Revista Mundo Estranho Edição 1/ 2001
Este Blog foi Elaborado com a Finalidade de Aprofundar os estudos de Geografia e História, bem como curiosidades com textos diversificados no mundo das Ciências Humanas
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Por que o sabor do uísque melhora com o tempo?
O processo de envelhecimento da bebida provoca ligações químicas entre seus componentes, formando algumas substâncias — principalmente certos tipos de aldeídos, cetonas e ésteres — que melhoram o seu sabor. "Mas, para que isso aconteça, o uísque tem de ser conservado em tonéis de madeira", afirma o farmacêutico bioquímico Eugênio Aquaroni, da Universidade de São Paulo. Por ser bastante poroso, esse material permite a entrada de pequenas quantidades de oxigênio, que ajudam tais reações químicas. Além disso, há substâncias presentes na madeira que também dão gosto à bebida. Isso não acontece com o uísque armazenado em garrafas, pois a entrada de oxigênio é muito pequena (ocorre apenas através dos poros da rolha) e o vidro, ao contrário da madeira, não interage com a bebida.
Por que a voz se altera quando é gravada?
A voz humana alcança freqüências de onda entre 100 e 10 000 hertz. Só que a maioria dos aparelhos não capta toda essa faixa, alterando o timbre da voz quando ela é reproduzida pelo gravador. O mesmo acontece com o telefone. "Quanto pior a qualidade do aparelho, menor a faixa de freqüências que ele pode captar e maior a diferença no som da voz reproduzida", diz o engenheiro mecânico Sylvio Bistafa, da USP. Quando se trata de ouvir a própria fala gravada, surge outro problema. A voz que estamos acostumados a ouvir em nós mesmos é a soma do som que sai pela boca e entra pelo ouvido com a vibração transmitida pela estrutura óssea craniana. Assim, soa estranho escutar a própria voz sem sua propagação pelo crânio.
Revista Mundo Estranho Edição 1/ 2001
Por que as flores têm perfume?
Como todo ser vivo, ao longo de sua evolução as plantas desenvolveram características que facilitam sua sobrevivência. A cor e o perfume das flores são um bom exemplo disso. "O perfume age como chamariz para agentes polinizadores como mariposas, moscas e outros insetos. Atraídos pelo odor, que insinua a possibilidade de encontrar alimento, eles acabam pousando na flor, que é nada menos que o órgão reprodutor das plantas chamadas angiospermas", explica a botânica Nanuza Menezes, da Universidade de São Paulo. Ao pousar em diversas flores, esses insetos carregam o pólen de uma para outra, fecundando-as. Os perfumes, por sua vez, são produzidos por tecidos glandulares chamados osmóforos, localizados nas pétalas da flor ou em sua sépala (parte do cálice exterior). Essas glândulas soltam mínimas quantidades de óleos voláteis - isto é, que evaporam com facilidade, que são os responsáveis pelo odor exalado.
Há também flores que, em vez de perfume, produzem odores fétidos - como o de carne podre - para atrair moscas, quando são elas que cumprem o papel de polinizador.
Há também flores que, em vez de perfume, produzem odores fétidos - como o de carne podre - para atrair moscas, quando são elas que cumprem o papel de polinizador.
Revista Mundo Estranho Edição 1/ 2001
Qual é o maior ser vivo?
A maior criatura do planeta foi descoberta apenas em 1996: um fungo que cresce sob o solo da Floresta Nacional de Malheur, no Estado do Oregon, Estados Unidos.
Esse Armillaria ostoyae, popularmente conhecido como "cogumelo do mel", nasceu como uma partícula minúscula, impossível de ser vista a olho nu, e foi estendendo seus filamentos durante um período estimado de 2 400 anos. Da superfície, dá para ver apenas suas extremidades junto aos troncos das árvores, mas debaixo da terra ele ocupa 880 hectares - o equivalente a 1 220 campos de futebol. "Ele ainda cresce de 70 centímetros a 1,20 metro por ano", diz o engenheiro agrônomo João Lúcio de Azevedo, da USP. Antes de sua descoberta, o maior ser vivo era outro fungo da mesma espécie, encontrado em 1992. Até os anos 90, o título pertencia a uma árvore sequóia da Califórnia.
Terra de gigantes Até descobrirem o fungo Armillaria ostoyae, a maior criatura era uma árvore.
Até os anos 90, a sequóia General Sherman, na Califórnia - com 83 metros de altura - era o maior ser vivo conhecido no planeta.
A baleia azul é o maior animal da Terra: chega a medir 30 metros de comprimento e a pesar 135 toneladas.
O elefante é o maior dos animais terrestres: 3,50 m de altura e peso de até 6 400 kg.
O homem mais alto registrado media 2,72 m.
Esse Armillaria ostoyae, popularmente conhecido como "cogumelo do mel", nasceu como uma partícula minúscula, impossível de ser vista a olho nu, e foi estendendo seus filamentos durante um período estimado de 2 400 anos. Da superfície, dá para ver apenas suas extremidades junto aos troncos das árvores, mas debaixo da terra ele ocupa 880 hectares - o equivalente a 1 220 campos de futebol. "Ele ainda cresce de 70 centímetros a 1,20 metro por ano", diz o engenheiro agrônomo João Lúcio de Azevedo, da USP. Antes de sua descoberta, o maior ser vivo era outro fungo da mesma espécie, encontrado em 1992. Até os anos 90, o título pertencia a uma árvore sequóia da Califórnia.
Terra de gigantes Até descobrirem o fungo Armillaria ostoyae, a maior criatura era uma árvore.
Até os anos 90, a sequóia General Sherman, na Califórnia - com 83 metros de altura - era o maior ser vivo conhecido no planeta.
A baleia azul é o maior animal da Terra: chega a medir 30 metros de comprimento e a pesar 135 toneladas.
O elefante é o maior dos animais terrestres: 3,50 m de altura e peso de até 6 400 kg.
O homem mais alto registrado media 2,72 m.
Revista Mundo Estranho Edição 1/ 2001
De onde é extraída a gelatina?
Ela é feita de uma proteína animal chamada colágeno, tirada quase sempre do couro do boi. O processo inicia-se com a preparação das raspas dessa pele. "Depois vêm as etapas de extração, filtragem, concentração, esterilização, secagem e moagem", afirma Alexandre Ferreira Costa, técnico da Kraft Foods. O resultado é um pó incolor, com aplicações não só na indústria de alimentos, como na farmacêutica e outras. Para fabricar a gelatina consumida como sobremesa, esse pó é acrescido de aromatizantes, corantes e açúcar ou adoçante. A transformação do pó em alimento, já em casa, se dá através da hidratação das cadeias de moléculas de proteína e da retenção da água pela formação de ligações entre essas cadeias. A hidratação da gelatina ocorre quando ela é dissolvida em água quente. Assim, as moléculas de água conseguem penetrar no interior da cadeia de moléculas de proteína. Com o resfriamento, as moléculas de água são aprisionadas e o líquido solidifica, formando a gelatina.
Do couro do boi à mesa Proteína da pele animal é a base da gelatina.
1. O couro do boi é raspado.
2. As raspas são tratadas com substâncias químicas para extrair a proteína, que faz a gelatina (colágeno).
3. Na filtragem, o colágeno é limpo de restos de gorduras e fibras.
4. A solução é concentrada em evaporadores, esterilizada e seca.
5. Por fim, o produto seco é moído, gerando um pó incolor.
Do couro do boi à mesa Proteína da pele animal é a base da gelatina.
1. O couro do boi é raspado.
2. As raspas são tratadas com substâncias químicas para extrair a proteína, que faz a gelatina (colágeno).
3. Na filtragem, o colágeno é limpo de restos de gorduras e fibras.
4. A solução é concentrada em evaporadores, esterilizada e seca.
5. Por fim, o produto seco é moído, gerando um pó incolor.
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Como ocorrem as miragens?
Trata-se da famosa ilusão de óptica. Um dos tipos mais comuns ocorre em dias de sol, quando, olhando uma estrada asfaltada ao longe, temos a sensação de que ela está molhada. Nesse caso, o que ocorre é que o ar na superfície da estrada está mais quente que o da faixa imediatamente acima. A diferença de temperatura faz com que essas camadas tenham densidades diferentes. "Como esse meio de propagação não é homogêneo, a luz sofre uma curvatura que faz a camada de ar quente na superfície funcionar como um espelho, refletindo o azul do céu e dando a impressão de que o asfalto está molhado", afirma o físico Mikiya Muramatsu, da Universidade de São Paulo. Um efeito semelhante causa miragens na areia dos desertos.
Segundo a psicologia, há miragens que são, na verdade, alucinações: não dependem de fatores externos. Nesse caso, o cérebro reproduz imagens conhecidas, armazenadas na memória, como se estivessem sendo vistas naquele momento. Vários fatores podem desencadear o processo, desde uma doença mental ou uma grave privação física, como passar vários dias sem água.
Segundo a psicologia, há miragens que são, na verdade, alucinações: não dependem de fatores externos. Nesse caso, o cérebro reproduz imagens conhecidas, armazenadas na memória, como se estivessem sendo vistas naquele momento. Vários fatores podem desencadear o processo, desde uma doença mental ou uma grave privação física, como passar vários dias sem água.
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Qual é o animal que vive mais tempo?
Em 1776, o explorador francês Marion de Fresne recolheu cinco jabutis da espécie Geochelone sumeirei em seu hábitat natural - as Ilhas Seychelles, no Oceano Índico. Dos cinco, o que viveu mais tempo morreu em 1928, com 152 anos. A espécie ficou conhecida como tartarugas Marion. "Isso não significa que todos os quelônios - como é chamada a família das tartarugas - cheguem aos 150 anos, mas nos dá uma boa estimativa de sua longevidade", afirma o biólogo Flávio de Barros Molina, chefe do Departamento de Répteis da Fundação Parque Zoológico de São Paulo. "A média de longevidade dos jabutis é de 60 a 80 anos, com grande potencial para chegar aos 100", diz Flávio. Ao contrário dos mamíferos, os quelônios continuam crescendo a vida toda e, quanto mais velhos, mais fortes e saudáveis se tornam. As fêmeas mais velhas põem mais ovos e têm filhotes com mais saúde.
Répteis vencem de mamíferos a insetos Maior idade registrada entre seres vivos foi a de uma tartaruga.
A tartaruga Marion, das Ilhas Seychelles, chega a viver mais de 150 anos.
O homem que viveu mais tempo durou 111 anos. Uma mulher, porém, chegou a 129.
A vida média de uma mosca doméstica é de apenas 30 dias.
Répteis vencem de mamíferos a insetos Maior idade registrada entre seres vivos foi a de uma tartaruga.
A tartaruga Marion, das Ilhas Seychelles, chega a viver mais de 150 anos.
O homem que viveu mais tempo durou 111 anos. Uma mulher, porém, chegou a 129.
A vida média de uma mosca doméstica é de apenas 30 dias.
Revista Mundo Estranho Edição 1/ 2001
O que define se uma pedra é preciosa ou semipreciosa?
Para começo de conversa, essa distinção há muito tempo perdeu sua validade científica. Toda pedra usada como ornamento por sua beleza, durabilidade e raridade, deve ser chamada só de gema. A beleza de uma gema é determinada por um conjunto de fatores como cor, transparência, brilho, efeitos ópticos especiais (variação de cores, dispersão da luz, opalescência); enquanto a durabilidade está relacionada à resistência a ataques químicos e físicos. A raridade com que uma pedra ocorre na natureza é outro fator importante na determinação de seu valor comercial. No entanto, a tradição e a moda podem influenciar decisivamente no preço final. Assim, o diamante — que não é uma das gemas mais raras na natureza - costuma ter um alto valor de mercado por ser uma das pedras mais antigas e tradicionais para uso em jóias, ou seja: ele nunca sai de moda.
A grande maioria das gemas são minerais, classificados de acordo com a seguinte divisão: substâncias cristalinas (diamante, topázio, ametista, esmeralda, água-marinha); substâncias amorfas (como opala e vidro vulcânico); substâncias orgânicas (pérola, coral, âmbar) e rochas (lápis-lazúli, turquesa e outras). Todas essas substâncias são naturais. Além delas, há hoje no mercado um grande número de produtos parcial ou totalmente fabricados pelo homem, tentando reproduzir o brilho e a beleza desses minerais. São as gemas sintéticas: chamadas de revestidas, reconstituídas ou compostas.
A denominação "pedra preciosa" costumava ser usada apenas para o diamante, a esmeralda, o rubi e a safira, por serem as mais conhecidas e apreciadas desde a antigüidade; as demais eram denominadas popularmente de semipreciosas. "Esses termos são artificiais e confusos desmerecendo gemas como opala, água-marinha, crisoberilo, ametista ou alexandrita, entre outras pedras de grande beleza, apreciadas no mundo todo. Por isso, a distinção entre pedras preciosas e semipreciosas deve ser evitada, usando-se o termo gema", afirma o gemologista Pedro Luiz Juchem, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A grande maioria das gemas são minerais, classificados de acordo com a seguinte divisão: substâncias cristalinas (diamante, topázio, ametista, esmeralda, água-marinha); substâncias amorfas (como opala e vidro vulcânico); substâncias orgânicas (pérola, coral, âmbar) e rochas (lápis-lazúli, turquesa e outras). Todas essas substâncias são naturais. Além delas, há hoje no mercado um grande número de produtos parcial ou totalmente fabricados pelo homem, tentando reproduzir o brilho e a beleza desses minerais. São as gemas sintéticas: chamadas de revestidas, reconstituídas ou compostas.
A denominação "pedra preciosa" costumava ser usada apenas para o diamante, a esmeralda, o rubi e a safira, por serem as mais conhecidas e apreciadas desde a antigüidade; as demais eram denominadas popularmente de semipreciosas. "Esses termos são artificiais e confusos desmerecendo gemas como opala, água-marinha, crisoberilo, ametista ou alexandrita, entre outras pedras de grande beleza, apreciadas no mundo todo. Por isso, a distinção entre pedras preciosas e semipreciosas deve ser evitada, usando-se o termo gema", afirma o gemologista Pedro Luiz Juchem, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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O que há entre o elétron e o núcleo do átomo?
Não existe nenhum tipo de matéria, apenas forças que mantêm o átomo em equilíbrio. Os átomos, a menor porção da matéria, foram descobertos no início do século XIX pelo físico inglês John Dalton. Num primeiro momento, pensava-se que eles eram partículas sólidas e indivisíveis. Mas a descoberta da radioatividade - processo pelo qual os átomos perdem partículas em forma de radiação - colocou o modelo em dúvida. O neozelandês Ernest Rutherford revolucionou essa teoria ao determinar um modelo de átomo em que as partículas negativas (elétrons) giram em torno do núcleo, onde estão partículas positivas (prótons) e neutras (nêutrons). Para Rutherford, os elétrons permaneciam gravitando em torno do núcleo, como os planetas ao redor do Sol. A questão da estabilidade dos átomos foi resolvida pelo dinamarquês Niels Bohr, que aperfeiçoou a tese de Rutherford. Em seu modelo, os elétrons encontram-se girando em alta velocidade ao redor do núcleo.
A distância entre eles e os prótons permanece constante, graças à ação de forças eletrostáticas, que mantêm em repouso corpos dotados de carga elétrica. "Essa distância varia de um átomo para outro. Em um átomo de hidrogênio, o mais simples, ela é equivalente a um décimo bilionésimo de metro", afirma o químico André B. Henriques, da USP.
A distância entre eles e os prótons permanece constante, graças à ação de forças eletrostáticas, que mantêm em repouso corpos dotados de carga elétrica. "Essa distância varia de um átomo para outro. Em um átomo de hidrogênio, o mais simples, ela é equivalente a um décimo bilionésimo de metro", afirma o químico André B. Henriques, da USP.
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O que é a barreira do som?
O som se propaga no ar em ondas concêntricas, como faz uma pedra ao cair em um lago. A barreira do som é o limite de velocidade em que um avião pode se deslocar no ar sem atropelar as ondas sonoras emitidas por ele mesmo. A velocidade do som no ar é de 340 metros por segundo (1 200 km/h), aproximadamente. À medida que o avião acelera, essas ondas vão se juntando e ficando como que empilhadas à sua frente, como uma série de barbantes entrelaçados. Quando o avião finalmente consegue superar a velocidade das ondas, rompe esse cordão imaginário. "No momento em que a velocidade do som é ultrapassada, ouve-se um estrondo. É a isso que chamamos romper a barreira do som", diz o físico Carlos Luengo, da Unicamp. Uma vez rompida a barreira, não há mais estrondos, pois, embora as frentes de ondas continuem a se propagar, elas vão ficando para trás e o vôo prossegue totalmente silencioso. O primeiro vôo supersônico foi realizado em 14 de outubro de 1947, pelo americano Chuck Yeager, pilotando um Bell X-1. De acordo com Luengo, os primeiros aviões a ultrapassar a barreira faziam isso em queda livre.
Ultrapassagem trovejante Avião supersônico atropela as ondas sonoras emitidas por ele mesmo, provocando um grande estrondo.
1. As ondas sonoras se propagam de forma concêntrica.
2. À medida que se amplia a velocidade do avião, o ruído também aumenta, pois as ondas vão se achatando.
3. Quando a nave finalmente atinge a mesma velocidade que o som, ouve-se um estrondo, sinal de que foi rompida a barreira.
Ultrapassagem trovejante Avião supersônico atropela as ondas sonoras emitidas por ele mesmo, provocando um grande estrondo.
1. As ondas sonoras se propagam de forma concêntrica.
2. À medida que se amplia a velocidade do avião, o ruído também aumenta, pois as ondas vão se achatando.
3. Quando a nave finalmente atinge a mesma velocidade que o som, ouve-se um estrondo, sinal de que foi rompida a barreira.
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Quais instrumentos compõem uma orquestra?
Existem vários tipos de orquestra, mas sua formação sempre está ligada diretamente ao período histórico em que foi composta a obra a ser executada. "Por exemplo, os compositores barrocos - entre eles, Bach, Vivaldi e Haendel - utilizaram apenas orquestras de câmara, constituídas por dois oboés, duas trompas, tímpanos e uma formação de cordas também pequena, com seis a dez violinos, três violas, três violoncelos e um contrabaixo", afirma o maestro Gil Jardim, da Escola de Comunicações e Artes da USP. Já compositores posteriores, da era do Classicismo, como Mozart e Haydn, tinham à disposição orquestras um pouco maiores, com cerca de 35 músicos: uma ou duas flautas, dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes, dois trompetes, duas trompas, tímpanos e cerca de 20 instrumentos de cordas.
No Romantismo do século XIX, a orquestra cresceu ainda um pouco mais. A própria Revolução Industrial ajudou a aperfeiçoar os instrumentos de sopro, tornando necessário aumentar o número das cordas para manter o equilíbrio. No início do século XX, a orquestra usada por Richard Wagner foi ampliada para perto de 90 músicos. Por fim, com a célebre Sinfonia dos Mil, de Gustav Mahler, subiam ao palco 300 instrumentistas e 700 coralistas.
Cada um com sua turma Músicos se dividem em quatro blocos distintos, conforme o tipo de instrumento.
Cordas
Constituídas por violinos, violas, violoncelos e contrabaixos. Os violinos são subdivididos em dois times, chamados primeiros e segundos violinos, que tocam notas diferentes para compor acordes.
