sexta-feira, 14 de outubro de 2011

MILÊNIOS DE HISTÓRIA

José Arbex Jr.

Damasco, a capital mais antiga do mundo (segundo a Enciclopédia Britânica, o nome deriva de Dimashka, palavra de etimologia pré-semítica, cuja origem se perde na história), é fascinante. Em suas ruas, mesmo o mais distraído visitante tropeça em milênios de história. A presença tão marcante de um tempo contínuo imprime a sua marca no psiquismo das pessoas: para o damasquino típico, um fato ocorrido há 500 anos é relativamente recente. Eles falam devagar, pausadamente. Pergunto a razão, encontro a resposta: “Estamos há 5 mil anos por aqui. Para quê ter pressa?”
No mercado, que existe há 1.800 anos no mesmo local, encontra-se de tudo: de ouro e prata a especiarias, de seda e algodão a artesanatos e perfumes. E, claro, encontra-se muita comida. Comer bem é uma arte, é parte fundamental da cultura síria e, nessa medida, revela uma percepção da vida diametralmente oposta à sugerida pelo conceito do fast food (embora também o fast food faça parte da culinária árabe, como provam o quibe, a esfiha e os sanduíches de carne e falafel).
Nos restaurantes, por exemplo, antes de consultar o cardápio, os clientes fumam narguilé, com 35 opções diferentes de aroma; em seguida, é a vez das pastas e só depois começa a se pensar no prato principal.
O preço de tudo é barato, quando comparado ao praticado em São Paulo. Pode-se comer muito bem com vinte reais.
A parte velha de Damasco concentra boa parte da história do Cristianismo e do Islã . Ali estão preservados os locais da conversão de Paulo e os templos onde viveram e pregaram santos e apóstolos; os portões por onde penetraram os exércitos islâmicos; a magnífica mesquita dos Omíadas (erguida sobre um antigo templo romano dedicado a Júpiter); um museu de história da medicina que ocupa o lugar de um hospital construído no final do primeiro milênio, muitos séculos antes de a Europa sequer sonhar com algo semelhante; ali estão também palácios, monumentos, tumbas de reis, califas e profetas.
Pode-se caminhar tranqüilamente, dia e noite, contando com a colaboração e boa vontade dos habitantes, que, não raro, falam inglês e francês  (estatísticas da ONU mostram que a Síria é um dos países com uma das taxas de criminalidade mais baixas do mundo). A universidade pública (e gratuita) de Damasco, aliás, é freqüentada por 250 mil universitários. São comuns os programas de especialização no exterior financiados pelo Estado, com a condição de que o beneficiado, após a conclusão do curso, trabalhe por um certo tempo no setor público, como forma de pagamento.
A marca de milênios de história está impressa por todos os cantos da Síria. A cerca de 80 quilômetros de Damasco, por exemplo, fica Malula, cidade incrustada nas montanhas, cujos habitantes ainda falam o mesmo aramaico da época de Cristo, e onde existe uma capela de mais de 1.700 anos escavada na rocha (alguns historiadores acreditam ser a igreja cristã mais antiga do planeta). Na vizinha Iabrud há uma outra igreja onde, reza a lenda, o imperador romano Constantino consagrou a sua conversão ao cristianismo, no século IV. Um pouco mais distante, em Hamas, ainda funciona um sistema milenar de irrigação por rodas d’água, e a cerca de 200 quilômetros da capital encontra-se a Fortaleza dos Cavaleiros, um imponente castelo construído pelos cruzados.
Na mesma região fica o oásis de Palmira, com as ruínas de um centro imperial onde viviam cerca de 25 mil pessoas à época de Cristo, e também a cidadela romana de Afâmia. Na costa, em Ugarit, fica o local onde o homem compôs o primeiro alfabeto, no século XV a.C. É difícil encontrar alguma região do país onde não existam traços de antigas civilizações.
A capital econômica, Alepo, fica a 400 quilômetros de Damasco. É outra cidade cuja origem se perde nos tempos. O seu multi milenar mercado municipal integra nada menos que doze quilômetros de ruas, todas divididas segundo especialidades: tecidos; sabões, sabonetes e óleos para massagem e higiene corporal; especiarias; artesanato; doces; frutas etc. Algumas das lojas ficam em antigos caravançarás, locais que serviam de abrigo às caravanas que percorriam o mundo oriental, incluindo a famosa “rota da seda” trilhada por Marco Pólo.
O local, com sua profusão de cheiros e cores, exerce uma atração mágica sobre o transeunte, especialmente se dotado de imaginação histórica. A cidade é dominada por uma magnífica fortaleza islâmica que funcionou como sede de vários califados. Por ali teria passado o profeta Abrão, em cuja homenagem foi construída uma mesquita.
A sensação mais impressionante reservada ao visitante é o total contraste entre aquilo que se vive no cotidiano local e a impressão causada pelo noticiário propagado pelos veículos ocidentais. Nos jornais, Síria é sinônimo de um mundo sombrio, autoritário, conservador, atrasado, anacrônico e, claro, terrorista. Nada se sabe sobre a vida real das pessoas. É como se toda a sociedade – com os seus milênios de tradição e história – pudesse ser descrita pelo rótulo “ditadura terrorista”.
Conversei sobre isso com vários jornalistas, professores, pessoas com quem me encontrei por toda a Síria. “Vocês temem um ataque dos Estados Unidos?”, perguntava.
Em situações distintas, vários deles responderam da mesma forma: “Você viu, por toda a Síria, o que sobrou dos vários impérios que nos atacaram. Há muito, eles viraram ruínas, mas nós ainda estamos aqui.
Os Estados Unidos cometeram um erro ao atacar o Iraque. Ninguém invade impunemente um país com 5 mil anos de história.
Que venham. O império americano, como todos os outros, passará; nós não.”
O mito da “Grande Síria”
Na Antiguidade, a Síria abrangia também os atuais  Líbano, Israel e Jordânia, além de partes do Egito, Turquia e Iraque. Após a conquista muçulmana, entre 661 e 750, Damasco foi a sede do califado, o império árabe-muçulmano. Bem mais tarde, entre 1516 e 1918, a Síria foi submetida ao império Turco-Otomano.
A Síria contemporânea nasceu com a revolta árabe deflagrada por Hussein, o xarife (príncipe) de Meca contra o domínio otomano, durante a Primeira Guerra Mundial. A campanha militar, dirigida por Faiçal, um dos filhos de Hussein, e pelo agente britânico T. E. Lawrence (o “Lawrence da Arábia”), concluiu-se com a tomada de Damasco, em 1918.
Mas os britânicos, traindo seus aliados árabes, recusaram a soberania prometida a Faiçal e entregaram-se à partilha do Oriente Médio. Sob a cobertura dos mandatos da Liga das Nações, a Síria e o Líbano foram entregues à França. A Grã-Bretanha ficou com o Iraque, a Transjordânia (atual Jordânia) e a Palestina.
Síria e Líbano conquistaram a soberania apenas em 1946, por decisão da ONU. Na década de 50, o Partido Baath, organizado em torno da doutrina do pan-arabismo, passou a controlar o Estado sírio. O sonho da unidade da “nação árabe” expressou-se no projeto da República Árabe Unida (RAU), uma efêmera união entre Síria e Egito, entre 1958 e 1961.
Em 1976, no quadro da guerra civil no Líbano, a Síria enviou tropas ao país vizinho.
Cerca  de 16 mil soldados sírios permanecem no Líbano, apesar de uma resolução da ONU, do ano passado, solicitando a retirada. Do ponto de vista de Damasco, o Líbano não existe como Estado, pois é apenas uma província da “Grande Síria”.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

TSUNAMI EXPÕE ATRASO TÉCNICO DOS PAÍSES DO ÍNDICO

Nelson Bacic Olic

O fim de 2004 ficou marcado pelo tsunami que atingiu 13 países da Ásia e da África, na bacia do Índico. Nunca se saberá o total exato de vítimas fatais. As últimas estimativas giram em torno de 320 mil, a quase totalidade (95%)  habitantes da Indonésia, do Sri Lanka, da Índia e da Tailândia. Entre os desastres naturais dos últimos 150 anos, este evento figura entre os mais mortíferos.
Tsunami são ondas ocasionadas por abalos sísmicos submarinos ou grandes movimentos de massas nas vertentes das bacias oceânicas. Em alto-mar, essas ondas têm poucas dezenas de centímetros e deslocam-se em altíssima velocidade.
Nas proximidades da costa, perdem velocidade e ganham altura, transformando-se em vagalhões imensos.
O tsunami originou-se de um maremoto com epicentro numa área do Índico a cerca de 180 quilômetros do litoral norte da ilha de Sumatra (Indonésia). A região situa-se na faixa de contato de duas placas tectônicas, a Indo-Australiana e a Euro-asiática, que se sobrepuseram e geraram um abalo sísmico de 9 graus na escala Richter.
Os níveis de destruição foram determinados por uma combinação de fatores, entre os quais destacam-se a distância do epicentro, as características morfológicas do litoral, a ocupação e valorização econômica da fachada litorânea e as condições sociais das populações atingidas.
A combinação desses fatores fez da Indonésia o país com maior número de vítimas – cerca de 80% do total. Por outro lado, foi expressivo o número de turistas, em geral europeus, que morreram nos resorts da costa ocidental tailandesa.
No Sri Lanka e na Índia, o tsunami vitimou populações pobres de pescadores e camponeses que moravam à beira-mar.

