quarta-feira, 3 de agosto de 2011

BIG STICK INSPIRA POLÍTICA CONTINENTAL DE BUSH

Newton Carlos

Obsessão é preparar a derrubada de Fidel Castro, mas os projetos abrangem um golpe de Estado na Venezuela de Chávez e a escalada militar na Colômbia.
George Bush ressuscitou uma velha guarda da Guerra Fria para que ela voltasse a cuidar de questões latino-americanas ou de regiões de conflitos. É o caso de Elliot Abrahms, a cargo do Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Abrahms foi assistente do secretário de Estado para a América Latina no governo Ronald Reagan (1981-88) e andou envolvido em operações ilegais de apoio à guerrilha anti-sandinista dos “contras”, na Nicarágua. Dois de seus assessores de origem hispânica, um deles cubano de nascimento, condenado por “falsidade ideológica” e perdoado por Bush pai, comandam a tropa de Bush filho para a América Latina.
Otto Reich, depois de vetado pelo Congresso para o cargo de subsecretário, foi nomeado enviado especial para a América Latina, cargo que independe de aprovação parlamentar. É o chefão. Roger Noriega ficou primeiro como embaixador na OEA e em seguida passou à subsecretaria. Cabeças viciadas em práticas antigas e ausência absoluta de sinais de renovação. A obsessão por Cuba, acima de tudo. Embora tenha privilegiado o México em sua primeira visita ao exterior como presidente, Bush não tinha um rumo claro em política latino-americana quando assumiu – e nem parecia interessado em ter.
Alca e livre comércio estavam fora do campo “político” e das áreas de atuação de Reich e Noriega, os “cubanos” de Bush. A idéia fixa em Cuba se sobrepunha à própria Colômbia e sua interminável guerra civil, vistas como caso especial, no âmbito de guerras mais amplas. Reich percorreu o continente, logo depois da posse de Bush, com o recado de que a política de isolamento de Cuba é intocável. Cuba será, possivelmente, o único tema latino-americano de importância na campanha de Bush à reeleição. Ele procura atrair os votos hispânicos de modo geral, mas a Flórida continua sendo um dos estados- chave, onde os votos cubano-americanos têm muito peso.
Uma comissão “Free Cuba”, com mais ou menos cem especialistas de agências do governo, opera desde dezembro dentro do Departamento de Estado. Ela trata de acelerar o que Noriega chama de “transição”. Segundo um de seus membros, Andrew Natsios, os Estados Unidos buscam uma estratégia que “salve vidas e reduza o sofrimento”. As conclusões estão previstas para maio ou junho, em plena campanha eleitoral. Há três cenários: transição “pacífica”, transição “com espasmos de violência” e transição “desordenada”. Com o andar da carruagem, no entanto, outras questões foram se impondo.
A venezuelana, por exemplo, de início encarada  com “negligência benévola” e depois com “torpezas diplomáticas”, como escreveu o jornal Washington Post.
Reich deu sua primeira grande mancada na Venezuela.
O governo Bush apoiou uma tentativa de golpe, a 11 de março de 2002, antes que o golpe se consumasse.
Uma presidência-relâmpago logo se apagou mesmo com a benção de Washington. Curiosa é a abordagem de Reich e sua turma. Ele vive dizendo que a Venezuela não será “outra Cuba”. Fala da existência de relatórios apontando a presença de “agentes cubanos” no país andino. Estariam se incorporando ao aparato de inteligência do presidente Hugo Chávez. Tipos físicos, caras de cubanos, segundo Reich, indicam isso...
O que os “cubanos” de Bush entendem por “outra Cuba”? Chávez – não importa no caso o que veio depois – derrotou nas urnas uma classe política corrupta, que saqueou cofres repletos de dólares do petróleo enquanto aumentava a miséria da população.
Empunhou a bandeira anti-FMI, anti-neoliberalismo, anti-Consenso de Washington. “Outra Cuba” significaria, portanto, novos desafios à hegemonia dos Estados Unidos em seu velho “quintal”. Não podem ser tolerados.
Países latino-americanos pensaram em relançar o “espírito de Contadora”. Nos anos 80 o Grupo de Contadora, nome de uma ilha panamenha onde se reuniram seus criadores, entre os quais o Brasil, tentou encaminhar uma “solução latino-americana” para a guerra civil na Nicarágua. A “nova Contadora” atuaria na Colômbia. Mas o império não aceita limitações. Nos anos 80 não foi possível fazer nada de prático em relação à Nicarágua e o Grupo de Contadora se dissolveu.
Agora, sequer foi possível relançá-lo com vistas à tragédia na Colômbia.
Nas duas etapas, o obstáculo foi a presença de Reich: antes, andava metido até o pescoço com os “contras”; hoje, é um entusiasta do presidente linha-dura da Colômbia, Álvaro Uribe, cujos punhos de ferro não conseguem pacificar o país. O governo Bush optou plenamente, com Uribe, pela solução militar e incrementou os componentes de força do Plano Colômbia. Há rumores até que soldados americanos estariam protegendo oleodutos...
Negociações caíram na escala de prioridades. As condições exigidas por Uribe impedem qualquer retomada de conversações. Um ex-chefe guerrilheiro, Antônio Navarro Wolf, cujo grupo entregou as armas em 1989 e internou-se numa “esquerda democrática” legal, não vê possibilidade de solução militar, pelo menos no próximo quarto de século. Está convencido de que uma solução, se é que existe, tem de passar necessariamente por negociações políticas. Mas, numa Colômbia encaixada em guerras mais amplas, contra o tráfico de drogas e também contra o terrorismo, segundo modelos vigentes em Washington, as ordens são de fogo e não de diálogo.
No meio de tudo isso, ainda houve o Haiti. A equipe de Reich e Noriega promoveu um giro de 180 graus na política americana de apoio ao governo de Jean-Bertrand Aristide, financiou grupos de oposição e, aproveitando o caos instalado no país, montou uma rápida intervenção militar. Com apoio da França, o presidente foi obrigado a renunciar e transferido à força para a República Centro-Africana. Tropas brasileiras preparam- se para embarcar rumo ao Haiti, a fim de participar da força de paz da ONU que, na prática, sustentará o novo governo criado sob a tutela de Washington e Paris.