Sopros 1 - madeiras
Nessa categoria, entram flautas, oboés, clarinetes e fagotes. Apesar de as flautas transversais serem de metal, antigamente eram feitas de madeira e foram mantidas nesse grupo.
Percussão
O arsenal de instrumentos do gênero varia conforme as necessidades da peça a ser executada. Entre os mais usados, estão tímpanos, pratos, gongo, tambor, triângulo, xilofone, marimba e vibrafone.
Sopros 2 - metais
São os diferentes tipos de corneta: trompetes, trompas, trombones e tubas.
No Romantismo do século XIX, a orquestra cresceu ainda um pouco mais. A própria Revolução Industrial ajudou a aperfeiçoar os instrumentos de sopro, tornando necessário aumentar o número das cordas para manter o equilíbrio. No início do século XX, a orquestra usada por Richard Wagner foi ampliada para perto de 90 músicos. Por fim, com a célebre Sinfonia dos Mil, de Gustav Mahler, subiam ao palco 300 instrumentistas e 700 coralistas.
Cada um com sua turma Músicos se dividem em quatro blocos distintos, conforme o tipo de instrumento.
Cordas
Constituídas por violinos, violas, violoncelos e contrabaixos. Os violinos são subdivididos em dois times, chamados primeiros e segundos violinos, que tocam notas diferentes para compor acordes.
Sopros 1 - madeiras
Nessa categoria, entram flautas, oboés, clarinetes e fagotes. Apesar de as flautas transversais serem de metal, antigamente eram feitas de madeira e foram mantidas nesse grupo.
Percussão
O arsenal de instrumentos do gênero varia conforme as necessidades da peça a ser executada. Entre os mais usados, estão tímpanos, pratos, gongo, tambor, triângulo, xilofone, marimba e vibrafone.
Sopros 2 - metais
São os diferentes tipos de corneta: trompetes, trompas, trombones e tubas.
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Como se formam os ventos?
Classificados como horizontais ou verticais (ascendentes ou descendentes), os ventos se formam pelas diferenças de pressão e temperatura entre as camadas do ar. "Quando uma massa de ar com alta pressão atmosférica ou baixa temperatura se move em direção a uma região de baixa pressão, geram-se ventos verticais", afirma o meteorologista Mário Festa, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo. Os ventos verticais também se formam quando a camada de ar quente próxima ao solo sobe (por ser mais leve), substituída por outra fria, que desce. No caso dos ventos horizontais, o processo é semelhante: quando a massa de ar sobre uma região se aquece, ela sobe; porém, seu lugar será preenchido pelas massas de ar frio que estão na vizinhança.
Ventos verticais
Eles ocorrem quando o ar rente ao solo se aquece, fica mais leve e sobe, sendo substituído pela camada de cima.
Ventos horizontais
A massa de ar quente perto do chão se eleva e é substituída pelas massas mais frias que se encontram ao lado.
Ventos verticais
Eles ocorrem quando o ar rente ao solo se aquece, fica mais leve e sobe, sendo substituído pela camada de cima.
Ventos horizontais
A massa de ar quente perto do chão se eleva e é substituída pelas massas mais frias que se encontram ao lado.
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Como ocorre o raio?
O fenômeno é causado por uma descarga elétrica entre duas nuvens (o que é mais comum) ou entre uma nuvem e o solo. Essas nuvens são normalmente do tipo cúmulo-nimbo - verticalmente mais extensas, com a face inferior lisa. Elas se formam a cerca de 2 quilômetros de altura do solo e se estendem por até 18 quilômetros acima. O choque entre as partículas de gelo dentro da nuvem causa uma separação de cargas elétricas positivas e negativas. Quando a diferença de cargas é muito grande, uma carga elétrica, geralmente negativa, chamada condutor, fraca e invisível, deixa a nuvem e zigue zagueia para baixo, entre 30 e 50 metros de altitude. Devido à intensidade do campo elétrico formado, as cargas positivas do solo mais próximas do raio condutor, chamadas de conectantes, saltam até encontrá-lo, fechando assim o circuito elétrico entre a nuvem e o solo. Só quando as duas correntes se encontram é que tudo se ilumina e o raio pode ser observado.
Em outro tipo de raio, chamado de positivo, a posição das cargas é invertida, ocorrendo uma descarga negativa do solo e outra positiva da nuvem. Nos raios positivos, a descarga se origina da parte alta da nuvem, enquanto nos negativos sua origem é no lado inferior. "A maioria dos relâmpagos que atingem o chão é oriunda das nuvens. Menos de 1% se origina no solo e sobe para a nuvem. Para a formação dos dois tipos concorrem descargas tanto do solo quanto da nuvem, mas a mais comum é de cima para baixo", diz o geofísico espacial Osmar Pinto Junior.
Eletricidade cósmica Nuvens carregadas formam campo elétrico que, ao se descarregar, risca o céu de luz.
1. Uma nuvem negra está repleta de gotículas de água congelada, que se mexem por causa dos ventos.
2. Nessa confusão, os granizos se chocam. A cada esbarrada, os átomos de água perdem ou ganham elétrons.
3. Criam-se, assim, duas forças elétricas: uma positiva e outra negativa.
4. Uma carga elétrica, geralmente negativa, deixa a nuvem e se dirige ao solo.
5. Quando a eletricidade chega ao chão, este lança uma descarga positiva, que se encontra com a da nuvem. Nesse instante, ocorre o clarão.
Em outro tipo de raio, chamado de positivo, a posição das cargas é invertida, ocorrendo uma descarga negativa do solo e outra positiva da nuvem. Nos raios positivos, a descarga se origina da parte alta da nuvem, enquanto nos negativos sua origem é no lado inferior. "A maioria dos relâmpagos que atingem o chão é oriunda das nuvens. Menos de 1% se origina no solo e sobe para a nuvem. Para a formação dos dois tipos concorrem descargas tanto do solo quanto da nuvem, mas a mais comum é de cima para baixo", diz o geofísico espacial Osmar Pinto Junior.
Eletricidade cósmica Nuvens carregadas formam campo elétrico que, ao se descarregar, risca o céu de luz.
1. Uma nuvem negra está repleta de gotículas de água congelada, que se mexem por causa dos ventos.
2. Nessa confusão, os granizos se chocam. A cada esbarrada, os átomos de água perdem ou ganham elétrons.
3. Criam-se, assim, duas forças elétricas: uma positiva e outra negativa.
4. Uma carga elétrica, geralmente negativa, deixa a nuvem e se dirige ao solo.
5. Quando a eletricidade chega ao chão, este lança uma descarga positiva, que se encontra com a da nuvem. Nesse instante, ocorre o clarão.
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Existe uma quarta dimensão?
Existe, é o tempo! No mundo em que vivemos, a posição de qualquer ponto do espaço fica bem definida com três dimensões: largura, profundidade e altura. Galileu e Newton criaram a mecânica a partir dessa visão tridimensional do espaço. Para eles, a mudança na posição de um corpo no espaço em relação ao tempo era traduzida pelo conceito de velocidade. Entretanto, no final do século XIX, os físicos notaram inconsistências entre a mecânica e a teoria do eletromagnetismo que só foram resolvidas pela teoria da relatividade espacial de Einstein, em 1905. Nessa teoria, o tempo torna-se uma dimensão equivalente às coordenadas espaciais. O resultado é chamado de continuidade espaço-tempo. A relatividade tornou-se imprescindível na descrição de corpos que se deslocam a velocidades altíssimas, próximas à da luz (300 000 km/s).
"Mas, no nosso dia-a-dia, as velocidades são muito menores que a da luz e a mecânica de Galileu e Newton, bem como a noção de espaço tridimensional, são aproximações que ainda funcionam", diz Alex Antonelli, do Instituto de Física da Unicamp.
"Mas, no nosso dia-a-dia, as velocidades são muito menores que a da luz e a mecânica de Galileu e Newton, bem como a noção de espaço tridimensional, são aproximações que ainda funcionam", diz Alex Antonelli, do Instituto de Física da Unicamp.
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O que é fosforescência?
Trata-se do fenômeno pelo qual certos elementos químicos - como o fósforo - emitem luz no escuro. Devido a uma configuração especial de seus elétrons, eles absorvem a energia da luz visível ou luz ultravioleta. Quando os átomos recebem essa energia, seus elétrons são ativados e passam a irradiar luz, mesmo no escuro. Depois de um determinado tempo, não mais que alguns minutos, os elétrons voltam ao seu estado normal e param de emitir luz. "É o que acontece com os interruptores", diz a química Adalgisa Rodrigues, da Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras da USP de Ribeirão Preto. O fósforo, que dá nome ao fenômeno, foi descoberto no século XVII, quando um alquimista alemão tentava sintetizar ouro a partir de urina.
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Por que só na Terra existe oxigênio?
Quando ocorreu o Big Bang, a grande explosão que deu origem a todos os planetas do sistema solar, a atmosfera da Terra era constituída de monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), hidrogênio (H2), nitrogênio (N2), amônia (NH3), ácido sulfídrico (H2S), metano (CH4) e água. Não havia oxigênio (O2) na sua composição. Acredita-se que a maior parte desse gás tenha sido produzida por microorganismos, como resultado do processo que chamamos de fotossíntese.
"Os microorganismos capazes de realizar fotossíntese, respirando dióxido de carbono e liberando oxigênio, surgiram há mais ou menos 2,3 bilhões de anos", afirma o microbiologista Márcio Lambais, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, SP. Cerca de 300 milhões de anos depois, o oxigênio já constituía 1% da atmosfera.
Criação exclusiva Microorganismos capazes de realizar fotossíntese deram origem ao O2.
1. No princípio, a atmosfera da Terra era formada pelos mesmos gases que a dos outros planetas: CO, CO2, H2, N2, NH3, H2S, CH4.
2. Há cerca de 2,3 bilhões de anos surgiram no planeta organismos capazes de realizar a fotossíntese, absorvendo CO2 da atmosfera e liberando oxigênio.
3. Desde então, o teor de O2 na atmosfera foi aumentando progressivamente. Hoje ele chega a cerca de 21%. Foi isso que possibilitou o surgimento de seres que respiram oxigênio.
"Os microorganismos capazes de realizar fotossíntese, respirando dióxido de carbono e liberando oxigênio, surgiram há mais ou menos 2,3 bilhões de anos", afirma o microbiologista Márcio Lambais, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, SP. Cerca de 300 milhões de anos depois, o oxigênio já constituía 1% da atmosfera.
Criação exclusiva Microorganismos capazes de realizar fotossíntese deram origem ao O2.
1. No princípio, a atmosfera da Terra era formada pelos mesmos gases que a dos outros planetas: CO, CO2, H2, N2, NH3, H2S, CH4.
2. Há cerca de 2,3 bilhões de anos surgiram no planeta organismos capazes de realizar a fotossíntese, absorvendo CO2 da atmosfera e liberando oxigênio.
3. Desde então, o teor de O2 na atmosfera foi aumentando progressivamente. Hoje ele chega a cerca de 21%. Foi isso que possibilitou o surgimento de seres que respiram oxigênio.
Revista Mundo Estranho Edição 1/ 2001
Causa da úlcera pode ser bactéria
Vida agitada, comida apimentada e bebida fermentada - os suspeitos de praxe nos casos de úlcera- podem não ser tão culpados ou podem não ser os únicos culpados. Investigações recentes tendem a levar ao banco dos réus uma bactéria - a Campylobacter pylorum - que não se incomoda de viver em meio de toda a acidez do estômago e do duodeno. A úlcera é uma inflamação que surge quando há um desequilíbrio entre a secreção de ácidos na digestão e a produção de substâncias que protegem as paredes do aparelho digestivo, como a prostaglandina. A culpa por esse desequilíbrio tem sido tradicionalmente atribuída a uma combinação de fatores como hereditariedade, tensão nervosa e ingestão de substâncias (alimentos, bebidas ou remédios) que agridem o aparelho digestivo.
Nos últimos tempos, porém, os pesquisadores notaram que a Campylobacter aparece com mais freqüência no organismo de pessoas com úlcera do que em indivíduos sadios. Além disso, verificou-se que a bactéria, descoberta em 1983, está presente nas próprias úlceras, em até 70% dos casos. " A questão a saber", raciocina o gastroenterologista Agostinho Bertarello, da Universidade de São Paulo, " é se a bactéria provoca a úlcera ou a úlcera favorece o crescimento da bactéria". Em busca da rresposta, a equipe do professor Bertarello está inoculando a Campylobacter em animais, para ver o que acontece. Enquanto isso, pacientes com úlcera estão sendo tratados também com antibióticos uma grande novidade.
Nos últimos tempos, porém, os pesquisadores notaram que a Campylobacter aparece com mais freqüência no organismo de pessoas com úlcera do que em indivíduos sadios. Além disso, verificou-se que a bactéria, descoberta em 1983, está presente nas próprias úlceras, em até 70% dos casos. " A questão a saber", raciocina o gastroenterologista Agostinho Bertarello, da Universidade de São Paulo, " é se a bactéria provoca a úlcera ou a úlcera favorece o crescimento da bactéria". Em busca da rresposta, a equipe do professor Bertarello está inoculando a Campylobacter em animais, para ver o que acontece. Enquanto isso, pacientes com úlcera estão sendo tratados também com antibióticos uma grande novidade.
Revista Super Interessante n° 001
O oitavo dia da criação
Pedro Cavalcanti
Um coordenador ia escrevendo no quadro-negro as realizações possíveis dentro de um prazo de cinco a dez anos", recorda Pavan. "Mas, à medida que a lista progredia, os risos na platéia aumentavam. Estávamos quase todos céticos. A sensação geral era de que a coisa simplesmente não ia funcionar. Na verdade, a "coisa” não só funcionou como produziu resultados em menos tempo do que se poderia esperar. Em 1977. por exemplo, a respeitada revista científica francesa La Recherche admitia cautelosamente, sem falar em prazos, que a produção de insulina para o tratamento de diabetes mediante Engenharia Genética já pertencia ao "domínio do possível”. Pois o possível tornou-se realidade já no ano seguinte. Não espanta: com o advento da Engenharia Genética, o homem aprendeu mais sobre os segredos da vida do que em todos os seus cinqüenta mil anos de história; além disso. a massa de informação acumulada duplica a cada cinco anos na área de Biologia e a cada dois no campo especifico da Genética.
O tiro de largada dessa revolução foi disparado em 1944, quando o pesquisador Oswald Avery, do Instituto Rockefeller. de Nova lorque, comprovou pela primeira vez que a matéria-prima da hereditariedade é o DNA — ácido desoxiribonucleico —, molécula existente nas células de todos os seres. das bactérias às baleias. Até então. o que havia de mais moderno em Genética eram os trabalhos sobre hereditariedade de autoria do monge Gregor Mendel. publicado em Brno. na Morávia (atual Checoslováquia). no ano de 1865. As obras de Mendel desvendaram as leis que governam a hereditariedade. Por exemplo, cada característica individual é determinada por um gene; os genes se situam nos cromossomos; cada espécie animal ou vegetal tem um número fixo de cromossomos. Os seres humanos possuem entre cem mil e duzentos mil genes, organizados em 46 cromossomos. Mesmo sabendo disso, o homem só dispunha de um instrumento, demorado e inseguro, para mexer com as formas de vida o cruzamento e seleção de plantas e animais. Com a descoberta de que os genes habitam o DNA, fazendo dele o portador da bagagem hereditária dos seres, tornou-se possível interferir nos mecanismos mais íntimos e delicados de transmissão da herança biológica. O DNA foi analisado (1953). decodificado (1966), recortado em minúsculas fatias (1970), e estas transferidas de uma célula para outra (1973).
A importância da Engenharia Genética para a Medicina foi reconhecida desde o primeiro momento. Afinal, se existem pelo menos três mil doenças hereditárias, capazes de causar deformações aberrantes ou mesmo matar, muitas delas poderiam literalmente ser eliminadas no nascedouro removendo-se do embrião o gene responsável pela moléstia ou. ao contrário. acrescentando- se o gene cuja ausência provoca a enfermidade.
Enquanto não se chega lá, os pesquisadores trataram de agir em outra frente de batalha, comparativamente menos complexa: a produção por Engenharia Genética de substâncias que antes só eram obtidas em quantidades absolutamente insuficientes para a procura.Foi o que aconteceu, primeiro com a insulina, em seguida com o hormônio do crescimento humano (para combater o nanismo), o interferon Alfa (usado em tratamentos antivirais e anticancerígenos) e a vacina contra a hepatite B. Todas essas substâncias que já deixaram os tubos de ensaio dos laboratórios para os balcões das farmácias. foram fabricadas a partir de bactérias geneticamente manipuladas. Outras proteínas com propriedades anti-câncer estão em fase de testes clínicos. É o caso do interferon Beta, da interleucina 2 e do chamado fator de necrose de tumores. E, enfim, já foram isolados os genes necessários à produção de substâncias úteis contra moléstias tão diversas como a hemofilia, a hipertensão e o enfisema pulmonar.
Tudo isso só pôde acontecer depois que a ciência desvendou o papel desempenhado pelo DNA no jogo da hereditariedade. Pois o DNA é que detém dentro de si o código genético que orienta as células na tarefa de fabricar as proteínas — as substâncias que dão as características de todos os seres. A forma do DNA é tão extraordinária como inconfundível. Trata-se de duas fitas que se enroscam a determinados intervalos como se construíssem uma dupla hélice — e é assim que se convencionou representar essa molécula nos modelos desenhados por computador. O DNA também pode ser comparado a uma escada em caracol. Esse formato é que Ihe permite executar uma singular manobra no processo de reprodução. Quando a célula se divide. a escada se separa em dois, de baixo para cima, como um zíper defeituoso que se abre. Cada um dos lados da escada atrai então para si os elementos que Ihe faltam (e estão esparsos na célula), de tal maneira que logo se formam duas escadas de DNA, réplicas perfeitas da primeira. A estrutura em dupla hélice do DNA foi descoberta em 1953 por dois pesquisadores da Universidade de Cambridge. na Inglaterra, o norte-americano James Watson e o inglês Francis Crick. Por isso eles foram contemplados com o prêmio Nobel em 1962. Vários anos se passariam, porém, até que os cientistas decifrassem a lógica das sucessivas contorções do DNA. Isso ocorreu quando se constatou que a escada com a qual a molécula se parece é formada por seqüências de apenas quatro substâncias básicas chamadas adenina, citosina, guanina e timina. A grande descoberta consistiu em perceber que esses degraus químicos não se combinam ao acaso.
Ao contrário, a adenina só forma par com a timina, assim como a citosina com a guanina. Cada uma dessas combinações constitui o que os geneticistas chamam de pares de bases. A ordem em que esses pares aparecem seqüenciados e a extensão maior ou menor de cada seqüência dão sentido à linguagem genética, do mesmo modo como certas combinações entre as letras do alfabeto produzem palavras compreensíveis e não ajuntamentos sem nexo. As palavras do código genético são os genes. Um único gene pode ser constituído por até vinte mil pares de bases. Os seres humanos possuem algo como quatro bilhões de pares de bases. Os cientistas aprenderam a identificar, isolar, remover e substituir determinados genes mediante o uso de uma espécie de bisturis químicos chamados enzimas de restrição, capazes de cortar o DNA em lugares certos, de modo a forçar o divórcio dos pares de bases. Sem o parceiro original, cada base fica em principio livre para se associar a outra, com a ajuda de colas químicas chamadas ligazes. Assim, o gene responsável pela fabricação de insulina na célula humana é passado para o DNA de uma bactéria, onde continua produzindo a mesma insulina como se nada tivesse acontecido.