FOCOS DE CONFLITOS
Curiosamente, três das principais áreas atingidas – a província de Aceh (Indonésia), o norte e leste do Sri Lanka e o sul-sudeste da Índia (estado de Tamil Nadu) – são, ou foram num passado recente, focos de conflitos geopolíticos.
A província de Aceh situa-se na ponta noroeste da ilha de Sumatra, uma das quatro grandes ilhas entre as 15 mil que formam o arquipélago da Indonésia. Banda Aceh, capital da província, foi a cidade com o maior número de vítimas do tsunami. Aceh é um “território especial” da Indonésia, devido a seus particularismos políticos e culturais. Em função de sua localização, sempre foi mais voltada para a vizinha Malásia do que para a Indonésia.
Cerca de 97% de sua população é constituída de muçulmanos e a região é o mais antigo foco de expansão do Islã no país. O islamismo professado pela população local é mais rigoroso e ortodoxo que o praticado no restante do país.
Historicamente, Aceh representou importante pólo de resistência à colonização holandesa e só se submeteu ao domínio da metrópole européia no início do século XX, depois de sangrenta resistência que se prolongou entre 1873 e 1903. Deste passado tumultuado decorre uma tendência crônica de oposição a qualquer tipo de poder central. Economicamente, Aceh dispõe de importantes recursos naturais, como gás e petróleo. Contudo, os líderes regionais queixam-se há tempo do governo central, que não repassa à província dividendos proporcionais às rendas geradas pela exploração dos combustíveis fósseis.
O leste e o norte do Sri Lanka são palco de conflitos que opõem a maioria cingalesa budista (cerca de três quartos da população) aos tâmeis hinduístas (menos de um quinto da população). Discriminados pelos cingaleses, os tâmeis criaram, em 1972, o grupo armado Tigres de Libertação do Tâmil Eelam, que espalha o terror pelo país. Em 1983 eclodiu a guerra civil, que se prolongou até 2002, quando foi assinado um precário cessar-fogo. O impasse de fundo permanece sem solução e, ao que tudo indica, os tâmeis foram prejudicados na distribuição da ajuda humanitária para as vítimas do tsunami.
Tamil Nadu, o estado da Índia mais atingido pelo tsunami, é habitado majoritariamente por povos dravidianos e constitui o núcleo da área onde se fala o tâmil, a língua-mãe dessas populações que se difundiram pelo Sri Lanka e outros países asiáticos. No Tamil Nadu desenvolve-se há tempo a luta por uma maior autonomia do estado e a oposição à hegemonia política das elites do norte da Índia.
A população tâmil hindu chegou a apoiar seus “irmãos” do Sri Lanka durante a guerra civil. O governo central da Índia reagiu desmantelando as bases de apoio aos separatistas do Sri Lanka, instaladas em território indiano. Em 1991, o primeiro-ministro da Índia Rajiv Ghandi foi morto num atentado suicida cometido por grupos tâmeis.

A INFORMAÇÃO AUSENTE
Há cerca de 50 anos, no Oceano Pacífico, existe um sistema de previsão e alerta de tsunamis. Esse sistema, baseado na colaboração entre Estados Unidos e Japão, compartilha informações com os demais países da bacia do Pacífico. Os efeitos do tsunami do final de 2004 teriam sido bastante minimizados se houvesse um sistema similar na bacia do Índico.
Se é bastante conhecida a localização e as faixas de contato das placas tectônicas, continua a ser impossível saber quando um abalo sísmico ocorrerá. Contudo, terremotos são registrados no momento em que ocorrem, por estações situadas em diversos lugares do mundo. Quando ocorreu o maremoto de Sumatra, o Centro de Alerta de Tsunamis do Havaí registrou o evento.
Mas um maremoto não gera necessariamente um tsunami. A identificação de um tsunami e a modelagem da velocidade e direção das ondas exigem uma rede de sensores de pressão implantados no leito oceânico e uma base de análise computadorizada das informações.
O alerta deve ser repassado a centros nacionais de monitoramento, que dispõem dos meios de difundir as informações relevantes. Nada disso existe na bacia do Índico.
Depois do desastre, os governos dos países do Índico começaram a se articular para discutir a criação de um sistema regional e surgiram propostas de implantação de um sistema global de alerta de tsunamis. Como o desastre que aconteceu no Índico foi até certo ponto inusitado, aumentou a preocupação com a possibilidade de ocorrência de um evento semelhante em qualquer área litorânea do mundo.
A propósito: apesar de mínimo, existe o risco de ocorrência de tsunami no Brasil. Há indícios de que, em 1542, a recém-fundada vila de São Vicente, no litoral de São Paulo, tenha sido arrasada por ondas de até 8 metros.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

“ESTOU COM MEDO QUE OS ESTADOS UNIDOS ATAQUEM O IRÔ

Pequena enquete nas ruas de Paris e Madri mostra (muito) descontentamento e (um pouco de) apatia diante do discurso inaugural do segundo mandato de George W. Bush.
Renan Antunes de Oliveira
Poucos dias depois que o presidente Bush deu aquele discurso ameaçando impor ao mundo pela força o seu modelito  americano , um episódio negligenciado pela grande imprensa ocorreu em Paris: na segunda-feira, 25 de janeiro, a polícia prendeu sete jovens franceses das “fileiras iraquianas”.
Foram cinco rapazes e duas moças, todos voluntários à guerra do Iraque, a  maioria descendentes de imigrantes.
Eles estavam prontos para partir e lutar contra a invasão americana, sendo presos momentos antes de embarcar.
A repressão no nascedouro veio depois que as autoridades franceses confirmaram que dezenas de jovens franceses se alistaram como voluntários no ano passado portanto, quanto mais os americanos batem, mais aparece gente disposta a enfrentá-los.
E a decisão destes jovens, criados com todo o conforto do Primeiro Mundo, em ir lutar nos cafundós do Iraque dá a medida da revolta contra a atuação americana entre os franceses. O discurso ameaçador de Bush na posse do segundo mandato amplia e reforça o sentimento.
Como é impossível abraçar o mundo com as pernas para medir o antiamericanismo na Europa, aqui vai uma coleção de depoimentos ouvidos ao acaso, no final de janeiro, entre Paris e Madrid.
“Eu ouvi na TV e fiquei indignado”, disse o estudante Marcel Chambert, 16 anos, entrevistado ao acaso no metrô da linha 9, num subúrbio parisiense. “A geração dos meus  avós tinha uma dívida com os americanos por causa da luta contra o nazismo, mas acho que ela já foi paga. Está na hora da França andar sozinha”, afirmou – o garoto parecia politizado à beça.
A reclamação dele contra a presença americana no Oriente Médio sempre foi comum na França, país com grande número de imigrantes da região. Mas a percepção da hora, registrada pelos jornais, é que a revolta vem num crescendo e que o mesmo está ocorrendo entre vizinhos da União Européia.
A professora italiana Carine Lavidon, casada com um iraniano, entrevistada num café do Les Halles: “Estou com medo que os Estados Unidos ataquem o Irã. O discurso demonizador dos aiatolás é o mesmo que eles usaram contra Saddam para invadir o Iraque, com o mesmo assunto das armas nucleares. Tenho medo porque pode desestabilizar a Europa e também porque a família do meu marido está toda lá.”
Mais da estudantada: Karim, do Magreb espanhol (parte de um contingente de 120 mil africanos que estudam na França): “Não conheço ninguém da minha escola que esteja apoiando a política externa americana por estes dias. Não é o que Bush disse que nos preocupa, mas o que ele já fez e o que pode fazer.”
RUAS PICHADAS
Algumas paredes sujas das ruelas do boulevard Strasbourg Saint-Denis, reduto de imigrantes em Paris, estão cobertas de pichações e cartazes antiamericanos, sinal de que a coisa não está boa. Na entrada da Galeria Prado alguém pendurou uma enorme foto de um avião americano despejando bombas em algum lugar – e segue-se uma convocatória para protestos na Universidade de Nanterre e na Universidade Internacional da Cidade.
Uma pichação original: alguém, possivelmente latino, escreveu “Bush=Chupacabras”. A comparação veio assim mesmo, com a grafia usada em espanhol e português.
Não foi possível parar nenhum francês para explicar pra ele o que era e buscar sua opinião.
Para quem não sabe, este ser da mitologia recente da América Latina (suas primeiras “aparições” foram em 1996, em Porto Rico, com incursões pelo México e até nos grotões do Brasil), vive do sangue de animais domésticos.
Perguntado, um equatoriano que passava pela pichação comentou: “El hombre es um vampiro”. O hermano balançou a cabeça e seguiu seu caminho.
Nos jornais, ecos do descontentamento das ruas. Poucos dias depois da posse, o jornal Le Monde publicou um editorial afirmando que os americanos não vão ganhar a guerra do Iraque.
Mas o homem também tem apoiadores. A França está bem de vida e bastou sair um pouco dos bairros e boulevards de imigrantes para que o discurso mudasse. A jornalista Natalie Guilen, classe média alta, casada com um engenheiro da Siemens, é pró-Bush: “O terror não tem fronteiras, só os americanos podem nos defender”, disse, com o apoio do maridão.
Um americano em Paris: texano, funcionário da Dell computadores, eleitor dos democratas: “O que ele está dizendo envergonha os Estados Unidos, vai nos custar muitos aliados e atrair o pior para o país. Mas está eleito e teremos que conviver com ele.”
Deixando o americano resmungão e voltando às ruas, agora em Madrid. Uma rápida enquete no metrô, na viagem do aeroporto de Barajas à estação Sol. Entre jovens: 8 a 2 contra Bush. Entre a turma mais velha: 5 x 5. Dois bem velhinhos: Bush na cabeça, 2 x 0.
Aí o metrô chega na estação. O repórter sobe para as ruas iluminadas, lotadas por turistas, lojas abertas tarde da noite, shows nas carteleras. Não adianta tentar puxar papo com a multidão – todos olham através da gente, parece que pensam que o resto do mundo é feito de mendigos. A massa não tá nem aí pro rumo do planeta na Era Bush.
Boletim Mundo n° 1 Ano 13













IRÃ, O PRÓXIMO ALVO?

