sexta-feira, 1 de abril de 2011

POLÍTICA DA “NOVA ROMA” PROVOCA CRISE DA ONU, OTAN E UE

É tempo de parar de fingir que os europeus e os americanos compartilham uma visão comum do mundo ou mesmo que ocupam o mesmo mundo. Sobre a questão crucial do poder – a eficácia do poder, a moralidade do poder, a desejabilidade do poder  as perspectivas americanas e européias são divergentes. A Europa está virando as costas para o poder ou, dito de modo um pouco diferente, está se movendo para além do poder, em direção a um mundo auto-suficiente de leis e normas, negociação transnacional e cooperação (...). Os Estados Unidos, enquanto isso, permanecem de olhos postos na história, exercendo o poder no mundo hobbesiano e anárquico onde as leis e normas internacionais não são confiáveis e a verdadeira segurança e a defesa e promoção de uma ordem liberal ainda dependem da posse e uso da força militar. (...) Americanos são de Marte e europeus, de Vênus (...).
(Robert Kagan, “Power and Weakness”, Policy Review, junho de 2002)
A segunda Guerra do Golfo moveu violentamente o tabuleiro da política internacional. Os Estados Unidos, sob a inspiração da Doutrina Bush, implantaram um protetorado militar no Iraque e iniciaram o re-ordenamento geopolítico de todo o Oriente Médio.
A administração Bush colocou a política externa sob o controle dos neoconservadores republicanos, engajando-se a fundo numa estratégia neo-imperial. A hiper-potência afirma globalmente a sua condição de “Nova Roma”, exercendo o poder à margem das instituições multilaterais e desprezando os conselhos para que busque o consenso com seus aliados tradicionais.
A dinâmica do sistema internacional distingue-se claramente daquela que predominou durante a Guerra Fria, quando a bipolaridade de poder limitava as ações das duas superpotências rivais. Agora, a hiper-potência projeta o seu poder sobre o mundo inteiro e sente-se capaz de impor mudanças de regime pelo exercício da força militar. Mas a tendência cada vez maior ao desequilíbrio de poder provoca a reação das outras potências.
Pela primeira vez na história, o Conselho de Segurança (CS) da ONU conheceu uma confrontação diplomática entre os Estados Unidos, apoiado pela Grã-Bretanha, de um lado, e França, Rússia e China, do outro. O impasse sobre a resolução esboçada por Washington que autorizaria a invasão do Iraque redundou numa profunda ruptura dos Estados Unidos com a legalidade internacional. Depois da derrubada do regime de Saddam Hussein, o padrão de impasse se reproduz na questão da formação de um novo regime em Bagdá: Washington conduz a instalação de um protetorado militar, enfeitado por um governo fantoche nativo; Paris, Moscou e Pequim solicitam um “papel central” da ONU na reinvenção do Estado iraquiano.
França, Rússia e China não se opuseram à invasão do Iraque porque suas empresas perderiam contratos milionários firmados com o regime de Saddam Hussein como sugeriram analistas superficiais. No plano dos interesses imediatos das suas empresas, a atitude lógica consistiria em reconhecer o caráter inevitável da invasão e participar dela, a fim de repartir uma parte do butim. Mas o comportamento dos Estados não pode ser compreendido pelas lentes estreitas da contabilidade empresarial. O acordo entre franceses, russos e chineses revela uma tendência estrutural do atual sistema de Estados: as potências reúnem-se para tentar limitar o poder e a influência desproporcionais da única hiper-potência.
A crise da ONU decorre dessa tendência.
No sistema da Guerra Fria, o mecanismo do veto servia para proteger os interesses vitais das superpotências contra a ingerência internacional, ao mesmo  tempo que protegia a ONU da colisão entre as superpotências. Ao usar o veto, Washington e Moscou “neutralizavam” a ONU, conservando o CS como quadro de negociação.
Agora, tudo isso mudou. Do ponto de vista das potências, o CS funciona como armadilha para a hiper-potência, pois o direito de veto confere a todos os membros permanentes um poder formal similar ao de Washington. Pelo mesmo motivo, do ponto de vista dos Estados Unidos, o CS funciona como um estorvo, uma teia liliputiana que tolhe os seus movimentos.
Mas o vírus da crise contamina outras instituições internacionais e, com particular intensidade, a Aliança Atlântica. Liderando a “frente de rejeição” européia à invasão do Iraque, França e Alemanha produziram um abalo sísmico sem precedentes nos alicerces da OTAN. Nos Estados Unidos, os neoconservadores classificaram a atitude franco-alemã como “traição” à aliança que protegeu a Europa Ocidental contra a União Soviética. Donald Rumsfeld, o chefe do Pentágono, estigmatizou as duas potências continentais como a “Velha Europa”, por oposição a uma “Nova Europa” fiel à liderança americana: Grã-Bretanha, Espanha, Itália e os novos integrantes da OTAN do leste europeu. O acadêmico Robert Kagan acusou os europeus de voltarem às costas para as realidades do poder e, por essa via, profetizou o aprofundamento da cisão entre os dois lados do Atlântico.
A crise da OTAN reflete não só as divergências entre Estados Unidos e Europa mas também as divergências no interior da União Européia (UE). O Tratado de Maastricht, de 1991, comprometeu a UE a definir uma política externa comum. O episódio da invasão do Iraque evidenciou, dolorosamente, que essa meta está muito mais distante hoje do que quando foi firmado o tratado. A “Velha Europa de Rumsfeld é o núcleo geopolítico e o motor diplomático da UE. Esse núcleo franco-alemão reafirmou dramaticamente a sua comunidade de destino ao desafiar a “Nova Roma”. Mas a Grã-Bretanha também reafirmou, com igual dramaticidade, a sua “parceria privilegiada” com os Estados Unidos. Ao romper com franceses e alemães, o primeiro ministro britânico Tony Blair certamente se lembrou das palavras dirigidas por Winston Churchill a Charles De Gaulle durante a Segunda Guerra Mundial: “Se tivermos que optar entre a Europa e o mar aberto, sempre escolheremos o mar aberto”.
A chave da evolução do sistema internacional encontra-se na política externa da “Nova Roma”. Os atentados de 11 de setembro de 2001 conferiram aos neoconservadores uma influência inédita, que cresceu com a operação no Afeganistão e atingiu o zênite com a invasão do Iraque.
Mas o controle neoconservador ainda sofre contestações. O mais notório contestador no interior da administração Bush, o secretário de Estado Colin Powell, perdeu a batalha mais importante contra Rumsfeld e talvez tenha perdido a guerra. Entretanto, Tony Blair ocupou o seu lugar. Até a deflagração da invasão do Iraque, o britânico tentou, até o limite de suas forças, construir uma ponte entre a “Nova Roma” e a ONU e entregou-se, sem sucesso, à missão de reconciliar Washington com a “Velha Europa”. Depois da queda de Bagdá, retomou a mesma missão, que sintetiza a atual política externa de Londres.
Os neoconservadores querem que a ONU desempenhe o papel de mera agência humanitária no Iraque, enquanto Blair tenta articular um compromisso entre Washington e os europeus. Os neoconservadores querem avançar no rumo da reforma da monarquia saudita e do disciplinamento do Irã e da Síria.
Aliados do primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, só admitem um tratado de paz baseado na submissão completa dos palestinos. Blair, por outro lado, tenta focar a política de Washington na inauguração de um novo processo de paz na Palestina. Atrás da disputa que envolve a hiper-potência e as potências, a “rua árabe” entra em movimento e, em todo o mundo muçulmano, multidões voltam-se contra a “Nova Roma” e os governos árabes e muçulmanos que obedecem ao seu comando.
O ORIENTE MÉDIO SEM SADDAM
Após 21 dias de guerra, a imagem da enorme estátua de S addam Hussein sendo derrubada numa praça central de Bagdá simbolizou a eliminação de um regime ditatorial que estava no poder há mais de duas décadas. A ocupação do I raque e a sua transformação em protetorado militar americano trarão profundas mudanças e indagações quanto ao futuro político do Oriente Médio.
A Arábia Saudita perde. O país foi, ao longo de mais de meio século, um aliado prefer encial dos Estados Unidos no Golfo Pérsico
e tornou-se parceiro crucial na política global do petróleo . Todavia, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, as relações entre Washington e a monarquia saudita esfriaram. Osama Bin Laden, como quinze dos dezenove extremistas que cometeram os atentados, é saudita. A seita islâmica Wahabita, componente do núcleo de poder do Estado saudita, é a principal fonte de financiamento de B in Laden.
Sob a senha da “democracia no mundo árabe ”, Washington prepara-se para exercer forte pressão pela reforma da monarquia saudita. A finalidade consiste em forçar a dinastia dos Al-  Saud a enfrentar e derrotar os fundamentalistas . O previsível choque entre os dois componentes da monarquia promete tempos de turbulência na Arábia S audita.
A Jordânia, um reino criado pelo imperialismo britânico logo após a Primeira Guerra Mundial, após a desintegração do Império Otomano, tem uma posição geográfica peculiar: quase inteiramente desértica, espreme-se entre Israel e o Iraque. A Jordânia participou de três guerras contra Israel mas, hoje, mantém r elações diplomáticas normais com o Estado judaico. Cerca de metade dos jordanianos tem origem palestina. O regime pró-ocidental mantém-se numa espécie de “corda bamba ” política, pois a maioria da população é anti-israelense e repudiou a invasão americana do I raque.
As tensões internas tendem a se agravar , em função das pressões de Washington por uma ativa cooperação do regime. A estabilidade do reino depende, em grande par te, da evolução incerta da “ questão palestina”.
O Irã, uma república teocrática, é o único país do mundo islâmico governado por muçulmanos xiitas. Durante a invasão do Iraque, os iranianos mantiveram posição semelhante à que tinha adotado na primeira Guerra do Golfo, em 1991. De um lado, demonstraram claramente sua oposição à ação anglo-americana e, de outr o, não levantaram um só dedo em defesa do            regime iraquiano . Os iranianos não esqueceram o sangrento conflito que sustentaram contra o Iraque durante a década de 80.
Mas o Irã tem for te influência sobre a política iraquiana. N o Iraque, há quase 60% de xiitas, que têm como principal liderança o Conselho da Revolução Islâmica, baseado em Teerã. Essa corrente política decidiu boicotar a formação do governo provisório iraquiano e exige a             retirada das forças de ocupação americanas. A estabilidade do protetorado americano no Iraque depende, em par te, da postura que será adotada pelo I rã. Por isso, Washington deve pressionar para que o regime de Teerã contenha o ímpeto do Conselho da Revolução Islâmica.
A Síria é uma espécie de feudo da família Assad, no poder há várias décadas. As preocupações geopolíticas do país estiveram quase sempre ligadas às tensões e conflitos com Israel. Por outro lado, o governo sírio se “especializou” em interferir nas questões internas do Líbano, onde mantém tropas que sustentam um “tratado de amizade ”. O regime sírio, junto com o iraniano, financia o grupo extremista libanês Hezbollah (Par tido de Deus), que mantém um conflito de baixa intensidade com Israel. A população síria manifestou-se nas ruas contra a    invasão do Iraque.
Tudo isso gerou especulações de que a Síria seria o próximo alvo dos Estados Unidos. Mas um ataque à Síria não está nos planos de Washington. As declarações belicosas de George Bush e do chefe do Pentágono, Donald Rumsfeld, logo após a queda de Bagdá não eram o pr elúdio de um ataque militar . Elas tinham a finalidade de “ enquadrar ” o regime de Damasco, evitando que desse guarida a altos funcionários iraquianos e tentando cortar as fontes de financiamento do H ezbollah. Assim como o Irã, a Síria estará sujeita a pressões crescentes dos Estados Unidos.
A Turquia definiu a sua posição diante da derrubada de Saddam Hussein em função da questão curda. A maior par te dos curdos da Turquia concentra-se no sudeste do país, junto à fronteira com o Iraque. O governo de Ancara teme, sobretudo, que os curdos do norte do Iraque obtenham autonomia política na era pós-Saddam e, controlando um dos maiores pólos petrolíferos do país, estimulem as reivindicações de autonomia ou independência entre os curdos da Turquia.
No início da invasão, a Turquia chegou a deslocar tropas para o extremo norte do Iraque, a fim de criar uma zona-tampão na fronteira. Washington, temendo um conflito entre as forças tur -cas e os combatentes irregulares curdos do Iraque exigiu a retirada das tropas. Ancara optou pelo recuo, a fim de evitar uma maior deterioração nas r elações com Washington, já abaladas pela recusa turca em permitir a passagem de forças terrestres americanas pelo seu território .
Washington provavelmente tentará r estabelecer a plena cooperação da Turquia com os Estados Unidos. A Turquia, pilar da OTAN no Mediterrâneo oriental, é o único aliado de Israel no Oriente Médio e um peão importante demais na política mundial dos Estados Unidos. A tarefa não será simples, em virtude da “questão curda” e do repúdio da população turca à     invasão do Iraque.
Os neoconservadores, que controlam a política externa da administração Bush, declaram o objetivo de democratizar o Iraque e transformá-lo em trampolim para espalhar a democracia no Oriente Médio. Um Iraque democrático provavelmente seria governado pelos xiitas e ofereceria autonomia para os curdos – dois desenvolvimentos intoleráveis para Washington. A difusão da democracia no Oriente Médio implicaria mudar virtualmente todos os regimes da região . Mais provavelmente, o discurso sobre a democracia destina-se apenas a forçar uma     reforma na monarquia saudita e manter o Irã e a Síria sob pressão contínua.
Boletim Mundo Ano 11 n° 3