E a bactéria transmite essa nova característica de geração a geração. Durante alguns anos, a bactéria preferida pelos cientistas para hospedar genes alheios foi a Escherichia coli, que vive habitualmente no intestino humano. Simples, muito bem conhecida e capaz de aceitar as ordens mais inesperadas — como a de fabricar insulina —, ela é sem dúvida a estrela da Engenharia Genética.Outra bactéria, Bacilus thuringiensis, foi utilizada pela empresa belga Plant Genetics Systems, numa ousada tentativa de combater a malária, que, atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo inteiro. Em vez de buscar uma vacina anti-malária por Engenharia Genética — como faz, por exemplo, o cientista brasileiro Luis Hildebrando Pereira de Souza, no Instituto Pasteur, de Paris —, os pesquisadores belgas resolveram recorrer a Engenharia Genética para matar as larvas dos mosquitos transmissores da malária.
Conseguiram isolar da bactéria thuringiensis o gene responsável pela produção de uma proteína capaz de envenenar as larvas. Depois, transplantaram - no para o DNA da alga azul-verde da qual as larvas se alimentam. A alga, ao se reproduzir, reproduz também a proteína transplantada. Assim, ao comer a alga, as larvas acabam comendo a proteína que irá matá-las. O resultado é que se impede o nascimento do mosquito que transmite a malária.”Com isso, será possível reduzir a incidência da moléstia numa boa proporção", prevê o imunologista Mark Vaeck, diretor da Plant Genetics.
Também no Brasil, centros ainda pouco numerosos mas altamente capacitados procuram na Engenharia Genética armas para derrotar velhas endemias, como a doença de Chagas. O parasita causador da moléstia, por apresentar formas muito diversas em seu desenvolvimento. Freqüentemente dribla os testes imunológicos tradicionais. Agora, porém, começam a surgir testes a partir de sondas moleculares — seqüências de DNA que se juntam perfeitamente com o DNA de vírus, parasitas ou bactérias. Marcadas com produtos radiativos, as sondas são lançadas no sangue do paciente, onde aderem ao agente agressor. Organizador das primeiras pesquisas sobre Engenharia Genética, em 1978, do Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, o professor Carlos Morel, atual diretor da instituição, não tem dúvidas sobre a importância das sondas moleculares. "O seu futuro é dos mais promissores", afirma.
Em São Paulo, a equipe do professor Walter Colli, diretor do Instituto de Química da USP, quer descobrir como o parasita de Chagas reconhece a célula que irá penetrar. "Já identificamos uma proteína do protozoário responsável por esse reconhecimento, informa o professor Colli. "Quando conseguirmos purificá-la, poderemos deduzir a fórmula do gene que a codifica e á partir dai conheceremos o mecanismo do contágio. Será a hora de bloqueá-lo." Também em São Paulo, no Instituto Ludwig, a equipe do pesquisador Ricardo Brentani segue uma linha de raciocínio análoga, embora dirigida para outro objetivo — o câncer."Para que um câncer localizado dê origem à metástase, isto é, se espalhe para outras partes do organismo", explica Brentani, "é necessário que a célula cancerosa saiba reconhecer a parede do vaso sanguíneo por onde irá entrar e depois sair." já conseguiu localizar uma proteína da parede externa da célula cancerosa envolvida no processo — e descobriu que ela também existe na bactéria Staphylococus aureus, agente infeccioso com alta resistência a antibióticos. Pesquisas como as desenvolvidas por Morel, Colli e Brentani beneficiaram-se da vertiginosa rapidez com que a Engenharia Genética automatizou o seu instrumental.
Proezas de 1980 são rotina em 1987. Bisturis e colas química para o transplante de genes, por exemplo, já estão à venda prontos para uso. Existem máquinas capazes de fornecer automaticamente o seqüenciamento de qualquer gene que Ihes for dado para análise. E outras máquinas sintetizam genes ou proteínas, segundo a fórmula fornecida pelos pesquisadores. Assim, um cientista brasileiro pode mandar por telex uma fórmula a algum centro no exterior e receber pelo correio tubos de ensaio com a substância equivalente. A gama de aplicações da Engenharia Genética parece aumentar na mesma proporção. Na agricultura, já se conseguiu fazer com que as folhas de tabaco produzam seu próprio inseticida — no caso, uma toxina mortal para uma lagarta que costuma devastar plantações inteiras.
Recentemente, realizou-se nos Estados Unidos a primeira experiência de campo com microorganismos fabricados por Engenharia Genética para proteger plantações de morango dos danos da geada. A bactéria protetora simplesmente não possui mais o gene que permite a formação da camada de gelo na superfície da planta.
Em Brasília, o coordenador de Biotecnologia do Cenargem (Centro Nacional de Recursos Genéticos), Luiz Antonio Barreto de Castro, vem tentando transferir para o DNA do feijão certos genes da castanha-do-pará, de maneira a obter um alimento mais nutritivo. Castro sonha com um feijão rico em metionina, um aminoácido presente na castanha, indispensável para o ser humano na infância e adolescência. "E o Brasil é o maior produtor e consumidor de feijão do mundo", anima-se o pesquisador.Mas as possibilidades da Engenharia Genética que provocam mais sensação e polêmicas referem-se à transferência de genes para células de animais. A primeira experiência do gênero se deu em 1982, quando cientistas norte-americanos transplantaram cópias do gene do hormônio de crescimento de ratos para o DNA de óvolos de camundongos recém-fertilizados. Os filhotes cresceram até atingir o dobro do peso normal — e transmitiram essa nova característica às gerações seguintes. Em 1985, os pesquisadores foram mais longe, ao transplantar para embriões de camundongos o gene do hormônio de crescimento do homem. Novamente, o crescimento dos filhotes foi excepcional.
Mas a criatura mais falada da Engenharia Genética é o porco cor de ferrugem nascido em novembro de 1986 nos Estados Unidos. Ele descende de um suíno em cujo DNA foi inserido o gene do hormônio de crescimento de uma vaca. Prova de que a operação foi bem-sucedida, o porco ferrugem pesa mais ou menos o mesmo que seus semelhantes naturais — só que com uma porcentagem bem menor de gordura. Em compensação, mal consegue andar por causa da artrite que faz inchar suas pequenas patas e ainda por cima é ligeiramente vesgo. Se imitar o pai, não chegará a completar dois anos de vida. Para os cientistas, o porco transgênico (nome dado aos animais portadores de genes de outra espécie) apenas confirma as potencialidades da Engenharia Genética. Eles acreditam que as sucessivas experiências farão surgir animais capazes de crescer depressa, consumir menos e oferecer mais carne magra por quilo — sem as doenças deformantes que afligem o porco ferrugem. A fronteira mais promissora da Engenharia Genética, porém, se localiza na área da chamada diferenciação celular. Apenas começou-se a explorar o mecanismo pelo qual as células se organizam entre si para formar um ser completo — ou seja, como elas recebem ordens para se agrupar em ossos, nervos, músculos, membranas.
Nessa linha de pesquisa, geneticistas norte-americanos conseguiram recentemente criar moscas com quatro asas, dupla fileira de patas ou patas no lugar das antenas. De seu lado, cientistas italianos chegaram a verificar existência de genes equivalentes responsáveis pelas mesmas funções organismo — no DNA de mamíferos superiores, incluindo o homem. Com isso, embora a distancia a percorrer ainda seja extremamente longa e a caminhada penosa e incerta ciência apressou mais uma vez o passo rumo aos segredos da vida.
Chimpanzomem e outros fantasmas
A Engenharia Genética não recebe apenas aplausos pelas proezas que realiza. Seus avanços também provocam contrariedade entre aqueles que a encaram com manifesta desconfiança e a ela vêm tentando opor-se desde as pesquisas pioneiras no começo dos anos 70. Escaldados pela história do desenvolvimento da energia nuclear, os adversários das experiências com a bagagem genética de seres vivos querem que elas sejam suspensas ou, na melhor das hipóteses, submetidas a estrita regulamentação. Receia-se que, sob pressão dos interesses comerciais cada vez mais presentes nessa área, os pesquisadores fiquem menos atentos do que deveriam aos aspectos perigosos de suas criações. Os ecologistas por exemplo, preocupam-se com os possíveis efeitos adversos da liberação no ambiente de bactérias geneticamente alteradas com o objetivo de torná-las inseticidas vivos. Mas a controvérsia mais estridente diz respeito à manipulação genética em organismos superiores, como é o caso do porco que recebeu um gene de vaca. As objeções aumentaram principalmente depois que o governo norte-americano, em abril último, decidiu que podem ser requeridas patentes para formas de vida obtidas em laboratório, inclusive de mamíferos não humanos. Desde então, o fantasma de frankesteins de quatro patas produzidos em série em benefício da indústria de alimentos passou a assolar com maior freqüência a imaginação dos oponentes da Engenharia Genética.Da mesma forma, eles se inquietam com a possibilidade de que os avanços no setor acabem propiciando a criação de seres humanos ao gosto do freguês nesse cenário de ficção-científica, os pais (para não dizer o Estado) escolheriam não só o sexo, mas a cor dos olhos ou quaisquer outras características hereditárias dos filhos. Essa fantasia, misturada às lembranças das teorias raciais nazistas, é realmente de arrepiar. Ao mesmo tempo, as polêmicas de fundo ético-religioso provocadas pelo advento dos bebês de proveta e mães de aluguel acabam lançando sombras confusas sobre o trabalho dos geneticistas.
Causou sensação meses atrás, por exemplo, a afirmação de um professor italiano, Brunetto Chiarelli, que leciona Antropologia em Florença, sobre a possibilidade técnica de um cruzamento entre homem e chimpanzé. Ele chegou a insinuar que experiências nesse sentido estariam em curso nos Estados Unidos.O chimpanzomem resultante desse acasalamento, advertiu o professor, poderia vir a ser o patriarca de uma sub-raça de escravos ou de fornecedores de órgãos para transplantes Trata-se, porém, de um grande mal-entendido, Primeiro, porque o chimpanzomem supondo que ele pudesse vir à luz, não seria fruto de alguma irresponsável manipulação do DNA, mas de inseminação natural, artificial ou em proveta; seria um híbrido, como a mula, filha do jumento com a égua, sem nada a ver com a Engenharia Genética. Segundo, porque, em Engenharia Genética, nada indica a possibilidade da criação de seres exóticos. É inviável, por exemplo, colar metade do DNA de uma moça à metade do DNA de um peixe e ainda por cima inserir esse DNA híbrido numa célula que viesse a produzir uma sereia. Pelo mesmo motivo que meia receita de frango ao molho pardo com meia receita de pudim de ovos não dá nem um frango com ovos nem um pudim ao molho pardo. De qualquer maneira, descontados os exageros e as bobagens, faz sentido que a Engenharia Genética provoque, se não temor, pelo menos uma espécie de vertigem —mesmo entre os cientistas que se dedicaram a desenvolvê-la — tão amplas parecem ser suas possibilidades.
Com a Engenharia Genética, o homem aprende a interferir no DNA - a molécula em dupla espiral que contém os segredos da vida. Assim, cria seres que não existem na natureza, salva lavouras da geada, produz medicamentos preciosos. E mergulha numa vasta controvérsia.
Catorze anos atrás, dois cientistas norte-americanos conseguiram pela primeira vez transplantar material hereditário de um micróbio para outro, criando assim um fragmento de vida que nunca antes havia existido. Essa proeza assinala o nascimento daquilo que em pouco tempo se revelaria um formidável campo de estudos experimentos e descobertas — uma revolução tecnológica cujos efeitos se estendem por vastos horizontes, da Agricultura à Medicina, por exemplo. De fato, mesmo numa era em que o que não falta são portentosos avanços tecnológicos, poucos se comparam em alcance e diversidade à Engenharia Genética. como se denomina o conjunto de técnicas desenvolvidas pelo homem para intervir diretamente no mecanismo de construção da vida.
"A Engenharia Genética é ainda mais importante do que a tecnologia nuclear", assegura o professor Crodowaldo Pavan presidente do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Em 1973, o geneticista Pavan era um dos quinhentos pesquisadores presentes em Gatlinburg, no montanhoso Estado norte-americano do Tennessee. onde os professores Stanley Cohen e Hebert Boyer, da Califórnia. anunciaram numa conferência que haviam transferido genes entre células de organismos diferentes. Depois das explicações um grupo de cientistas. entre eles o brasileiro Pavan. foi designado para fazer uma primeira avaliação das conseqüências práticas do feito de Cohen e Boyer.Um coordenador ia escrevendo no quadro-negro as realizações possíveis dentro de um prazo de cinco a dez anos", recorda Pavan. "Mas, à medida que a lista progredia, os risos na platéia aumentavam. Estávamos quase todos céticos. A sensação geral era de que a coisa simplesmente não ia funcionar. Na verdade, a "coisa” não só funcionou como produziu resultados em menos tempo do que se poderia esperar. Em 1977. por exemplo, a respeitada revista científica francesa La Recherche admitia cautelosamente, sem falar em prazos, que a produção de insulina para o tratamento de diabetes mediante Engenharia Genética já pertencia ao "domínio do possível”. Pois o possível tornou-se realidade já no ano seguinte. Não espanta: com o advento da Engenharia Genética, o homem aprendeu mais sobre os segredos da vida do que em todos os seus cinqüenta mil anos de história; além disso. a massa de informação acumulada duplica a cada cinco anos na área de Biologia e a cada dois no campo especifico da Genética.
O tiro de largada dessa revolução foi disparado em 1944, quando o pesquisador Oswald Avery, do Instituto Rockefeller. de Nova lorque, comprovou pela primeira vez que a matéria-prima da hereditariedade é o DNA — ácido desoxiribonucleico —, molécula existente nas células de todos os seres. das bactérias às baleias. Até então. o que havia de mais moderno em Genética eram os trabalhos sobre hereditariedade de autoria do monge Gregor Mendel. publicado em Brno. na Morávia (atual Checoslováquia). no ano de 1865. As obras de Mendel desvendaram as leis que governam a hereditariedade. Por exemplo, cada característica individual é determinada por um gene; os genes se situam nos cromossomos; cada espécie animal ou vegetal tem um número fixo de cromossomos. Os seres humanos possuem entre cem mil e duzentos mil genes, organizados em 46 cromossomos. Mesmo sabendo disso, o homem só dispunha de um instrumento, demorado e inseguro, para mexer com as formas de vida o cruzamento e seleção de plantas e animais. Com a descoberta de que os genes habitam o DNA, fazendo dele o portador da bagagem hereditária dos seres, tornou-se possível interferir nos mecanismos mais íntimos e delicados de transmissão da herança biológica. O DNA foi analisado (1953). decodificado (1966), recortado em minúsculas fatias (1970), e estas transferidas de uma célula para outra (1973).
A importância da Engenharia Genética para a Medicina foi reconhecida desde o primeiro momento. Afinal, se existem pelo menos três mil doenças hereditárias, capazes de causar deformações aberrantes ou mesmo matar, muitas delas poderiam literalmente ser eliminadas no nascedouro removendo-se do embrião o gene responsável pela moléstia ou. ao contrário. acrescentando- se o gene cuja ausência provoca a enfermidade.
Enquanto não se chega lá, os pesquisadores trataram de agir em outra frente de batalha, comparativamente menos complexa: a produção por Engenharia Genética de substâncias que antes só eram obtidas em quantidades absolutamente insuficientes para a procura.Foi o que aconteceu, primeiro com a insulina, em seguida com o hormônio do crescimento humano (para combater o nanismo), o interferon Alfa (usado em tratamentos antivirais e anticancerígenos) e a vacina contra a hepatite B. Todas essas substâncias que já deixaram os tubos de ensaio dos laboratórios para os balcões das farmácias. foram fabricadas a partir de bactérias geneticamente manipuladas. Outras proteínas com propriedades anti-câncer estão em fase de testes clínicos. É o caso do interferon Beta, da interleucina 2 e do chamado fator de necrose de tumores. E, enfim, já foram isolados os genes necessários à produção de substâncias úteis contra moléstias tão diversas como a hemofilia, a hipertensão e o enfisema pulmonar.
Tudo isso só pôde acontecer depois que a ciência desvendou o papel desempenhado pelo DNA no jogo da hereditariedade. Pois o DNA é que detém dentro de si o código genético que orienta as células na tarefa de fabricar as proteínas — as substâncias que dão as características de todos os seres. A forma do DNA é tão extraordinária como inconfundível. Trata-se de duas fitas que se enroscam a determinados intervalos como se construíssem uma dupla hélice — e é assim que se convencionou representar essa molécula nos modelos desenhados por computador. O DNA também pode ser comparado a uma escada em caracol. Esse formato é que Ihe permite executar uma singular manobra no processo de reprodução. Quando a célula se divide. a escada se separa em dois, de baixo para cima, como um zíper defeituoso que se abre. Cada um dos lados da escada atrai então para si os elementos que Ihe faltam (e estão esparsos na célula), de tal maneira que logo se formam duas escadas de DNA, réplicas perfeitas da primeira. A estrutura em dupla hélice do DNA foi descoberta em 1953 por dois pesquisadores da Universidade de Cambridge. na Inglaterra, o norte-americano James Watson e o inglês Francis Crick. Por isso eles foram contemplados com o prêmio Nobel em 1962. Vários anos se passariam, porém, até que os cientistas decifrassem a lógica das sucessivas contorções do DNA. Isso ocorreu quando se constatou que a escada com a qual a molécula se parece é formada por seqüências de apenas quatro substâncias básicas chamadas adenina, citosina, guanina e timina. A grande descoberta consistiu em perceber que esses degraus químicos não se combinam ao acaso.
Ao contrário, a adenina só forma par com a timina, assim como a citosina com a guanina. Cada uma dessas combinações constitui o que os geneticistas chamam de pares de bases. A ordem em que esses pares aparecem seqüenciados e a extensão maior ou menor de cada seqüência dão sentido à linguagem genética, do mesmo modo como certas combinações entre as letras do alfabeto produzem palavras compreensíveis e não ajuntamentos sem nexo. As palavras do código genético são os genes. Um único gene pode ser constituído por até vinte mil pares de bases. Os seres humanos possuem algo como quatro bilhões de pares de bases. Os cientistas aprenderam a identificar, isolar, remover e substituir determinados genes mediante o uso de uma espécie de bisturis químicos chamados enzimas de restrição, capazes de cortar o DNA em lugares certos, de modo a forçar o divórcio dos pares de bases. Sem o parceiro original, cada base fica em principio livre para se associar a outra, com a ajuda de colas químicas chamadas ligazes. Assim, o gene responsável pela fabricação de insulina na célula humana é passado para o DNA de uma bactéria, onde continua produzindo a mesma insulina como se nada tivesse acontecido.