Na campanha eleitoral, Bush e Kerry colocaram o Irã no centro das preocupações de Washington. Na mídia, circulam rumores sobre uma operação militar. Mas o Pentágono conhece a diferença entre Irã e Iraque.

A Secretaria de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, declarou recentemente que seu país não tem, pelo menos por enquanto, planos para atacar militarmente o Irã. Afirmou que há, ainda, um leque de pressões diplomáticas a serem usadas para que o governo iraniano cumpra seus compromissos internacionais de signatário do tratado de não-proliferação de armas nucleares (TNP).
A desconfiança de que a administração Bush se preparava para atacar o Irã surgiu depois de reportagem publicada em dezembro de 2004, pela revista New Yorker, que dava detalhes sobre a ação bélica em preparação no Pentágono.
Tudo indica que a estratégia a ser utilizada não teria semelhanças com aquela usada na invasão do Iraque. No caso do Irã, a operação teria seu foco central em bombardeios sobre as supostas instalações nucleares do país.
O governo iraniano assegura, é claro, que não planeja desenvolver armas atômicas e que seu objetivo é unicamente produzir energia. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos, cuja credibilidade sofreu sérios arranhões com a constatação da ausência de armas de destruição em massa no Iraque, afirmam que existe um projeto nuclear paralelo com fins militares no Irã.
O Irã tem todos os incentivos para explorar a via nuclear.
Sob a perspectiva iraniana, a capacidade nuclear de Israel, que dispõe ao que parece de umas 200 ogivas, representa uma ameaça direta. Além disso, o caso da Índia funciona como estímulo extraordinário: depois de consolidar sua condição de potência nuclear desafiando os Estados Unidos, o país tornou-se um parceiro político de Washington e um candidato óbvio a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Mas, do ponto de vista dos Estados Unidos, um Irã nuclear seria um cenário inaceitável, por dois motivos básicos. Primeiro: Israel procuraria restaurar sua superioridade militar regional atacando antes que as armas atômicas iranianas se tornassem operacionais. Segundo: cresceria incontrolavelmente a influência do Irã sobre um Iraque que passará a ser governado pela maioria xiita.
Uma ofensiva militar dos Estados Unidos não surpreenderia ninguém. O Irã tem sido acusado de auxiliar grupos extremistas que combatem Israel, como o Hezbollah libanês, e controla alguns grupos xiitas cada vez mais influentes no Iraque. Não por acaso, em 2002, o Irã foi listado pela administração Bush, junto com o Iraque e a Coréia do Norte, no “Eixo do Mal”.

O DILEMA AMERICANO
Apesar de tudo, Washington parece não planejar um ataque iminente contra o Irã. A cautela justifica-se por vários motivos. Nesse momento, seria contraproducente abrir mais uma frente de luta. A situação no Afeganistão, alvo da operação militar iniciada em 2001, continua instável.
No Iraque, a insurgência cresce incessantemente.
Além disso, Afeganistão e Iraque são vizinhos muçulmanos do Irã: uma nova operação militar ampliaria perigosamente a esfera de ação das forças americanas.
Os planejadores do Pentágono não confundem o Irã com o Iraque. Os dois países são muçulmanos e grandes produtores de petróleo, mas exibem diferenças históricas e geopolíticas marcantes. O Iraque é uma entidade política artificial criada pelo imperialismo britânico, no final da Primeira Guerra Mundial. O Irã, herdeiro da Pérsia antiga, é um país milenar, com forte coesão cultural.
A geografia física tem impactos evidentes no planejamento militar. O Irã é quase quatro vezes mais extenso que o Iraque e seu meio natural apresenta-se muito mais diversificado. Numa hipotética invasão, as forças ocupantes precisariam se deslocar pelas regiões desérticas do planalto central iraniano e também por áreas montanhosas, como os Montes Elburz, no norte, e Zagros, no oeste. Diferentemente do Iraque, país quase sem acesso ao mar, o Irã possui litorais “abertos” (Golfo Pérsico e Oceano Índico), além da costa banhada pelo mar Cáspio .
A demografia é outro fator crucial. Com 70 milhões de habitantes, o Irã abriga população quase três vezes maior que o Iraque. Os iranianos de origem persa representam pouco mais da metade da população, que conta também com expressivo número de azeris (25%), curdos (10%), árabes (3%), baluques (3%) e turcomenos (1,5%). Mas, por baixo das diferenças étnicas, o Irã sustenta-se sobre um nítido sentido de identidade nacional.
No vasto e heterogêneo “mundo muçulmano”, o Irã singulariza- se pelo predomínio absoluto da população xiita, que constitui cerca de 90% do total. A Revolução Iraniana de 1979 foi, antes de tudo, uma revolução xiita.
Sob a liderança do aiatolá Khomeini, o Irã transfigurou-se em uma república islâmica na qual a legislação civil é submetida ao crivo do clero xiita. A revolução transformou o Irã no principal pólo de difusão do xiismo e colocou o país em linha de conflito com os Estados Unidos (o “Grande Satã”) e com os regimes pró-ocidentais da maior parte do “mundo muçulmano”.

Pobres xiitas...
Já ouviu um sujeito chamar o outro de “xiita”, como sinônimo de “radical”? A identificação é uma herança da Revolução Islâmica de 1979, no Irã, que derrubou o xá (imperador) Reza Pahlevi, levando ao poder o clero xiita, à frente o aiatolá (líder religioso) Ruhollah Khomeini. A capacidade de mobilização popular dos religiosos e seu antiamericanismo bravo fizeram com que “xiita” se tornasse um sinônimo popular de radical ou linha-dura.
Na verdade, a identificação não tem sentido. Sunitas e xiitas são os dois principais ramos do Islã, que há séculos dividiram-se, em virtude de um conflito sucessório. O quarto califa (líder espiritual do Islã), Ali ibn Abu Talib, genro de Maomé, foi assassinado em 661 e, com o apoio da maioria dos chefes islâmicos, o cargo passou para Moawiya, governante da Síria. A minoria revoltou-se pois desejava que o califado ficasse com os filhos de Ali, que acabaram assassinados por forças de Moawiya.
Os seguidores da maioria formaram a seita sunita. A denominação decorre de considerarem a Suna, a súmula do comportamento exemplar do Profeta, uma fonte essencial da lei islâmica, junto com o Corão. Os seguidores de Ali formaram a seita xiita, termo originado da palavra árabe shiat, que significa “minoria”. Os sunitas são amplamente majoritários entre a população muçulmana mundial, mas os xiitas formam a ampla maioria no Irã e constituem também a maioria da população iraquiana.
Na política ocidental, “radical” e “moderado” são noções bastante comuns, ainda que imprecisas e discutíveis. Contudo, elas não se aplicam ao Islã. Quem é radical na Arábia Saudita, onde príncipes que defendem “radicalmente” um Estado com valores do século VIII são amigos do peito dos Estados Unidos? Quem é radical no Irã, o clero que controla as rédeas do Estado e conserva a “pureza” da Revolução Islâmica ou os reformadores que sustentam o presidente Mohammed Khatami?
No Oriente Médio, onde religião e política se misturam, xiitas libaneses já foram aliados de Israel e xiitas iranianos, inimigos de morte do Estado judeu. Os alinhamentos políticos são tênues e confusos; quase sempre não cabem dentro de definições ocidentais. Falando nisso, Osama Bin Laden, o terrorista “xiita” (radical) é sunita.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

NO IRAQUE, WASHINGTON REPRODUZ A ANTIGA ESTRATÉGIA BRITÂNICA

Há 80 anos, Londres tentou controlar o Iraque por meio dos sunitas; hoje, os americanos, sob pressão da resistência, jogam a perigosa carta xiita.
Newton Carlos