A DESCONHECIDA BACIA DO PARANAPANEMA

Paulo Zocchi
O desprestígio da pesquisa e o abandono do patrimônio no Brasil de hoje desgostam quem se preocupa em buscar no passado elementos essenciais para entender a realidade e agir sobre ela. Como jornalista, acompanhado pelo repórter fotográfico Marcelo Maragni, escrevi em 2002 o livro Paranapanema da nascente à foz, a pedido da editora  Horizonte Geográfico. Mal iniciadas as pesquisas, nossa primeira sensação foi de surpresa: apesar de ser um dos mais importantes cursos d’água do Sudeste brasileiro, o Paranapanema muito pouca atenção recebeu até hoje por parte dos estudiosos.
Uma única obra científica, com mais de cem anos, o esquadrinha com atenção, desde a foz do rio Itapetininga: é o relatório da expedição da Comissão Geográfica e Geológica de 1886, chefiada pelo engenheiro Teodoro Sampaio, com 25 pranchas de 30 cm X 50 cm. Hoje raríssima, a reprodução em fac-símile dessa obra está sendo lançada pela mesma editora .
A falta de pesquisas é chocante, sobretudo pela riqueza do material a ser estudado. Ponto referencial de divisa entre os mundos português e espanhol na América do Sul no início da colonização, o rio ainda mantém seus mistérios.
Um primeiro enigma é o nome. “Paraná”, em tupi-guarani, significa rio. “Panema” é um sufixo negativo, algo como “imprestável”, mas a quê se refere?
À falta de peixes, às dificuldades de navegação, à presença de malária? As hipóteses estão em aberto.
Outra incógnita é o local da nascente. Teodoro Sampaio entrou no rio cerca de 120 quilômetros abaixo de seu início. Até a década de 20, a Comissão Geográfica e Geológica subiu mais uns 70 quilômetros do rio, até o riacho Bacalhau. Ninguém, entretanto, pelo que levantamos, estudou sua parte mais alta e a discussão sobre a localização da principal nascente continua, apaixonadamente, entre mateiros, pescadores e autoridades locais. Mas cientistas e pesquisadores não participam da investigação.
Se falarmos de história, um bom assunto é o ciclo do ouro no alto Paranapanema. No início do século XVIII, garimpou-se na bacia do rio. O escoamento do ouro acontecia pelo alto da serra, passando pelo “registro” de Itapetininga. Ainda hoje existem vestígios bem conservados desta atividade: são os chamados “encanados”. Para extrair o ouro, os garimpeiros desviavam os cursos de água, construindo canais com pedras tiradas dos próprios leitos.
Muitos ainda estão lá, ocultos pelas matas em Capão Bonito e Ribeirão Grande. Esquecidos.
Pela mesma época, a descoberta do ouro nas Minas Gerais teve como conseqüência a criação do caminho dos tropeiros, aberto em 1732, unindo Viamão (RS) a Sorocaba (SP). Esse caminho foi o alicerce da expansão colonial portuguesa no atual Brasil meridional.
Falando com velhos tropeiros e até pescadores, localizamos o ponto em que centenas de milhares de mulas, cavalos e bovinos atravessaram o Paranapanema durante 250 anos, deixando uma cicatriz nos campos. De certa forma, as tropas completaram o trabalho dos bandeirantes, integrando ao Brasil uma larga porção de território ao sul.
Raposo Tavares foi o nome principal do bandeirismo que assolou a região. Foi, sobretudo, um grande caçador de escravos, subjugando os índios a ferro e fogo e destruindo grande número de missões dos jesuítas a serviço da coroa espanhola.
O Paranapanema funcionou, justamente, como limite norte da atividade jesuítica.
No início do século XVII, os padres agruparam dezenas de milhares de índios em reduções no território do Guairá, que corresponde ao centro, norte e oeste do atual Paraná. As duas principais missões, Santo Inácio e Nossa Senhora de Loreto, ficavam na margem esquerda do rio, em frente ao atual Pontal do Paranapanema. Suas ruínas hoje são ignoradas até pelos moradores próximos.
As missões e as cidades existentes (Ciudad Real de Guairá, Vila Rica do Espírito Santo e Santiago de Jerez) foram destruídas a partir de 1628 pelos “portugueses de São Paulo”, com o reduzido contingente de sobreviventes fugindo  pelo rio Paraná em direção à atual Argentina. Anos depois, Raposo Tavares acabou com as chamadas missões do Tape (no atual Rio Grande do Sul), despovoando um extenso território e dispersando o gado  cuja livre reprodução por mais de cem anos deu origem a um imenso rebanho, ponto de partida para o tropeirismo.
Se grande parte da história da colonização do Paranapanema está à espera de quem a conte, os estudos de arqueologia começaram há cerca de trinta anos. Impulsionados pela Associação Projeto Paranapanema, revelam aos poucos as características e particularidades dos oito milênios de vida humana no vale.
Até 2 mil anos atrás, o território abrigava caçadores-coletores chamados de umbus. Deixaram restos de fogueiras e pedras lascadas. Subitamente desapareceram, expulsos, mortos ou absorvidos pelos guaranis que, concluindo longa migração desde a Amazônia ocidental, chegaram pelo oeste e se espalharam. Semi-nômades, os guaranis trouxeram a agricultura e a cerâmica. Em diversos sítios arqueológicos escavados recentemente, os restos das habitações guaranis aparecem próximos à superfície, com os vestígios dos umbus surgindo mais abaixo. Ocorre agora uma redescoberta deste passado longínquo, expostos sobretudo nos museus em Piraju e Iepê.
Nosso trabalho jornalístico, que agora chega ao público, é uma pequena contribuição para ordenar fragmentos de uma história e expor a grandeza de um rio e sua gente, apontando fontes, colhendo depoimentos, capturando imagens. O papel dos estudiosos, porém, continua a ser insubstituível.
Boletim Mundo Ano 11 n° 3

