sexta-feira, 14 de outubro de 2011

TSUNAMI EXPÕE ATRASO TÉCNICO DOS PAÍSES DO ÍNDICO

Nelson Bacic Olic

O fim de 2004 ficou marcado pelo tsunami que atingiu 13 países da Ásia e da África, na bacia do Índico. Nunca se saberá o total exato de vítimas fatais. As últimas estimativas giram em torno de 320 mil, a quase totalidade (95%)  habitantes da Indonésia, do Sri Lanka, da Índia e da Tailândia. Entre os desastres naturais dos últimos 150 anos, este evento figura entre os mais mortíferos.
Tsunami são ondas ocasionadas por abalos sísmicos submarinos ou grandes movimentos de massas nas vertentes das bacias oceânicas. Em alto-mar, essas ondas têm poucas dezenas de centímetros e deslocam-se em altíssima velocidade.
Nas proximidades da costa, perdem velocidade e ganham altura, transformando-se em vagalhões imensos.
O tsunami originou-se de um maremoto com epicentro numa área do Índico a cerca de 180 quilômetros do litoral norte da ilha de Sumatra (Indonésia). A região situa-se na faixa de contato de duas placas tectônicas, a Indo-Australiana e a Euro-asiática, que se sobrepuseram e geraram um abalo sísmico de 9 graus na escala Richter.
Os níveis de destruição foram determinados por uma combinação de fatores, entre os quais destacam-se a distância do epicentro, as características morfológicas do litoral, a ocupação e valorização econômica da fachada litorânea e as condições sociais das populações atingidas.
A combinação desses fatores fez da Indonésia o país com maior número de vítimas – cerca de 80% do total. Por outro lado, foi expressivo o número de turistas, em geral europeus, que morreram nos resorts da costa ocidental tailandesa.
No Sri Lanka e na Índia, o tsunami vitimou populações pobres de pescadores e camponeses que moravam à beira-mar.

FOCOS DE CONFLITOS
Curiosamente, três das principais áreas atingidas – a província de Aceh (Indonésia), o norte e leste do Sri Lanka e o sul-sudeste da Índia (estado de Tamil Nadu) – são, ou foram num passado recente, focos de conflitos geopolíticos.
A província de Aceh situa-se na ponta noroeste da ilha de Sumatra, uma das quatro grandes ilhas entre as 15 mil que formam o arquipélago da Indonésia. Banda Aceh, capital da província, foi a cidade com o maior número de vítimas do tsunami. Aceh é um “território especial” da Indonésia, devido a seus particularismos políticos e culturais. Em função de sua localização, sempre foi mais voltada para a vizinha Malásia do que para a Indonésia.
Cerca de 97% de sua população é constituída de muçulmanos e a região é o mais antigo foco de expansão do Islã no país. O islamismo professado pela população local é mais rigoroso e ortodoxo que o praticado no restante do país.
Historicamente, Aceh representou importante pólo de resistência à colonização holandesa e só se submeteu ao domínio da metrópole européia no início do século XX, depois de sangrenta resistência que se prolongou entre 1873 e 1903. Deste passado tumultuado decorre uma tendência crônica de oposição a qualquer tipo de poder central. Economicamente, Aceh dispõe de importantes recursos naturais, como gás e petróleo. Contudo, os líderes regionais queixam-se há tempo do governo central, que não repassa à província dividendos proporcionais às rendas geradas pela exploração dos combustíveis fósseis.
O leste e o norte do Sri Lanka são palco de conflitos que opõem a maioria cingalesa budista (cerca de três quartos da população) aos tâmeis hinduístas (menos de um quinto da população). Discriminados pelos cingaleses, os tâmeis criaram, em 1972, o grupo armado Tigres de Libertação do Tâmil Eelam, que espalha o terror pelo país. Em 1983 eclodiu a guerra civil, que se prolongou até 2002, quando foi assinado um precário cessar-fogo. O impasse de fundo permanece sem solução e, ao que tudo indica, os tâmeis foram prejudicados na distribuição da ajuda humanitária para as vítimas do tsunami.
Tamil Nadu, o estado da Índia mais atingido pelo tsunami, é habitado majoritariamente por povos dravidianos e constitui o núcleo da área onde se fala o tâmil, a língua-mãe dessas populações que se difundiram pelo Sri Lanka e outros países asiáticos. No Tamil Nadu desenvolve-se há tempo a luta por uma maior autonomia do estado e a oposição à hegemonia política das elites do norte da Índia.
A população tâmil hindu chegou a apoiar seus “irmãos” do Sri Lanka durante a guerra civil. O governo central da Índia reagiu desmantelando as bases de apoio aos separatistas do Sri Lanka, instaladas em território indiano. Em 1991, o primeiro-ministro da Índia Rajiv Ghandi foi morto num atentado suicida cometido por grupos tâmeis.

A INFORMAÇÃO AUSENTE
Há cerca de 50 anos, no Oceano Pacífico, existe um sistema de previsão e alerta de tsunamis. Esse sistema, baseado na colaboração entre Estados Unidos e Japão, compartilha informações com os demais países da bacia do Pacífico. Os efeitos do tsunami do final de 2004 teriam sido bastante minimizados se houvesse um sistema similar na bacia do Índico.
Se é bastante conhecida a localização e as faixas de contato das placas tectônicas, continua a ser impossível saber quando um abalo sísmico ocorrerá. Contudo, terremotos são registrados no momento em que ocorrem, por estações situadas em diversos lugares do mundo. Quando ocorreu o maremoto de Sumatra, o Centro de Alerta de Tsunamis do Havaí registrou o evento.
Mas um maremoto não gera necessariamente um tsunami. A identificação de um tsunami e a modelagem da velocidade e direção das ondas exigem uma rede de sensores de pressão implantados no leito oceânico e uma base de análise computadorizada das informações.
O alerta deve ser repassado a centros nacionais de monitoramento, que dispõem dos meios de difundir as informações relevantes. Nada disso existe na bacia do Índico.
Depois do desastre, os governos dos países do Índico começaram a se articular para discutir a criação de um sistema regional e surgiram propostas de implantação de um sistema global de alerta de tsunamis. Como o desastre que aconteceu no Índico foi até certo ponto inusitado, aumentou a preocupação com a possibilidade de ocorrência de um evento semelhante em qualquer área litorânea do mundo.
A propósito: apesar de mínimo, existe o risco de ocorrência de tsunami no Brasil. Há indícios de que, em 1542, a recém-fundada vila de São Vicente, no litoral de São Paulo, tenha sido arrasada por ondas de até 8 metros.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

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