A rapidez com que a ditadura de Saddam Hussein foi derrubada produziu em Washington a sensação de um passeio. Aparentemente, os Estados Unidos poderiam controlar o Iraque por meio de uma administração de ocupação com presença subalterna de vassalos internos.
Primeiro, o vassalo escolhido foi Ahmed Chalabi, um ex-exilado iraquiano da confiança do Pentágono, que acabou caindo em desgraça na condição de escroque. Depois, veio Ayad Allawi, um ex-informante da CIA designado chefe de um ministério interino já numa fase em que Washington, sob pressão da violência crescente, aceitou “iraquisar” a administração do país ocupado.
Bush e os seus fizeram duas constatações desagradáveis na segunda metade de 2003. A resistência assumiu a forma de guerrilha. A idéia de que estava supostamente confinada  a uma área triangular de território dos muçulmanos sunitas, que formavam a base de apoio do regime deposto, tinha de levar em conta o fato de que se trata de porção de terra maior do que a Inglaterra. Na medida em que a violência crescia foi amadurecendo a descoberta de que um clérigo xiita idoso, o aiátola Ali al-Sistani, instalado num viela da cidade santa de Najaf, tinha maior influência popular do que qualquer um dos ex-exilados na folha de pagamento do Pentágono e da CIA.
Em junho de 2003 o aiatolá Sistani baixou decreto religioso determinando que fossem eleitos, e não nomeados pelas autoridades de ocupação, os deputados que redigiriam a nova Constituição do Iraque. Em novembro do mesmo ano, Sistani decretou a necessidade  de conferir a eleitos a missão de conduzir o processo de “transição”.
Embora seja representante de uma poderosa escola xiita, que rejeita o poder político para clérigos, Sistani forçou o governo Bush a antecipar as eleições que devem marcar o início da “transição”. Executou gestos de grande força simbólica. Recusou-se, por exemplo, a encontrar Paul Bremer, ex-administrador americano, antes da posse de um governo interino.
Bremer caiu depois de ter subestimado a influência de Sistani. Washington foi obrigado a rever os planos de “transição” depois que dezenas de milhares de iraquianos saíram às ruas em apoio à exigência de eleições antecipadas feita por Sistani. Num artigo distribuído mundialmente, Henry Kissinger e George Shultz, ex-secretários de Estado americanos, fizeram constar que a data das eleições, o 30 de janeiro de 2005, foi adotada “por força de um quase ultimato do mais eminente líder xiita”. Também partiu dos xiitas a opção por votos em listas de candidatos nacionais, o que vai contra instituições políticas federais e regionais do interesse dos curdos autonomistas.
O aiatolá, de seu lado, tratou de assinar algumas promissórias como se fossem garantias. Aceitou enquadrar-se na perspectiva de um Iraque democrático e não submetido a uma teocracia islâmica do tipo vigente no Irã. Coerente com a sua estratégia, Sistani deixou Londres, onde se recuperava de uma cirurgia, para mediar um acordo entre as forças de ocupação e xiitas radicais. A hora no Iraque é de Sistani e dos xiitas que o seguiram na opção por eleições como meio de ir adiante  na direção do poder.
Há nisso um aprendizado de lições da história. No final da Primeira Guerra Mundial, Londres tomou três províncias (Bagdá, Mossul e Basra) do arruinado império Turco-Otomano e as juntou, à força, na criação de um Iraque que é um quebra-cabeças  étnico e religioso, formado por cerca de 60% de árabes xiitas, 20% de árabes sunitas e quase 20% de curdos. Em 1920, os xiitas, com a bandeira de grupo muçulmano majoritário, foram a vanguarda da rebelião contra os ocupantes britânicos. A opção pela rebeldia, há 85 anos, resultou em repressão violenta e esmagamento.
A Grã-Bretanha empregou, contra forças tribais, os primeiros bombardeios aéreos concentrados de que se tem notícia, chacinando aldeias. “Só por milagre não usamos gases venenosos”, escreveu no Observer, de Londres, entre estarrecido e revoltado, T. E. Lawrence, o célebre agente britânico. Foi o Lawrence da Arábia quem indicou como de confiança para governar o Iraque os sunitas da dinastia Hachemita. As eleições patrocinadas pelos britânicos, em 1923, depois de completada a “limpeza” dos rebeldes, se parecem com as de agora. Com uma inversão: no tempo do mandato britânico, os xiitas eram os rebeldes; agora, os rebeldes são os sunitas.
Os britânicos instalaram uma monarquia constitucional no Iraque; os americanos prometem democracia. Em ambos os casos, o argumento é a aplicação universal de “valores ocidentais”, a democracia na ponta das baionetas.
Em 1932, o Iraque transformou-se de mandato britânico em Estado-cliente, ou seja, uma entidade formalmente soberana, mas dependente da Grã-Bretanha. Surgia na nova “nação” – na realidade, várias “nações” agrupadas num só Estado – um Exército de conscritos. É mais um paralelo com o que ocorre hoje, quando Washington promove a criação de um Exército e uma Guarda Nacional.
O novo Estado-cliente durou pouco. Em 1958, militares iraquianos nacionalistas derrubaram a monarquia, iniciando o processo que conduziria ao poder o Partido Baath, com base social na população sunita do Iraque central. Saddam Hussein escalou o poder no interior do Partido Baath, até comandar um golpe palaciano, em 1979, e instalar uma ditadura assentada sobre o seu clã.
Há vestígios de contatos do jovem Saddam, quando ainda estudante no Egito, com a CIA. Já ditador, recebeu ajuda americana na guerra sangrenta contra o Irã, entre 1980 e 1988. Mas a sua nova aventura belicista, a invasão do Kuwait, em 1990, provocou a ruptura definitiva com Washington.
De certo modo, Bush filho completou a obra iniciada por seu pai, na Guerra do Golfo de 1991. “Flutuamos num mar de petróleo a caminho do triunfo”, disse Lorde Curzon, ministro do Exterior britânico, na época em que a Grã-Bretanha inventou o Iraque. A mesma sensação permeou a ocupação americana.
É sabido no que deu o mandato britânico. Não se sabe em que dará o protetorado militar americano. Há quem considere inevitável uma islamização da Constituição iraquiana.
O desfecho, no entanto, só a história nos dará.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

WASHINGTON ANUNCIA PROGAMA RADICAL DE POLÍTICA EXTERNA

(...) A SOBREVIVÊNCIA DA LIBERDADE EM NOSSA TERRA DEPENDE CADA VEZ MAIS DO SUCESSO DA LIBERDADE EM OUTRAS TERRAS. A MELHOR ESPERANÇA DE PAZ EM NOSSO MUNDO É A EXPANSÃO DA LIBERDADE EM TODO O PLANETA. OS INTERESSES VITAIS DOS ESTADOS UNIDOS E AS NOSSAS MAIS PROFUNDAS CRENÇAS AGORA SE CONFUNDEM. (...) LEVAR ADIANTE ESSES IDEAIS É A MISSÃO QUE GEROU NOSSA NAÇÃO. É A HONROSA REALIZAÇÃO DE NOSSOS ANCESTRAIS. AGORA, TORNOU-SE REQUISITO URGENTE PARA A SEGURANÇA DE NOSSA NAÇÃO E UMA TAREFA ESSENCIAL DE NOSSA ERA. (...) HOJE, OS ESTADOS UNIDOS VOLTAM A FALAR AOS POVOS DE TODO O MUNDO. TODOS OS QUE VIVEM SOB TIRANIA E DESESPERO DEVEM SABER QUE OS ESTADOS UNIDOS NÃO IGNORARÃO SUA OPRESSÃO OU PERDOARÃO OS OPRESSORES.

QUANDO VOCÊS SE ERGUEREM PELA LIBERDADE, NOS ERGUEREMOS COM VOCÊS.
(GEORGE W. BUSH, 20 DE JANEIRO DE 2005)

 No discurso de posse do segundo mandato George W. Bush narrou a história recente, tal como vista através das lentes dos neoconservadores republicanos: “Por meio século, os Estados Unidos defenderam suas liberdades guardando fronteiras distantes. Depois do naufrágio do comunismo, seguiram-se anos de repouso, anos de descanso, e a seguir um dia de fogo.”
O “meio século” mencionado corresponde à Guerra Fria, que se estendeu entre 1947 e 1989 e caracterizou-se pela rivalidade bipolar de alcance mundial entre Estados Unidos e União Soviética. Os “anos de repouso” duraram até o “dia de fogo”, o 11 de setembro de 2001, quando as torres gêmeas de Nova York e o Pentágono, em Washington, foram alvos dos atentados terroristas cometidos pela Al-Qaeda, de Osama Bin Laden. Nesse dia, explica a narrativa, “contemplamos nossa vulnerabilidade e vimos sua fonte mais profunda”, que seria o “reino do ódio e do ressentimento”.
O 11 de setembro de 2001 definiu o primeiro mandato de Bush. O presidente deflagrou a chamada “guerra ao terror” e a operação militar no Afeganistão, que resultou na derrubada do regime fundamentalista islâmico do Talebã. Na seqüência, ampliou o seu programa e delineou uma doutrina voltada contra Estados acusados de desenvolverem armas de destruição em massa que poderiam ser utilizadas por grupos terroristas.
A Doutrina Bush assentou-se sobre um novo “direito”, proclamado por Washington, que é a “guerra preventiva”. Os alvos potenciais do exercício do novo “direito” seriam os Estados daquilo que o presidente batizou como o “Eixo do Mal”: Iraque, Irã e Coréia do Norte. No interior dessa coleção maligna, o Iraque foi selecionado como alvo prioritário. A invasão do país e a derrubada de Saddam Hussein, no início de 2003, basearam-se na acusação, que se revelaria falsa, de que o regime ocultava um arsenal de armas de destruição em massa.
A operação militar no Iraque foi posta em marcha apesar da oposição explícita da maioria do Conselho de Segurança da ONU. A “coalizão” montada por Washington só abrangia, entre as grandes potências, a Grã-Bretanha. A Doutrina Bush revelava-se nitidamente unilateralista, ignorava as instituições internacionais de segurança e desencadeava uma crise nas relações dos Estados Unidos com tradicionais aliados europeus como, principalmente, a França e a Alemanha.
Bush conquistou um segundo mandato, para desalento da maioria absoluta da opinião pública internacional e da maior parte dos eleitores dos grandes centros urbanos dos Estados Unidos. Ao oferecer suas congratulações, John Kerry, o candidato democrata derrotado, conclamou o presidente reeleito a superar a profunda divisão na sociedade americana e promover a reconciliação entre os Estados Unidos e seus aliados europeus.
O discurso inaugural do segundo mandato desapontou os que vislumbravam a possibilidade de políticas conciliatórias. As fontes históricas desse discurso podem ser traçadas num passado anterior à própria fundação do país. O programa de política externa que ele encarna constitui uma radicalização da Doutrina Bush e, provavelmente, a mais perigosa declaração emanada de uma grande potência desde os tempos da Alemanha de Hitler.