A CONSTRUÇÃO DO OUTRO

Elaine Senise Barbosa
Existem três grandes religiões monoteístas no mundo. O judaísmo é a mais antiga de todas e serviu de matriz para o cristianismo e o islamismo. Maomé dizia-se o último profeta de uma linhagem que inclui Abraão e Jesus, todos eles mensageiros da palavra de Deus. Para Maomé, esse parentesco religioso deveria ser respeitado e tanto judeus quanto cristãos, tolerados enquanto comunidades.
Em sua expansão, o Islã salvou da destruição a filosofia e a ciência greco-helenística. Conservou e aprimorou os livros e saberes dos povos que subjugou. Foi mestre da Europa cristã quando essa começou a romper o imobilismo feudal, ensinando-lhe parte de sua própria história; não por acaso, os muçulmanos achavam os europeus bastante “bárbaros”.
Por que então o Ocidente cristão, com uma história que mais se aproxima do que se afasta do islamismo, criou essa visão do Islã como a sua antítese?
Por que temos a impressão que os jornais e TVs, ao falarem sobre a guerra e o “fundamentalismo islâmico”, referem-se a um lugar estranho, incompreensível?
Essa visão distorcida do Islã foi construída durante o longo processo através do qual os europeus expandiram seu poder sobre o planeta. No primeiro capítulo dessa história estão as Cruzadas, entre os séculos XI e XIII, quando a sociedade feudal, tendo atingido o limite da sua expansão pela Europa, tentou conquistar novas terras no Oriente Médio e Egito.
A ideologia que justificava o direito cristão de eliminar muçulmanos e judeus, tomando-lhes as terras, os bens e as vidas baseava-se na superioridade religiosa do cristianismo, enquanto aqueles eram classificados de infiéis ou hereges pois, apesar de acreditarem em um único Deus, não estavam subordinados à autoridade da Igreja de Roma. A expulsão dos cristãos das terras orientais, que conquistaram durante algumas décadas, criou uma visão repleta de ressentimentos e desconfianças de ambas as partes.
Num capítulo paralelo ao das Cruzadas insere-se a Reconquista da península Ibérica (séculos XI a XV), isto é, o processo de expulsão dos muçulmanos e judeus daquelas terras, que eles haviam ocupado desde o século VIII. A Cruzada Ibérica atingiu plenamente seus objetivos resultando em decretos de expulsão de todos os mouros e judeus que recusassem a conversão ao catolicismo no século XVI. As origens  dos Estados português e espanhol encontram-se nesse período e nele podemos observar como o poder dos reis, suportado pela Igreja, ampliou-se e fortaleceu-se à medida que a população moura foi sendo discriminada. A princípio os novos senhores impunham apenas o pagamento de tributos regulares mas, aos poucos, mouros e judeus foram expulsos do campo, obrigados a residir fora dos muros das cidades, proibidos de exercer certas profissões, e obrigados a usarem sinais costurados às roupas de modo a melhor identificá-los, facilitando a própria discriminação. Foi no século XIII que a Igreja instituiu o uso da estrela de Davi e da lua crescente para judeus e muçulmanos.
Simultaneamente, os cristãos, em boa parte recém-chegados do norte da Europa e atraídos pelas guerras de conquista, estabeleciam a sua identidade por oposição aos excluídos, e apoiavam os reis que lhes concediam os direitos retirados dos primeiros. A Reconquista Ibérica é talvez exemplo mais claro de como a identidade da Europa foi construída na Baixa Idade Média como sinônimo de cristianismo, por oposição aos não-cristãos. É significativo, no plano simbólico, o fato de Roma ter sido escolhida, muitos séculos depois, para sediar a conferência que criou a Comunidade Européia, em 1957.
Durante a Idade Moderna, enquanto a Europa voltou-se para a América e o Atlântico tornou-se o principal eixo de comunicação ocidental, a intensidade das relações entre cristãos e muçulmanos diminuiu, e os atritos também. Mas, no século XIX, com a independência da América e a industrialização na Europa, a necessidade de subordinar novos mercados levou os ocidentais à colonização da Ásia e África, continentes até então pouco integrados ao circuito das trocas mundiais.
A ideologia do imperialismo já não se baseava mais na religião mas no Positivismo, na crença absoluta na capacidade da razão humana em desvendar e dominar o mundo a partir de critérios científicos. No final do século XIX, a superioridade tecnológica da Europa e dos Estados Unidos e os benefícios materiais decorrentes converteram-se em critérios para avaliar o desenvolvimento das sociedades. E esses critérios eram tanto mais valorizados à medida que o contato com as culturas afro-asiáticas não apresentava traços similares e, portanto, reforçavam a idéia da superioridade ocidental e o empreendimento da “missão civilizadora” que o homem branco realizaria junto aos “incivilizados”.
Nessa época ocorreu o reencontro entre cristãos e muçulmanos e, desta vez, os aspectos culturais foram ressaltados para marcar as diferenças. O Islã não conhecia a separação entre religião e Estado. No Ocidente tal separação teve como seus principais marcos a Reforma Protestante – que instituiu o contato direto entre o indivíduo e Deus, sem intermediação da Igreja  e do Iluminismo – que estabeleceu o princípio do Estado laico.
Nas sociedades muçulmanas as leis continuavam a ser pautadas pela sharia, a lei religiosa, o que consistia em obstáculo para a liberdade individual e a livre-iniciativa, valores máximos da sociedade burguesa.
O Islã árabe era visto como um mundo exótico  o mundo dos haréns, mulheres sensuais cobertas de véus, consumo de alucinógenos capazes de provocar reações irracionais, intrigas palacianas, caravanas de escravos, mercados repletos de sons e cheiros. E essa foi a imagem transportada para as páginas da literatura e da pintura ocidentais, para as discussões das universidades e daí para o grande público, como se aqueles aspectos particulares fossem o comum, generalizando o excepcional e escondendo a normalidade.
O estranhamento que separa o Ocidente do Islã não é um acaso – é fruto de um milênio de história.
Será preciso um outro  milênio para desfazê-lo?
Boletim  Mudo Ano 11 n° 3

GEOPOLÍTICA DE WASHINGTON SEMEIA O “CHOQUE ENTRE CIVILIZAÇÕES”

