Renan Antunes de Oliveira
Poucos dias depois que o presidente Bush deu aquele discurso ameaçando impor ao mundo pela força o seu modelito americano , um episódio negligenciado pela grande imprensa ocorreu em Paris: na segunda-feira, 25 de janeiro, a polícia prendeu sete jovens franceses das “fileiras iraquianas”.
Foram cinco rapazes e duas moças, todos voluntários à guerra do Iraque, a maioria descendentes de imigrantes.
Eles estavam prontos para partir e lutar contra a invasão americana, sendo presos momentos antes de embarcar.
A repressão no nascedouro veio depois que as autoridades franceses confirmaram que dezenas de jovens franceses se alistaram como voluntários no ano passado portanto, quanto mais os americanos batem, mais aparece gente disposta a enfrentá-los.
E a decisão destes jovens, criados com todo o conforto do Primeiro Mundo, em ir lutar nos cafundós do Iraque dá a medida da revolta contra a atuação americana entre os franceses. O discurso ameaçador de Bush na posse do segundo mandato amplia e reforça o sentimento.
Como é impossível abraçar o mundo com as pernas para medir o antiamericanismo na Europa, aqui vai uma coleção de depoimentos ouvidos ao acaso, no final de janeiro, entre Paris e Madrid.
“Eu ouvi na TV e fiquei indignado”, disse o estudante Marcel Chambert, 16 anos, entrevistado ao acaso no metrô da linha 9, num subúrbio parisiense. “A geração dos meus avós tinha uma dívida com os americanos por causa da luta contra o nazismo, mas acho que ela já foi paga. Está na hora da França andar sozinha”, afirmou – o garoto parecia politizado à beça.
A reclamação dele contra a presença americana no Oriente Médio sempre foi comum na França, país com grande número de imigrantes da região. Mas a percepção da hora, registrada pelos jornais, é que a revolta vem num crescendo e que o mesmo está ocorrendo entre vizinhos da União Européia.
A professora italiana Carine Lavidon, casada com um iraniano, entrevistada num café do Les Halles: “Estou com medo que os Estados Unidos ataquem o Irã. O discurso demonizador dos aiatolás é o mesmo que eles usaram contra Saddam para invadir o Iraque, com o mesmo assunto das armas nucleares. Tenho medo porque pode desestabilizar a Europa e também porque a família do meu marido está toda lá.”
Mais da estudantada: Karim, do Magreb espanhol (parte de um contingente de 120 mil africanos que estudam na França): “Não conheço ninguém da minha escola que esteja apoiando a política externa americana por estes dias. Não é o que Bush disse que nos preocupa, mas o que ele já fez e o que pode fazer.”
RUAS PICHADAS
Algumas paredes sujas das ruelas do boulevard Strasbourg Saint-Denis, reduto de imigrantes em Paris, estão cobertas de pichações e cartazes antiamericanos, sinal de que a coisa não está boa. Na entrada da Galeria Prado alguém pendurou uma enorme foto de um avião americano despejando bombas em algum lugar – e segue-se uma convocatória para protestos na Universidade de Nanterre e na Universidade Internacional da Cidade.
Uma pichação original: alguém, possivelmente latino, escreveu “Bush=Chupacabras”. A comparação veio assim mesmo, com a grafia usada em espanhol e português.
Não foi possível parar nenhum francês para explicar pra ele o que era e buscar sua opinião.
Para quem não sabe, este ser da mitologia recente da América Latina (suas primeiras “aparições” foram em 1996, em Porto Rico, com incursões pelo México e até nos grotões do Brasil), vive do sangue de animais domésticos.
Perguntado, um equatoriano que passava pela pichação comentou: “El hombre es um vampiro”. O hermano balançou a cabeça e seguiu seu caminho.
Nos jornais, ecos do descontentamento das ruas. Poucos dias depois da posse, o jornal Le Monde publicou um editorial afirmando que os americanos não vão ganhar a guerra do Iraque.
Mas o homem também tem apoiadores. A França está bem de vida e bastou sair um pouco dos bairros e boulevards de imigrantes para que o discurso mudasse. A jornalista Natalie Guilen, classe média alta, casada com um engenheiro da Siemens, é pró-Bush: “O terror não tem fronteiras, só os americanos podem nos defender”, disse, com o apoio do maridão.
Um americano em Paris: texano, funcionário da Dell computadores, eleitor dos democratas: “O que ele está dizendo envergonha os Estados Unidos, vai nos custar muitos aliados e atrair o pior para o país. Mas está eleito e teremos que conviver com ele.”
Deixando o americano resmungão e voltando às ruas, agora em Madrid. Uma rápida enquete no metrô, na viagem do aeroporto de Barajas à estação Sol. Entre jovens: 8 a 2 contra Bush. Entre a turma mais velha: 5 x 5. Dois bem velhinhos: Bush na cabeça, 2 x 0.
Aí o metrô chega na estação. O repórter sobe para as ruas iluminadas, lotadas por turistas, lojas abertas tarde da noite, shows nas carteleras. Não adianta tentar puxar papo com a multidão – todos olham através da gente, parece que pensam que o resto do mundo é feito de mendigos. A massa não tá nem aí pro rumo do planeta na Era Bush.
Boletim Mundo n° 1 Ano 13
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