Nem sempre a fraude exige o recurso à mentira. Às vezes, a coisa é mais sutil.
Um dos truques da revista é a apresentação de uma tabela de variação do PIB argentino cujo ponto de partida é o ano de 2001. Naquele ano, registrou-se retrocesso de 4,4% do PIB. No ano seguinte, o retrocesso atingiu espantosos 10,9%. Depois, o PIB começou a crescer vigorosamente. A conclusão? A moratória, declarada em dezembro de 2001, agravou a recessão econômica, provocando o desastre de 2002.Falso: o desastre de 2002 não tem raízes na moratória, mas no esgotamento do modelo econômico seguido pelo governo de Carlos Menem. Contudo, essa história só pode ser desvendada quando se olha o conjunto do processo.
Onde colocar o ponto de partida de um gráfico ou tabela de evolução histórica? Se a finalidade não é falsear, a estatística deve abranger todo o desenvolvimento de um fenômeno. No caso, o fenômeno é o modelo econômico de Menem, consolidado em 1992 com a substituição do austral pelo novo peso e com a lei de paridade entre o peso e o dólar. Os efeitos dessa política aparecem dois anos depois.
O PIB nominal, ou PIB a preços de mercado, não é adequado para a construção de uma série histórica.
Imagine, por exemplo, que o PIB de determinado país, calculado na moeda nacional, cresceu de 350 milhões para 385 milhões em um ano.
Essa expansão, de 10%, parece excepcional.
Mas, se a inflação no mesmo período atingiu 10%, o PIB real permaneceu estagnado.
Por isso, usou-se na série histórica o PIB real, ou seja, o PIB com desconto da inflação.
O gráfico revela que o modelo de Menem gerou expansão econômica, pela última vez, em 1998. Depois, três anos de retração do PIB acompanharam a fuga de capitais da Argentina e o colapso da capacidade de pagamento dos juros e do serviço da dívida externa.
O que aconteceu em 2002? Naquele ano, como resultado da carência de capitais para financiar a economia, o PIB chegou ao fundo do poço, completando a trajetória iniciada bem antes. Qual é a relação do desastre com a moratória? Nenhuma.
Aliás, na verdade, a moratória é que derivou do desastre que já se desenhava antes.
A moratória estancou, ao menos em parte, a hemorragia de capitais. Sem pagar juros e serviço da maior parte da dívida, a Argentina conseguiu financiar uma retomada do crescimento. Eis o motivo da forte expansão de 2003-2004.
Estatísticas são um instrumento de análise útil e, muitas vezes, indispensável.
Porém, como tudo mais, também podem ser usadas para trapacear.Boletim Mundo n° 1 Ano 13
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