trabalhadores cristãos”, empenhados em abrir caminho para os seus proselitismos num país islâmico sob ocupação militar ocidental.
Pacotes de alimentos de primeira necessidade, doados pelo International Mission Board, carregam junto as Sagradas Escrituras. A maior denominação protestante americana, a Southern Baptiste Convention, com 16 milhões de fiéis, foi militante pró-guerra e tem forte presença no pós-guerra. Junto com a Samaritan Purse, organizou as preces coletivas no dia em que Bush assumiu a presidência. No começo de maio, quando Bush anunciou o fim dos combates, se disseram prontas para ajudar os iraquianos, “física e espiritualmente”.A disposição é de “amá-los e salvá-los, em nome de Deus, em estreito contato com as autoridades dos Estados Unidos”. O próprio Bush, em sua mensagem radiofônica semanal que coincidiu com as celebrações da Páscoa cristã e o Passover hebraico, falou do “significado especial para nossos homens e mulheres fardados”. A falta dos familiares “é dura nesse período santo, mas é preciso, como contrapartida, recordar os valores da liberdade e o poder de um amor mais forte do que a morte”. E que “o Bem triunfou sobre o Mal”.
Discurso messiânico, um dos mais religiosos já feitos por Bush, que lê a Bíblia diariamente e promove rezas antes dos encontros com assessores mais íntimos.
No ano 1424 da Hégira, o início do calendário muçulmano, e 2003 da Era Cristã, a jihad (guerra santa) é invocada em nome de Alá e o Império bombardeia em nome da divina providência. Em termos concentrados, é o confronto entre o fundamentalismo wahabita de Bin Laden e o “fundamentalismo texano” de Bush. Pensou-se que os elementos de tumulto fossem sair do materialismo e do racionalismo ateus, como anunciavam os púlpitos, mas são as religiões que ocupam o centro das lutas no mundo.
Não é só o “eixo do mal”. Nas Molucas, arquipélago da Indonésia, cristãos e muçulmanos se matam com crueldade. O mesmo tipo de conflito ocorre nas Filipinas.
Na Nigéria, muçulmanos decidiram aplicar a lei islâmica na parte do país onde são majoritários e explodiu a violência, com enorme saldo de mortos. Na Índia, fundamentalistas hindus martirizam muçulmanos.
Mas o wahabismo, de uma “pureza” explosiva, com a cobertura dos dólares do petróleo saudita, atacou as torres gêmeas e o Pentágono. Bateu de frente com o (neo)evangélico americano número um, George Bush, chefe verdadeiro da direita religiosa dos Estados Unidos, segundo o Washington Post. O líder do Partido Republicano na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Tom Delay, disse que entrou na política para promover uma “visão bíblica mundial”. Além disso, a direita americana quer um substituto do comunismo, um novo “alvo principal”, e o islamismo parece encaixar- se nos requisitos de grupos religiosos que assumem a vanguarda de uma guerra nada fria.
Em conferência realizada por esses grupos em Washington, o islamismo foi chamado de “religião diabólica e viciosa”. Maomé teria sido um “pedófilo possuído pelo demônio”. Ou um “fanático de olhos selvagens, ladrão e bandido”. São declarações textuais, reproduzidas por um colunista do New York Times. A National Association Evangelical não gostou das expressões, mas concorda com sua “substância”. Alerta que insultos prejudicam trabalhos de relações públicas e colocam missionários em risco. Quando ocorreu a conferência em Washington, os depósitos da direita religiosa americana já estavam cheios de materiais “didáticos” destinados ao Iraque.
O vice-presidente americano Dick Cheney fala de uma guerra de trinta anos contra o terrorismo. É o que a intelectual Susan Sontag, uma rara voz crítica, define como estado de alerta permanente. Ou guerra permanente.
Cheney talvez esteja com a alma cristã tocada pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), a mais sangrenta da história em termos proporcionais. Matou a metade da população alemã da época. Foi uma guerra “sobre tudo religiosa e travada com a ferocidade característica dessas guerras”, nos ensina a Enciclopédia Britânica.
Desse jeito, matando e saqueando, católicos e protestantes enfrentaram questões criadas pela Reforma, com a União dos Príncipes Protestantes de um lado e a Liga Católica do outro. Cheney teria escolhido o século XVII como nosso “espelho distante”? Foi o século do fundamentalismo cristão, da revolução puritana de Cromwell e de uma extraordinária aventura de fanáticos fundamentalistas, os peregrinos que desembarcaram em Cape Cod em 1620, a pedra fundamental do Império que hoje bombardeia em nome da fé cristã.
Há quem fale num “efeito espelho”. A visão do laicismo ocidental teria produzido os fundamentalismos dos colonizados. Os fanáticos hindus só apareceram depois da chegada dos ingleses na Índia. Os árabes em visita às metrópoles ocidentais idealizaram uma “modernidade islâmica” que acabou em Bin Laden e resultou numa Jihad contra McDonald, título do livro de Benjamin Barber. Agora seria também McDonald, evangélico e imperial, contra a jihad.
Boletim Mundo Ano 11 n° 5
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