(Meron Benvenisti, Haaretz, 22 de abril de 2004)
Israel tem o direito de conservar parte dos territórios da Cisjordânia anexados após a Guerra dos Seis Dias (1967), declarou o presidente George Bush, em entrevista coletiva realizada na Casa Branca, no dia 14 de abril, ao lado do primeiro- ministro de Israel, Ariel Sharon. Na Cisjordânia, vivem 2,3 milhões de palestinos e 230 mil colonos judeus em 120 assentamentos ilegais. A posição de Bush rompe com o princípio – defendido durante décadas pelos próprios Estados Unidos, pelas Nações Unidas e pelas principais potências do planeta – de que a anexação dos territórios palestinos ocupados, mesmo se parcial, é um obstáculo intransponível a qualquer plano de paz no Oriente Médio. Rompe também com o princípio de que a solução do conflito exige um acordo formal entre Israel e os palestinos, o que exclui a definição unilateral de fronteiras por Israel.
Para tornar a situação ainda mais explosiva, Bush também afirmou que os 4,5 milhões de palestinos espalhados pelo mundo, se quiserem voltar para casa, terão que se ajeitar exclusivamente nos limites territoriais do eventual Estado Palestino. Na prática, isso equivale a anular antecipadamente uma das principais reivindicações palestinas e, talvez, transformar em letra morta o próprio direito de retorno.“À luz das novas realidades no terreno, incluindo a existência de fato de importantes centros populacionais israelenses na área, é irrealista esperar que o resultado das negociações sobre o status final seja o retorno completo e total às linhas do armistício traçadas em 1949”, disse Bush.
As fronteiras de 1949 foram traçadas após a primeira guerra árabe-israelense. A declaração abre a possibilidade de anexação, por Israel, das áreas situadas em torno do setor árabe de Jerusalém, onde foram criados alguns dos assentamentos judeus mais densamente povoados. Caso se confirme essa hipótese, aliás muito provável, isso tornará ainda mais distante a proposta palestina, rejeitada por Israel, de fazer de Jerusalém a capital binacional de Israel e de um futuro Estado Palestino.
Bush elogiou, ainda, a iniciativa de Ariel Sharon de retirar os assentamentos de 7 mil colonos judeus da Faixa de Gaza, onde vivem cerca de 1,3 milhão de palestinos, caracterizada como um “gesto histórico” que abre o caminho para a paz. Para os palestinos, isso soa como zombaria. “Não há mais solução política a partir do momento em que os Estados Unidos dão o sinal verde à anexação territorial. A diferença entre radicais e moderados vai desaparecer. Isso a meu ver é capital”, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo Elias Sanbar, representante em Paris do Instituto de Estudos Palestinos, entidade baseada em Beirute e com centros também em Washington e Jerusalém. Em outros termos, a declaração de Bush enterra os esforços de uma saída política, tal como a tentada pelos negociadores de Genebra.
Mesmo a combalida Autoridade Palestina (AP), presidida por Yasser Arafat e normalmente disposta a aceitar as iniciativas de Washington, foi empurrada para uma posição de enfrentamento. “Ninguém no mundo tem o direito de abrir mão dos direitos palestinos.
Não aceitaremos isso”, declarou o premiê palestino, Ahmed Korei, ao exigir que o Quarteto (União Européia, ONU, Rússia e Estados Unidos) organize uma conferência internacional para “discutir a negligência em relação aos direitos palestinos”.
Um comunicado oficial da AP afirma que Bush “endossa a existência ilegal das colônias habitacionais israelenses e sua expansão sobre o território palestino, além do muro da segregação que confisca 58% de nossas terras na Cisjordânia. Também substitui o ‘mapa do caminho’ pelo Plano Sharon de expansão, colonização por meio de colônias habitacionais, perpetuação da ocupação e pela continuação da construção do muro racista de segregação, sem mencionar o fato de que dificulta a criação de um Estado Palestino independente, tendo Jerusalém como sua capital. O caráter condicional da retirada israelense de Gaza e a continuação do controle israelense sobre as fronteiras da Faixa de Gaza com o Egito, bem como sobre o espaço aéreo, terrestre e marítimo são prova de que essa não é uma retirada: ao contrário, sua intenção é transformar Gaza em uma grande prisão isolada. Esse plano é um plano contra Jerusalém e, portanto, contra os lugares santos islâmicos e cristãos.”
O Plano Sharon está sendo apresentado em Israel como um “desligamento” entre o Estado judeu e os territórios ocupados, começando pela Faixa de Gaza e continuando, após a conclusão do “muro de segurança”, pela Cisjordânia. O Paz Agora, movimento pacifista israelense, surpreendentemente saudou o “desmantelamento de colônias” e os sinais do “fim da conquista”. Na verdade, Sharon pretende conservar a soberania israelense sobre toda a Palestina e estabelecer enclaves palestinos isolados na Faixa de Gaza e em três regiões separadas da Cisjordânia (veja o Mapa). O resultado não seria sequer um Estado Palestino inviável, mas uma coleção de “bantustões palestinos”, como os que a África do Sul do apartheid tentou criar para erradicar a população negra.
O quadro criado pelo apoio de Washington ao Plano Sharon reforça a perspectiva fundamentalista defendida pelo Hamas, de que não há saída possível a não ser a eliminação do Estado de Israel. O Hamas já havia sido extraordinariamente fortalecido, em 22 de março, com a execução do seu líder espiritual, o xeque Ahmed Yassin, assassinado pelo exército israelense quando saía de uma mesquita, perto de sua casa, no bairro de Sabra, em Gaza. Cerca de 200 mil palestinos compareceram ao enterro, jurando vingança. À época, o jornalista israelense Uri Avnery, veterano militante da luta pela paz, fez uma análise profética: “O destino do Estado de Israel encontra-se nas mãos de um grupo de pessoas cuja visão é primitiva, e cujas percepções são retardadas. Eles são incapazes de compreender as dimensões racionais, emocionais e políticas do conflito. (...) A ação de ontem (...) golpeou terrivelmente a possibilidade de encerrar, com a palavra “fim”, três conflitos: o palestino-israelense, o árabe-israelense e o israelense-islâmico.”
A estratégia de Sharon destina-se, antes de tudo, a dinamitar de uma vez por todas as chances de um acordo de paz. Seu objetivo secundário consiste em salvar seu próprio governo, envolto em um escândalo de corrupção e abalado por uma desastrosa política econômica.
O acirramento do conflito com os palestinos serve para convocar a coesão nacional em defesa de Israel. O sucesso de seu plano tem significado catastrófico para os povos israelense e palestino que, afinal das contas, estão condenados pela história e pela geografia a compartilhar o mesmo pedaço do planeta.
Boletim Mundo Ano 12 n° 3
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