E a bactéria transmite essa nova característica de geração a geração. Durante alguns anos, a bactéria preferida pelos cientistas para hospedar genes alheios foi a Escherichia coli, que vive habitualmente no intestino humano. Simples, muito bem conhecida e capaz de aceitar as ordens mais inesperadas — como a de fabricar insulina —, ela é sem dúvida a estrela da Engenharia Genética.Outra bactéria, Bacilus thuringiensis, foi utilizada pela empresa belga Plant Genetics Systems, numa ousada tentativa de combater a malária, que, atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo inteiro. Em vez de buscar uma vacina anti-malária por Engenharia Genética — como faz, por exemplo, o cientista brasileiro Luis Hildebrando Pereira de Souza, no Instituto Pasteur, de Paris —, os pesquisadores belgas resolveram recorrer a Engenharia Genética para matar as larvas dos mosquitos transmissores da malária.
Conseguiram isolar da bactéria thuringiensis o gene responsável pela produção de uma proteína capaz de envenenar as larvas. Depois, transplantaram - no para o DNA da alga azul-verde da qual as larvas se alimentam. A alga, ao se reproduzir, reproduz também a proteína transplantada. Assim, ao comer a alga, as larvas acabam comendo a proteína que irá matá-las. O resultado é que se impede o nascimento do mosquito que transmite a malária.”Com isso, será possível reduzir a incidência da moléstia numa boa proporção", prevê o imunologista Mark Vaeck, diretor da Plant Genetics.
Também no Brasil, centros ainda pouco numerosos mas altamente capacitados procuram na Engenharia Genética armas para derrotar velhas endemias, como a doença de Chagas. O parasita causador da moléstia, por apresentar formas muito diversas em seu desenvolvimento. Freqüentemente dribla os testes imunológicos tradicionais. Agora, porém, começam a surgir testes a partir de sondas moleculares — seqüências de DNA que se juntam perfeitamente com o DNA de vírus, parasitas ou bactérias. Marcadas com produtos radiativos, as sondas são lançadas no sangue do paciente, onde aderem ao agente agressor. Organizador das primeiras pesquisas sobre Engenharia Genética, em 1978, do Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, o professor Carlos Morel, atual diretor da instituição, não tem dúvidas sobre a importância das sondas moleculares. "O seu futuro é dos mais promissores", afirma.
Em São Paulo, a equipe do professor Walter Colli, diretor do Instituto de Química da USP, quer descobrir como o parasita de Chagas reconhece a célula que irá penetrar. "Já identificamos uma proteína do protozoário responsável por esse reconhecimento, informa o professor Colli. "Quando conseguirmos purificá-la, poderemos deduzir a fórmula do gene que a codifica e á partir dai conheceremos o mecanismo do contágio. Será a hora de bloqueá-lo." Também em São Paulo, no Instituto Ludwig, a equipe do pesquisador Ricardo Brentani segue uma linha de raciocínio análoga, embora dirigida para outro objetivo — o câncer."Para que um câncer localizado dê origem à metástase, isto é, se espalhe para outras partes do organismo", explica Brentani, "é necessário que a célula cancerosa saiba reconhecer a parede do vaso sanguíneo por onde irá entrar e depois sair." já conseguiu localizar uma proteína da parede externa da célula cancerosa envolvida no processo — e descobriu que ela também existe na bactéria Staphylococus aureus, agente infeccioso com alta resistência a antibióticos. Pesquisas como as desenvolvidas por Morel, Colli e Brentani beneficiaram-se da vertiginosa rapidez com que a Engenharia Genética automatizou o seu instrumental.
Proezas de 1980 são rotina em 1987. Bisturis e colas química para o transplante de genes, por exemplo, já estão à venda prontos para uso. Existem máquinas capazes de fornecer automaticamente o seqüenciamento de qualquer gene que Ihes for dado para análise. E outras máquinas sintetizam genes ou proteínas, segundo a fórmula fornecida pelos pesquisadores. Assim, um cientista brasileiro pode mandar por telex uma fórmula a algum centro no exterior e receber pelo correio tubos de ensaio com a substância equivalente. A gama de aplicações da Engenharia Genética parece aumentar na mesma proporção. Na agricultura, já se conseguiu fazer com que as folhas de tabaco produzam seu próprio inseticida — no caso, uma toxina mortal para uma lagarta que costuma devastar plantações inteiras.
Recentemente, realizou-se nos Estados Unidos a primeira experiência de campo com microorganismos fabricados por Engenharia Genética para proteger plantações de morango dos danos da geada. A bactéria protetora simplesmente não possui mais o gene que permite a formação da camada de gelo na superfície da planta.
Em Brasília, o coordenador de Biotecnologia do Cenargem (Centro Nacional de Recursos Genéticos), Luiz Antonio Barreto de Castro, vem tentando transferir para o DNA do feijão certos genes da castanha-do-pará, de maneira a obter um alimento mais nutritivo. Castro sonha com um feijão rico em metionina, um aminoácido presente na castanha, indispensável para o ser humano na infância e adolescência. "E o Brasil é o maior produtor e consumidor de feijão do mundo", anima-se o pesquisador.Mas as possibilidades da Engenharia Genética que provocam mais sensação e polêmicas referem-se à transferência de genes para células de animais. A primeira experiência do gênero se deu em 1982, quando cientistas norte-americanos transplantaram cópias do gene do hormônio de crescimento de ratos para o DNA de óvolos de camundongos recém-fertilizados. Os filhotes cresceram até atingir o dobro do peso normal — e transmitiram essa nova característica às gerações seguintes. Em 1985, os pesquisadores foram mais longe, ao transplantar para embriões de camundongos o gene do hormônio de crescimento do homem. Novamente, o crescimento dos filhotes foi excepcional.
Mas a criatura mais falada da Engenharia Genética é o porco cor de ferrugem nascido em novembro de 1986 nos Estados Unidos. Ele descende de um suíno em cujo DNA foi inserido o gene do hormônio de crescimento de uma vaca. Prova de que a operação foi bem-sucedida, o porco ferrugem pesa mais ou menos o mesmo que seus semelhantes naturais — só que com uma porcentagem bem menor de gordura. Em compensação, mal consegue andar por causa da artrite que faz inchar suas pequenas patas e ainda por cima é ligeiramente vesgo. Se imitar o pai, não chegará a completar dois anos de vida. Para os cientistas, o porco transgênico (nome dado aos animais portadores de genes de outra espécie) apenas confirma as potencialidades da Engenharia Genética. Eles acreditam que as sucessivas experiências farão surgir animais capazes de crescer depressa, consumir menos e oferecer mais carne magra por quilo — sem as doenças deformantes que afligem o porco ferrugem. A fronteira mais promissora da Engenharia Genética, porém, se localiza na área da chamada diferenciação celular. Apenas começou-se a explorar o mecanismo pelo qual as células se organizam entre si para formar um ser completo — ou seja, como elas recebem ordens para se agrupar em ossos, nervos, músculos, membranas.
Nessa linha de pesquisa, geneticistas norte-americanos conseguiram recentemente criar moscas com quatro asas, dupla fileira de patas ou patas no lugar das antenas. De seu lado, cientistas italianos chegaram a verificar existência de genes equivalentes responsáveis pelas mesmas funções organismo — no DNA de mamíferos superiores, incluindo o homem. Com isso, embora a distancia a percorrer ainda seja extremamente longa e a caminhada penosa e incerta ciência apressou mais uma vez o passo rumo aos segredos da vida.
Chimpanzomem e outros fantasmas
A Engenharia Genética não recebe apenas aplausos pelas proezas que realiza. Seus avanços também provocam contrariedade entre aqueles que a encaram com manifesta desconfiança e a ela vêm tentando opor-se desde as pesquisas pioneiras no começo dos anos 70. Escaldados pela história do desenvolvimento da energia nuclear, os adversários das experiências com a bagagem genética de seres vivos querem que elas sejam suspensas ou, na melhor das hipóteses, submetidas a estrita regulamentação. Receia-se que, sob pressão dos interesses comerciais cada vez mais presentes nessa área, os pesquisadores fiquem menos atentos do que deveriam aos aspectos perigosos de suas criações. Os ecologistas por exemplo, preocupam-se com os possíveis efeitos adversos da liberação no ambiente de bactérias geneticamente alteradas com o objetivo de torná-las inseticidas vivos. Mas a controvérsia mais estridente diz respeito à manipulação genética em organismos superiores, como é o caso do porco que recebeu um gene de vaca. As objeções aumentaram principalmente depois que o governo norte-americano, em abril último, decidiu que podem ser requeridas patentes para formas de vida obtidas em laboratório, inclusive de mamíferos não humanos. Desde então, o fantasma de frankesteins de quatro patas produzidos em série em benefício da indústria de alimentos passou a assolar com maior freqüência a imaginação dos oponentes da Engenharia Genética.Da mesma forma, eles se inquietam com a possibilidade de que os avanços no setor acabem propiciando a criação de seres humanos ao gosto do freguês nesse cenário de ficção-científica, os pais (para não dizer o Estado) escolheriam não só o sexo, mas a cor dos olhos ou quaisquer outras características hereditárias dos filhos. Essa fantasia, misturada às lembranças das teorias raciais nazistas, é realmente de arrepiar. Ao mesmo tempo, as polêmicas de fundo ético-religioso provocadas pelo advento dos bebês de proveta e mães de aluguel acabam lançando sombras confusas sobre o trabalho dos geneticistas.
Causou sensação meses atrás, por exemplo, a afirmação de um professor italiano, Brunetto Chiarelli, que leciona Antropologia em Florença, sobre a possibilidade técnica de um cruzamento entre homem e chimpanzé. Ele chegou a insinuar que experiências nesse sentido estariam em curso nos Estados Unidos.O chimpanzomem resultante desse acasalamento, advertiu o professor, poderia vir a ser o patriarca de uma sub-raça de escravos ou de fornecedores de órgãos para transplantes Trata-se, porém, de um grande mal-entendido, Primeiro, porque o chimpanzomem supondo que ele pudesse vir à luz, não seria fruto de alguma irresponsável manipulação do DNA, mas de inseminação natural, artificial ou em proveta; seria um híbrido, como a mula, filha do jumento com a égua, sem nada a ver com a Engenharia Genética. Segundo, porque, em Engenharia Genética, nada indica a possibilidade da criação de seres exóticos. É inviável, por exemplo, colar metade do DNA de uma moça à metade do DNA de um peixe e ainda por cima inserir esse DNA híbrido numa célula que viesse a produzir uma sereia. Pelo mesmo motivo que meia receita de frango ao molho pardo com meia receita de pudim de ovos não dá nem um frango com ovos nem um pudim ao molho pardo. De qualquer maneira, descontados os exageros e as bobagens, faz sentido que a Engenharia Genética provoque, se não temor, pelo menos uma espécie de vertigem —mesmo entre os cientistas que se dedicaram a desenvolvê-la — tão amplas parecem ser suas possibilidades.
Revista Super Interessante n° 001
Pode a ciência crer em Deus?
Paul Davies
Em geral, a ciência não desfruta de uma imagem social, muito simpática, hoje em dia. Ela é considerada fria, impessoal, carente de sentimentos. Há até quem a culpe pelo fato de que o homem já não seja considerado o ponto central e absoluto de todas as coisas, tal como acontecia no tempo em que a imagem do mundo era descrita pelas religiões tradicionais, e de que tenhamos de nos conformar com a idéia de que a humanidade é algo insignificante, alojada em um planeta sem importância que se desloca a enorme velocidade pelo vazio do Universo. Assim, não sobra do homem muito mais do que a teoria de que é mero acidente, sem alma, sem objetivo e sem finalidade alguma em um Universo sem sentido, que surgiu sem nenhuma planificação prévia.
Mas comecemos pela questão da criação, ou melhor, da formação do Universo. Por quem e com que meios foi ele criado? Todas as religiões possuem seus mitos próprios sobre a criação, um ato planificado de uma divindade que já existia anteriormente. Vejamos agora o ponto de vista da ciência. O conjunto do Universo apareceu há aproximadamente quinze bilhões de anos devido a uma gigantesca explosão, que popularmente ficou conhecido como Big Bang. Dela há duas provas importantes: o Universo ainda continua em expansão e conserva um mínimo do calor daquela explosão, cuja magnitude jamais se calculou. No entanto, é possível medir esse calor que ainda esta no Universo, como uma radiação remanescente, e ele é mais ou menos de quatro graus acima do zero absoluto ( N. da R.: mais ou menos 270 graus abaixo de zero, pois na escala Celsius, que utilizamos no Brasil, o zero absoluto corresponde a 273 graus negativos).
Por outro lado, a maioria dos pesquisadores do Cosmos aceita, atualmente, que no momento da criação do mundo o tempo e espaço, estavam infinitamente distorcidos, numa situação que se chama singularidade. Essa singularidade também pode se chamar limite ou fronteira. Ou seja, limite ou fronteira do espaço e do tempo. De qualquer forma, não é possível falar de estado de singularidade e, simultaneamente, do espaço e tempo. Em um estado de singularidade não existe absolutamente nada, nem espaço nem tempo. Dessa forma, no estado de singularidade temos diante de nós a verdadeira origem do espaço e do tempo.
Muita gente ainda tem uma idéia equivocada do Big Bang, o que é mais do que desculpável. Normalmente se acredita que havia um pedaço de matéria, extremamente comprimida, que existia por toda a eternidade, num pequeno pedaço de vazio sem limites. O pesquisador, ao contrário, vê isso de forma muito diferente. Se toma a sério o estado de singularidade, então fica desde logo excluída a possibilidade de existência de tempo antes do Big Bang. Da mesma forma, que não existia o espaço vazio. Ambos surgiram do nada no momento da explosão. É assim, por mais difícil que nos pareça chegar a entender tudo isso.
Pelo menos nos primeiros tempos, essa teoria do Big Bang provocou muitas discussões entre os cientistas, pois mesmo entre eles havia quem imaginasse que não aparecera, apesar de tudo, nenhuma explicação para o surgimento repentino do Universo. E mais ninguém podia também explicar de onde vieram a matéria e a energia que apareceram naquela hora. Para muitos, dessa forma, continuou parecendo possível acreditar em algo semelhante à criação, tal como descrita nos livros religiosos. E há ainda outro mistério a explicar: por que o Universo tomou a forma e a organização que hoje conhecemos?
Fica claro que, imediatamente após o Big Bang, matéria e energia ficaram distribuídas de um modo assombrosamente uniforme. O Big Bang é, todo ele, uma coisa extraordinariamente uniforme. Todas as regiões do Universo nasceram da explosão no mesmo momento e exatamente com a mesma força. Mas isso ainda não é tudo. Em todo esse Universo, tão regular em suas características, havia desde o princípio uma pequena dose de diversidade, impossível de calcular. Uma ínfima capacidade de inobservância ou descumprimento das regras. Daí partiram os primeiros passos rumo à formação dos sistemas e das galáxias.
Muitos pesquisadores acreditam que já no primeiro momento ficaram decididas as questões mais importantes que definem nosso Universo e que se pode explicar por que tudo é assim e não de outra forma qualquer. A chave do entendimento de todo esse conjunto está na Física Quântica. Normalmente, suas leis têm explicação apenas em processos que ocorrem dentro das menores coisas, como os átomos, ou ainda nos núcleos dos átomos.
Mas o estado do Universo imediatamente após o Big Bang era tão extremo que era possível que os efeitos dos quanta tenham provocado a sua estruturação tal como a conhecemos agora. Cálculos já realizados demonstram que muitas das peculiaridades do Cosmos, que hoje ainda parecem misteriosas, tem explicação perfeitamente natural quando se explicam a elas as leis da mecânica quântica. Isso também vale para quando se deseja investigar por que o Universo, de um lado, é tão uniforme, e de outro, está estruturado de forma tão irregular que tornou possível o aparecimento das galáxias.
Desde que consiga explicar isso, não será mais necessário colocar nas mãos planificadoras de Deus a responsabilidade por tais peculiaridades do Universo, tudo acontece numa ordem sucessiva adequada, de acordo com as leis da Física Quântica. E há algo mais significativo: essa leis permitem explicar por que podem surgir do nada, com toda naturalidade, a energia e a matéria.
Em Roma, a cerca de dois mil anos, o poeta Lucrécio escreveu: "Do nada não pode sair nada". Agora parece, ao contrário, que do nada pode sair tudo: espaço, tempo, energia, matéria e até mesmo ordem. Dito isso, fica claro que o conceito de Deus está outra vez excluído das preocupações da ciência, pois as leis as Física são suficientes para explicar todo o Universo, inclusive sua aparição.
Isso significará, então, que a ciência suprimiu definitivamente Deus? Nesse particular, só posso falar por mim mesmo. Eu creio que o antigo conceito de Deus, que tocou com o dedo um botão qualquer e pôs em marcha todo o Universo, e agora se dedica a contemplar seu desenvolvimento, ficou totalmente desacreditado pela nova Física e pela nova Cosmologia. No entanto, um ponto ainda permanece obscuro: se hoje temos leis que podem explicar praticamente tudo, como explicar a existência dessas próprias leis?
Muita gente aceita as leis da natureza sem nenhuma outra preocupação. As coisas são assim, e pronto. O Sol nasce de manhã; uma maçã cai da árvore para o chão, mas não cai do chão para a árvore; os pólos magnéticos iguais se repelem , etc. Essas pessoas não pensam mais adiante, nem se perguntam por que é assim, ou acontece assim. Mas, para quem alimenta tais dúvidas e preocupações, é fácil imaginar um mundo caótico, sempre regido pelo acaso, no qual energia e matéria se desenvolvem desordenadamente.
Com isso quero dizer que do ponto de vista da lógica pura não há nenhuma necessidade de que o mundo esteja organizado tal como o conhecemos.
Mas, quando se estudam essas leis mais profundamente não há outra saída: ninguém deixa de se impressionar com sua beleza e sua simplicidade. Um exemplo, entre muitos, pode ser apontado na Física das partículas. Nesse campo o pesquisador se encontra vezes e vezes seguidas frente ao estado de pura simetria. A cada partícula corresponde uma anti- partícula e a cada volta para a esquerda, uma outra para a direita. Isso se aplica às próprias leis: elas estão tão entrelaçadas entre si que é impossível não pensar em um plano.
Esse conceito de plano proporcionou aos teólogos, durante muitos séculos, os argumentos indispensáveis para sustentar a existência de Deus. Mas, inadvertidamente, eles sempre usaram como prova de suas teorias exatamente as estruturas mais complexas da natureza, sobretudo os seres vivos. Hoje já se pode explicar facilmente como se desenvolveram todos os seres vivos, e para isso não houve necessidade de nenhum deus.
Mas são as próprias leis da natureza e sua forma matemática, inesperadamente simples, que eu desejo apresentar como demonstração da existência de um plano. Permita-me lembrar um exemplo concreto. Nos últimos cinco anos, mais ou menos, os cientistas começaram a se dar conta de que as leis da Física, aparentemente, só podem produzir os componentes da criação, habituais em nossa vizinhança, e mantê-los em funcionamento (as galáxias, as estrelas, os átomos e, sobretudo, nós, os homens) se todos se comportam sempre da mesma forma. Quer dizer, se as chamadas constantes da natureza não se desviam muito dos valores realmente médios.
Constantes da natureza são, por exemplo, a massa de um bloco de pedra ou os componentes do núcleo de um átomo, a força de atração entre cargas elétricas, o efeito recíproco entre diferentes campos de força, etc. Os investigadores que se ocupam destas coisas só enxergam uma cadeia de casualidades improváveis ou casos de encontros acidentais, dos quais depende a existência do Universo. Uma das variações insignificantes seriam suficientes para modificar drasticamente esse mundo, ou mesmo destruí-lo. Dito de outro modo, se esses fatores houvessem sido desde o princípio menores ou maiores, pouco se fosse, do que são hoje, não teria sido possível surgir a vida e, sobretudo, nenhuma vida inteligente.