Newton Carlos
Um intelectual paquistanês, em sentido oposto ao discurso de Bush de imposição pelas armas de um “futuro brilhante” para o Iraque, disse que nos últimos setecentos anos, sempre que derrotados, os árabes não abraçaram a “modernidade”. Pelo contrário, caíram no fundamentalismo mais radical. Em conseqüência, o próprio islamismo sofreu um longo processo de “degradação” .
Esse foi o tema de três artigos publicados entre janeiro e março de 1999 no Dawn, o mais respeitado semanário do Paquistão. Escrevendo para um público muçulmano Eqbal Ahmad, já morto, analisou o que chamou de raízes da direita religiosa. Criticou a deturpação do Islã cometida por “absolutistas” e a redução da ordem islâmica “a um código penal, destituída de seu humanismo, sua estética, suas buscas intelectuais e sua devoção espiritual”. O resultado “é a afirmação absoluta de um aspecto da religião, em geral fora de seu contexto e com desprezo pelos demais aspectos”. Os que fazem isso, segundo Ahmad, “estão preocupados com o poder e não com a alma”.
O agravante, completou outro respeitado orientalista, Edward W. Said, cidadão americano e professor emérito da universidade de Colúmbia, “é o fato de que distorções e fanatismos semelhantes ocorrem no universo dos discursos judaico e cristão”. O governo Bush tem uma ala “fundamentalista” aparentemente dominante. O próprio Bush se identifica a tal ponto com a direita religiosa que o jornal Washington Post constatou que é ele, presidente dos Estados Unidos, o seu chefe real. Não faltam, entre expoentes dessa direita, que pululam nos partidos religiosos de Israel, afirmações de que Maomé foi “pedófilo possuído pelo diabo”.
O fundamentalismo se agarra aos “mandamentos religiosos básicos”. O Islã, fundado pelo profeta Maomé (570-632) tem por base os “Cinco Pilares da Fé”: testemunho da unidade de Alá, cinco rezas diárias, jejum no mês do Ramadã, peregrinação à Meca e caridade.
A repressão, opressão e derrotas sofridas pelos árabes, aí incluídos os palestinos, resultaram em pressões para que a jihad, a guerra santa, seja incluída como um sexto pilar do Islã. Um especialista no assunto, Arif Jamal, diz que a jihad pode tornar-se “bomba termonuclear”.
O significado da palavra é “combate sagrado”.
A jihad, na visão de Maomé, deveria derrotar os “infiéis” e estabelecer um Estado islâmico em Meca, depois Medina e a península arábica. O essencial permanece, com geografia ampliada: Estados islâmicos por toda a parte. Mas a jihad como é conhecida hoje, em seu formato de guerrilha santa, com recurso inclusive ao terrorismo, bombas-humanas e outras formas de luta explica Jamal – começou com a resistência à ocupação soviética do Afeganistão, nos anos 80, organizada e financiada pela CIA.
Antes um “conceito adormecido”, já que os árabes e muçulmanos estavam engajados em lutas nacionalistas, a jihad tornou-se luta armada e é assim que os fundamentalistas querem consagrá-la como sexto pilar do Islã. Osama Bin Laden entrou em cena no Afeganistão dos anos 80. Há testemunhos de instrutores americanos despachando seus milicianos islâmicos, a partir de bases no Paquistão, exclamando em voz alta “em frente, Alá está com vocês”.
Israel também procurou usar o fundamentalismo islâmico em seu proveito. Ajudou o Hamas, partido fundamentalista, a instalar-se nos territórios palestinos ocupados como contraponto à OLP laica de Yasser Arafat. As cartas se embaralhavam segundo os interesses do momento. Washington jogaria com o laicismo árabe, utilizando o regime de Saddam Hussein contra o Irã fundamentalista e revolucionário dos aiatolás, na Guerra Irã-Iraque (1980-88).
Um ponto de inflexão foi a Guerra dos Seis Dias, de 1967. Israel venceu, com golpes letais, e mesmo os israelenses chegaram a considerar o triunfo um milagre.
O egípcio Gamal Abdel Nasser, herói do nacionalismo árabe, preparou-se durante dez anos para a “batalha do destino”. Iria jogar Israel no mar.
Não jogou. Pelo contrário, Israel não só sobreviveu triunfante, como engoliu a parte oriental de Jerusalém, a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, as Colinas de Golã e a península do Sinai. O triunfo espetacular, quando a própria sobrevivência parecia em xeque, virou a cabeça de boa parte dos israelenses e a idéia até então remota de incorporar as terras ancestrais de Israel ganhou tons dominantes num imaginário agora sem limites. Israel derrotou, numa só tacada, Egito, Síria e Jordânia e com isso se fincavam as primeiras estacas do “Grande Israel”.
A partir daí, o nacionalismo árabe iniciou a jornada para o precipício, juntamente com Nasser. O fundamentalismo islâmico acabou assumindo a vanguarda da luta armada, enquanto a OLP terminaria caindo na impotência e na degradação, com lances de corrupção e violações dos direitos humanos. Diante do fracasso dos Acordos de Oslo, que prometiam a paz e o Estado Palestino, pode completar sua desmoralização assumindo a forma de governo autônomo fantoche. Quanto ao nacionalismo árabe e ao pan-arabismo, pareciam sobreviver, embora de modo tênue, por meio do partido Baath, no poder na Síria e Iraque.
Mas Saddam Hussein, acossado pelos Estados Unidos, foi abrindo mão do secularismo e por meio de discursos, símbolos e slogans tratou de coligar o nacionalismo ao islamismo. “Deus é grande”, foi inscrito na bandeira do Iraque. Há duas décadas, idas regulares a mesquitas podiam resultar em prisão. Nos últimos dez anos, mais de cem mesquitas surgiram em Bagdá. “O partido Baath tornou-se um partido islâmico”, diz o sheik Mustafá Abbas, a cargo de orações numa das muitas mesquitas que foram dominando a paisagem da capital iraquiana. Wamid Nadhumi, professor de ciência política da Universidade de Bagdá, garante que essa transformação reflete a falência do nacionalismo árabe em seu último reduto. “Agora, até o presidente reza cinco vezes por dia”, completou Nadhumi.
A “conversão” política de Saddam Hussein procurou colocar o Iraque no contexto do “choque entre civilizações”. Samuel Huntington, acadêmico americano, lançou a expressão no quadro da polêmica sobre o “fim da História”, que acompanhou o encerramento da Guerra Fria. Discordando dos que enxergaram na queda do Muro de Berlim o triunfo definitivo do Ocidente e do liberalismo, Huntington desenhou um cenário pessimista, pontilhado de guerras futuras e dominado pelos signos do conflito entre culturas e do ódio religioso.
“A idéia que proponho é que a fonte fundamental de conflitos neste novo mundo não será de natureza sobretudo ideológica e nem econômica”, escreveu Huntington. Serão culturais “as grandes divisões entre a humanidade e a fonte predominante de conflito”. Na época em que o livro saiu, em artigos na revista Foreign Affairs, Huntington teve de se desdobrar na defesa da visão de um mundo que teria ultrapassado os padrões de guerra conhecidos. Foi até acusado de “imaginar” fronteiras religiosas e, de certa maneira, alentar os que identificam um “diabo islâmico”. A partir daí, elaborou o que viria a ser a pedra angular do seu “choque entre civilizações”: o Ocidente não pode impor seus padrões como se fosse a única condição civilizatória possível.
Huntington estava entre os acadêmicos que se juntaram em Harvard para discutir o fenômeno, registrado em pesquisas de opinião, de que pelos menos dois terços da população mundial  chineses, russos, indianos, árabes e africanos – encaram os Estados Unidos como a grande ameaça externa às suas sociedades. Não se trata simplesmente de temor diante da formidável máquina militar americana, escreveu Huntington na Foreign Affairs. Os Estados Unidos, segundo ele, são vistos como “potência intervencionista, unilateral, hipócrita, com dois pesos e duas medidas, empenhada em impor imperialismo financeiro e colonialismo intelectual”.
Boletim Mundo Ano 11 n° 3

PETER ARNETT, O ANJO CAÍDO DA TELEVISÃO

A notícia caiu como uma daquelas bombas que atingiram o coração de Bagdá. No dia 31 de março, a rede de televisão NBC e a empresa National Geographic, que edita a revista de mesmo nome, resolveram demitir o veterano correspondente de guerra Peter Arnett. A razão: Arnett teria feito declarações inaceitáveis, durante uma entrevista concedida à emissora de televisão iraquiana. Arnett disse aos iraquianos que tinha fracassado o plano inicial de invasão do Iraque, e que o número de mortos civis iria estimular manifestações pacifistas em todo o mundo.
Como explicar a desproporção entre o “crime” e o castigo, ainda mais em um país que se vangloria de preservar a total e absoluta liberdade de expressão e comunicação? A resposta remete a uma árdua discussão sobre o papel dos meios de comunicação no mundo contemporâneo  e mais especificamente sobre a função do correspondente de guerra.
A televisão adquiriu um enorme poder de transformar quase tudo em show, espetáculo, diversão. Assim, por exemplo, nos vários episódios de invasões e guerras civis ao longo dos anos 90 (Somália, Haiti e Bósnia, apenas para citar alguns), as câmaras de TV chegaram aos locais de combate antes dos soldados.
Em nossas casas, vemos tudo pela televisão, e temos a impressão de estar testemunhando “a” verdade dos fatos, e não apenas “uma” verdade, isto é, uma simples versão que alguém filmou, editou e veiculou. O imenso poder adquirido pela televisão foi evidenciado durante a primeira Guerra do Golfo, em janeiro de 1991, quando o mundo acompanhou a cobertura da guerra feita pela rede planetária CNN, em tempo real, ao vivo e em cores, 24 horas por dia.
O âncora da CNN, por coincidência, era Peter Arnett. À época, a rede mostrou ao mundo um espetáculo de vídeo game: “armas cirúrgicas” que, supostamente, não matariam nenhum civil, atravessavam os céus noturnos de Bagdá. Sabe-se, hoje, que pelo menos 200 mil morreram ou foram gravemente feridos na “guerra sem sangue”.
Como foi possível à CNN falsificar as imagens e os cenários de uma guerra transmitida ao vivo? E mais: se a televisão adquiriu a capacidade de falsificar uma guerra, o que mais ela pode fazer? O processo é complexo, mas é possível identificar seus dois pilares básicos.
O primeiro, é a construção de uma narrativa que cria e identifica o Bem e o Mal, o Santo e o Pecador.
Assim, no caso da segunda Guerra do Golfo (que não foi guerra, mas um massacre das forças iraquianas pelos Estados Unidos), toda a vez que alguém falava em Saddam Hussein, logo acrescentava o termo “ditador”.
Até aí, tudo bem. Só que ninguém fazia questão de lembrar que George Bush é, possivelmente, fraudador de urnas e, certamente, fanático religioso protestante envolvido até o pescoço em escândalos de corrupção.
O segundo pilar é a figura do correspondente.
Com o passar do tempo, os telespectadores se acostumam a identificar nele uma fonte conhecida de informação, alguém que apresenta explicações em um cenário desconhecido e muito complexo, uma espécie de vizinho honesto e confiável. As emissoras, por sua vez, escolhem os correspondentes mais adequados a esse papel. Eles são “produzidos” como artistas em um show.
Sedução é a palavra chave.
É isso, finalmente, que explica o “crime” de Peter Arnett. Ao dizer algo que não estava de acordo com o consenso formado em torno do Bem e do Mal, ao dizer algo que não estava no roteiro da telenovela criada pelos meios de comunicação, Arnett cometeu uma imperdoável traição.
Gramática da mídia
Na primeira Guerra do Golfo, em 1991, a CNN teve um virtual monopólio de cobertura.
A novidade da segunda Guerra do Golfo foi o surgimento de uma rede global de TV árabe  a Al-Jazeera. Essa rede, baseada no Catar, representou o jornalismo independente, fazendo contraponto às americanas CNN e Fox e à britânica BBC.
O contraponto se manifestou no texto: onde a CNN e a BBC diziam “forças da coalizão” (e a Fox, cara de pau, dizia “nós”), a Al- Jazeera dizia “forças lideradas pelos Estados Unidos”. Mas a gramática das imagens refletiu ainda melhor a diferença. CNN, Fox e BBC geravam a esmagadora maioria das suas imagens a partir das unidades militares invasoras e os espectadores ocidentais assistiam aos disparos de obuses, bombas e mísseis contra um “inimigo” invisível.
A Al-Jazeera gerou quase todas as suas imagens a partir de correspondentes nas cidades iraquianas. Os espectadores árabes assistiram o impacto do fogo, proveniente de lugares invisíveis, sobre as vítimas civis.
Jornalistas na cama do Exército, como as prostitutas
Reproduzimos, em seguida, trechos de um artigo escrito pelo jornalista israelense Uri Avnery, sobre o papel dos jornalistas na cobertura da invasão do Iraque.
Na Idade Média, os exércitos eram acompanhados por grandes quantidades de prostitutas. Na Guerra do Iraque, os exércitos dos Estados Unidos e Grã-Bretanha são acompanhados por grandes quantidades de jornalistas. Criei o termo “prenstituição” para denotar os jornalistas que transformam os meios de comunicação em prostitutas. Os médicos estão comprometidos pelo juramento de Hipócrates a salvar vidas na medida do possível. Os jornalistas estão forçados pela honra profissional a dizer a verdade, da maneira como a vêem.
Nunca tantos jornalistas traíam tanto o seu dever como na cobertura da guerra. O pecado original deles foi aceitar o acordo de participar de unidades do exército. O termo americano embedded soa como sendo posto na cama (in bed) – e a isso corresponde na prática. Um jornalista que aceita a cama de uma unidade do exército se torna um escravo voluntário. É agregado aos subordinados ao comandante, é levado para os lugares que interessam ao comandante, vê e escuta aquilo que o comandante deseja. É pior do que ser um porta-voz oficial do exército, por fingir ser um repórter independente. O problema não é você só ver uma fração pequena do grande mosaico da guerra, mas sim transmitir uma visão falsa daquela pequena fração.
Boletim Mundo Ano 11 n° 3

