sexta-feira, 1 de abril de 2011

O MAPA DA EXCLUSÃO SOCIAL

A desigualdade social e a pobreza não são fenômenos exclusivos dos países subdesenvolvidos. Mas há diferenças importantes. Nos países ricos, um oceano de prosperidade rodeia algumas ilhas, maiores ou menores, de exclusão social. Nos países subdesenvolvidos, pelo contrário, arquipélagos de prosperidade pontilham oceanos de pobreza. Nas últimas duas décadas, a globalização gerou maiores níveis de concentração de renda, em praticamente todos os países. Como resultado, amplia-se o fosso da desigualdade e o fenômeno da exclusão social torna-se mais evidente e escandaloso.
A exclusão social está associada, historicamente, ao processo inicial de estruturação da sociedade brasileira.
Desde os tempos coloniais e durante a época do Brasil imperial, o monopólio da terra pela elite de latifundiários e o sistema escravista de organização do trabalho fundamentaram uma rígida estratificação de classes sociais.
O fim da escravidão, que perdurou no Brasil por mais tempo que nos outros países das Américas, não aboliu o monopólio da terra. A propriedade fundiária, fonte de poder econômico e principal meio de produção até as primeiras décadas do século XX, está na origem da profunda desigualdade social no país. O abismo entre a diminuta elite de proprietários e a massa de trabalhadores rurais e urbanos delineou a sociedade brasileira atual.
O Brasil atravessou grandes transformações ao longo do século XX. Sua economia tornou-se cada vez menos agrária, a indústria passou gradativamente a ser a atividade econômica mais dinâmica, a população cresceu e rapidamente se urbanizou, a sociedade tornou-se mais complexa.
Mas a concentração da renda não só persistiu como, nas últimas décadas, até mesmo se aprofundou.
A crise do modelo de substituição das importações, na década de 80, e o seu colapso, seguido da aplicação de políticas liberais, na década seguinte, não reduziram as desigualdades sociais estruturais. Entretanto, a modernização da economia e da sociedade provocou a emergência de novas necessidades, que vão além da mera subsistência. O acesso à educação e a qualificação para o trabalho, a disponibilidade de renda para o consumo de bens duráveis, o acesso à moradia e à informação encontram-se entre as necessidades críticas da época da revolução tecno-científica.
Essas transformações mais recentes cristalizaram duas modalidades diferentes de exclusão social, uma mais antiga e outra mais recente. A primeira consiste na exclusão de segmentos sociais que, historicamente, sempre estiveram excluídos. A segunda atinge aqueles que, em algum momento da vida, já estiveram socialmente incluídos. Esta última é especialmente dramática nas metrópoles e cidades médias, intensamente afetadas pelo desemprego tecnológico.
Sob o ângulo da concentração de renda, as desigualdades sociais brasileiras não poderiam ser mais marcantes. Atualmente, o rendimento dos 10% mais ricos da população é cerca de vinte vezes maior que o rendimento médio dos 40% mais pobres. Mais ainda: a renda total dos 50% mais pobres é inferior à renda total do 1% mais rico. A concentração da renda é um fenômeno social com fortes repercussões espaciais. As desigualdades regionais de desenvolvimento manifestam-se através da distribuição geográfica da pobreza.
Um grupo multidisciplinar de cientistas sociais publicou recentemente um trabalho intitulado “Atlas da Exclusão Social”. Usando como base metodologia similar à adotada pela ONU na confecção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o grupo construiu outro indicador, denominado Índice de Exclusão Social.
O novo índice emana da combinação de três componentes: padrão de vida digno (com indicadores de pobreza, emprego formal e desigualdade), conhecimento (anos de estudo e alfabetização) e risco juvenil (concentração de jovens e índice de violência).
Calculados para todos os municípios do país, esses indicadores foram também cartografados. Um dos mapas revela que as áreas de extrema exclusão social concentram-se essencialmente em municípios localizados nas regiões Norte e Nordeste, “transbordando” para norte de Minas Gerais e nordeste de Goiás . Nessas áreas, de maneira geral, verifica-se uma modalidade “antiga” de exclusão, expressa nos baixos índices de acesso à educação, à alimentação, ao mercado de trabalho e outros mecanismos de geração de emprego e renda.
Nas regiões Sul e Sudeste quase não existem municípios com índices extremos de exclusão social.
Contudo, as desigualdades sociais são profundas. Nessas regiões mais ricas do país, dominam as modalidades mais recentes de exclusão. A maior parte dos excluídos é constituída por pessoas alfabetizadas, que integram famílias relativamente pouco numerosas e já participaram da economia formal, mas atualmente experimentam situação de desemprego estrutural e renda insuficiente.
De certa forma, o Atlas atualiza a idéia dos “dois Brasis”. O principal programa social do governo  o Fome Zero – está dirigido principalmente para o Brasil da exclusão tradicional.
A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA!
O Fome Zero, menina dos olhos de Lula, é um dos programas mais polêmicos do governo. Seus críticos insistem em distinguir a fome aguda que atinge regiões da África e Ásia da desnutrição crônica que caracteriza parte da população mais pobre do Brasil. No primeiro caso, a distribuição de alimentos é uma inevitável solução emergencial. No segundo, distribuir cestas básicas não tem nenhum efeito prático, pois a desnutrição resulta da carência de renda, não da falta de comida.
O programa do governo trabalha com estatísticas questionáveis. Em tese, segundo o Fome Zero, a população que vive em “insegurança alimentar” somaria 44 milhões. Mas esse número, extraído da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD), não identifica os desnutridos, mas os que vivem abaixo da linha de pobreza. E pobreza não implica, necessariamente, desnutrição. Muitas vezes, implica outras carências básicas, ligadas à saúde, educação, vestuário e moradia.
Os estudos de instituições de saúde pública revelam a existência de cerca de 11 a 14 milhões de desnutridos. A experiência nacional e internacional já demonstrou que o combate à desnutrição se realiza eficazmente pela complementação da renda, não pela distribuição de alimentos.
O ministro da Segurança  Alimentar, José Graziano da Silva, insistiu em vincular a renda distribuída pelos cartões do Fome Zero (R$ 50,00 mensais por família) à aquisição de alimentos. Recebeu críticas de todos os lados, mas não recuou. Os críticos dizem que a restrição é paternalista pois revela desconfiança do governo no discernimento das famílias pobres sobre as suas prioridades. Também apontam os riscos de controle político clientelista sobre a ajuda alimentar.
O ministro Graziano sofreu forte desgaste político por defender esse formato para o Fome Zero. A insatisfação percorre a própria corrente majoritária do PT. Um dos expoentes dessa corrente, o senador Eduardo Suplicy, propõe há muitos anos a adoção do Renda  Mínima, um programa de complementação automática da renda, não vinculado à distribuição de alimentos. O ministro da Educação, Cristovam Buarque, sugeriu abertamente que o Bolsa-Escola, com valor ampliado para R$ 50,00 por família, tome o lugar do Fome Zero.
Boletim Mundo Ano 11 n° 2

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