Por exemplo, no caso da gravitação, seriam mais que suficientes uma debilitação ou um aumento pequeníssimo para produzir uma catástrofe cósmica. Caso fosse provocada uma desordem na relação de forças entre a gravitação e os fenômenos eletromagnéticos, todas as estrelas, inclusive o nosso Sol, se converteriam ou em gigantes azuis ou em anões vermelhos. Em toda a parte, encontramos, à nossa volta, provas de que a Natureza fez tudo de forma correta. O resultado é, portanto, que as leis fundamentais, se expressam matematicamente, não apenas apresentam grande elegância, simplicidade e lógica interna, mas também permitem a existência de sistemas, por exemplo, planetários, com espaços adequados que são, simultaneamente, estáveis e complexos, a fim de proporcionar a base para a vida racional.
Isso significa que a nossa própria existência está escrita nas leis da natureza. Evidentemente, parece que fazemos parte de um grande plano, e aqui chegamos a uma conclusão. Quem aceitar que a nova Física fornece provas da existência de um plano do Universo enfrentará, em seguida, a questão: quem é o planificador? Mas a esta altura precisamos abandonar o campo da ciência, que se ocupa apenas do mundo natural, para passar ao campo da Teologia. A nova Física, sem dúvida, dá nova direção ao nosso pensamento, mostra-nos um Universo que é muito mais do que uma casualidade colossal e sem sentido. Eu, de minha parte, creio que por trás de nossa existência há um sentido mais amplo.
À luz das pesquisas mais recentes, a fé religiosa não tem mais sentido, sobretudo quando procura explicar o Universo, a vida e as leis que os regulam. Mas quando recuam até o princípio desse processo, ciência e religião encontram-se diante do mesmo e (até agora) inexplicado mistério: de onde surgiu tudo isso?
Minha primeira afirmação talvez irrite algumas pessoas que prefeririam que não fosse assim. Mas é certo que em muitos países do mundo ocidental a religião se encontra em franco retrocesso, ainda que a maioria das pessoas continuem buscando aquilo que se chama um sentido para a vida. Surpreendentemente, é um ramo da ciência que estimula cada vez mais essa busca. Eu me refiro àquela parte da Física que se ocupa das questões básicas do tipo de onde saiu o Universo ou como ele surgiu.Em geral, a ciência não desfruta de uma imagem social, muito simpática, hoje em dia. Ela é considerada fria, impessoal, carente de sentimentos. Há até quem a culpe pelo fato de que o homem já não seja considerado o ponto central e absoluto de todas as coisas, tal como acontecia no tempo em que a imagem do mundo era descrita pelas religiões tradicionais, e de que tenhamos de nos conformar com a idéia de que a humanidade é algo insignificante, alojada em um planeta sem importância que se desloca a enorme velocidade pelo vazio do Universo. Assim, não sobra do homem muito mais do que a teoria de que é mero acidente, sem alma, sem objetivo e sem finalidade alguma em um Universo sem sentido, que surgiu sem nenhuma planificação prévia.
Mas comecemos pela questão da criação, ou melhor, da formação do Universo. Por quem e com que meios foi ele criado? Todas as religiões possuem seus mitos próprios sobre a criação, um ato planificado de uma divindade que já existia anteriormente. Vejamos agora o ponto de vista da ciência. O conjunto do Universo apareceu há aproximadamente quinze bilhões de anos devido a uma gigantesca explosão, que popularmente ficou conhecido como Big Bang. Dela há duas provas importantes: o Universo ainda continua em expansão e conserva um mínimo do calor daquela explosão, cuja magnitude jamais se calculou. No entanto, é possível medir esse calor que ainda esta no Universo, como uma radiação remanescente, e ele é mais ou menos de quatro graus acima do zero absoluto ( N. da R.: mais ou menos 270 graus abaixo de zero, pois na escala Celsius, que utilizamos no Brasil, o zero absoluto corresponde a 273 graus negativos).
Por outro lado, a maioria dos pesquisadores do Cosmos aceita, atualmente, que no momento da criação do mundo o tempo e espaço, estavam infinitamente distorcidos, numa situação que se chama singularidade. Essa singularidade também pode se chamar limite ou fronteira. Ou seja, limite ou fronteira do espaço e do tempo. De qualquer forma, não é possível falar de estado de singularidade e, simultaneamente, do espaço e tempo. Em um estado de singularidade não existe absolutamente nada, nem espaço nem tempo. Dessa forma, no estado de singularidade temos diante de nós a verdadeira origem do espaço e do tempo.
Muita gente ainda tem uma idéia equivocada do Big Bang, o que é mais do que desculpável. Normalmente se acredita que havia um pedaço de matéria, extremamente comprimida, que existia por toda a eternidade, num pequeno pedaço de vazio sem limites. O pesquisador, ao contrário, vê isso de forma muito diferente. Se toma a sério o estado de singularidade, então fica desde logo excluída a possibilidade de existência de tempo antes do Big Bang. Da mesma forma, que não existia o espaço vazio. Ambos surgiram do nada no momento da explosão. É assim, por mais difícil que nos pareça chegar a entender tudo isso.
Pelo menos nos primeiros tempos, essa teoria do Big Bang provocou muitas discussões entre os cientistas, pois mesmo entre eles havia quem imaginasse que não aparecera, apesar de tudo, nenhuma explicação para o surgimento repentino do Universo. E mais ninguém podia também explicar de onde vieram a matéria e a energia que apareceram naquela hora. Para muitos, dessa forma, continuou parecendo possível acreditar em algo semelhante à criação, tal como descrita nos livros religiosos. E há ainda outro mistério a explicar: por que o Universo tomou a forma e a organização que hoje conhecemos?
Fica claro que, imediatamente após o Big Bang, matéria e energia ficaram distribuídas de um modo assombrosamente uniforme. O Big Bang é, todo ele, uma coisa extraordinariamente uniforme. Todas as regiões do Universo nasceram da explosão no mesmo momento e exatamente com a mesma força. Mas isso ainda não é tudo. Em todo esse Universo, tão regular em suas características, havia desde o princípio uma pequena dose de diversidade, impossível de calcular. Uma ínfima capacidade de inobservância ou descumprimento das regras. Daí partiram os primeiros passos rumo à formação dos sistemas e das galáxias.
Muitos pesquisadores acreditam que já no primeiro momento ficaram decididas as questões mais importantes que definem nosso Universo e que se pode explicar por que tudo é assim e não de outra forma qualquer. A chave do entendimento de todo esse conjunto está na Física Quântica. Normalmente, suas leis têm explicação apenas em processos que ocorrem dentro das menores coisas, como os átomos, ou ainda nos núcleos dos átomos.
Mas o estado do Universo imediatamente após o Big Bang era tão extremo que era possível que os efeitos dos quanta tenham provocado a sua estruturação tal como a conhecemos agora. Cálculos já realizados demonstram que muitas das peculiaridades do Cosmos, que hoje ainda parecem misteriosas, tem explicação perfeitamente natural quando se explicam a elas as leis da mecânica quântica. Isso também vale para quando se deseja investigar por que o Universo, de um lado, é tão uniforme, e de outro, está estruturado de forma tão irregular que tornou possível o aparecimento das galáxias.
Desde que consiga explicar isso, não será mais necessário colocar nas mãos planificadoras de Deus a responsabilidade por tais peculiaridades do Universo, tudo acontece numa ordem sucessiva adequada, de acordo com as leis da Física Quântica. E há algo mais significativo: essa leis permitem explicar por que podem surgir do nada, com toda naturalidade, a energia e a matéria.
Em Roma, a cerca de dois mil anos, o poeta Lucrécio escreveu: "Do nada não pode sair nada". Agora parece, ao contrário, que do nada pode sair tudo: espaço, tempo, energia, matéria e até mesmo ordem. Dito isso, fica claro que o conceito de Deus está outra vez excluído das preocupações da ciência, pois as leis as Física são suficientes para explicar todo o Universo, inclusive sua aparição.
Isso significará, então, que a ciência suprimiu definitivamente Deus? Nesse particular, só posso falar por mim mesmo. Eu creio que o antigo conceito de Deus, que tocou com o dedo um botão qualquer e pôs em marcha todo o Universo, e agora se dedica a contemplar seu desenvolvimento, ficou totalmente desacreditado pela nova Física e pela nova Cosmologia. No entanto, um ponto ainda permanece obscuro: se hoje temos leis que podem explicar praticamente tudo, como explicar a existência dessas próprias leis?
Muita gente aceita as leis da natureza sem nenhuma outra preocupação. As coisas são assim, e pronto. O Sol nasce de manhã; uma maçã cai da árvore para o chão, mas não cai do chão para a árvore; os pólos magnéticos iguais se repelem , etc. Essas pessoas não pensam mais adiante, nem se perguntam por que é assim, ou acontece assim. Mas, para quem alimenta tais dúvidas e preocupações, é fácil imaginar um mundo caótico, sempre regido pelo acaso, no qual energia e matéria se desenvolvem desordenadamente.
Com isso quero dizer que do ponto de vista da lógica pura não há nenhuma necessidade de que o mundo esteja organizado tal como o conhecemos.
Mas, quando se estudam essas leis mais profundamente não há outra saída: ninguém deixa de se impressionar com sua beleza e sua simplicidade. Um exemplo, entre muitos, pode ser apontado na Física das partículas. Nesse campo o pesquisador se encontra vezes e vezes seguidas frente ao estado de pura simetria. A cada partícula corresponde uma anti- partícula e a cada volta para a esquerda, uma outra para a direita. Isso se aplica às próprias leis: elas estão tão entrelaçadas entre si que é impossível não pensar em um plano.
Esse conceito de plano proporcionou aos teólogos, durante muitos séculos, os argumentos indispensáveis para sustentar a existência de Deus. Mas, inadvertidamente, eles sempre usaram como prova de suas teorias exatamente as estruturas mais complexas da natureza, sobretudo os seres vivos. Hoje já se pode explicar facilmente como se desenvolveram todos os seres vivos, e para isso não houve necessidade de nenhum deus.
Mas são as próprias leis da natureza e sua forma matemática, inesperadamente simples, que eu desejo apresentar como demonstração da existência de um plano. Permita-me lembrar um exemplo concreto. Nos últimos cinco anos, mais ou menos, os cientistas começaram a se dar conta de que as leis da Física, aparentemente, só podem produzir os componentes da criação, habituais em nossa vizinhança, e mantê-los em funcionamento (as galáxias, as estrelas, os átomos e, sobretudo, nós, os homens) se todos se comportam sempre da mesma forma. Quer dizer, se as chamadas constantes da natureza não se desviam muito dos valores realmente médios.
Constantes da natureza são, por exemplo, a massa de um bloco de pedra ou os componentes do núcleo de um átomo, a força de atração entre cargas elétricas, o efeito recíproco entre diferentes campos de força, etc. Os investigadores que se ocupam destas coisas só enxergam uma cadeia de casualidades improváveis ou casos de encontros acidentais, dos quais depende a existência do Universo. Uma das variações insignificantes seriam suficientes para modificar drasticamente esse mundo, ou mesmo destruí-lo. Dito de outro modo, se esses fatores houvessem sido desde o princípio menores ou maiores, pouco se fosse, do que são hoje, não teria sido possível surgir a vida e, sobretudo, nenhuma vida inteligente.
Por exemplo, no caso da gravitação, seriam mais que suficientes uma debilitação ou um aumento pequeníssimo para produzir uma catástrofe cósmica. Caso fosse provocada uma desordem na relação de forças entre a gravitação e os fenômenos eletromagnéticos, todas as estrelas, inclusive o nosso Sol, se converteriam ou em gigantes azuis ou em anões vermelhos. Em toda a parte, encontramos, à nossa volta, provas de que a Natureza fez tudo de forma correta. O resultado é, portanto, que as leis fundamentais, se expressam matematicamente, não apenas apresentam grande elegância, simplicidade e lógica interna, mas também permitem a existência de sistemas, por exemplo, planetários, com espaços adequados que são, simultaneamente, estáveis e complexos, a fim de proporcionar a base para a vida racional.
Isso significa que a nossa própria existência está escrita nas leis da natureza. Evidentemente, parece que fazemos parte de um grande plano, e aqui chegamos a uma conclusão. Quem aceitar que a nova Física fornece provas da existência de um plano do Universo enfrentará, em seguida, a questão: quem é o planificador? Mas a esta altura precisamos abandonar o campo da ciência, que se ocupa apenas do mundo natural, para passar ao campo da Teologia. A nova Física, sem dúvida, dá nova direção ao nosso pensamento, mostra-nos um Universo que é muito mais do que uma casualidade colossal e sem sentido. Eu, de minha parte, creio que por trás de nossa existência há um sentido mais amplo.
Revista Super Interessante n° 001
Existem espécies que se reproduzem sem a participação dos machos?
A maioria das espécies de lagartos se reproduz assim. No sudoeste dos Estados Unidos, e no norte do México, vive uma espécie de lagarto (Cmenidiphorus uniparens), formada somente por fêmeas que se reproduzem por partenogênese – ou seja, sem a participação de machos. Nesse tipo de reprodução, cada fêmea é um clone: as filhas são geneticamente idênticas à mãe. A partenogênese pode não ser muito romântica, mas tem lá suas vantagens – uma delas é dar à espécie um potencial maior de crescimento demográfico. É lógico, afinal, todos os lagartos, e não apenas cerca da metade, são capazes de colocar ovos. Mas, o que chama a atenção na reprodução dos Cmenidiphorus uniparens, especificamente, é a simulação do ato sexual; um lagarto se comporta como a fêmea que de fato é; outro age como se fosse macho – monta sobre a parceira, enroscando-a com o rabo. A cada duas semanas, aproximadamente, os papéis se invertem: o aumento acentuado da quantidade de progesterona – o hormônio que regula o crescimento dos ovários – no organismo da fêmea que acabou de pôr ovos indica que chegou sua vez de representar o macho. Passadas mais duas semanas, seus ovários estão crescidos e começam a secretar outro hormônio, o estrógeno: é o sinal de que deve reassumir o verdadeiro papel de fêmea. Qual a finalidade desse teatro todo para reprodução? Segundo o professor David Crews, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, as fêmeas Cmenidiphorus uniparens ovulam com mais facilidade , quando há outras fêmeas por perto, imitando machos.
Revista Super Interessante n° 001
A ciência salva uma paixão de 3.200 anos
Nada menos que 950 metros quadrados de murais registram a paixão de Ramsés II pela princesa Nefertari - a primeira de suas seis esposas e a única a merecer um túmulo monumental desse celebrado faraó egípcio, que foi coroado com menos de 10 anos, reinou 67, de 1304 a.C. a 1237 a.C. e teve mais de cem filhos. A obra, construída há 3.200 anos, ficou escondida entre as rochas da região de Luxor até 1904, quando foi descoberta por arqueólogos italianos. Seus murais, considerados um dos maiores exemplos de arte do Antigo Egito, mostram Nefertari muitas vezes ao lado da deusa do amor, como uma bela jovem coberta de jóias. Na época da descoberta, as pinturas estavam impregnadas de misteriosos grãos de sal, que danificaram as imagens. Por isso, em 1950, o monumento foi fechado para visitantes. Finalmente, em 1986, equipes de restauradores de diversos países começaram a pesquisar o local. Até o fim do ano, os trabalhos de restauração serão iniciados.
Trata-se de um empreendimento faraônico: executado com as melhores técnicas do século XX, milhares de tiras de papel de arroz foram gastas para segurar as áreas onde as paredes coloridas ameaçam descascar; para reconstituir as partes danificadas, correspondentes a 20% da área dos murais, os cientistas estão usando ondas de ultra-som, que devem revelar os desenhos que ali existiam originalmente. O mais importante, porém, será descobrir, com o auxílio de raios laser, todos os canais de água que se formam na região, nas raras chuvas pesadas que caem ali: se a umidade de um desses canais for a justificativa para o aparecimento de sais no túmulo de Nefertari, será possível evitar que o problema se repita. Dessa maneira, os murais poderão finalmente ficar expostos, sem riscos de novos danos.Revista Super Interessante n° 001
A pílula anticoncepcional
Combatido a princípio até a prisão, o controle da natalidade acabou se impondo como uma das marcas registrada deste século. E um invento contribuiu decisivamente hora essa fantástica revolução no comportamento humano.
O nome de Malthus é muito conhecido em relação às controvérsias sobre a população terrestre que se iniciaram em fins do século XVIII; não o é tanto, porém, o de Joseph Towsend, que, alguns anos antes, a partir de uma viagem à Espanha, havia publicado um livro (A Journey Through Spain in the Years 1786 and 1787) em que reprodução humana e fome são apresentados como termos de um dilema insolúvel. " Um apetite tem que regular o outro ", dizia.A questão estava no ar, quando o clérigo inglês Thomas Robert Malthus (1766-1834) publicou, em 1798, seu ensaio sobre o princípio da população, nem que desenvolvia a célebre tese de que a humanidade se multiplica segundo uma progressão geométrica ( 1, 2, 4, 8, 16...), enquanto a produção de alimentos segue uma progressão aritmética ( 1,2,3,4,5...); uma crise alimentar global seria inexorável.
Malthus, que anos depois foi nomeado professor de economia política do colégio da companhia das Índias, não via saída para o dilema, pois a idéia de controlar os nascimentos era repugnante para suas crenças. O matrimônio tardio para os pobres ou a voluntária a abstenção do contato sexual eram seus únicos métodos aceitáveis. Sua aversão era compartilhada por uma grande maioria e não apenas de crentes, mas também dos que consideravam que sexualidade sem procriação era uma prostituição da mulher. Entre eles se encontravam as primeiras sufragistas e feministas. Outros, porém, inspirados por Malthus, advogava o controle da maternidade para as massas. Ficaram conhecidos com nome de neomaltusianos.
Em todo caso, até o fim do século XIX, a obscura e paciente promoção de alguns médicos e higienistas iniciou a popularização de certos métodos simples de contracepção. O mais conhecido foi o preservativo ou camisinha, concebido antes como um profilático contra a infecção do que como barreira contra a fecundação. Incômodo a princípio - era feito com tecido, pele ou tripas de animais - , o descobrimento do processo de vulcanização da borracha, em 1843, tornou-o mais sutil e barat. Em 1870, já era industrializado para venda.
O método de obstruir o acesso ou ter é conhecido desde a Antiguidade egípcia, quando se empregavam excrementos de crocodilo e, posteriormente, compressas vegetais, emplastros de linho etc, tão inconvenientes quanto perigosos. Friedrich Adolph Wilde, um alemão, sugeriu, em 1833, fazer um molde descera do colo do útero, do qual se poderia obter uma espécie de preservativo de borracha que aderiria perfeitamente. A idéia desta capa cervical não teve muito êxito inicialmente, porém, em 1870, outro alemão, o Dr. Mensiga, inventou o diafragma, uma lâmina elástica que, ao cobrir a maior parte da parede vaginal, não precisava de ajuste prévio individual, o que contribuiu para sua rápida popularização.