A POLÍTICA DE COTAS NAS UNIVERSIDADES

Os perigos do “Brasil negro”
Jayme Brener
É fundamental a adoção de políticas compensatórias como instrumento de redução de desigualdades sociais no Brasil. Acontece que, à ausência de critérios nacionais, a instituição de cotas para negros, principalmente, transformou-se em instrumento de demagogia eleitoreira, que nada colabora com a luta pela igualdade de oportunidades e, de quebra, corre o risco de “queimar” de vez a idéia de iniciativas compensatórias.
O caso extremo aconteceu no Rio de Janeiro, onde o ex-governador Anthony Garotinho fez aprovar lei garantindo aos negros 40% das vagas na Universidade Estadual (UERJ). Como outra lei assegurava 50% das vagas a alunos de escolas públicas, a superposição fez com que, para haver o preenchimento das vagas destinadas a negros, se recorresse à lista geral de aprovados.
Resultados: só 36,7% dos aprovados não conseguiram suas vagas via sistema de quotas.
Aconteceu o que era de se esperar. Candidatos loiros se disseram negros e houve aprovados com notas baixíssimas, em detrimento dos melhores colocados. As políticas compensatórias saíram chamuscadas. Além disso, coloca-se um problema de ordem muito prática, que decreto algum poderá resolver: quem diz que atirar ao mercado  profissionais não necessariamente qualificados ajuda a promover qualquer tipo de igualdade?
Agora, em São Paulo, um deputado estadual está propondo reserva de 20% para estudantes negros nas universidades públicas; outro quer 30% e um terceiro, 35%. Todos, na verdade, sonham mesmo é com os votos dos beneficiários, a partir de critérios arbitrários.
Como pano de fundo dessa correria às cotas há uma singela “maquiagem” de dados. O importante Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) aboliu, em suas pesquisas, a categoria “pardos”, incorporando-a ao universo dos negros, como reivindicavam  havia décadas  os movimentos de consciência negra.
De uma penada e sem consulta a ninguém, milhões de filhos de pais brancos e negros se transformaram em negros. Assim, os negros superaram 40% da PEA, alimentando a tese da urgência do sistema de cotas.
É de se perguntar: por que um estudante negro pobre deve ter privilégios negados ao filho de um migrante nordestino, seu vizinho? Há quem diga: “trata-se de corrigir uma injustiça histórica”. Só se for cometendo outra injustiça porque, a se acreditar nesse direito hereditário, dezenas de milhões de caboclos, com ancestrais indígenas, poderiam reivindicar lá suas cotazinhas.
Ou que tal os filhos dos imigrantes japoneses, trancafiados em campos de concentração do interior de São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial? Sem contar que a adoção da cor da pele como critério para a concessão de benefícios, num momento em que o próprio conceito de raça está sob o fogo da ciência, abre precedente perigoso.
O discurso demagógico e a adoção relativamente fácil das cotas (quem tem coragem de criticá-las em período eleitoral?) mascaram o verdadeiro problema. O Brasil necessita urgentemente de ações e investimentos públicos (e até privados) capazes de garantir aos milhões de excluídos  negros, brancos, seja lá o que forem – oportunidades de acesso à educação e ao mercado de trabalho.
A idéia fundamental, em síntese, é garantir oportunidades iguais para todos. Trata-se, fundamentalmente, do princípio básico que constitui a própria essência da República, jamais levada às últimas conseqüências no Brasil.
Tirando a máscara do racismo
Sueli Carneiro
É penoso enfrentar os descaminhos que o debate das cotas trilha no Brasil, seja por ignorância ou má-fé. Internacionalmente as cotas são um entre os muitos instrumentos que compõem as chamadas ações afirmativas.
Tais políticas emergem da consciência que uma dada sociedade adquire sobre os processos de exclusão, discriminação ou injustiças históricas praticadas contra um determinado grupo social e que impedem que ele possa desfrutar igualitariamente das oportunidades sociais. Portanto elas visam assegurar a realização do princípio de igualdade, a partir do reconhecimento da persistência de mecanismos discricionários que conspiram contra a consolidação da democracia e da igualdade de direitos. Ideologias como racismo, sexismo são, entre outras, geradoras e reprodutoras de desigualdades. Disto decorre que, para a efetivação do princípio da igualdade, os que historicamente receberam tratamento desvantajoso devem ser alvo de políticas específicas que assegurem a eqüalização de suas condições para uma competição social justa.
Esse tipo de consciência tem levado diferentes países a adotar políticas de ação afirmativas para enfrentar os dispositivos renitentes de exclusão de gênero, raça/etnia, orientação sexual entre outros. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 25 países haviam adotado alguma medida de combate à discriminação sexual e racial ou instituído algum tipo de política de discriminação positiva nas relações de trabalho. Em outros países essas medidas foram tomadas para democratizar o acesso à educação para os grupos discriminados.
No Brasil, cotas vêm sendo adotadas para ampliar a inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho, para aumentar a representação política das mulheres e, no entanto, nunca provocaram a reação negativa que a proposta de cotas para negros provoca nesse momento na sociedade.
Por que será?
As desigualdades raciais adquiriram no Brasil dimensões escabrosas que configuram dois países racialmente apartados. É uma realidade estatística suficientemente demonstrada em pesquisas realizadas por centros de excelência, e é uma realidade empírica perceptível nos bolsões de pobreza e miséria do país que concentram, de maneira desproporcional, população negra.
Expressa-se também na concentração absolutamente majoritária de brancos nas instâncias de prestígio e poder da sociedade, como é o caso das universidades, fato demonstrado pelo Censo Étnico realizado pela USP, que constata extraordinário déficit censitário de estudantes negros.
O pior do racismo é a sua capacidade de naturalizar um mundo racialmente hierarquizado, tornando “natural” que a brancura seja o paradigma da hegemonia cultural, política e econômica e a negritude ou, como diz Muniz Sodré na obra Claros e Escuros  Identidade, povo e mídia no Brasil, seja “uma espécie de símbolo ontológico das classes econômica e politicamente subalternas”. E que uma realidade assim organizada seja, para a maioria, a ordem natural das coisas, sem que nada precise ser feito para alterá-la.
Como já afirmamos em outro artigo, publicado no Correio Braziliense, “o melhor das cotas é a sua capacidade de tirar as máscaras do racismo, da discriminação racial e explicitar a verdadeira natureza dessa ideologia: a manutenção de privilégios raciais e sociais”. O rolo compressor que se mobiliza nesse momento para impedir a sua implantação revela que “graças às cotas, o racismo brasileiro vê-se obrigado a abandonar a sua hipócrita cordialidade”.
Boletim Mundo Ano 11 n° 3

ONDE ESTÃO OS “BLOGUEIROS” DE BAGDÁ?