AS PALAVRAS E AS COISAS
No seu discurso, Bush pronunciou a palavra “liberdade” nada menos que 44 vezes e por seis vezes mencionou a “tirania”.
Terror, armas de destruição em massa e Iraque não apareceram nenhuma vez. Originalmente, apesar de tudo, a Doutrina Bush apresentou-se como reação defensiva diante de ameaças concretas à segurança nacional dos Estados Unidos. Na sua nova e extremada versão, a Doutrina Bush apresenta-se como um programa de reforma do mundo.
“Todos os que vivem sob tirania e desespero devem saber que os Estados Unidos não ignorarão sua opressão ou perdoarão os opressores. Quando vocês se erguerem pela liberdade, nos ergueremos com vocês.” O que isso significa? Tomadas pelo que são, as palavras do presidente devem ser traduzidas como a proclamação do “direito” de derrubar governos que Washington decidir qualificar como tirânicos.
Antes, a ameaça americana ao “Eixo do Mal” amparava-se na acusação da posse ou desenvolvimento de armas de destruição em massa. Agora, basta uma condenação unilateral da natureza das instituições políticas de um país ou do comportamento de um regime.
Não apenas o Irã ou a Coréia do Norte, mas a Síria, a Venezuela e Cuba, por exemplo, poderiam se tornar, a qualquer momento, alvos de operações militares ofensivas dos Estados Unidos. A senha para o ataque se resumiria ao pedido de ajuda de um grupo de opositores ou dissidentes.
Mas as palavras do presidente devem ser tomadas pelo que significam? Ou o discurso é uma peça retórica destinada a ocultar uma política mais realista e prudente?
Os Estados Unidos mantêm mais de 120 mil soldados no Iraque e a insurgência não dá trégua. A operação eleitoral conduzida pelas forças de ocupação resultou em vitória arrasadora da coligação xiita, que inclui uma forte corrente conectada aos interesses do Irã. Bush não pode deslocar forças significativas do Iraque para alguma nova frente militar.
O Irã aparece em todas as especulações como próximo alvo de um ataque americano, mas as declarações recentes do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, e da secretária de Estado, Condoleezza Rice, indicam que a opção atual é pela cautela.
Há toneladas de motivos para prudência, pois o Irã não é o Iraque. De qualquer modo, os analistas imaginam, no máximo, bombardeios aéreos sobre instalações nucleares iranianas.
A opinião pública mundial opõe-se fortemente à agressividade de Bush. Entre as sociedades européias, os Estados Unidos jamais foram tão impopulares e o discurso de posse teve péssima repercussão. E, se tudo isso não bastasse, a expansão do orçamento militar pressiona as contas públicas americanas e representa um fator significativo na desvalorização internacional do dólar.
A análise realista dos cenários  político, militar e econômico conduziria Bush a relegar seu discurso aos anais da retórica e organizar o segundo mandato em torno das prioridades de estabilização do Iraque e reaproximação com os tradicionais aliados europeus. Mas Bush não  é um realista nem um conservador. É um radical, comprometido com a ideologia de reforma do mundo. Eis o que não deve ser esquecido.

AS FONTES DO DISCURSO DE BUSH
Em 1656, três anos depois da nomeação de Oliver Cromwell como Lorde Protetor, James Harrington escrevia, no Oceana: “...se teu irmão clama por ti em aflição, não o ouvirás? Essa é uma Commonwealth tecida com os ouvidos abertos e um compromisso público; não foi feita para si mesma apenas, mas oferecida como magistratura de Deus à humanidade, para a proteção do direito comum e da lei da natureza.”
Oceana delineava o plano de uma república aristocrática e igualitária de proprietários de terra e, repercutindo os anseios do radicalismo protestante, clamava pela exportação da revolução inglesa.
A Commonwealth devia colocar o “mundo desamparado” sob “a sombra de suas asas” oferecendo à Terra “o domingo de tantos anos, o repouso de tantos trabalhos”. O dever moral dos revolucionários ingleses era espalhar as sementes da liberdade entre os povos oprimidos pela tirania das monarquias católicas.
Os radicais queriam exportar a revolução, mas a Inglaterra preferiu a segurança e a estabilidade que beneficiavam o comércio.
Frustrando seus mais fiéis seguidores, Cromwell acabou optando por uma política externa realista e pelo reconhecimento do concerto das nações européias. Entretanto, o sentido de missão e predestinação do radicalismo protestante inspirou, mais de um século depois, os Pais Fundadores dos Estados Unidos. Oceana é uma das fontes filosóficas da Declaração de Independência e da Constituição americana. No fundo, a república da América do Norte enxergava-se a si própria como a Oceana realizada.
O discurso inaugural do segundo mandato de Bush, pronunciado a 20 de janeiro, ecoa o radicalismo protestante da revolução inglesa: “Existe apenas uma força na história capaz de pôr fim ao reino do ódio e do ressentimento, de expor as pretensões dos tiranos e recompensar as esperanças das pessoas decentes e tolerantes, e é a força da liberdade humana”. Os Estados Unidos, retomando “a missão que gerou nossa nação”, comprometem-se com a reforma do mundo. O presidente reeleito encarna o papel do profeta armado que Cromwell recusou-se a desempenhar.
“Os filósofos limitaram-se, até hoje, a interpretar o mundo.
Cabe,  agora, transformá-lo.” A frase célebre de Karl Marx, nas Teses sobre Feuerbach, poderia ter sido o dístico dos revolucionários ingleses de Cromwell. Eles antecipavam a Revolução Americana e a Revolução Francesa, projetando na esfera da política as idéias de liberdade e igualdade oriundas do direito natural. Na Inglaterra, o princípio dinástico acabou prevalecendo sobre a Commonwealth, mas na América do Norte, em 1776, venceu a “república dos iguais” (ainda que os escravos não fizessem parte dos “iguais”). A bandeira da luta contra a tirania não era uma farsa, mas a expressão de um novo princípio de organização política da sociedade.

O “FOGO DA LIBERDADE”
A missão da “difusão da liberdade”, uma idéia poderosa no surgimento dos Estados Unidos, jamais abandonou o discurso dos líderes americanos. Mas, ainda no século XIX, sob a ideologia do Destino Manifesto, o significado da liberdade começou a sofrer reinterpretações expansionistas. A guerra de conquista contra o México, deflagrada no Texas em 1845 e retomada em 1848, foi amparada pelo argumento da “difusão da liberdade”.
Meio século mais tarde, o argumento funcionou como justificativa da projeção do poder dos Estados Unidos no Caribe.
Era a época da política do Big Stick, ou seja, do Grande Porrete, quando os fuzileiros navais americanos substituíam, ao sabor dos humores de Washington, os governos da América Central.
O discurso de Bush tem, atrás de si, uma longa e variada tradição. As suas fontes históricas remontam ao século XVII, mas a inspiração direta, ao que parece, teria sido um livro recente, escrito por Nathan Sharanski, um ex-dissidente soviético.
Sharanski emigrou para Israel e hoje ocupa o cargo de ministro sem pasta no gabinete direitista liderado por Ariel Sharon.
Seu livro é um panfleto maniqueísta, que interpreta a política mundial como um confronto entre dois princípios de organização social: democracia versus fundamentalismo. Bush entusiasmou- se com o livro e o indicou, como leitura indispensável, a diversos interlocutores. Vários trechos do seu discurso são decalcados, quase diretamente, do panfleto do ministro de Sharon.
“Um dia, o fogo da liberdade se estenderá pelos quatro cantos da terra”. Bush repetiu incansavelmente a palavra “liberdade”, mas jamais conseguiu evitar um registro de farsa, que foi reconhecido por muita gente. O “fogo da liberdade” deveria se estender por lugares como a Arábia Saudita, o Egito ou o Paquistão, que são ditaduras violentas alinhadas aos interesses dos Estados Unidos? Ou não passa de uma metáfora ruim para o projeto de reforma do Oriente Médio pela via da implantação de regimes pró-americanos em países como o Iraque e, mais adiante, o Irã e a Síria?
A liberdade, no discurso de Bush, é uma abstração. No direito internacional, ela adquiriu um conjunto de significados objetivos, expressos em tratados solenes. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção de Genebra e a Convenção contra a Tortura estão entre os mais importantes e, atualmente, são desrespeitados pelo governo Bush.
Desde a operação militar no Afeganistão, deflagrada no final de 2001, Washington inventou a figura do “combatente inimigo ilegal” para negar aos prisioneiros de guerra as proteções contra maus-tratos previstas na Convenção de Genebra.
Em seguida, um memorando da Casa Branca “redefiniu” o significado de tortura. Nele, está escrito que só é tortura “o equivalente em intensidade à dor que acompanha um dano físico sério, como a falência de um órgão, o colapso de funções do corpo ou mesmo a morte”. A definição exclui dos domínios da tortura atos como o estupro, a aplicação de choques elétricos ou queimaduras, o afogamento controlado, a introdução de agulhas sob as unhas.
Sob o escudo do novo pensamento jurídico da Casa Branca ergueu-se uma rede internacional de tortura que abrange centros de interrogatório em Guantánamo, na base aérea de Bagram, no Afeganistão, e numa prisão secreta na Jordânia para onde foram transferidos os presos considerados valiosos do semi- desativado presídio de Abu Ghraib, no Iraque. Há indícios da existência de outros centros, inclusive a bordo de navios militares.
Liberdade? Quem falou nisso?