Este e outros métodos incipientes seriam reclamados pela agitação social e demográfico que caracterizou as últimas décadas do século passado, devido à imigração, à industrialização e às colonizações, que se acentuam e se estendem prodigiosamente nos primeiros anos do século XX, agravadas de imediato pela Primeira Guerra Mundial.
O indubitável é que, desde o começo de nosso século, se vai plasmando uma preocupação universal pelos problemas do sexo e da população. No que se refere ao controle da natalidade, duas figuras femininas se destacam desde o início do século.
Nascida em Edimburgo, Escócia, doutorado na universidade de Munique, Alemanha, Marie Charlotte Carmichael Stopes ( 1880-1958 ) era, aos 24 anos, uma reputada especialista em paleobotânica, graduada para investigar fósseis no Japão. Atraente e apaixonada, casou-se com um colega de profissão que se descobriu ser impotente. As ansiedades, ignorâncias e decepções daquela experiência - o matrimônio não consumado foi anulado depois - a levaram a investigar e logo escrever, embora ainda virgem e inexperiente, o que seria considerado um dos grandes manuais conjugais do século XX. A primeira edição de seu livro Married Love ( amor conjugal) vendeu imediatamente.
A autora recebeu uma infinidade de cartas solicitando ajuda e conselho. Aos 37 anos, voltou a contrair matrimônio com um aviador de 40 anos, Humphrey Verdon Roe, com quem publicou em 1918 seu segundo livro, Wise Parenthood ( paternidade Prudente) e a um guia prático de contracepção que foi recebido com fortes críticas. Apesar delas, Marie e seu marido fundaram, três anos mais tarde, a primeira clínica de controle da natalidade, em Londres. Ela dedicou o resto de sua vida a divulgar e lutar por suas idéias.
Menos literária mas não menos combativa e tenaz foi a norte-americana Margaret Higgins Sanger ( 1833-1966), que, em 1914, fundou a National Birth Control League dos Estados Unidos e, em 1916, abria em Brooklyn, Nova York, a primeira clínica para o controle da natalidade. A clínica foi fechada e sua fundadora presa por trinta dias. Margareth não se acovardou por isso: em 1921, fundava a American Birth Control League , sob cujo patrocínio se inaugurou o Sanger , uma nova clínica de Nova York, que não só sobreviveu como induziu o presidente da nova liga, James F. Cooper, a fundar uma companhia dedicada a fabricar diafragmas para mulheres, tornando-as independentes do fato de os homens usarem ou não preservativos.
Uma nova incursão da polícia fechou a clínica em 1929, o que não fez mais do que aguçar a tenacidade de , que prosseguiu com suas campanhas e fundações. Sua incansável atividade a levou, em 1951, a visitar o renomado biólogo da Fundação Worcester de Biologia Experimental, para pedir-lhe que investigasse as possibilidades de um contraceptivo para, efetivo e seguro, para liberar as mulheres e as conseqüências da maternidade desordenada e irregular. Ele se chamava Gregory Goodwin Pincus ( 1903-1967), e tinha estudos e de agricultura, completados com genética e fisiologia da reprodução na Universidade de Harvard. Havia conseguido induzia a primeira parte no gênese, em coelhos da Índia, isto é, a reprodução sem concurso direto do macho.
A visita de Margareth Sanger, argumentando com cifras de sua larga experiência, causou tão profunda impressão em Gregory Pincus que este mudou radicalmente a orientação de seus estudos biológicos e,2 anos depois, investigava os efeitos esterilizadores dos hormônios esteróides nos mamíferos.
A busca de um contraceptivo oral remonta, antes de Pincus, a ensaios com um hormônio feminino chamado progesterona e aos procedimentos sobre sua obtenção. Um dos avanços biológicos do século havia levado justamente a um melhor entendimento do processo de fecundação, de seu mecanismo bioquímico. Dito simplesmente, uma mulher grávida não pode engravidar de novo porque o óvulo fecundado se rodeia de hormônios inibidores que impedem uma nova ovulação. Portanto, se fosse possível produzir algum tipo de gravidez falsa da mulher, mediante a ingestão de hormônios e inibidores, por exemplo, se evitaria a fecundação.
A progesterona vinha sendo usado para desordens menstruais e a prevenção de certas formas de aborto, porém sua obtenção era muito trabalhosa e cara. Um professor de química do Instituto Rockefeller da Pensilvânia, Russel E. Marker, estudando um grupo de esteróides, descobriu um processo de obtenção da progesterona. Marker verificou também que esses esteróides existiam em grande quantidade em algumas variantes dos e antes yams, fruta de uma árvore silvestre mexicana. Vencendo não poucos obstáculos financeiros, Marker recolheu umas dez toneladas de yams e sintetizou 2.000 g de progesterona, que então custava US$80 o grama.
Com os doutores Chang e Rock na Fundação Worcester, Pincus descobriu os estrógenos e progestágenos , derivados da progesterona que mais inibiam a ovulação, e deles saiu a pílula anticoncepcional. Os primeiros ensaios, realizados em Porto Rico e Haiti, demonstraram sua eficácia. Uma larga série de modificações ocorreu desde então com sucessivos aperfeiçoamentos e correções dos efeitos secundários. O século XX havia reencontrado sua pílula reguladora da maternidade como uma de suas mais transcendentais invenções.
Revista Super Interessante n° 001
Por que o mês de fevereiro tem apenas 28 dias?
No ano de 46 a.C. o imperador romano Júlio César promoveu uma reforma no calendário: um dia foi acrescentado a cada quatro anos – daí o ano bissexto – e os meses passaram a ter, alternadamente, trinta ou 31 dias. Nos anos bissextos, o mês de fevereiro, que já tinha 29 dias, ficava com trinta. Em 44 a.C., no segundo ano de vigência desse calendário Juliano, o Senado decidiu homenagear o imperador e propôs que o mês Quintilis – que tinha 31 dias – passasse a se chamar Julius (julho). Trinta e seis anos depois, em 8 a.C., o nome do oitavo mês, Sextilis, foi mudado para Augustus (agosto) em honra para o então imperador César Augusto. Mas, como o mês escolhido para homenagear Augusto tinha trinta dias, um a menos que o de Júlio César, optou-se por tirar um dia de fevereiro – que ficou com 28 dias – e adicioná-lo a Sextilis. Para manter o critério de alternância do Calendário Juliano – um mês com trinta, outro com 31 dias –, já que agosto ficou com 31 dias, setembro passou a ter 30 e assim sucessivamente.
Revista Super Interessante n° 001
Leonardo de todos os instrumentos
José Tadeu Arantes
Com estas palavras, Vasari, o célebre biógrafo do século XVI, inicia o seu relato sobre a vida de Leonardo da Vinci. Apenas 30 anos após a morte desse gênio superlativo, sua figura já estava totalmente envolvida pela aura do mito.Nascido na cidadezinha de Vinci, próxima a Florença, no dia 15 de abril de 1452, Leonardo seria considerado, em pouco tempo, o maior pintor de sua época, protegido e adulado em algumas das principais cortes européias. Mas seu enorme prestigio não se restringiu à pintura. Escultor, músico, arquiteto, engenheiro civil e militar e extraordinário inventor, ele foi a versão suprema do homem dos sete instrumentos. Seu talento versátil se expressou até mesmo em atividades mundanas e tipicamente cortesãs, como a organização de festas e diversões para a nobreza: desde a invenção de um palco giratório para apresentações teatrais até o desenho de trajes de luxo; de entretenimentos musicais à arte da conversação e aos jogos de palavras. Vasari diz que ele "foi o melhor improvisador de rimas de seu tempo".Mas, coexistindo com esse Leonardo público, celebrérrimo e celebrado, houve outro, talvez ainda mais assombroso: um Leonardo solitário e secreto, que permaneceria desconhecido durante muito tempo. Numa atividade recolhida, sigilosa, escrevendo da direita para a esquerda para que seu texto não pudesse ser lido — o que Ihe era facilitado pelo fato de ser ambidestro —, encheu páginas e páginas com a mais eclética massa de conhecimentos, produzindo, com anotações e desenhos, uma gigantesca colcha de retalhos do saber universal. Os primeiros manuscritos de que temos noticias datam de 1478, quando Leonardo, então em Florença, contava ainda 26 anos. Os últimos são de 1518, de poucos meses antes de sua morte, ocorrida na França, em 2 de maio de 1519.Em cerca de seis mil páginas que nos restam dessa prodigiosa obsessão há praticamente de tudo: Geometria e Anatomia; Geologia e Botânica Astronomia e Ótica; Mecânica dos Sólidos . Mecânica dos Fluidos; Balística e Hidráulica; magníficos desenhos preparatórios e exaustivos estudos de perspectivas; considerações teóricas sobre a arte e anotações técnicas muito precisas sobre como fundir uma estátua eqüestre em bronze; o plano arquitetônico para a construção da catedral de Milão e um projeto de desvio do curso do rio Arno para ligar Florença ao mar; mapas e planos urbanísticos; projetos de pontes e fortificações.Há, principalmente, a mais fantástica coleção de invenções e soluções de engenharia já imaginadas por um único homem: esboços de helicópteros, submarinos, pará- quedas, veículos e em barcações automotores, máquinas voadoras; projetos minuciosos de tornos máquinas perfuratrizes, turbinas, teares, máquinas hidráulicas para limpeza e dragagem de canais, canhões, metraIhadoras, espingardas, bombas, carro de combate, pontes móveis etc.Mas esse Leonardo, que escrever praticamente sobre tudo, escreveu muito pouco sobre si mesmo. Sabemos que no seu comportamento cotidiano se refletia a mesma ambigüidade presente em sua produção intelectual. Gostava de se cercar de luxo, tratava amigos e criados com opulência e generosidade, mas tinha hábitos frugais: era vegetariano e preferia a água ao vinho. Muitas de suas noites foram consumidas na dissecação de cadáveres, em meio aos odores da morte e da decomposição. O quanto ele era habilidoso nessas técnicas o mostram seus desenhos anatômicos, considerados superiores aos do célebre Andreas Vesalius, o grande anatomista do Renascimento. Sua infância não foi fácil — o que talvez explique o gosto pelo luxo na idade adulta. Filho ilegítimo de um tabelião florentino e uma camponesa, foi criado longe da mãe, na casa do avô paterno, junto do pai e de uma madrasta.
Pelo menos até a idade de 20 anos, foi filho único e só teria irmãos no terceiro ou quarto casamento do pai. Depois de afastado do convívio com a mãe, a morte da primeira madrasta, quando Leonardo tinha cerca de 13 anos, parece ter representado para ele uma segunda grande perda afetiva. Logo haveria uma terceira, aos 16 anos, com a morte do avô, a quem era muito ligado.Desse complexo quadro de vida, Freud, o fundador da psicanálise, derivou sua interpretação da trajetória de Leonardo. Ela seria movida por uma repressão da pulso sexual e por uma inibição afetiva, em que a pulsão do conhecimento acabaria submergindo, pouco a pouco, qualquer outro fator emocional. Peça chave da explicação freudiana é a hipótese, que hoje parece indiscutível, da homossexualidade de Leonardo. Seja como for, aos 17 anos ele já havia dado provas de seu talento excepcional. O pai o inscreveu, então, como aprendiz no grande ateliê de Andrea Verrochio, em Florença. Não se tinha lá uma formação erudita; o ensino era todo voltado para a prática; mas era incrível a massa de conhecimentos que se podia adquirir: cálculo, perspectiva, desenho, pintura, escultura em pedra e metal, arquitetura, construção civil e militar etc. É ao ateliê de Verrochio que Leonardo deve toda a sua formação básica. A partir dai ele será um autodidata. Muitas coisas aprenderá por ouvir dizer, numa época em que grande parte do conhecimento ainda era adquirida de ouvido. Outras, porém, Ihe custam um enorme esforço de leitura e sistematização de que os manuscritos por ele deixados são testemunhos. Aos 40 anos, copia nos cadernos palavras eruditas — retiradas dos livros — que possam enriquecer seu vocabulário rústico. Aos 50, está envolvido ainda com um estudo por conta própria, não só do latim, mas também da geometria de Euclides, que será uma paixão e um modelo até o fim da vida.
Ele era, então, o que alguns de seus pedantes contemporâneos classificaram como um uomo senza lettere (homem sem letras), isto é, alguém que não possuía uma formação humanística: de fato jamais freqüentara a universidade e, durante muito tempo, esteve impedido de ter acesso direto à grande cultura pela barreira do idioma, já que não dominava o latim e muito menos o grego. Esse menosprezo dos meios sofisticados, a que Leonardo respondia com afetado desdém, não deixou de magoá-lo, reabrindo feridas mal curadas de sua infância traumática. Os biógrafos são unânimes em apontar como uma das principais causas de sua primeira saída de Florença, por volta dos 30 anos, uma dificuldade de adaptação ao culto e refinado ambiente florentino.
A mudança para Milão, em 1482, representou uma virada decisiva em sua trajetória intelectual. Nos dezessete anos que passou a serviço do duque Ludovico Sforza, seu gênio floresceu plenamente. Não só em pinturas soberbas, como A última ceia e a primeira versão de A virgem dos rochedos, mas também na afirmação definitiva de sua vocação para a ciência e a tecnologia. A queda de Ludovico com a ocupação de Milão pelos franceses, em 1499, pôs fim a esse período brilhante e relativamente tranqüilo A partir dai, Leonardo, já uma celebridade, iria trocar de domicilio e patrão ao sabor da instável conjuntura política italiana: novamente Florença, com rápidas passagens por Mântua e Veneza; Urbino, como arquiteto militar e engenheiro chefe de Cesare Borgia, em cuja corte encontrou-se com Maquiavel, fundador da ciência política moderna; outra vez Milão, a convite do governador francês Charles d’Amboise; Roma, na corte papal.Essas mudanças constantes não Ihe bloquearam porém a criatividade. É do segundo período florentino, por exemplo, seu quadro mais famoso — na verdade, o mais famoso de toda a historia da pintura, a Mona Lisa, enigmático retrato da esposa do rico comerciante Francesco del Giocondo. Já a estada em Roma, novamente a serviço dos Medici, seria certamente a fase mais desgostosa de sua vida. Giovanni de Medici, filho de Lourenço, o Magnífico, havia sido eleito papa, com o nome de Leão X, e saudou sua eleição com uma frase que ficou célebre: "Já que Deus nos deu o papado, gozêmo-lo". Amante dos prazeres, da pompa e do luxo, protetor das artes na medida em que satisfizessem sua vaidade, tratou logo de atrair para sua corte os artistas mais brilhantes. Lá se reuniram os três maiores nomes do renascimento italiano: Leonardo, Michelangelo e Raffaello.
Deveria ser um momento privilegiado na história da arte. Mas não foi um momento feliz para Leonardo. Contava então 60 anos — era uma geração mais velho do que Michelangelo e duas mais do que Raffaello. Seu contato com Michelangelo foi francamente hostil. Típico produto do ambiente patrocinado pelos Medici, Michelangelo nada tinha em comum com a formação científico-experimental leonardiana. Além do mais, trabaIhava rápido, num ritmo alucinante. enquanto Leonardo, dispersivo e perfeccionista, projetando sua transbordante genialidade em inúmeras direções, mas sem paciência de levar nenhum projeto até o fim, trabalhava devagar e adiava sempre. A preferênciacia dos romanos por Michelangelo e Raffaello e ao ambiente hostil da corte papal, Leonardo respondeu com retraimento e um de seus desenhos mais perturbadores, O Dilúvio, um visão apocalíptica de destruição e aniquilamento. Ele escapou desse tormento graças à subida de Francisco I ao trono da França. Convidado a assumir o cargo de "primeiro pintor, engenheiro e arquiteto do rei", foi instalado no palácio de Cloux, a apenas algumas centenas de metros do palácio real de Amboise, no condado do Loire, França, recebendo tratamento principesco. Lá viveria, de 1516 até o ano de sua marte, em companhia de seus discípula prediletos, entre eles Francesco Melzi e Salai.Ambos haviam-se unido a Leonardo ainda em seu primeiro período milanês.
Melzi herdaria praticamente todo os seus bens. Salai, um garoto de apenas 10 anos quando entrou a serviço do mestre, já no segundo dia robou- Ihe algum dinheiro, o que continuaria, a fazer com certa regularidade ao longo dos anos. Leonardo anotou que ele era "ladro, bugiardo, ostinato, ghiotto" (ladrão, mentiroso, obstinado, glutão), mas nem por isso deixou de mi má-lo. Com uma ponta de malícia Vasari o descreve como belíssimo gracioso, com vastos cabelos encaracolados, de que Leonardo "si diletò molto" (se agradou muito) — referência que, evidentemente, não escapou à atenção de Freud.A julgar por seus últimos auto-retratos e pelo testemunho dos visitantes, Leonardo parecia sofrer de alguma doença degenerativa, que Ihe dava uma aparência envelhecida. Sua mão direita estava semiparalisada, talvez em decorrência de um derrame cerebral. Nos aposentos, guardava algumas de suas maiores preciosidades: três magníficas pinturas — Sant’Ana, a Virgem e o Menino, a Mona Lisa e São João Batista — e os manuscritos que carregara consigo em suas muitas viagens e a vida inteira teimou em manter inéditos.Herdados pelo discípulo Mezi, esses, manuscritos acabariam se espalhando da maneira mais tortuosa e só começaram a ser redescobertos a partir do final do século passado. A impressão inicial causada pelas seis mil páginas sobreviventes é de um caos desconcertante. Os assuntos se misturam sem nenhuma ordem aparente: na mesma página, a anotação mais instantânea e trivial da vida cotidiana pode estar lado a lado com o enunciado de um teorema ou com a observação acurada de um fenômeno natural.
O método de trabalho de Leonardo talvez explique em parte essa incrível dispersão. Sabemos hoje que ele carregava sempre consigo cadernos de notas em que podia registrar uma frase ou esboçar rapidamente um desenho. Ao lado desses, havia outros cadernos, mais ordenados e homogêneos, preenchidos com calma no silêncio de seus aposentos. Neles. Numa escrita elegante e em desenhos de acabamento impecável, procurava dar a suas idéias uma forma definitiva.Mesmo nesses cadernos, porém, os assuntos muitas vezes se atropelam: não é raro que uma demonstração, começada com preciso enunciado de premissas, acabe indo parar bem longe do ponto de partida. Mas o caos é apenas aparente. Como observa Anna Maria Brizio, uma das maiores estudiosas leonardianas da atualidade, pouco a pouco se percebe que "a múltipla disparidade de argumento emana de um único centro e contém uma formidável unidade de processo mental".
Arte, ciência e tecnologia se encontram ai de tal modo amalgamadas, que se passa de um domínio a outro praticamente sem perceber.A ciência de Leonardo é toda baseada no primado da visão sobre os demais sentidos e da geometria sobre as demais disciplinas. Em geometria, ele realizou descobertas teóricas importantes, como a determinação dos centros de gravidade dos sólidos geométricos e a transformação de um sólido em outro, com a do volume. Em estática, foi o primeiro a compreender a possibilidade de se decompor uma força segundo duas direções, o que Ihe permitiu resolver um grande número de problemas práticos. Em cinemática. Ciência que só seria precisamente formulada quase 150 anos mais tarde, com os trabalhos de Galileu, ele intuiu as leis que regem os choques entre dois sólidos iguais como duas bolas de bilhar.A curiosidade de Leonardo o empurra mesmo a terrenos ainda não desbravados, como a mecânica dos fluidos, disciplina praticamente ignorada pelos gregos, a grande fonte das ciências medieval e renascentista. Uma de suas investigações nessa área — explicada em detalhes pelo estudioso Carlo Zammatio — pode ser considerada um caso exemplar de seu procedimento científico.
