sexta-feira, 1 de abril de 2011

DESCENDO RALO ABAIXO

Regina Scharf
A falta d’água ou sua contaminação matam mais do que a Aids, a tuberculose ou as doenças infantis.
Pelo menos 6 mil pessoas, na sua maioria crianças, morrem a cada dia de diarréia, uma das conseqüências mais dramáticas da falta de saneamento básico. Isso fora a desidratação e outras doenças de origem hídrica, como a malária e a esquistossomose, ainda comuns em certas áreas do Brasil.
Hoje, nos 40 países mais secos, a maioria deles na Ásia e na África, um cidadão tem direito, em média, a menos de 8 litros de água por dia. Não é nada perto dos 50 litros que as Nações Unidas consideram o mínimo necessário à sobrevivência  5 litros para beber, 20 para a diluição dos esgotos e a higiene pessoal, 15 para o banho e 10 para a preparação dos alimentos. O cálculo não inclui dezenas de milhares de litros gastos na agricultura e na pecuária, essenciais para se ter uma dieta minimamente nutritiva.
No mundo, cerca de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água tratada. A falta de coleta de esgotos atinge 2,4 bilhões . E o quadro tende a piorar. Relatório lançado pela ONU no início de março aponta o risco de que, dentro de meio século, só um quarto da população do mundo tenha água limpa para beber. Principais causas: o aumento populacional, a poluição, as hidrelétricas que desviam e represam rios, o consumo desenfreado e as mudanças climáticas, que fazem chover onde já é úmido e agravam a seca nas zonas áridas e semi-áridas.
Para tentar reverter este quadro, 10 mil representantes de governos e especialistas em recursos hídricos se reuniram em Kyoto, no Japão, em março, durante o 3º Fórum Mundial da Água. Foram mais de 400 reuniões técnicas, organizadas por governos e Organizações Não-Governamentais (ONGs), além da conferência que congrega ministros de 120 países, para tirar uma declaração conjunta.
Organizado pelo Fórum Mundial da Água, com patrocínio do Banco Mundial, o encontro desenrolou-se em torno de uma questão fundamental: como reduzir à metade o número de pessoas sem acesso à água ou o saneamento básico até 2015? Os compromissos foram assumidos recentemente pela comunidade internacional, primeiro na chamada Cúpula do Milênio, em 2000, e depois, na Rio+10, a conferência mundial sobre desenvolvimento sustentável promovida na África do Sul em setembro do ano passado. Em nenhum dos casos, no entanto, os países signatários indicaram como pretendem cumprir tais metas e de onde virá o dinheiro.
Cumprir os compromissos não sai barato. A organização da conferência de Kyoto calcula que US$ 180 bilhões teriam de ser investidos anualmente nos países subdesenvolvidos para garantir um amplo acesso à água potável nos próximos 25 anos. Hoje, tais investimentos não ultrapassam US$ 80 bilhões anuais.
Quem vê a abundância das águas do Amazonas ou do rio Araguaia pode pensar que a maioria dos brasileiros  não têm com que se preocupar. A exceção seria apenas a Região Nordeste, ou mais especificamente o sertão semi-árido. Nada mais equivocado.
“Nenhuma região será poupada do impacto dessa crise, que toca todas as facetas da vida, da saúde das crianças à capacidade das nações de providenciar comida”, alerta o japonês Koichiro Matsuura, diretor-geral da Unesco, órgão da ONU que coordenou a pesquisa divulgada às vésperas da conferência de Kyoto.
Matsuura está se referindo às aglomerações metropolitanas, à distribuição geográfica dos recursos hídricos e à poluição dos mananciais. O Brasil dispõe de 16% da água doce do planeta, mas sua distribuição é irregular: cerca de 68% de nossos recursos hídricos estão nos estados de baixa densidade demográfica da Região Norte, enquanto somente 3% destes recursos estão no Nordeste e 6% no Sudeste, regiões com alta densidade demográfica.
As grandes cidades brasileiras já sentem na pele o problema. O melhor exemplo é São Paulo. A maior parte da água que abastece a metrópole vem da bacia do rio Piracicaba e tem de viajar mais de cem quilômetros até chegar às torneiras, já que todos os mananciais da capital paulista estão contaminados ou são insuficientes.
Fora isso, há um enorme desperdício de recursos hídricos, tanto no Brasil quanto lá fora. Os maiores culpados são a irrigação e as indústrias, responsáveis por 92% do consumo. Mas os maus hábitos domésticos também têm peso importante. De acordo com o relatório da ONU, uma criança nascida no mundo desenvolvido consome de 30 a 50 vezes mais água que uma criança dos países pobres.
Ao esbanjamento soma-se a poluição. Os mananciais do mundo recebem nada menos que 2 milhões de toneladas de esgotos todos os dias e cada litro despejado é capaz de inutilizar 8 litros de água. São tantos os riscos que envolvem um elemento tão presente em nosso cotidiano que uma coisa é certa: a diplomacia da água não corre risco de ser inodora, incolor ou insípida.
Boletim Mundo Ano 11 n° 2

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