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

MÍDIA FABRICA VERSÃO IDEOLÓGICA DA MORATÓRIA

Existe uma preocupação de que a reestruturação da dívida argentina sirva como exemplo para outros países.
Nós dizemos que ninguém deve pagar o preço prévio que nós pagamos. Pobreza,  indigência, risco de desestruturação política. É um preço tão alto que não vai  servir de precedente nem para outros países nem para nós mesmos no futuro.”
Essas foram as palavras do ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, ao anunciar, no dia 12 de janeiro, o plano de reestruturação da dívida externa do país. A revista Veja “transcreveu” a seu modo a declaração do ministro na sua edição de 19 de janeiro: “O calote argentino não deve servir de precedente ou exemplo a país algum no mundo”.
Não é um engano ou uma síntese, mas uma falsificação com nítida finalidade política. Lavagna não se refere à moratória (o “calote”, na linguagem da Veja) mas à proposta de reestruturação da dívida. Lavagna relaciona as condições singulares dessa proposta ao desastre social, econômico e político que atingiu a Argentina. Veja corta essa parte da “citação”, que concentra uma interpretação da história recente da Argentina e contradiz toda a versão fabricada pela revista .
O título da matéria sintetiza a versão ideológica: “Um mau negócio chamado calote”. O desprezo pela história escancara-se na foto de soldados argentinos presos pelos britânicos na Guerra das Malvinas, que é acompanhada pela legenda: “embriaguez nacionalista levou ao calote e ao vexame das Malvinas”.
A Guerra das Malvinas, em 1982, foi iniciada pelo ditador Leopoldo Galtieri. Imaginando que a aventura externa uniria o país em torno do combalido regime militar argentino, Galtieri ordenou a invasão das ilhas Malvinas (Falkland, para os britânicos). O arquipélago constituía zona de litígio histórico entre os dois países e simbolizava um nacionalismo antiimperialista que toca em nervos profundos da sociedade argentina.
A “embriaguez nacionalista” rendeu frutos no momento inicial mas a rápida derrota militar inverteu o cenário.
Sob uma onda incontrolável de manifestações populares, os generais abandonaram o palco e, em 1983, a Argentina realizou eleições democráticas. Raúl Alfonsín, da União Cívica Radical (UCR), assumiu a presidência A moratória da dívida externa, declarada em dezembro de 2001 pelo presidente interino Adolfo Rodríguez Saá, nada tem a ver como uma suposta “embriaguez nacionalista”.
Ela foi uma decisão compulsória, decorrente da incapacidade de pagamento dos juros e do serviço da dívida, adotada em meio à ruína das instituições políticas do país. Atrás dela, havia uma década de experimentos ultra liberais, conduzidos sempre com o selo e o aplauso entusiasmado do FMI, que empurraram a Argentina para o precipício. É essa história que a narrativa fraudulenta de Veja oculta.

A LATA DE LIXO DA HISTÓRIA
O peronista Carlos Menem foi eleito presidente em 1989. Sob os efeitos da hiperinflação e da turbulência política, o governo Alfonsín terminava em baderna e a posse de Menem era antecipada. Em 1991, o ministro da Economia Domingo Cavallo implantava um ousado plano econômico destinado a cortar pela raiz a hiperinflação.
O Plano Cavallo eliminou a soberania monetária argentina.
Uma nova moeda, o austral (depois substituído pelo novo peso) ancorava o seu valor numa paridade fixa com o dólar. O sistema era garantido por lei. O Banco Central argentino assegurava o seu funcionamento por meio da regulação da quantidade de dinheiro em circulação.
O peso lastreava-se nas reservas em dólar do país e podia ser convertido por quantidade igual de dólares. Só podiam ser emitidos pesos se aumentassem as reservas em dólar. A redução das reservas impunha a retirada de pesos de circulação.
Sob a estabilidade de preços proporcionada pelo Plano Cavallo, o governo Menem entregou-se a uma orgia ultra liberal de privatizações, que substituiu monopólios públicos por monopólios privados internacionais, e de desregulamentação da economia e do mercado de trabalho.
O baile macabro gerou fortunas financeiras e aprofundou as desigualdades sociais.
A estabilidade artificial de preços assentava-se sobre uma crescente apreciação oculta do câmbio. Os produtos argentinos, com preços amarrados ao dólar, perdiam competitividade externa. A indústria argentina, esmagada sob a paridade fixa, desmanchava-se a olhos vistos. Os sintomas da doença apareciam nos saldos negativos da balança comercial e na redução dos investimentos externos.
O remédio usado para atrair capitais externos – a elevação dos juros de papéis de dívida emitidos pelo governo – envenenava aos poucos o paciente.
No fundo, a Argentina trocou a hiperinflação por uma recessão estrutural. Em 1999, os juros astronômicos atraíam avalanches de investidores especulativos que adquiriam papéis emitidos pelo governo. Enquanto a ciranda financeira rodava, a economia andava em marcha-ré . Nas eleições presidenciais, os peronistas eram batidos pela UCR de Fernando De La Rúa.
O novo presidente, contudo, sob o encantamento do mercado financeiro, engajou-se na continuidade da política econômica de seu antecessor.
O ano da verdade foi 2001. Enquanto evidenciava-se a incapacidade argentina de honrar os vencimentos da dívida, os investidores retiravam-se do país. A fuga de capitais transformava a recessão em depressão. Em 21 de dezembro, depois de uma greve geral nacional e de uma sangrenta repressão contra as manifestações populares, De La Rúa renunciou à presidência. A moratória foi declarada dias depois.
A fraude de Veja joga na lata de lixo da história toda a década do Plano Cavallo. Na narrativa da revista, a história começa com a moratória de dezembro de 2001. A finalidade do artefato ideológico é ocultar a trajetória política e as opções econômicas que culminaram na suspensão
forçada dos pagamentos, atribuindo o desastre à moratória. Coisa de imprensa marrom.

Peões de teclado
A mídia nunca é neutra. O ponto de vista do jornal, revista ou emissora aparece nos editoriais e, também, na seleção e edição das notícias. A chefia das redações, que conta com a confiança da direção da empresa de mídia, supervisiona a edição e interfere diretamente no noticiário de temas especialmente relevantes para a empresa de mídia.
Mas, nesse panorama geral, Veja é um caso singular.
Na maior revista semanal brasileira, o controle da chefia de redação sobre os textos publicados é muito mais extenso e direto que nos outros órgãos. Com exceção apenas das colunas de colaboradores, todos os textos são revistos e muitas vezes reescritos pela chefia de redação. A regra vale tanto para os textos não assinados quanto para os assinados. Os repórteres exercem unicamente a função de “peões de teclado”.
A ditadura totalitária da chefia de redação faz de Veja um artefato ideológico incomparável, pois a revista não comporta visões dissonantes ou mesmo contrapontos eventuais. O petardo ideológico dirigido contra a moratória argentina, por exemplo, é assinado pela repórter Lucila Soares. Ignore isso: ela não tem nenhum controle sobre o que sai publicado abaixo do seu nome.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

CUIDADO COM OS “PENSAMENTOS ÚNICOS”