Ele parte de questões práticas relacionadas com a irrigação e o aproveitamento da forca hidráulica na região do rio Pó. E procura determinar a energia com que chega ao solo cada um de uma série de jatos d’água, que saem de orifício de dimensões idênticas, mas de alturas diferentes, de um recipiente com água em nível constante. Verifica que a velocidade de saída da água é inversamente proporcional à altura do orifício. Isto é, cresce de cima para baixo. E explica isso mostrando que, enquanto cada porção de água que sai do orifício mais alto é posta em movimento apenas pela ação de seu próprio peso, as porções que saem dos orifício inferiores são postas em movimento tanto por seu peso como pelo peso da coluna d’água situada acima delas.A conclusão é que todos os jatos chegam ao solo com a mesma energia, pois, se o jato mais alto é o que sai do recipiente com menor velocidade, ele é também o que tem uma maior distancia a percorrer e, portanto, o que mais ganha velocidade durante a queda. Em outras palavras, onde a energia cinética inicial do jato (que depende da velocidade) é menor, a energia potencial (que depende da altura) é maior e vice-versa. A soma desses dois termos é sempre a mesma.
Evidentemente, Leonardo não formula suas idéias desta maneira. A física levaria ainda muito tempo para chegar a esse grau de concisão, rigor conceitual e vocabulário. Leonardo trabalha com as palavras que tem à mão ou improvisa. O Importante é que, por trás de seu vocabulário tosco, ele de maneira admirável o teorema básico da hidrodinâmica formulado apenas em 1738 pelo físico e matemático suíço Daniel BernouilliMais importante ainda: intuiu uma idéia capital na física, a da interconversão de energia potencial e energia cinética — questão que ficaria perfeitamente esclarecida partir das experiências de Galileu Torricelli sobre a queda dos corpos, realizadas em 1642.Mas foi no domínio da tecnologia que se deram algumas de suas mais espantosas realizações. Uma delas — só descoberta muito recentemente, a partir de um trabalho de restauração num dos cadernos leonardianos — é uma bicicleta muitíssimo superior, em termos solução de engenharia, às primeiras bicicletas que seriam fabricadas por volta de 1817. Na verdade, o sistema proposto por Leonardo — com pedal ligado a uma roda dentada que transmite a força à roda traseira através de correia — só adotado no começo deste século Sua bicicleta jamais foi construída O mesmo se pode dizer, quase com certeza, de todos os seus outros inventos, geralmente avançados demais para as possibilidades técnicas da época. Além disso, a mistura contraditórios de dispersão e perfeccionismo fez com que, também em outros domínios sua criação ficasse incompleta. Em pintura, deixou vários quadros inacabada toda a sua produção não ultrapassa obras.
Em ciência, suas geniais antevisões jamais receberiam uma sistematização final, permanecendo secretas em nada influenciando o desenvolvimento científico da humanidade. Leonardo era extremamente suscetível ao julgamento público e essa deve ter sido uma das causas da ocultação dos manuscritos. Porque, para escrever para o mundo culto, era preciso rigor sistematização, refinamento de expressão e, principalmente, um domínio perfeito da língua latina. características dificilmente encontráveis num uomo senza lettere. Ironicamente, esses manuscritos fragmentários — redigidos em língua vulgar — permaneceriam como um dos mais maravilhosos legados de um homem à posteridade.
Ele não falava grego nem latim. Jamais freqüentou uma universidade e por isso era desprezado nas rodas intelectuais de Florença, no Renascimento. Mas suas pinturas e projetos de engenharia o fizeram famoso e cortejado pelos poderosos da época. Muito tempo depois, o mundo viria a conhecer o lado secreto desse gênio superlativo.
De tempos em tempos, o Céu nos envia alguém que não é apenas humano, mas também divino, de modo que, através de seu espírito e da superioridade de sua inteligência, possamos atingir o Céu."Com estas palavras, Vasari, o célebre biógrafo do século XVI, inicia o seu relato sobre a vida de Leonardo da Vinci. Apenas 30 anos após a morte desse gênio superlativo, sua figura já estava totalmente envolvida pela aura do mito.Nascido na cidadezinha de Vinci, próxima a Florença, no dia 15 de abril de 1452, Leonardo seria considerado, em pouco tempo, o maior pintor de sua época, protegido e adulado em algumas das principais cortes européias. Mas seu enorme prestigio não se restringiu à pintura. Escultor, músico, arquiteto, engenheiro civil e militar e extraordinário inventor, ele foi a versão suprema do homem dos sete instrumentos. Seu talento versátil se expressou até mesmo em atividades mundanas e tipicamente cortesãs, como a organização de festas e diversões para a nobreza: desde a invenção de um palco giratório para apresentações teatrais até o desenho de trajes de luxo; de entretenimentos musicais à arte da conversação e aos jogos de palavras. Vasari diz que ele "foi o melhor improvisador de rimas de seu tempo".Mas, coexistindo com esse Leonardo público, celebrérrimo e celebrado, houve outro, talvez ainda mais assombroso: um Leonardo solitário e secreto, que permaneceria desconhecido durante muito tempo. Numa atividade recolhida, sigilosa, escrevendo da direita para a esquerda para que seu texto não pudesse ser lido — o que Ihe era facilitado pelo fato de ser ambidestro —, encheu páginas e páginas com a mais eclética massa de conhecimentos, produzindo, com anotações e desenhos, uma gigantesca colcha de retalhos do saber universal. Os primeiros manuscritos de que temos noticias datam de 1478, quando Leonardo, então em Florença, contava ainda 26 anos. Os últimos são de 1518, de poucos meses antes de sua morte, ocorrida na França, em 2 de maio de 1519.Em cerca de seis mil páginas que nos restam dessa prodigiosa obsessão há praticamente de tudo: Geometria e Anatomia; Geologia e Botânica Astronomia e Ótica; Mecânica dos Sólidos . Mecânica dos Fluidos; Balística e Hidráulica; magníficos desenhos preparatórios e exaustivos estudos de perspectivas; considerações teóricas sobre a arte e anotações técnicas muito precisas sobre como fundir uma estátua eqüestre em bronze; o plano arquitetônico para a construção da catedral de Milão e um projeto de desvio do curso do rio Arno para ligar Florença ao mar; mapas e planos urbanísticos; projetos de pontes e fortificações.Há, principalmente, a mais fantástica coleção de invenções e soluções de engenharia já imaginadas por um único homem: esboços de helicópteros, submarinos, pará- quedas, veículos e em barcações automotores, máquinas voadoras; projetos minuciosos de tornos máquinas perfuratrizes, turbinas, teares, máquinas hidráulicas para limpeza e dragagem de canais, canhões, metraIhadoras, espingardas, bombas, carro de combate, pontes móveis etc.Mas esse Leonardo, que escrever praticamente sobre tudo, escreveu muito pouco sobre si mesmo. Sabemos que no seu comportamento cotidiano se refletia a mesma ambigüidade presente em sua produção intelectual. Gostava de se cercar de luxo, tratava amigos e criados com opulência e generosidade, mas tinha hábitos frugais: era vegetariano e preferia a água ao vinho. Muitas de suas noites foram consumidas na dissecação de cadáveres, em meio aos odores da morte e da decomposição. O quanto ele era habilidoso nessas técnicas o mostram seus desenhos anatômicos, considerados superiores aos do célebre Andreas Vesalius, o grande anatomista do Renascimento. Sua infância não foi fácil — o que talvez explique o gosto pelo luxo na idade adulta. Filho ilegítimo de um tabelião florentino e uma camponesa, foi criado longe da mãe, na casa do avô paterno, junto do pai e de uma madrasta.
Pelo menos até a idade de 20 anos, foi filho único e só teria irmãos no terceiro ou quarto casamento do pai. Depois de afastado do convívio com a mãe, a morte da primeira madrasta, quando Leonardo tinha cerca de 13 anos, parece ter representado para ele uma segunda grande perda afetiva. Logo haveria uma terceira, aos 16 anos, com a morte do avô, a quem era muito ligado.Desse complexo quadro de vida, Freud, o fundador da psicanálise, derivou sua interpretação da trajetória de Leonardo. Ela seria movida por uma repressão da pulso sexual e por uma inibição afetiva, em que a pulsão do conhecimento acabaria submergindo, pouco a pouco, qualquer outro fator emocional. Peça chave da explicação freudiana é a hipótese, que hoje parece indiscutível, da homossexualidade de Leonardo. Seja como for, aos 17 anos ele já havia dado provas de seu talento excepcional. O pai o inscreveu, então, como aprendiz no grande ateliê de Andrea Verrochio, em Florença. Não se tinha lá uma formação erudita; o ensino era todo voltado para a prática; mas era incrível a massa de conhecimentos que se podia adquirir: cálculo, perspectiva, desenho, pintura, escultura em pedra e metal, arquitetura, construção civil e militar etc. É ao ateliê de Verrochio que Leonardo deve toda a sua formação básica. A partir dai ele será um autodidata. Muitas coisas aprenderá por ouvir dizer, numa época em que grande parte do conhecimento ainda era adquirida de ouvido. Outras, porém, Ihe custam um enorme esforço de leitura e sistematização de que os manuscritos por ele deixados são testemunhos. Aos 40 anos, copia nos cadernos palavras eruditas — retiradas dos livros — que possam enriquecer seu vocabulário rústico. Aos 50, está envolvido ainda com um estudo por conta própria, não só do latim, mas também da geometria de Euclides, que será uma paixão e um modelo até o fim da vida.
Ele era, então, o que alguns de seus pedantes contemporâneos classificaram como um uomo senza lettere (homem sem letras), isto é, alguém que não possuía uma formação humanística: de fato jamais freqüentara a universidade e, durante muito tempo, esteve impedido de ter acesso direto à grande cultura pela barreira do idioma, já que não dominava o latim e muito menos o grego. Esse menosprezo dos meios sofisticados, a que Leonardo respondia com afetado desdém, não deixou de magoá-lo, reabrindo feridas mal curadas de sua infância traumática. Os biógrafos são unânimes em apontar como uma das principais causas de sua primeira saída de Florença, por volta dos 30 anos, uma dificuldade de adaptação ao culto e refinado ambiente florentino.
A mudança para Milão, em 1482, representou uma virada decisiva em sua trajetória intelectual. Nos dezessete anos que passou a serviço do duque Ludovico Sforza, seu gênio floresceu plenamente. Não só em pinturas soberbas, como A última ceia e a primeira versão de A virgem dos rochedos, mas também na afirmação definitiva de sua vocação para a ciência e a tecnologia. A queda de Ludovico com a ocupação de Milão pelos franceses, em 1499, pôs fim a esse período brilhante e relativamente tranqüilo A partir dai, Leonardo, já uma celebridade, iria trocar de domicilio e patrão ao sabor da instável conjuntura política italiana: novamente Florença, com rápidas passagens por Mântua e Veneza; Urbino, como arquiteto militar e engenheiro chefe de Cesare Borgia, em cuja corte encontrou-se com Maquiavel, fundador da ciência política moderna; outra vez Milão, a convite do governador francês Charles d’Amboise; Roma, na corte papal.Essas mudanças constantes não Ihe bloquearam porém a criatividade. É do segundo período florentino, por exemplo, seu quadro mais famoso — na verdade, o mais famoso de toda a historia da pintura, a Mona Lisa, enigmático retrato da esposa do rico comerciante Francesco del Giocondo. Já a estada em Roma, novamente a serviço dos Medici, seria certamente a fase mais desgostosa de sua vida. Giovanni de Medici, filho de Lourenço, o Magnífico, havia sido eleito papa, com o nome de Leão X, e saudou sua eleição com uma frase que ficou célebre: "Já que Deus nos deu o papado, gozêmo-lo". Amante dos prazeres, da pompa e do luxo, protetor das artes na medida em que satisfizessem sua vaidade, tratou logo de atrair para sua corte os artistas mais brilhantes. Lá se reuniram os três maiores nomes do renascimento italiano: Leonardo, Michelangelo e Raffaello.
Deveria ser um momento privilegiado na história da arte. Mas não foi um momento feliz para Leonardo. Contava então 60 anos — era uma geração mais velho do que Michelangelo e duas mais do que Raffaello. Seu contato com Michelangelo foi francamente hostil. Típico produto do ambiente patrocinado pelos Medici, Michelangelo nada tinha em comum com a formação científico-experimental leonardiana. Além do mais, trabaIhava rápido, num ritmo alucinante. enquanto Leonardo, dispersivo e perfeccionista, projetando sua transbordante genialidade em inúmeras direções, mas sem paciência de levar nenhum projeto até o fim, trabalhava devagar e adiava sempre. A preferênciacia dos romanos por Michelangelo e Raffaello e ao ambiente hostil da corte papal, Leonardo respondeu com retraimento e um de seus desenhos mais perturbadores, O Dilúvio, um visão apocalíptica de destruição e aniquilamento. Ele escapou desse tormento graças à subida de Francisco I ao trono da França. Convidado a assumir o cargo de "primeiro pintor, engenheiro e arquiteto do rei", foi instalado no palácio de Cloux, a apenas algumas centenas de metros do palácio real de Amboise, no condado do Loire, França, recebendo tratamento principesco. Lá viveria, de 1516 até o ano de sua marte, em companhia de seus discípula prediletos, entre eles Francesco Melzi e Salai.Ambos haviam-se unido a Leonardo ainda em seu primeiro período milanês.
Melzi herdaria praticamente todo os seus bens. Salai, um garoto de apenas 10 anos quando entrou a serviço do mestre, já no segundo dia robou- Ihe algum dinheiro, o que continuaria, a fazer com certa regularidade ao longo dos anos. Leonardo anotou que ele era "ladro, bugiardo, ostinato, ghiotto" (ladrão, mentiroso, obstinado, glutão), mas nem por isso deixou de mi má-lo. Com uma ponta de malícia Vasari o descreve como belíssimo gracioso, com vastos cabelos encaracolados, de que Leonardo "si diletò molto" (se agradou muito) — referência que, evidentemente, não escapou à atenção de Freud.A julgar por seus últimos auto-retratos e pelo testemunho dos visitantes, Leonardo parecia sofrer de alguma doença degenerativa, que Ihe dava uma aparência envelhecida. Sua mão direita estava semiparalisada, talvez em decorrência de um derrame cerebral. Nos aposentos, guardava algumas de suas maiores preciosidades: três magníficas pinturas — Sant’Ana, a Virgem e o Menino, a Mona Lisa e São João Batista — e os manuscritos que carregara consigo em suas muitas viagens e a vida inteira teimou em manter inéditos.Herdados pelo discípulo Mezi, esses, manuscritos acabariam se espalhando da maneira mais tortuosa e só começaram a ser redescobertos a partir do final do século passado. A impressão inicial causada pelas seis mil páginas sobreviventes é de um caos desconcertante. Os assuntos se misturam sem nenhuma ordem aparente: na mesma página, a anotação mais instantânea e trivial da vida cotidiana pode estar lado a lado com o enunciado de um teorema ou com a observação acurada de um fenômeno natural.
O método de trabalho de Leonardo talvez explique em parte essa incrível dispersão. Sabemos hoje que ele carregava sempre consigo cadernos de notas em que podia registrar uma frase ou esboçar rapidamente um desenho. Ao lado desses, havia outros cadernos, mais ordenados e homogêneos, preenchidos com calma no silêncio de seus aposentos. Neles. Numa escrita elegante e em desenhos de acabamento impecável, procurava dar a suas idéias uma forma definitiva.Mesmo nesses cadernos, porém, os assuntos muitas vezes se atropelam: não é raro que uma demonstração, começada com preciso enunciado de premissas, acabe indo parar bem longe do ponto de partida. Mas o caos é apenas aparente. Como observa Anna Maria Brizio, uma das maiores estudiosas leonardianas da atualidade, pouco a pouco se percebe que "a múltipla disparidade de argumento emana de um único centro e contém uma formidável unidade de processo mental".
Arte, ciência e tecnologia se encontram ai de tal modo amalgamadas, que se passa de um domínio a outro praticamente sem perceber.A ciência de Leonardo é toda baseada no primado da visão sobre os demais sentidos e da geometria sobre as demais disciplinas. Em geometria, ele realizou descobertas teóricas importantes, como a determinação dos centros de gravidade dos sólidos geométricos e a transformação de um sólido em outro, com a do volume. Em estática, foi o primeiro a compreender a possibilidade de se decompor uma força segundo duas direções, o que Ihe permitiu resolver um grande número de problemas práticos. Em cinemática. Ciência que só seria precisamente formulada quase 150 anos mais tarde, com os trabalhos de Galileu, ele intuiu as leis que regem os choques entre dois sólidos iguais como duas bolas de bilhar.A curiosidade de Leonardo o empurra mesmo a terrenos ainda não desbravados, como a mecânica dos fluidos, disciplina praticamente ignorada pelos gregos, a grande fonte das ciências medieval e renascentista. Uma de suas investigações nessa área — explicada em detalhes pelo estudioso Carlo Zammatio — pode ser considerada um caso exemplar de seu procedimento científico.
Ele parte de questões práticas relacionadas com a irrigação e o aproveitamento da forca hidráulica na região do rio Pó. E procura determinar a energia com que chega ao solo cada um de uma série de jatos d’água, que saem de orifício de dimensões idênticas, mas de alturas diferentes, de um recipiente com água em nível constante. Verifica que a velocidade de saída da água é inversamente proporcional à altura do orifício. Isto é, cresce de cima para baixo. E explica isso mostrando que, enquanto cada porção de água que sai do orifício mais alto é posta em movimento apenas pela ação de seu próprio peso, as porções que saem dos orifício inferiores são postas em movimento tanto por seu peso como pelo peso da coluna d’água situada acima delas.A conclusão é que todos os jatos chegam ao solo com a mesma energia, pois, se o jato mais alto é o que sai do recipiente com menor velocidade, ele é também o que tem uma maior distancia a percorrer e, portanto, o que mais ganha velocidade durante a queda. Em outras palavras, onde a energia cinética inicial do jato (que depende da velocidade) é menor, a energia potencial (que depende da altura) é maior e vice-versa. A soma desses dois termos é sempre a mesma.
Evidentemente, Leonardo não formula suas idéias desta maneira. A física levaria ainda muito tempo para chegar a esse grau de concisão, rigor conceitual e vocabulário. Leonardo trabalha com as palavras que tem à mão ou improvisa. O Importante é que, por trás de seu vocabulário tosco, ele de maneira admirável o teorema básico da hidrodinâmica formulado apenas em 1738 pelo físico e matemático suíço Daniel BernouilliMais importante ainda: intuiu uma idéia capital na física, a da interconversão de energia potencial e energia cinética — questão que ficaria perfeitamente esclarecida partir das experiências de Galileu Torricelli sobre a queda dos corpos, realizadas em 1642.Mas foi no domínio da tecnologia que se deram algumas de suas mais espantosas realizações. Uma delas — só descoberta muito recentemente, a partir de um trabalho de restauração num dos cadernos leonardianos — é uma bicicleta muitíssimo superior, em termos solução de engenharia, às primeiras bicicletas que seriam fabricadas por volta de 1817. Na verdade, o sistema proposto por Leonardo — com pedal ligado a uma roda dentada que transmite a força à roda traseira através de correia — só adotado no começo deste século Sua bicicleta jamais foi construída O mesmo se pode dizer, quase com certeza, de todos os seus outros inventos, geralmente avançados demais para as possibilidades técnicas da época. Além disso, a mistura contraditórios de dispersão e perfeccionismo fez com que, também em outros domínios sua criação ficasse incompleta. Em pintura, deixou vários quadros inacabada toda a sua produção não ultrapassa obras.
