sexta-feira, 14 de outubro de 2011

IRÃ, O PRÓXIMO ALVO?

Na campanha eleitoral, Bush e Kerry colocaram o Irã no centro das preocupações de Washington. Na mídia, circulam rumores sobre uma operação militar. Mas o Pentágono conhece a diferença entre Irã e Iraque.

A Secretaria de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, declarou recentemente que seu país não tem, pelo menos por enquanto, planos para atacar militarmente o Irã. Afirmou que há, ainda, um leque de pressões diplomáticas a serem usadas para que o governo iraniano cumpra seus compromissos internacionais de signatário do tratado de não-proliferação de armas nucleares (TNP).
A desconfiança de que a administração Bush se preparava para atacar o Irã surgiu depois de reportagem publicada em dezembro de 2004, pela revista New Yorker, que dava detalhes sobre a ação bélica em preparação no Pentágono.
Tudo indica que a estratégia a ser utilizada não teria semelhanças com aquela usada na invasão do Iraque. No caso do Irã, a operação teria seu foco central em bombardeios sobre as supostas instalações nucleares do país.
O governo iraniano assegura, é claro, que não planeja desenvolver armas atômicas e que seu objetivo é unicamente produzir energia. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos, cuja credibilidade sofreu sérios arranhões com a constatação da ausência de armas de destruição em massa no Iraque, afirmam que existe um projeto nuclear paralelo com fins militares no Irã.
O Irã tem todos os incentivos para explorar a via nuclear.
Sob a perspectiva iraniana, a capacidade nuclear de Israel, que dispõe ao que parece de umas 200 ogivas, representa uma ameaça direta. Além disso, o caso da Índia funciona como estímulo extraordinário: depois de consolidar sua condição de potência nuclear desafiando os Estados Unidos, o país tornou-se um parceiro político de Washington e um candidato óbvio a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Mas, do ponto de vista dos Estados Unidos, um Irã nuclear seria um cenário inaceitável, por dois motivos básicos. Primeiro: Israel procuraria restaurar sua superioridade militar regional atacando antes que as armas atômicas iranianas se tornassem operacionais. Segundo: cresceria incontrolavelmente a influência do Irã sobre um Iraque que passará a ser governado pela maioria xiita.
Uma ofensiva militar dos Estados Unidos não surpreenderia ninguém. O Irã tem sido acusado de auxiliar grupos extremistas que combatem Israel, como o Hezbollah libanês, e controla alguns grupos xiitas cada vez mais influentes no Iraque. Não por acaso, em 2002, o Irã foi listado pela administração Bush, junto com o Iraque e a Coréia do Norte, no “Eixo do Mal”.

O DILEMA AMERICANO
Apesar de tudo, Washington parece não planejar um ataque iminente contra o Irã. A cautela justifica-se por vários motivos. Nesse momento, seria contraproducente abrir mais uma frente de luta. A situação no Afeganistão, alvo da operação militar iniciada em 2001, continua instável.
No Iraque, a insurgência cresce incessantemente.
Além disso, Afeganistão e Iraque são vizinhos muçulmanos do Irã: uma nova operação militar ampliaria perigosamente a esfera de ação das forças americanas.
Os planejadores do Pentágono não confundem o Irã com o Iraque. Os dois países são muçulmanos e grandes produtores de petróleo, mas exibem diferenças históricas e geopolíticas marcantes. O Iraque é uma entidade política artificial criada pelo imperialismo britânico, no final da Primeira Guerra Mundial. O Irã, herdeiro da Pérsia antiga, é um país milenar, com forte coesão cultural.
A geografia física tem impactos evidentes no planejamento militar. O Irã é quase quatro vezes mais extenso que o Iraque e seu meio natural apresenta-se muito mais diversificado. Numa hipotética invasão, as forças ocupantes precisariam se deslocar pelas regiões desérticas do planalto central iraniano e também por áreas montanhosas, como os Montes Elburz, no norte, e Zagros, no oeste. Diferentemente do Iraque, país quase sem acesso ao mar, o Irã possui litorais “abertos” (Golfo Pérsico e Oceano Índico), além da costa banhada pelo mar Cáspio .
A demografia é outro fator crucial. Com 70 milhões de habitantes, o Irã abriga população quase três vezes maior que o Iraque. Os iranianos de origem persa representam pouco mais da metade da população, que conta também com expressivo número de azeris (25%), curdos (10%), árabes (3%), baluques (3%) e turcomenos (1,5%). Mas, por baixo das diferenças étnicas, o Irã sustenta-se sobre um nítido sentido de identidade nacional.
No vasto e heterogêneo “mundo muçulmano”, o Irã singulariza- se pelo predomínio absoluto da população xiita, que constitui cerca de 90% do total. A Revolução Iraniana de 1979 foi, antes de tudo, uma revolução xiita.
Sob a liderança do aiatolá Khomeini, o Irã transfigurou-se em uma república islâmica na qual a legislação civil é submetida ao crivo do clero xiita. A revolução transformou o Irã no principal pólo de difusão do xiismo e colocou o país em linha de conflito com os Estados Unidos (o “Grande Satã”) e com os regimes pró-ocidentais da maior parte do “mundo muçulmano”.

Pobres xiitas...
Já ouviu um sujeito chamar o outro de “xiita”, como sinônimo de “radical”? A identificação é uma herança da Revolução Islâmica de 1979, no Irã, que derrubou o xá (imperador) Reza Pahlevi, levando ao poder o clero xiita, à frente o aiatolá (líder religioso) Ruhollah Khomeini. A capacidade de mobilização popular dos religiosos e seu antiamericanismo bravo fizeram com que “xiita” se tornasse um sinônimo popular de radical ou linha-dura.
Na verdade, a identificação não tem sentido. Sunitas e xiitas são os dois principais ramos do Islã, que há séculos dividiram-se, em virtude de um conflito sucessório. O quarto califa (líder espiritual do Islã), Ali ibn Abu Talib, genro de Maomé, foi assassinado em 661 e, com o apoio da maioria dos chefes islâmicos, o cargo passou para Moawiya, governante da Síria. A minoria revoltou-se pois desejava que o califado ficasse com os filhos de Ali, que acabaram assassinados por forças de Moawiya.
Os seguidores da maioria formaram a seita sunita. A denominação decorre de considerarem a Suna, a súmula do comportamento exemplar do Profeta, uma fonte essencial da lei islâmica, junto com o Corão. Os seguidores de Ali formaram a seita xiita, termo originado da palavra árabe shiat, que significa “minoria”. Os sunitas são amplamente majoritários entre a população muçulmana mundial, mas os xiitas formam a ampla maioria no Irã e constituem também a maioria da população iraquiana.
Na política ocidental, “radical” e “moderado” são noções bastante comuns, ainda que imprecisas e discutíveis. Contudo, elas não se aplicam ao Islã. Quem é radical na Arábia Saudita, onde príncipes que defendem “radicalmente” um Estado com valores do século VIII são amigos do peito dos Estados Unidos? Quem é radical no Irã, o clero que controla as rédeas do Estado e conserva a “pureza” da Revolução Islâmica ou os reformadores que sustentam o presidente Mohammed Khatami?
No Oriente Médio, onde religião e política se misturam, xiitas libaneses já foram aliados de Israel e xiitas iranianos, inimigos de morte do Estado judeu. Os alinhamentos políticos são tênues e confusos; quase sempre não cabem dentro de definições ocidentais. Falando nisso, Osama Bin Laden, o terrorista “xiita” (radical) é sunita.

Boletim Mundo n° 1 Ano 13

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