sexta-feira, 1 de abril de 2011

BALANÇOU MAS (AINDA) NÃO CAIU

Democracia sobrevive na América Latina apesar da estagnação econômica, da erosão dos Estados e do intervencionismo de Washington.
Um dos programas de maior audiência no rádio brasileiro, nos anos 40 e 50, era o humorístico “Balança mas não cai”. O refrão que anunciava o programa dizia: “Balança, balança, mas não caiiiiiiiiiii!”.
Pois é perfeitamente possível tomar esse refrão emprestado para definir a situação da democracia na América Latina a partir da metade dos anos 80, quando se encerrou o período de duas décadas de ditaduras militares no subcontinente.
E olhe que os desafios à democracia latino-americana têm sido grandes: estagnação econômica por mais de dez anos; dependência crescente em relação aos capitais internacionais de curto prazo e a instituições como o FMI e o Banco Mundial; destruição de estruturas produtivas, sob o impacto da liberalização econômica; maior endividamento externo com a conseqüente redução da capacidade dos Estados em gerar políticas sociais; avanço do narcotráfico e crescimento da fratura entre ricos e pobres.
A origem mais recente desse ciclo de instabilidade foi a crise do modelo de desenvolvimento aplicado pela maior parte da América Latina nos anos 70. A base desse modelo era a contratação de empréstimos internacionais (os juros eram baixos, então) que sustentavam grandes obras públicas usinas, estradas, hidrelétricas, oleodutos  capazes de estimular investimentos privados.
Os choques nos preços do petróleo, em 1973 e 1979, provocaram fortes aumentos nas taxas internacionais de juros, fazendo com que os grandes devedores  Brasil, México e Argentina – mergulhassem na crise.
A saída, imposta pelo FMI na década de 90, foi a maior abertura das economias latino-americanas ao capital estrangeiro, o corte de despesas públicas (em especial dos gastos sociais) e a manutenção de moedas fortes. Com isso, atraía-se capital estrangeiro de curto prazo, interessado nas taxas de juros ao sul do Equador, bem mais altas do que nos países ricos.
O problema é que esses capitais de curto prazo, ou hot money, são muito nervosos. Fogem ao primeiro sinal de problemas. Crises no México (1994), nos Tigres Asiáticos (1997) e na Rússia (1998), aumentaram muito a instabilidade no continente. Só no ano passado, deixaram a América Latina US$ 39 bilhões em investimentos, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal).
A América Latina reagiu de forma diferenciada à crise. A Argentina manteve a paridade peso-dólar a todo custo. Quando afrouxou o câmbio, há dois anos, inúmeras empresas haviam quebrado, sob o impacto das dívidas, e uma sucessão de presidentes e ministros subiram e caíram sem oferecer soluções. O desemprego, que era de 7,5% em 1990, hoje afeta um em cada quatro trabalhadores.
País que depende muito da exportação do petróleo, a Venezuela passou por uma grave crise, nos anos 90, com a queda das cotações internacionais do produto.
O ex-golpista Hugo Chávez assumiu prometendo enfrentar os poderes tradicionais (partidos políticos, elites).
Embora tenha sobrevivido a uma tentativa de golpe, Chávez hoje dirige um país paralisado pela divisão social. O PIB venezuelano caiu 9% no ano passado.
Enquanto isso, na Colômbia, o impacto da crise econômica era amenizado pelo avanço do narcotráfico, que ocupou os “vazios” do Estado. Em meio à incapacidade do Estado colombiano em combater o tráfico de drogas e negociar uma solução pacífica para cinco décadas de enfrentamento com guerrilheiros esquerdistas, aprofunda-se a intervenção dos Estados Unidos no país.
O Plano Colômbia, que começou a ser  implementado em 2000, prevê que Washington aplique US$ 7,5 bilhões, supostamente no apoio ao combate à produção e tráfico de drogas no país.
No Brasil e no Equador, a reação à crise veio das urnas, com a eleição dos  esquerdistas Luís Inácio Lula da Silva e Lucio Gutierrez que, no entanto, prometeram respeitar os compromissos assumidos por seus antecessores, em meio à abertura econômica. O México, desde o tratado do Nafta, em 1994, literalmente integrou-se à economia americana.
Diferenças à parte, é preciso reconhecer que o edifício da democracia latino-americana vem resistindo aos balanços e chacoalhos. Mas também é forçoso observar que não se vê, no horizonte, a perspectiva de um novo ciclo de crescimento para o continente. Lula e Gutierrez falam em maior integração regional, para resistir aos arroubos de hegemonia da Casa Branca. A Argentina, atolada em crise sem precedentes, incapaz de honrar os compromissos imediatos da dívida externa, tornou-se pária financeiro internacional. Desordem, instabilidade e crise assolam com intensidade vários  Estados do subcontinente. Todo o edifício continua balançando: em 2002, o PIB latino-americano caiu 1,5%, a primeira retração desde 1983.
OS NERVOS EXPOSTOS
Colômbia – Após o colapso das negociações entre o presidente Andres Pastrana e a guerrilha esquerdista das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o novo presidente, Alvaro Uribe, prometeu reprimir os rebeldes com rigor. Tanto as forças governamentais como a guerrilha e os grupos paramilitares de extrema-direita mantêm vínculos com o narcotráfico. Isso amplia a fragmentação do Estado, já abalado pela aberta intervenção dos Estados Unidos. Uribe pediu maior apoio do Brasil para o combate à “narco-guerrilha”. Mas o Brasil não compartilha da avaliação de que a guerrilha e o narcotráfico formem uma unidade  e não acredita em solução militar para a crise.
Argentina – A abertura econômica selvagem, iniciada durante o regime militar e aprofundada pelo ex-presidente Carlos Menem, destruiu a estrutura produtiva. Os investimentos de curto prazo, que fechavam as contas públicas, fugiram. A população manifesta enorme desconfiança diante da ausência de propostas de mudança dos principais candidatos às eleições presidenciais de abril. Diante do sistema político destroçado, qualquer candidato pode vencer. Reflexo do desalento popular, pesquisas indicam que, se o brasileiro Lula fosse candidato, seria o próximo presidente argentino.
Venezuela – O país está fraturado, sem perspectivas de uma reconstituição do Estado em curto prazo.
Presidente eleito democraticamente, após liderar uma revolta militar contra os partidos políticos tradicionais, o coronel Hugo Chávez derrotou uma greve geral liderada pela oposição. Mas, ao não conseguir ampliar seu arco de apoio político, defronta-se com a maior parte do empresariado (que controla os grandes meios de comunicação) e com diversos sindicatos de trabalhadores.
Bolívia – Com sua economia altamente internacionalizada nos últimos anos, os bolivianos amargam crescimento da pobreza e avanço do narcotráfico. É o país que mais resiste às tentativas de Washington de combater a produção da folha de coca, que é parte da cultura ameríndia tradicional. Nas últimas eleições presidenciais, o socialista e líder cocalero Evo Morales chegou ao segundo turno. Recentemente, uma tentativa do governo de reduzir direitos sociais provocou rebelião  popular de diversos dias, com mortos e feridos.
Uruguai – O país depositou suas fichas de estabilidade econômica na situação de paraíso fiscal, para onde corriam os “caixas-2”, principalmente de empresários e investidores da Argentina e do Brasil. No ano passado, os depósitos em fundos de investimentos caíram nada menos que 96,4%, por conta da desvalorização da moeda e da fuga de capitais. O desemprego, que era quase desconhecido no país, disparou.
Boletim Mundo Ano 11 n° 2

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