Em ciência, suas geniais antevisões jamais receberiam uma sistematização final, permanecendo secretas em nada influenciando o desenvolvimento científico da humanidade. Leonardo era extremamente suscetível ao julgamento público e essa deve ter sido uma das causas da ocultação dos manuscritos. Porque, para escrever para o mundo culto, era preciso rigor sistematização, refinamento de expressão e, principalmente, um domínio perfeito da língua latina. características dificilmente encontráveis num uomo senza lettere. Ironicamente, esses manuscritos fragmentários — redigidos em língua vulgar — permaneceriam como um dos mais maravilhosos legados de um homem à posteridade.
Revista Super Interessante n° 001
Três e demais
Num dos intervalos para o chá da reunião da Sociedade Real de Astronomia da Inglaterra, Sir Arthur Stanley Eddington foi importunado por um puxa- saco: "Professor, o senhor deve ser uma das três pessoas no mundo que entendem a Teoria da Relatividade". Físico, astrônomo e matemático, autor da primeira dissertação em inglês sobre a obra de Albert Einstein, Eddington não se sentiu lisonjeado. Fez uma espécie de careta, que levou o chato a se exceder: "Ora, também não precisa dar-se ares de modéstia... " Ao que o cientista respondeu: "Não é modéstia. Apenas estou me perguntando quem será essa pessoa..."
Revista super Interessante
Tróia: A Guerra sem Fim
A guerra de Tróia talvez nem tenha acontecido. Se aconteceu, a causa pode não ter sido o rapto de Helena. Como pode não ter existido o famoso cavalo de madeira que iludiu os troianos: quem sabe os gregos atacaram pelo mar.
Quando a lenda fica mais interessante do que a realidade, publique-se a lenda”. (John Ford, cineastra americano, pela boca do jornalista personagem do seu clássico O Homem que Matou o Facínora).
O pouco recomendável costume dos troianos teve pelo menos uma serventia: ajudou os arqueólogos a descobrir se as casas — das quais, na maioria das vezes, só ficavam os muros — foram habitadas por muito ou pouco tempo. Para Schliemann, a Tróia de Príamo era a Troía II. Depois de sua morte, em 1890, outro pesquisador, o arqueólogo Wilhelm Dörpfeld, também alemão, prosseguiu as escavações em 1892 e 1893 e estabeleceu que Tróia VI tinha sido o cenário da guerra. No entanto, pesquisadores da universidade norte-americana de Cincinatti, que ali realizaram escavações de 1932 a 1938, concluíram que Tróia VII era a Tróia de Príamo. A chave para se saber qual era a Tróia da guerra era provar a existência do inimigo, isto é, dos gregos do final da Idade do Bronze, a época de Tróia VII.
Tudo estaria esclarecido não fosse por uma questão: embora Homero diga que Tróia foi destruída por um incêndio, as últimas escavações provam que o que houve ali foi um terremoto e que depois os assentamentos continuaram. Diante disso, 0 historiador inglês Moses Finley, falecido em 1986, abriu fogo: "Não há uma só prova consistente de que a colina de Hissarlik coincida com a Tróia da Idade do Bronze que Homero descreve, nem de que a guerra entre troianos e gregos tenha alguma vez existido. Propomos tirar definitivamente a guerra de Tróia dos livros de História".Entretanto, uma descoberta do lingüista Calvert Watkins, professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, desmontou um dos principais argumentos dos críticos de Homero. Ao examinar primitivos documentos escritos em uma extinta língua da antiga Anatólia, na região orienta do que hoje é a Turquia, Watkins encontrou o seguinte fragmento de texto:"... quando vinham os alcantilado de Wilusa..." Para ele, o fragmento seria parte de uma primitiva Ilíada escrita em hitita, a língua dos troianos Os alcantilados de Wilusa (que significam rochas escarpadas de Wilusa) são, segundo Watkins, os que aparecem na Ilíada como "os alcantilado’ de Ilíon" Tróia era também chamada de Ilíon. Tal descoberta derrubava a teoria de que uma cidade grande e poderosa como Tróia, que apoiava o império hitita, não constava dos testemunhos escritos sobre aquele povo. Os críticos de Homero também duvidavam da descrição dos funerais de Pátroclo — grande amigo do guerreiro Aquiles — mencionados no final da Ilíada O poema diz que ele foi cremado. Os céticos afirmavam que naquela época não era costume cremar os mortos.
Recentemente, porém, arqueólogos alemães, que há três anos realizam escavações no porto de Tróia, na baia de Besica, sob o comando do professor Manfred Körfmann, da Universidade de Tübigen, descobriram vestígios de piras onde os mortos eram cremados. Mas se Tróia existiu, será que isso quer dizer necessariamente que houve também a guerra de Tróia? Como e por que ela se deu? Ao que parece, os motivos foram mais banais do que o resgate da honra de Menelau e, sua mulher, Helena. Como a corrente marítima na parte mais estreita dos Dardanelos é muito mais forte, um barco mercante da Idade do Bronze só poderia chegar ao Mar Negro se contasse com bons ventos a seu favor. Mas, à excessão de uns poucos dias do ano, o vento sopra na direção oposta, de Leste a Oeste. Por isso, os gregos preferiam desembarcar suas mercadorias no porto de Tróia para que fossem transportadas até o Mar de Mármara — a meio caminho entre o estreito e o Mar Negro — através da planície troiana.
Mesmo que resolvessem esperar pelos ventos favoráveis os gregos dependiam dos troianos. E estes certamente cobravam pelos serviços prestados, tais como estadia na baia, abastecimento de água e alimentos, transporte de mercadorias por terra etc. E possível até que os troianos cobrassem pedágio ou saqueassem um barco de vez em quando. Do ponto de vista arqueológico não há nada que prove que Tróia fosse um covil de ladrões, mas é cabível que uma cidade situada no eixo do comércio entre o Mar Egeu e o Mar Negro representasse um problema para os gregos. Logo, qualquer pretexto servia para liquidar aqueles que tanto atrapalhavam seus negócios.
O historiador Francisco Murari Pires, professor de História Antiga da Universidade de São Paulo, acha provável que um evento como a guerra de Tróia tenha existido, embora o conjunto de documentos descobertos não permita uma afirmação exata, precisa. O que a lenda quer preservar, diz ele é que o fim da Idade do Bronze e o inicio da Idade do Ferro correspondem a um período de desestruturação do império hitita. Havia uma situação de conflito permanente entre hititas e gregos. Ambos disputavam o controle sobre os reinos que apoiavam tradicionalmente o império hitita e que, em conseqüência da atuação do gregos, começaram a se desestabilizar
Com base nos conhecimentos históricos e arqueológicos disponíveis, arqueólogo alemão Franz Stephan reconstituiu o que em sua opinião pode ter sido a guerra de Tróia: os Tróia nos, enfraquecidos por causa de um terremoto, não estavam preparada para enfrentar uma guerra. Os gregos, sabendo disso, atracaram no porto inimigo um veleiro com aparência de barco mercante; só que, em vez de mercadorias, transportava uma tropa de elite. Durante a noite o comando grego tomou a cidade. Nessa versão, não há lugar para o Cavalo de Tróia. O professor Murari Pires diz que é impossível resolver essa questão. Mas, verdade histórica ou não, a lenda é importante por fixar o principio de que uma guerra não se decide só pela força. "Tanto o valor da astúcia, da manobra enganosa", observa Murari, "quanto o valor guerreiro propriamente dito estão em pé de igualdade." Por mais que historiadores e arqueólogos tentem demonstrar a veracidade do episódio, o que parece prevalecer na memória do homem comum é a imagem poética da lenda, que tem contornos muito mais fortes do que a realidade. Por mais pesquisas que se façam, é pouco provável que um dia essa situação seja invertida.
Quando a lenda fica mais interessante do que a realidade, publique-se a lenda”. (John Ford, cineastra americano, pela boca do jornalista personagem do seu clássico O Homem que Matou o Facínora).
Melhor exemplo dessa verdade não existe do que a Guerra de Tróia. com seu cavalo fantástico, o rapto de Helena pelo apaixonado Páris, o herói Aquiles e seu calcanhar vulnerável, os deuses e as deusas do Olimpo assanhadíssimos, divididos entre gregos e troianos e fazendo, periodicamente, com que a sorte favorecesse um ou outro lado graças aos seus poderes divinos. Tudo isso está contado na Ilíada, poema épico de Homero, escrito aí pelo século IX a.C. Mais recente e quase tão fantasiosa quanto a lenda que pretende conferir, é a batalha travada há bem uns cem anos por historiadores e arqueólogos em torno do que haveria de verdade nos episódios narrados por Homero.A lenda conta que a guerra foi provocada pelo rapto de Helena, a filha de Tíndaro, o rei de Esparta. Helena era tão bonita, tinha tantos pretendentes, que seu pai já previa alguma coisa desse tipo, tanto que promoveu uma grande reunião de todos os interessados e obteve deles um compromisso: qualquer que fosse o escolhido por Helena, os demais se comprometiam a defender o casal contra as ofensas que pudesse sofrer.
Helena escolheu Menelau, que graças a essa preferência tornou-se, além de seu marido, rei de Esparta. E a vida correu feliz e serena até o dia em que Páris, filho do rei de Tróia, Príamo, conheceu Helena e por ela se apaixonou. Páris não tinha sido um dos pretendentes preferidos, não estava amarrado ao compromisso por Tíndaro, e fez o que era muito comum na época: raptou Helena e levou-a para Tróia. O gregos até que tentaram negociar e esquecer o episódio, mas os troianos não aceitaram. Assim, Agamenon, irmão do ofendido Menelau, convocou todos os antigos pretendentes à mão de Helena, lembrou-lhes o pacto de fidelidade e organizou a primeira expedição contra Tróia. Foram dez longos anos de luta em que a sorte ora pendeu para um lado, ora para outro. E acabou sendo Ulisses, um guerreiro grego sem nenhum poder extraordinário, a não ser uma cabeça fértil para inventar truques e expedientes, quem pensou no estratagema que os levaria à vitória: construir um grande cavalo de madeira, capaz de abrigar, em seu interior, alguns guerreiros. Os troianos, que consideravam o cavalo um animal sagrado, recolheram o presente deixado diante do portão de suas muralhas, acreditando ser um reconhecimento da derrota por parte dos gregos, e passaram a noite comemorando a vitória. Os soldados escondidos dentro do cavalo aproveitaram a festa para sair, abriram os portões — e Tróia foi invadida e destruída. Nasceu ai a expressão presente de grego. Essa é a lenda, em linhas bem gerais. Em 1870 o negociante alemão Heinrich Schliemann, autodidata e arqueólogo amador, após estudar detidamente os textos de Homero, lançou-se à localização de Tróia, fazendo escavações por conta própria. Detevesse na colina de Hissarlik, na entrada do estreito de Dardanelos, atual Turquia. Em companhia da mulher, Sofia, e de outros colaboradores, descobriu vasos de ouro, jarras de prata, braceletes e colares cuidadosamente fabricados. Deduziu, então, que teriam pertencido a um rico e poderoso senhor: seria o tesouro de Príamo, rei de Tróia e pai de Páris. Mas a declaração de Schliemann, de que havia encontrado Tróia e seu famoso tesouro, não resistiu aos ataques dos historiadores especializados. Hoje, a maioria dos arqueólogos afirma que o tesouro apresentado por Schliemann não passava de um conjunto de peças isoladas recolhidas durante as escavações O grande mérito do pesquisador alemão foi descobrir que na colina de Hissarlik existiram várias Troias, cada uma construída sobre as ruínas da outra, e que a região estava habitada desde a Idade do Bronze, por volta de 3 000 a.C, até o ano 400 da nossa era. Ao todo existiram nove Tróia As primeiras de Tróia I a V, correspondem à Idade do Bronze egeu; Tróia VI, ao Bronze médio e final; Tróia VII teria sido habitada por um povo diferente que deixou o local cerca de 700 a.C, época que corresponde ao início de Tróia VIII; e, por fim, Tróia IX, que era a cidade romana de Ilium Novum.Como foi possível fazer de uma montanha a base de várias cidades? Especialistas explicam que Tróia I estava sobre a base e ali se levantaram casas feitas de pedra, terra, adobe, madeira e palha; pouco resistentes, eram sujeitas a incêndios que rapidamente as destruiam por estarem, além do mais, muito próximas umas das outras. Na época do cobre e do bronze, as cidades apenas começavam a se desenvolver. Se ocorria um terremoto ou um incêndio, tirava-se o que era aproveitável das ruínas, aplainava-se o que restara e construíam-se novas casas em cima. Assim, uma cidade se edificava sobre a outra. Era costume naquela época jogar no chão desde restos de comida até utensílios quebrados. Mas, a partir de determinado momento, ficava insuportável conviver com a sujeira e então cobria-se o chão com uma espécie de capa de barro e tudo ficava novo e limpo.O pouco recomendável costume dos troianos teve pelo menos uma serventia: ajudou os arqueólogos a descobrir se as casas — das quais, na maioria das vezes, só ficavam os muros — foram habitadas por muito ou pouco tempo. Para Schliemann, a Tróia de Príamo era a Troía II. Depois de sua morte, em 1890, outro pesquisador, o arqueólogo Wilhelm Dörpfeld, também alemão, prosseguiu as escavações em 1892 e 1893 e estabeleceu que Tróia VI tinha sido o cenário da guerra. No entanto, pesquisadores da universidade norte-americana de Cincinatti, que ali realizaram escavações de 1932 a 1938, concluíram que Tróia VII era a Tróia de Príamo. A chave para se saber qual era a Tróia da guerra era provar a existência do inimigo, isto é, dos gregos do final da Idade do Bronze, a época de Tróia VII.
Tudo estaria esclarecido não fosse por uma questão: embora Homero diga que Tróia foi destruída por um incêndio, as últimas escavações provam que o que houve ali foi um terremoto e que depois os assentamentos continuaram. Diante disso, 0 historiador inglês Moses Finley, falecido em 1986, abriu fogo: "Não há uma só prova consistente de que a colina de Hissarlik coincida com a Tróia da Idade do Bronze que Homero descreve, nem de que a guerra entre troianos e gregos tenha alguma vez existido. Propomos tirar definitivamente a guerra de Tróia dos livros de História".Entretanto, uma descoberta do lingüista Calvert Watkins, professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, desmontou um dos principais argumentos dos críticos de Homero. Ao examinar primitivos documentos escritos em uma extinta língua da antiga Anatólia, na região orienta do que hoje é a Turquia, Watkins encontrou o seguinte fragmento de texto:"... quando vinham os alcantilado de Wilusa..." Para ele, o fragmento seria parte de uma primitiva Ilíada escrita em hitita, a língua dos troianos Os alcantilados de Wilusa (que significam rochas escarpadas de Wilusa) são, segundo Watkins, os que aparecem na Ilíada como "os alcantilado’ de Ilíon" Tróia era também chamada de Ilíon. Tal descoberta derrubava a teoria de que uma cidade grande e poderosa como Tróia, que apoiava o império hitita, não constava dos testemunhos escritos sobre aquele povo. Os críticos de Homero também duvidavam da descrição dos funerais de Pátroclo — grande amigo do guerreiro Aquiles — mencionados no final da Ilíada O poema diz que ele foi cremado. Os céticos afirmavam que naquela época não era costume cremar os mortos.
Recentemente, porém, arqueólogos alemães, que há três anos realizam escavações no porto de Tróia, na baia de Besica, sob o comando do professor Manfred Körfmann, da Universidade de Tübigen, descobriram vestígios de piras onde os mortos eram cremados. Mas se Tróia existiu, será que isso quer dizer necessariamente que houve também a guerra de Tróia? Como e por que ela se deu? Ao que parece, os motivos foram mais banais do que o resgate da honra de Menelau e, sua mulher, Helena. Como a corrente marítima na parte mais estreita dos Dardanelos é muito mais forte, um barco mercante da Idade do Bronze só poderia chegar ao Mar Negro se contasse com bons ventos a seu favor. Mas, à excessão de uns poucos dias do ano, o vento sopra na direção oposta, de Leste a Oeste. Por isso, os gregos preferiam desembarcar suas mercadorias no porto de Tróia para que fossem transportadas até o Mar de Mármara — a meio caminho entre o estreito e o Mar Negro — através da planície troiana.
Mesmo que resolvessem esperar pelos ventos favoráveis os gregos dependiam dos troianos. E estes certamente cobravam pelos serviços prestados, tais como estadia na baia, abastecimento de água e alimentos, transporte de mercadorias por terra etc. E possível até que os troianos cobrassem pedágio ou saqueassem um barco de vez em quando. Do ponto de vista arqueológico não há nada que prove que Tróia fosse um covil de ladrões, mas é cabível que uma cidade situada no eixo do comércio entre o Mar Egeu e o Mar Negro representasse um problema para os gregos. Logo, qualquer pretexto servia para liquidar aqueles que tanto atrapalhavam seus negócios.
O historiador Francisco Murari Pires, professor de História Antiga da Universidade de São Paulo, acha provável que um evento como a guerra de Tróia tenha existido, embora o conjunto de documentos descobertos não permita uma afirmação exata, precisa. O que a lenda quer preservar, diz ele é que o fim da Idade do Bronze e o inicio da Idade do Ferro correspondem a um período de desestruturação do império hitita. Havia uma situação de conflito permanente entre hititas e gregos. Ambos disputavam o controle sobre os reinos que apoiavam tradicionalmente o império hitita e que, em conseqüência da atuação do gregos, começaram a se desestabilizar
Com base nos conhecimentos históricos e arqueológicos disponíveis, arqueólogo alemão Franz Stephan reconstituiu o que em sua opinião pode ter sido a guerra de Tróia: os Tróia nos, enfraquecidos por causa de um terremoto, não estavam preparada para enfrentar uma guerra. Os gregos, sabendo disso, atracaram no porto inimigo um veleiro com aparência de barco mercante; só que, em vez de mercadorias, transportava uma tropa de elite. Durante a noite o comando grego tomou a cidade. Nessa versão, não há lugar para o Cavalo de Tróia. O professor Murari Pires diz que é impossível resolver essa questão. Mas, verdade histórica ou não, a lenda é importante por fixar o principio de que uma guerra não se decide só pela força. "Tanto o valor da astúcia, da manobra enganosa", observa Murari, "quanto o valor guerreiro propriamente dito estão em pé de igualdade." Por mais que historiadores e arqueólogos tentem demonstrar a veracidade do episódio, o que parece prevalecer na memória do homem comum é a imagem poética da lenda, que tem contornos muito mais fortes do que a realidade. Por mais pesquisas que se façam, é pouco provável que um dia essa situação seja invertida.
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