Gilson Schwartz

Com o fim da Guerra Fria e o amplo domínio das instituições financeiras globais sobre os fluxos de produtos, serviços e crédito, o pensamento (e as políticas) ditas “heterodoxas” na economia perderam ainda mais espaço nos governos. Consagrou-se, no máximo, a estratégia retórica dos críticos, que  denunciam os modelos ultra liberais como “pensamento único”.
Nesse contexto, nada mais sintomático e até saudável que a empolgação de alguns jornalistas e de uns poucos economistas pelos casos desviantes, ou seja, países ou empresas que violam os preceitos do “pensamento único” e afrontam o poder americano e/ou a força das instituições financeiras.
O exemplo mais notório é o das moratórias, isto é, casos de suspensão do pagamento de dívidas soberanas.
Após a sucessão de crises financeiras que atingiram a economia mundial a partir do final dos anos 90, vários governos foram à breca, rompendo compromissos financeiros assumidos diante de autoridades, instituições, empresas e organizações públicas internacionais. Essa “bomba” tem efeitos destrutivos imediatos sobre a reputação do país que entra em moratória, incluindo nessa devastação (aumento nas taxas de juros e queda nos investimentos estrangeiros) as empresas privadas que realizam operações no país e seus trabalhadores.
No entanto, observando resultados econômicos supostamente promissores de várias economias cujos governos adotaram essa via, tem gente querendo ressaltar o lado positivo da ruptura. Em especial no Brasil, onde o PT – que por muitos anos defendeu a ruptura com o FMI e a suspensão do pagamento da dívida  externa não fez a ruptura.
Entre os benefícios da ruptura com a comunidade internacional estaria a liberdade maior para administrar a economia, que passaria a operar sem transferir riqueza para o exterior. Os recursos redirecionados para o gasto público, produtivo, social ou assistencial permitiriam a afirmação de projetos nacionais e uma posição negociadora mais firme com os donos do poder global. Afinal, ruptura mesmo (quase) ninguém quer, mas sim uma suspensão de pagamentos como forma de negociação de uma inserção mais virtuosa na economia mundial.
A tese mais ousada, no entanto, afirma que mesmo o custo sobre a reputação não seria tão alto assim ou, mais importante, tão perene: seria esta a lição de casos notórios de rápido crescimento econômico após moratórias na Malásia, Rússia e Argentina.
No Brasil, a Folha de S. Paulo tem publicado comentários nessa linha. Demétrio Magnoli (colunista do jornal e, também, editor de Mundo), considerou “abjeta” a atitude do governo brasileiro, que se absteve de comentários públicos entusiasmados em favor dos “hermanos” argentinos.
Clóvis Rossi é quem mais cutuca o saber convencional com vara curta, denunciando como “financista” a visão ultra liberal que superestimaria os custos das moratórias.
Rossi escolheu a Rússia como referência: sete anos depois da moratória, o país tem nota 10 e merece a confiança dos investidores, apesar de adotar a reserva de mercado na exploração do petróleo, enquanto o Brasil continua na rabeira, considerado um país de alto risco, apesar de ter sido o bom aluno da classe, pelo menos depois que fez moratória há mais de 10 anos (em 1987, tendo como paladino o então assessor do Ministério da Fazenda e hoje também colunista da Folha, Paulo Nogueira Batista Jr., crítico do “financismo” e do fundamentalismo ultra liberal).

AS REGRAS E O JOGO
Afinal, fazer moratória é bom ou ruim? A questão, não tem resposta única ou inequívoca. Mas o problema é justamente esse: para muita gente, reagir ao pensamento único é encontrar o antípoda, a antítese, também única.
É como se apenas a força de uma resposta única fosse capaz de fazer frente ao que a própria esquerda anti  globalização  retoricamente batiza de “pensamento único”.
Se o pensamento único de direita foi caracterizado como “respeito às regras do jogo”, então o pensamento  único de esquerda deveria ser “desrespeito às regras do jogo”. Fácil, não? É, só que em nenhum dos casos há, de fato, pensamento. Apenas caricatura e retórica.
A principal armadilha da retórica esquerdista pró-rupturas é apresentar como opção de política econômica algo que a rigor ocorreu por ser inevitável. Na prática, a suspensão é na maioria das vezes inevitável, resultando apenas do colapso de regimes insustentáveis. O governante de turno, no entanto, vai em geral preferir apresentar a “saída” como um lance genial de estratégia.
Voltemos ao caso brasileiro em 1987. A equipe econômica da época jurava que aquilo era mais uma afirmação de um projeto nacional, uma moratória que havia sido cuidadosamente planejada, quando era notório o fracasso do Plano Cruzado, a política de congelamento de preços subjacente ao colapso das contas externas. Com o fim do congelamento, era também óbvio que não havia apoio interno para o projeto do então presidente José Sarney.
Outro jogo retórico é colocar lado a lado moratória e desempenho econômico ou risco do país. Essa comparação é frágil. Primeiro, porque de fato a suspensão de transferências ao exterior inevitavelmente produz um efeito imediato de redirecionamento da poupança para o consumo ou investimento domésticos.  Se eu deixo de pagar o cartão de crédito para pagar outras contas (digamos, o supermercado), volto para casa feliz e encho a geladeira.
Na fatura do mês seguinte, incidirão juros e, no limite, posso perder o crédito. Quanto tempo vai passar entre o calote e a piora nas condições de crédito é uma incógnita.
A gravidade, sobre a economia do país, do aperto futuro do crédito (mesmo o interno) é também algo que depende de vários fatores.
Em casos como a Argentina, onde a economia já havia naufragado de forma dramática, é também natural que a suspensão de um processo insustentável produza recuperação dos níveis de emprego, renda e investimentos. Em especial por se tratar de uma moratória que se tornou inevitável porque o valor do peso era irreal, a desvalorização cambial coloca em cena novas fontes de crescimento: exportações mais competitivas e fantásticas oportunidades de investimento (após a maxidesvalorização cambial).
Finalmente, é preciso lembrar que entre a moratória e a recuperação do crescimento ou do crédito externo atuam outros fatores, de ordem econômica e geopolítica.
No caso da Rússia, uma prateleira com bombas atômicas e reservas significativas de petróleo também entra no cálculo dos mercados onde se avaliam riscos. Já no Brasil, muito longe da Rússia nesses quesitos, o máximo de ortodoxia financeira será ainda insuficiente para melhorar a “nota” do país aos olhos do mercado e do poder global.
Cuidado com a teoria, sobretudo se ela conduz a algum modelo único, seja de veneração, seja de repulsa às “regras do jogo”. Cometer faltas num jogo de futebol faz parte, sobretudo quando o time vai mal. Nem por isso os técnicos de futebol fazem do jogo violento sua opção preferencial para vencer campeonatos.
Há mais elementos e condições para alcançar o desenvolvimento econômico sustentável do que fazem supor tanto os detratores quanto os apologistas da ruptura com “tudo isso que aí está”. Num mundo em que as torcidas se dividiram de modo infantil entre “Davos” e “Porto Alegre”, no entanto, vence a preguiça de pensar (e jogar).

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

Contando a História do PIB Argentino

A revista Veja montou uma narrativa falseada para descancarar a moratória argentina.

Nem sempre a fraude exige o recurso à mentira. Às vezes, a coisa é mais sutil.
Um dos truques da revista é a apresentação de uma tabela de variação do PIB argentino cujo ponto de partida é o ano de 2001. Naquele ano, registrou-se retrocesso de 4,4% do PIB. No ano seguinte, o retrocesso atingiu espantosos 10,9%. Depois, o PIB começou a crescer vigorosamente. A conclusão? A moratória, declarada em dezembro de 2001, agravou a recessão econômica, provocando o desastre de 2002.
Falso: o desastre de 2002 não tem raízes na moratória, mas no esgotamento do modelo econômico seguido pelo governo de Carlos Menem. Contudo, essa história só pode ser desvendada quando se olha o conjunto do processo.
Onde colocar o ponto de partida de um gráfico ou tabela de evolução histórica? Se a finalidade não é falsear, a estatística deve abranger todo o desenvolvimento de um fenômeno. No caso, o fenômeno é o modelo econômico de Menem, consolidado em 1992 com a substituição do austral pelo novo peso e com a lei de paridade entre o peso e o dólar. Os efeitos dessa política aparecem dois anos depois.
O PIB nominal, ou PIB a preços de mercado, não é adequado para a construção de uma série histórica.
Imagine, por exemplo, que o PIB de determinado país, calculado na moeda nacional, cresceu de 350 milhões para 385 milhões em um ano.
Essa expansão, de 10%, parece excepcional.
Mas, se a inflação no mesmo período atingiu 10%, o PIB real permaneceu estagnado.
Por isso, usou-se na série histórica o PIB real, ou seja, o PIB com desconto da inflação.
O gráfico revela que o modelo de Menem gerou expansão econômica, pela última vez, em 1998. Depois, três anos de retração do PIB acompanharam a fuga de capitais da Argentina e o colapso da capacidade de pagamento dos juros e do serviço da dívida externa.
O que aconteceu em 2002? Naquele ano, como resultado da carência de capitais para financiar a economia, o PIB chegou ao fundo do poço, completando a trajetória iniciada bem antes. Qual é a relação do desastre com a moratória? Nenhuma.
Aliás, na verdade, a moratória é que derivou do desastre que já se desenhava antes.
A moratória estancou, ao menos em parte, a hemorragia de capitais. Sem pagar juros e serviço da maior parte da dívida, a Argentina conseguiu financiar uma retomada do crescimento. Eis o motivo da forte expansão de 2003-2004.
Estatísticas são um instrumento de análise útil e, muitas vezes, indispensável.
Porém, como tudo mais, também podem ser usadas para trapacear.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Curiosidades da 2ª Guerra Mundial

Você Sabe o que foi a SS  alemã ?