Jorge de Almeida e Salam Pax
No início do desenvolvimento da Internet, poucos poderiam prever o quanto as novas tecnologias afetariam as formas tradicionais de escrita e comunicação.
Mas até mesmo a mais íntima de todas as formas literárias, o diário, adquiriu novo sentido após a expansão da rede eletrônica.
O hábito de escrever ao “querido diário” sempre foi uma atividade eminentemente privada, que evitava a todo custo o olhar curioso de quem porventura quisesse ler os sentimentos confiados ao caderno de anotações. Hoje isso mudou. A Internet reúne milhares de diários eletrônicos, nos quais o cotidiano e os pensamentos dos internautas estão acessíveis a qualquer navegante. Conhecidos como blogs, estes diários eletrônicos acabam formando, com seus chats e links, diversas comunidades de internautas.
A Guerra do Iraque acabou chamando a atenção para esse novo gênero de diário, especificamente por causa de um blog escrito em Bagdá por um jovem iraquiano, que assina com o sugestivo pseudônimo de “Salam Pax”. O blog surgiu de uma troca de mensagens entre este personagem e um amigo, chamado Raed, o que explica o nome do site, que pode ser encontrado em http://dear_raed.blogspot.com.
Em setembro de 2002, na primeira entrada do diário conservada em arquivo, Salam e Raed comentam a palavra mais usada em Bagdá naquele momento: “depois”.
A ameaça da guerra adiava todos os planos, e a notícia de eleições presidenciais gerou o seguinte comentário: “Não consigo decidir se choro ou rio, mas certamente é mais engraçado do que trágico”. De fato, Saddam Hussein foi eleito, em outubro, com a totalidade dos votos, o que diz bastante sobre a liberdade de expressão no país.
O blog continua em novembro e dezembro, com os dois jovens discutindo a própria vida e os problemas da cidade. Como é comum nesse novo tipo de diário, Salam também publica no blog comentários sobre as notícias que lê, pela Internet, acerca dos preparativos para a guerra. Quando o blog começa a chamar a atenção dos navegantes, o servidor não dá conta do enorme número de visitas, e o site só se mantém no ar porque consegue “espelhos” em diversos pontos da rede. Além disso, a autenticidade do relato começa a ser posta em dúvida por outros “blogueiros”. Afinal, como seria possível alguém escrever de maneira tão livre estando em Bagdá, onde toda comunicação era controlada?
De fato, esse é um dos grandes problemas dos blogs. Não é possível verificar a autenticidade das informações e nem mesmo a real identidade de quem os escreve. No caso de Salam e Raed, isso se complica ainda mais, pois eles evitavam, por óbvias razões de segurança, qualquer referência pessoal que pudesse criar problemas com “o pessoal do partido Baath”.
As únicas informações seguras sobre o autor foram dadas por ele próprio, em uma conversa privada, a um outro “blogueiro” francês: Salam teria 28 anos, seria arquiteto e teria morado com os pais fora do Iraque durante a adolescência.
Quando o “blogueiro” francês publicou a conversa privada, em seu site, foi alvo de inúmeras críticas, pois muitos temiam que a divulgação das informações colocasse em risco os dois jovens. O próprio Salam interveio nas discussões sobre a autenticidade de seus relatos: “Por favor, parem de me mandar e-mails perguntando se tudo isso é real. Se não acreditam, então parem de ler!”.
Sobrevivendo a vários ataques de hackers, os relatos de dezembro a fevereiro são marcados pelo medo e apreensão. Salam comenta a vida cotidiana, relata a beleza da cidade de Bagdá e ironiza os programas patrióticos que passam na TV iraquiana. Os dois amigos conseguem comprar uma antena de satélite, e passam a ver também as redes internacionais, como a Al-Jazeera e a BBC. O contato de Salam com os estrangeiros que viajavam ao Iraque como “escudos humanos” é tematizado no blog: “Fiquem em seus hotéis, comprem lembranças e ridicularizem os modos dos iraquianos.
Espero que consigam mandar cartões postais a seus amigos, contando sobre as comidas exóticas que vocês apreciaram em seus passeios por Bagdá, seus turistas!”.
A guerra se aproximava. Em 9 de março, Salam comenta as recomendações do partido para a proteção da cidade: “acabei de vedar as janelas de casa, na verdade é um exercício muito relaxante, se você esquecer por alguns momentos o porquê está fazendo isso”. Ele conta seus preparativos: estocou gasolina, mas tem medo que isso cause um incêndio; comprou alguns CDs, já que terá de ficar dias trancado em casa; preparou um “quarto de emergência”, junto com outros membros de sua grande família. No dia 17 de março, Salam relata a alta dos preços, as longas filas para comprar enlatados, remédios e gasolina, diante de uma guerra que já parece inevitável.
Quando os ataques começam, as entradas do diário escasseiam. Salam comenta a dificuldade em postar mensagens, ao mesmo tempo em que se esforça para contar em detalhes sua experiência cotidiana: “Hoje, neste terceiro dia da guerra, sofremos diversos ataques à luz do dia. Alguns ocorreram sem que as sirenes tenham tocado. Eles provavelmente desistiram de tocar as sirenes a tempo. Meu pai e meu irmão saíram para ver o que tinha acontecido na cidade, e me disseram que os tiros foram bastante precisos, mas quando os mísseis e as bombas explodem, acabam espalhando destroços por toda a vizinhança”.
Nesse mesmo dia, Salam coloca no ar um pedido desesperado de ajuda, pois seu amigo Raed desaparecera em Bagdá. O último relato do próprio Salam Pax foi feito em 24 de março. Desde então, e até o fechamento dessa matéria (16 de abril), não há mais notícias dos dois. Mesmo com a cidade ocupada pelos americanos e com o restabelecimento de alguns canais de comunicação com o exterior, o blog permanece calado, e seus leitores buscam na rede, em meio a diversos boatos, alguma informação sobre o destino desses dois blogueiros, que durante meses foram os olhos e ouvidos dos que viajavam pela rede até o coração de Bagdá.
Boletim Mundo Ano 11 n° 3