“ELE É DE ESQUERDA E EU DE DIREITA,MAS NOS DAMOS BEM”
Na primeira visita de Lula a Bush ouviu-se que as relações entre os dois ainda iriam “surpreender”.
Bush, em suas avaliações primárias, quase ingênuas, se não fossem em geral perigosas, comentou o encontro com uma observação carinhosa. “Dizem que ele é de esquerda e eu de direita, mas nos damos bem”, foi a frase do presidente americano registrada em publicações dos Estados Unidos. Nada demais, no entanto, para os que acompanhavam com lentes de aumento as reações em Washington à eleição de Lula, na expectativa de desencontros e não encontros.
Ledo engano. O primeiro “uau” aconteceu com uma conferência num centro de estudos neoconservador, reduto de falcões, de Otto Reich, o homem de Bush para a América Latina. Reich procurou demolir as análises pessimistas em relação a Lula. A Latin America Newsletters, editada em Londres, foi uma das poucas publicações a registrarem o que disse Reich. “Dureza com Castro, mãos de luvas com Lula”, informava a matéria em seu título. Reich garantiu a interlocutores privilegiados, com inserções formais e informais no governo Bush, que Lula não seria “outro Chávez” e muito menos “outro Castro”.
Reich falou antes da posse de Lula, tratando de dissipar, com aval do Departamento de Estado e da Casa Branca, inquietações a seu ver injustificáveis. Desde a eleição o governo Bush encarou Lula como referência latino-americana de grande peso e com a qual os embates envolvendo interesses nacionais, de ambos os lados, deveriam ficar acima de possíveis confrontos ideológicos. Alienar um governo democrático, num Brasil gigantesco, seria mais um erro. Pragmatismo raro na tribo dos Bush. A isso devem ser creditadas as simpatias pela reivindicação do Brasil de ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e a articulação para entregar ao Brasil o comando de uma força de paz no Haiti.

Boletim Mundo Ano 12 n° 3

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