INTRODUÇÃO

  A Waffen SS era uma organização de elite dentro do governo hitleriano, portanto, tinha equipamento superior ao Heer (Exército) ou alguns dos aliados, é igualmente verdade que eles se comportavam com uma brutalidade indescritível. Eles tinham fortes tendências ideológicas, por exemplo, "Panzer" Meyer, que lutaram na Leibstandarte Hitler e o Jurgend se via como um novo Siegfried de Wagner em uma batalha e que esta visão permeia seus subordinados.
 O elitismo das Waffen SS veio a firme convicção de que eles eram biologicamente e politicamente superiores, algo que eles haviam sido doutrinados em escolas não só militares (SS das quatro escolas, apenas uma  era militar, e a outra dedicada exclusivamente à educação política, mística e espiritual).
 Apesar de repugnante, sua motivação, a Waffen SS parece um exemplo admirável de quando se torna uma tropa convencida da sua superioridade moral. Ninguém pode duvidar de sua coragem, capacidade de luta e desprezo pelo perigo, e o fato de que em todas as grandes batalhas da Frente Oriental, bem como no Ocidente desde a invasão da Normandia, o resultado teria sido muito diferente se não tinha participado de duas ou mais unidades da Waffen SS.
  SS juramento: ". Juro para você, Adolf Hitler, Führer e Chanceler do Reich, lealdade e coragem Eu prometo obediência até a morte para você e os superiores nomeado para você Assim Deus me ajude.".

 A HISTÓRIA DO Waffen SS
 Desde o início da constituição do NSDAP Partido Nazista, antes de tomar o poder em seus anos de formação, as unidades de elite especiais resolvem  em seu partido cuja única finalidade é o cuidado e a proteção de seus líderes.
 O primeiro foi formado quando os homens da Companhia  de 19 de Argamassas, sob o comando de Ernst Röhm, atua como um guarda nas primeiras reuniões de Adolf Hitler e outros membros do partido. Este primeiro grupo de homens foi  formada como a SA, que logo começou a crescer.
Desde a sua criação Adolf Hitler via como um problema do que como uma ferramenta útil. Como Hitler cresceu ordenou a formação de uma unidade especial de fiéis seguidores que visa proteger os líderes do NSDAP. Esta unidade foi formada sob o comando de Júlio Schreck e Joseph Berchtold. No entanto, apesar de ser separado em suas funções, permaneceu sob o controle da SA. Desta vez, foi determinada a usar como um emblema da unidade ou crânio Totenkopf nas boinas  dos homens, além de outros elementos exclusivo para esta organização.
Em 09 de novembro de 1923 esta unidade, além das SA e outros NSDAP participaram do fracassado putsch de Munique contra a República de Weimar. O fracasso do golpe, Hitler foi preso com outros membros do partido e a unidade oficialmente dissolvida, e os SA.
A SA continuou a existir sob o nome de Frontbahn, liderados por Ernst Röhm. O SA começou a crescer substancialmente a partir de 2000 em novembro de 1923 a 30.000 em um curto espaço de tempo. Quando Hitler foi libertado da prisão, ele montou uma batalha para o tratamento de Röhm e entre os SA, que culminou com o assassinato de Röhm, Hitler ordenou após a famosa Noite das Facas Longas, em que noite, mais vai começar a matar todos aqueles que algum dia poderia representar um problema para o futuro Führer, a 01 julho de 1934, os homens da SS liderada por Theodor Eicke, entrou  na célula Röhm em Munique e é baleado à queima-roupa , dois dias mais tarde, o gabinete de Hitler promulgou uma lei em um parágrafo: "Considera-se que as medidas tomadas por lei em 30 de Junho e 1 e 2 de julho para suprimir as atividades de traição foram tomadas em defesa do Estado em um momento de emergência. "
Logo Hitler ordenou a reorganização dos viciados  da sua força fora do controle da SA, pediu tempo, como tropa de choque ou Schutzstaffel. Com a  formação desta força mais tarde conhecido como o SS passaram a coexistir dentro do NSDAP dois paramilitares organizações políticas.
Após a formação da SS em 1925, logo adquiriu sua própria dinâmica de crescimento, que dela decorrem da criação do mais tarde conhecida como as unidades SS Leibstandarte. Em 1933, oito anos após a criação da SS, tinham 50.000 membros, é na primavera de 1933, quando eles decidiram criar unidades de elite ao redor do SS.
A elite da elite, torna-se um corpo especial de guarda-costas, formando uma unidade da Guarda como Korps de Hitler, que só respondia ao seu comando.
 Para aumentar a guarda pessoal de Hitler, foi enviado a Berlim um contingente seleto de 120 homens sob o comando de um oficial SS Baviera Josef Sepp Dietrich, que mais tarde tornou-se comandante do Leibstandarte Adolf Hitler Divisão Panzer. A partir daí, qualquer pessoa que visite o Führer teve que primeiro passar pelo escrutínio rígido de pelo menos três membros da Leibstandarte ou guarda-costas.
Em 1933, ele também criou dois novos comandos especiais (Sonderkommando), a Zossen eo Juterbog, estes servem como duas unidades de treinamento localizado em Berlim.
Em setembro de 1934 Hitler criou a ala militar do partido  e aprova  a formação do Verfügungstruppe SS ou SS-VT (tropas serviço especial), sob suas ordens diretas. Himmler logo decide criar dois novos regimentos da SS Deutschland germânio e, juntamente com os já estabelecidos Leibstandarte Adolf Hitler, foram as sementes do futuro Waffen SS. É escolhido para comandar esta força para Paul Hausser como um general de brigada, que introduziu inovações em treinamento e equipamentos, era o motorista de uniformes camuflados e incutir nos seus homens, sabiam muitas das teorias nazistas em Aryan supremacia e homens subumanas.
Um oficial de recrutamento grande, Gottlob Berger, que teve que usar a imaginação e os recursos para conseguir recrutar as unidades de forças inimagináveis ​​levou para completar a Waffen SS, que não estavam disponíveis para quotas de recrutamento regular, e outros serviços a partir da forças armadas, levou a impor as mãos sobre o que estava disponível, voluntários estrangeiros, primeiro ariano, nórdico mais tarde, e, finalmente, passando todos os policiais, e outro ramo da SS como Totenkopfverbände, que entre outras funções de segurança interna (perseguindo os inimigos do Reich), estavam monitorando os campos de concentração de prisioneiros políticos e o assassinato, mesmo com criminosos condenados, com os quais as Brigadas foi formada, mais tarde divisões, Dirlewanger e Kaminski.
Porque  as  SS era uma organização complexa, com ramos diferentes, que vão desde o reservistas Reich tempo parcial, em tarefas de segurança ou polícia para unidades policiais (tanto como a segurança da ordem pública), uma vez de  início de 1944 ele ordenou que todas as unidades Shutzpolizei devem usar o uniforme da SS de combate ou transporte em seus uniformes, no bolso esquerdo, um escudo com as duas runas.
Em agosto de 1938, Hitler autorizou o motor de seu SS prized. , A fim de torná-la ativa unidade de combate, o Führer faz participação na ocupação da Áustria e os Sudetos.
Em outubro de 1939 autoriza a criação das Divisões SS, o tema do Exército para evitar a suspeita de que os generais da Wehrmacht, com os regimentos Deutschland, Germânia e Der Fuhrer é criado Verfugugs Divisão SS. O Leibstandarte Adolf Hitler será reforçado e, mais tarde elevado à categoria de divisão. Himmler dá as unidades militares do título Waffen SS (em alemão é a arma Waffe). Em março de 1940 Hitler autorizou a formação de quatro novos batalhões de artilharia motorizada para juntá-los para as Waffen SS e da Leibstandarte Adolf Hitler. Em maio de 1940, encontramos as primeiras unidades da Waffen SS enquadrado dentro dos exércitos implantado para invadir a França. Desde a sua fundação em 1940 até 1945, tinha 910 mil homens com formação militar de elite.
A Waffen SS transportada grande parte da má reputação da organização-mãe, o que não significa que elas eram verdadeiras em  comportamento criminoso entre os seus membros, desde o policial que atirou prisioneiros britânicos enviados para Merville (Divisão Totenkopf) e Wormhoudt (Liebstandarte Divisão) em 1940, o massacre de civis franceses em Oradour-Sur-Glane (Divisão Das Reich), e as filmagens de prisioneiros americanos em Malmedy (Leibstandarte Division), este último em 1944, feita após a guerra levar a vergonha de "açougueiros" e assassinos. No serviço militar puramente é fã desprezo à vida repreensível em cumprimento da missão, o que significava que a proporção de vítimas unidades Waffen SS foram chocantes de primeira linha em comparação com outras unidades do Heer (Exército) elas foram menores do que com um método de planejamento mais poderia ser evitado, como um dos deveres do soldado para preservar sua vida para continuar a lutar no dia seguinte: a carga do 9 º Batalhão de Reconhecimento Honnestauffen Divisão Blindada na ponte de Arnhen é um dos exemplos mais típicos, uma vez que significou a destruição da unidade.
Às vezes acredita-se que a Waffen SS são um quarto ramo das Forças Armadas Alemãs, Heer (Exército), Luftwaffe (Força Aérea), Navy (Marinha), porque no campo de batalha, estava no comando direto do OKW (Comando Forças Armadas), mas esta crença não é inteiramente correto, pois ele mantém o controle estratégico suas próprias Waffen SS.