WASHINGTON PROJETA “PROTETORADO COMERCIAL” NAS AMÉRICAS

Não se poderia duvidar de que os americanos do Norte da América estão destinados a satisfazer um dia às necessidades dos americanos do Sul. A natureza os colocou perto destes. Ela lhes forneceu assim grandes facilidades para conhecer e apreciar suas carências, para estabelecer com esses povos relações permanentes e apoderar-se gradativamente de seu mercado. (...) Os americanos dos Estados Unidos se encontram diante dos povos da América do Sul precisamente na mesma situação que seus pais, os ingleses, diante dos italianos, espanhóis, portugueses e de todos esses povos da Europa que, sendo menos evoluídos em centralização e indústria, recebem de suas mãos a maior parte dos objetos de consumo.
(Alexis de Tocqueville, A democracia na América, 1840)
No papel, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) é uma boa idéia.
Os 800 milhões de habitantes de 34 países que ocupam um território de 40 milhões de km2, somando um PIB de cerca de US$ 13 trilhões, formariam a maior zona de livre comércio do planeta. Em tese, isso significaria um enorme estímulo à troca de produtos, bens e serviços, à pesquisa científica, ao intercâmbio cultural, ao trânsito de pessoas entre os países. Uma maravilha. Mas papel, todos sabemos, aceita tudo.
Na prática, a Alca, se implementada, será bem diferente da tese. Basta dar uma olhada um pouco mais cuidadosa no discurso feito no início de março pelo secretário de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, ao Congresso de seu país.
Nele, Zoellick diz, claramente, que Washington pretende “usar de todos os meios legais e necessários” para “conquistar o máximo de vantagens para os americanos”.
Afirmou também que Bush, “restaurando a liderança americana na área de comércio, fará pressões agressivas para assegurar os benefícios da abertura comercial para famílias, fazendeiros, empresas, operários e consumidores” de seu país. A Alca, diz Zoellick, pretende realizar o “cumprimento de uma visão americana que data do século XIX”.
A retórica retumbante de Zoellick sobre a “liderança” dos Estados Unidos não consegue ocultar o fato de que o volume total de comércio realizado pelos Estados Unidos em 2002 recuou para US$ 2,9 trilhões, caindo 4% em relação ao ano anterior. Em 2001, já havia sido registrada uma queda de 9%. Para além do “triunfalismo”, o discurso é muito preocupante por, no mínimo, quatro motivos principais.
Primeiro: a “visão americana que data do século XIX” é a Doutrina Monroe, de 1823, bastante conhecida pelo aforismo “a América para os americanos”, e que, no quadro da ideologia do Destino Manifesto, serviu de pilar doutrinário à expansão imperial dos Estados Unidos rumo ao Pacífico e ao Caribe.
Segundo: os Estados Unidos são a maior potência econômica do planeta. Seu PIB, algo em torno de US$ 11 trilhões, representa cerca de 80% do PIB total das Américas. Suas corporações transnacionais dispõem de extraordinárias vantagens de escala na concorrência com as empresas dos países latino-americanos.
Terceiro: a condição de hiper-potência dos Estados Unidos lhes permite desafiar abertamente as organizações multilaterais, como a ONU e a Organização Mundial de Comércio (OMC).
Quarto: apesar da retórica liberal e do nível médio baixo das tarifas de importação, os Estados Unidos praticam políticas comerciais fortemente protecionistas e unilateralistas. Em 2002, quando o Congresso concedeu ao presidente George Bush poderes para realizar negociações e celebrar acordos comerciais sem a prévia aprovação do Legislativo, condicionou tais poderes ao respeito a mais de quinhentas ressalvas julgadas necessárias para a “proteção dos interesses americanos”.
As negociações sobre a Alca, que ingressam em etapa decisiva, permanecem em grande parte fora do debate público nos países da América Latina. Os Estados Unidos, jogando todo o peso do seu aparato diplomático e comercial, mobilizaram cerca de 9 mil pessoas  de políticos do mais alto escalão até técnicos de nível médio para trabalhar na produção do acordo. A experiência do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) permite suspeitar que, por trás das propostas públicas sobre a Alca, se abriguem compromissos sigilosos conhecidos apenas pelos governos e pelas corporações transnacionais do continente .
A proposta oficial, apresentada por Washington, prevê uma Alca cortada na exata medida do interesse do governo e das corporações dos Estados Unidos. O capítulo sobre agricultura, por exemplo, não inclui a eliminação ou redução dos bilionários subsídios agrícolas que beneficiam os fazendeiros americanos. Para Washington, a discussão sobre produtos agrícolas deve ser realizada apenas no âmbito da OMC, onde o impasse entre Estados Unidos e União Européia parece impedir qualquer compromisso de redução substancial de subsídios.
Entre 1990 e 1997, o total anual de subsídios agrícolas nos Estados Unidos ficou um pouco abaixo de US$ 10 bilhões.
No ano 2000, sob o impacto das eleições presidenciais e de um volumoso superávit fiscal, os agricultores americanos receberam mais de US$ 30 bilhões em subsídios o equivalente à cerca de 60% da renda líquida gerada por todo o setor agrícola do país!
Nos termos dos Estados Unidos, a implantação da Alca pouco alteraria o panorama atual da concorrência agrícola entre produtores brasileiros e americanos, que é profundamente distorcida pelo arsenal de subsídios concedidos por Washington.
Atualmente, os 15 principais produtos exportados pelo Brasil aos Estados Unidos são taxados em 46%, enquanto os 15 principais produtos exportados pelos Estados Unidos ao Brasil enfrentam alíquota de 14%. Das 130 maiores tarifas americanas, cem incidem sobre o setor agrícola, atingindo precisamente produtos de destaque na pauta de exportações brasileira: suco de laranja, açúcar, álcool combustível, fumo, laticínios e cacau. A proposta de Washington para a Alca não toca no fundo dessa relação desigual: segundo seus termos, o açúcar e o suco de laranja só teriam entrada livre no mercado americano em 2015.
Washington sabe que o Brasil, país mais industrializado da América do Sul, é o entrave principal para a sua proposta  mas também é o mercado mais promissor . Por isso, a sua estratégia consiste em isolar o Mercosul no quadro das negociações hemisféricas.
Essa estratégia se manifesta no cronograma regionalmente diferenciado oferecido pelos Estados Unidos. Já em 2005, os pequenos países do Caribe teriam tarifa zero para 91% de suas exportações de produtos industriais e de consumo. Por outro lado, os países do Cone Sul só teriam tarifa zero para 58% desses produtos. Na mesma linha, no momento da entrada em vigor da área de livre comércio teriam isenção tarifária 85% das importações agrícolas provenientes do Caribe, 64% do Mercado Comum Centro Americano (MCCA), 68% da Comunidade Andina de Nações (CAN) e 50% do Mercosul.
Finalmente, a proposta americana para o item de serviços impede acordos preferenciais entre parceiros de blocos sub-regionais.
Na prática, a regra implica a dissolução de blocos como o Mercosul e a CAN.
FIAT QUESTUS, ET PEREAT MUNDUS
A proposta de Washington para a Alca pretende incluir, ao pé da letra, o capítulo 11 do Nafta. Trata-se do MAI (Acordo Multilateral de Investimentos), que concede direitos privilegiados aos investimentos feitos pelas corporações transnacionais, restringindo a capacidade de intervenção dos Estados. Além disso, estabelece que sempre que houver conflitos entre os interesses das corporações e as eventuais leis e medidas aprovadas pelos Estados nacionais, os conflitos deverão ser resolvidos por arbitragem internacional, passando por cima, desta maneira, da legislação estabelecida em cada país.
Eis alguns casos práticos, entre os quinze já verificados no âmbito do Nafta. Eles traduzem bem o título dado : “Haja o lucro, e pereça o mundo!”
1. A Ethyl Corp., uma companhia americana sediada no Estado da Virgínia, que exigiu do Canadá uma indenização de US$ 11 milhões porque o governo canadense denunciou que o seu produto era prejudicial à saúde. Se fosse proibida de continuar produzindo a substância, a companhia exigia uma indenização de US$ 250 milhões. Mas como o governo canadense cedeu, e não proibiu, a companhia se contentou em cobrar os US$ 11 milhões, como “advertência”.
2. A S.D. Myers contra o governo do Canadá, exigindo a indenização de US$ 20 milhões, porque ficou proibida de fabricar, por dois anos, produtos contendo um tóxico prejudicial à saúde.
3. A demanda, ainda em andamento, da Methanex Corp. A companhia canadense, com sede em Vancouver, exige do governo americano a quantia de US$ 970 milhões, alegando estar tendo prejuízo com a polêmica levantada pelo estado da Califórnia, o qual alega que o produto químico da Methanex contamina os mananciais de água, trazendo um grave risco para o meio ambiente.
4. O caso da Metalchad contra o governo do México. É uma companhia americana que comprou os direitos de tratamento do esgoto no município de Guadalcazar, no México.
O município constatou que a empresa tinha contaminado os mananciais de água e negou a licença para o seu funcionamento. A companhia pediu uma indenização de US$ 90 milhões, que representam uma soma maior do que os ganhos anuais de todos os habitantes do município. A decisão do tribunal especial determinou que o governo mexicano pagasse à companhia a quantia de US$ 16,7 milhões.
DUAS POLÍTICAS COMERCIAIS
A corrente de comércio dos Estados Unidos é, de longe, a maior do mundo. A soma das exportações com as importações atinge quase US$ 1,9 trilhão. Contudo, ao contrário do que ocorre com as outras grandes potências comerciais (Alemanha, China e Japão), o intercâmbio externo dos Estados Unidos exibe profundo desequilíbrio, gerando imensos saldos negativos na balança comercial. Recentemente, o saldo negativo americano ultrapassou os US$ 420 bilhões – um valor que equivale, grosseiramente, ao PIB da Argentina!
Saldos comerciais negativos caracterizaram a Grã-Bretanha imperial do século XIX. Naquela época, a maior potência econômica do mundo podia se dar ao luxo de realizar importações muito superiores às exportações em função das rendas obtidas através das remessas de lucros dos investimentos no exterior e dos fretes da marinha mercante.
Os Estados Unidos repetem, até certo ponto, a trajetória da Grã-Bretanha imperial. O desequilíbrio estrutural na conta de comércio é compensado pelas remessas de lucros das filiais de corporações transnacionais e pelos investimentos externos nos Estados Unidos. Os saldos comerciais americanos tornaram-se negativos em meados da década de 70, refletindo a reconstrução econômica na Europa e no Japão e a difusão da indústria na América Latina e Ásia oriental.
Nas três últimas décadas, a economia dos Estados Unidos experimentou transformações radicais, associadas à revolução tecno-científica.
O desenvolvimento das indústrias de alta tecnologia e a transferência da força de trabalho para o setor de serviços foram acompanhados pela redução da competitividade externa das indústrias tradicionais. A tendência à expansão dos saldos comerciais negativos, que se acentuou desde meados da década de 90, é um sinal característico dessas transformações .
A política comercial dos Estados Unidos combina, paradoxalmente, o princípio do livre comércio com a prática do protecionismo. A abertura comercial multilateral, através da redução de barreiras tarifárias e não-tarifárias, interessa aos setores econômicos nos quais a hiper-potência beneficia-se de vantagens comparativas: os bens de alta tecnologia e os serviços. Assim, Washington pressiona insistentemente, no quadro da OMC, pela liberalização comercial nesses setores e pela conclusão de acordos agressivos de direitos de patentes e propriedade intelectual.
Simultaneamente, a política de comércio dos Estados Unidos reage à redução da competitividade externa dos setores industriais tradicionais através da adoção de medidas protecionistas seletivas. A política protecionista responde a demandas internas, que constituem grupos de pressão no Congresso, e legitima-se pela defesa dos empregos dos trabalhadores das indústrias tradicionais. O arsenal protecionista organiza-se em torno de instrumentos legislativos como a Super 301, que permite impor tarifas excepcionais e cotas de importação em setores selecionados ou contra parceiros comerciais específicos.
Para se ter uma idéia da complexidade da política comercial de Washington, basta dizer que ela abrange cerca de 10 mil linhas tarifárias diferentes. A alíquota média é inferior a 5%, uma das menores do mundo. Mas há 130 tarifas superiores a 35%, que é a maior tarifa de importação cobrada no Brasil. Essas “exceções” cobrem os principais setores industriais e agrícolas que apresentam desvantagens competitivas.
A corrente de comércio dos Estados Unidos com as Américas do Sul e Central não passa de cerca de 7% do intercâmbio global da hiperpotência. Mas é falso extrair desse dado a conclusão de que a Alca é mero detalhe na política comercial de Washington.
A corrente de comércio multi-direcional da hiper-potência realiza saldos negativos com quase todas as macrorregiões do mundo. Contudo, 90% do déficit na balança comercial são fruto do intercâmbio com quatro conjuntos de países: Bacia do Pacífico, Nafta, Europa Ocidental e OPEP.
Mais de 60% do déficit resultam do comércio com os cinco maiores parceiros: Canadá, México, Japão, China e Alemanha .
As Américas do Sul e Central representam a única macrorregião com a qual os Estados Unidos mantêm balança comercial equilibrada.
E, no interior dessa macrorregião, se encontram os importantes mercados do Cone Sul, que apresentam significativo potencial de crescimento. O Brasil, em especial, é visto como um mercado de dimensões continentais a ser conquistado.
No cenário da globalização, o Brasil ocupa uma posição geograficamente periférica, distante dos pólos hegemônicos de poder. Essa posição condicionou a inserção brasileira no comércio mundial. O México e o Canadá concentram seu intercâmbio com os Estados Unidos. O Brasil, ao contrário, é um global trader – isto é, um parceiro global com correntes de comércio distribuídas de modo equilibrado por vários blocos econômicos .
Tradicionalmente, a política comercial brasileira organizou-se em torno da proteção ao setor industrial, por meio de elevadas tarifas de importação. O favorecimento às empresas, nacionais ou estrangeiras, instaladas no país destinava-se a estimular a industrialização por substituição de importações. Na década de 90, o Brasil realizou forte abertura comercial. O comércio exterior cresceu substancialmente, porém as importações aumentaram mais rápido que as exportações. Os desequilíbrios na balança comercial geraram a crise externa que provocou a desvalorização do real, a partir de 1998.
A política de comércio do Brasil está direcionada para duas finalidades: o aumento estrutural das exportações e o reforço do caráter multi-direcional do intercâmbio externo.
Para ampliar as exportações, o país luta na OMC contra o arsenal protecionista dos Estados Unidos e os subsídios agrícolas de europeus e americanos. Para consolidar a sua condição de global trader, procura desenvolver o comércio no Mercosul e América do Sul e estabelecer novas parcerias com os chamados “países-continentais”, como China, Rússia e Índia.
A Alca ativou o debate sobre a política comercial nacional. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), defendendo o bloco hemisférico, divulgou um estudo segundo o qual, mesmo nas condições restritivas da proposta de Washington, as exportações agrícolas brasileiras para os Estados Unidos experimentariam crescimento em torno de US$ 7 bilhões ou US$ 8 bilhões antes do final do prazo de implementação completa da Alca, em 2015. Os empresários das indústrias têxteis e de calçados, na mesma linha, declaram que conseguiriam sólidos avanços no mercado dos Estados Unidos, deslocando produtores americanos menos competitivos e concorrentes asiáticos.
O jogo da Alca é, sem dúvida, favorável para os setores industriais tradicionais do Brasil, que são bastante competitivos e se aproveitariam de qualquer redução de barreiras ao ingresso no mercado americano. Mas a economia nacional abrange um conjunto de setores cruciais que poderiam ser devastados pela concorrência dos Estados Unidos. As grandes indústrias americanas de bens de produção e de bens de consumo duráveis dispõem de capitais e escala incomparavelmente maiores aos das concorrentes brasileiras.
Outros setores, ainda em estágio relativamente incipiente no Brasil, como o de serviços e o de alta tecnologia, poderiam ser reduzidos a um punhado de empresas especializadas orbitando em torno das filiais de conglomerados transnacionais.
Boletim Mundo Ano 11 n° 2

O MAPA DA EXCLUSÃO SOCIAL

A desigualdade social e a pobreza não são fenômenos exclusivos dos países subdesenvolvidos. Mas há diferenças importantes. Nos países ricos, um oceano de prosperidade rodeia algumas ilhas, maiores ou menores, de exclusão social. Nos países subdesenvolvidos, pelo contrário, arquipélagos de prosperidade pontilham oceanos de pobreza. Nas últimas duas décadas, a globalização gerou maiores níveis de concentração de renda, em praticamente todos os países. Como resultado, amplia-se o fosso da desigualdade e o fenômeno da exclusão social torna-se mais evidente e escandaloso.
A exclusão social está associada, historicamente, ao processo inicial de estruturação da sociedade brasileira.
Desde os tempos coloniais e durante a época do Brasil imperial, o monopólio da terra pela elite de latifundiários e o sistema escravista de organização do trabalho fundamentaram uma rígida estratificação de classes sociais.
O fim da escravidão, que perdurou no Brasil por mais tempo que nos outros países das Américas, não aboliu o monopólio da terra. A propriedade fundiária, fonte de poder econômico e principal meio de produção até as primeiras décadas do século XX, está na origem da profunda desigualdade social no país. O abismo entre a diminuta elite de proprietários e a massa de trabalhadores rurais e urbanos delineou a sociedade brasileira atual.
O Brasil atravessou grandes transformações ao longo do século XX. Sua economia tornou-se cada vez menos agrária, a indústria passou gradativamente a ser a atividade econômica mais dinâmica, a população cresceu e rapidamente se urbanizou, a sociedade tornou-se mais complexa.
Mas a concentração da renda não só persistiu como, nas últimas décadas, até mesmo se aprofundou.
A crise do modelo de substituição das importações, na década de 80, e o seu colapso, seguido da aplicação de políticas liberais, na década seguinte, não reduziram as desigualdades sociais estruturais. Entretanto, a modernização da economia e da sociedade provocou a emergência de novas necessidades, que vão além da mera subsistência. O acesso à educação e a qualificação para o trabalho, a disponibilidade de renda para o consumo de bens duráveis, o acesso à moradia e à informação encontram-se entre as necessidades críticas da época da revolução tecno-científica.
Essas transformações mais recentes cristalizaram duas modalidades diferentes de exclusão social, uma mais antiga e outra mais recente. A primeira consiste na exclusão de segmentos sociais que, historicamente, sempre estiveram excluídos. A segunda atinge aqueles que, em algum momento da vida, já estiveram socialmente incluídos. Esta última é especialmente dramática nas metrópoles e cidades médias, intensamente afetadas pelo desemprego tecnológico.
Sob o ângulo da concentração de renda, as desigualdades sociais brasileiras não poderiam ser mais marcantes. Atualmente, o rendimento dos 10% mais ricos da população é cerca de vinte vezes maior que o rendimento médio dos 40% mais pobres. Mais ainda: a renda total dos 50% mais pobres é inferior à renda total do 1% mais rico. A concentração da renda é um fenômeno social com fortes repercussões espaciais. As desigualdades regionais de desenvolvimento manifestam-se através da distribuição geográfica da pobreza.
Um grupo multidisciplinar de cientistas sociais publicou recentemente um trabalho intitulado “Atlas da Exclusão Social”. Usando como base metodologia similar à adotada pela ONU na confecção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o grupo construiu outro indicador, denominado Índice de Exclusão Social.
O novo índice emana da combinação de três componentes: padrão de vida digno (com indicadores de pobreza, emprego formal e desigualdade), conhecimento (anos de estudo e alfabetização) e risco juvenil (concentração de jovens e índice de violência).
Calculados para todos os municípios do país, esses indicadores foram também cartografados. Um dos mapas revela que as áreas de extrema exclusão social concentram-se essencialmente em municípios localizados nas regiões Norte e Nordeste, “transbordando” para norte de Minas Gerais e nordeste de Goiás . Nessas áreas, de maneira geral, verifica-se uma modalidade “antiga” de exclusão, expressa nos baixos índices de acesso à educação, à alimentação, ao mercado de trabalho e outros mecanismos de geração de emprego e renda.
Nas regiões Sul e Sudeste quase não existem municípios com índices extremos de exclusão social.
Contudo, as desigualdades sociais são profundas. Nessas regiões mais ricas do país, dominam as modalidades mais recentes de exclusão. A maior parte dos excluídos é constituída por pessoas alfabetizadas, que integram famílias relativamente pouco numerosas e já participaram da economia formal, mas atualmente experimentam situação de desemprego estrutural e renda insuficiente.
De certa forma, o Atlas atualiza a idéia dos “dois Brasis”. O principal programa social do governo  o Fome Zero – está dirigido principalmente para o Brasil da exclusão tradicional.
A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA!
O Fome Zero, menina dos olhos de Lula, é um dos programas mais polêmicos do governo. Seus críticos insistem em distinguir a fome aguda que atinge regiões da África e Ásia da desnutrição crônica que caracteriza parte da população mais pobre do Brasil. No primeiro caso, a distribuição de alimentos é uma inevitável solução emergencial. No segundo, distribuir cestas básicas não tem nenhum efeito prático, pois a desnutrição resulta da carência de renda, não da falta de comida.
O programa do governo trabalha com estatísticas questionáveis. Em tese, segundo o Fome Zero, a população que vive em “insegurança alimentar” somaria 44 milhões. Mas esse número, extraído da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD), não identifica os desnutridos, mas os que vivem abaixo da linha de pobreza. E pobreza não implica, necessariamente, desnutrição. Muitas vezes, implica outras carências básicas, ligadas à saúde, educação, vestuário e moradia.
Os estudos de instituições de saúde pública revelam a existência de cerca de 11 a 14 milhões de desnutridos. A experiência nacional e internacional já demonstrou que o combate à desnutrição se realiza eficazmente pela complementação da renda, não pela distribuição de alimentos.
O ministro da Segurança  Alimentar, José Graziano da Silva, insistiu em vincular a renda distribuída pelos cartões do Fome Zero (R$ 50,00 mensais por família) à aquisição de alimentos. Recebeu críticas de todos os lados, mas não recuou. Os críticos dizem que a restrição é paternalista pois revela desconfiança do governo no discernimento das famílias pobres sobre as suas prioridades. Também apontam os riscos de controle político clientelista sobre a ajuda alimentar.
O ministro Graziano sofreu forte desgaste político por defender esse formato para o Fome Zero. A insatisfação percorre a própria corrente majoritária do PT. Um dos expoentes dessa corrente, o senador Eduardo Suplicy, propõe há muitos anos a adoção do Renda  Mínima, um programa de complementação automática da renda, não vinculado à distribuição de alimentos. O ministro da Educação, Cristovam Buarque, sugeriu abertamente que o Bolsa-Escola, com valor ampliado para R$ 50,00 por família, tome o lugar do Fome Zero.
Boletim Mundo Ano 11 n° 2