sexta-feira, 1 de abril de 2011

FÓRUM SOCIAL DAS ÁGUAS COMBATE POLÍTICAS DE PRIVATIZAÇÃO

Regina Scharf
Primeiro veio o Fórum Social Mundial, a gigantesca reunião de esquerdas, militantes de Organizações Não-Governamentais (ONGs) e alternativos em geral, movidos pela crença de que “um outro mundo é possível”. Em sua terceira edição, em janeiro deste ano, ele levou pelo menos 100 mil ativistas a Porto Alegre. Mais que isto, o encontro promoveu uma interação da sociedade civil sem precedentes.
Agora sua grife começa a se espalhar. Seu filhote mais novo é o Fórum Social das Águas. Assim como o FSM, ele questiona a globalização, o neoliberalismo e a supremacia dos países ricos e das corporações transnacionais. Suas bandeiras específicas: o combate à privatização dos recursos hídricos e a defesa de um amplo acesso das sociedades à água.
Não por acaso, ele se realizou em várias partes do mundo nos mesmos dias em que se desenrolou o 3º Fórum Mundial da Água, em Kyoto – de 16 a 23 de março. O fórum de Kyoto foi batizado, pelos militantes de esquerda, de “Davos da Água”, numa referência irônica ao Fórum Econômico Mundial, promovido anualmente em Davos, na Suíça, que reúne a fina flor do mundo financeiro.
O Fórum Social das Águas realizou encontros simultâneos em Florença, na Itália, em Nova York e em Cotia, perto de São Paulo. Acra, capital de Gana, teve a sua reunião “alternativa” a Kyoto um pouco depois, em abril. O evento brasileiro, com participação de 3 mil pessoas, foi organizado pelo Grito das Águas, uma articulação de 60 ONGs que lutam pela preservação dos recursos hídricos em várias partes do país.
Os participantes dos quatro eventos pretendem encaminhar propostas para o próximo Fórum Social Mundial que, pela primeira vez, não ocorrerá no Rio Grande do Sul, mas em Nova Delhi, capital da Índia. Os integrantes do Fórum das Águas também deverão interagir com manifestantes que dirigiram-se a Kyoto para protestar contra a ação das corporações transnacionais.
“O encontro de Kyoto quer vender a idéia de que a água tem um valor econômico”, diz Leonardo Morelli, dirigente do Grito das Águas. “Queremos mostrar que seu valor é social”. A própria história de Morelli é marcada por esse confronto.
Sua militância está ligada à luta dos pescadores de Imaruí, em Santa Catarina. A cidade, que nos anos 50 foi a maior produtora de camarão do país, viu sua produção despencar desde então. Motivo: a construção da BR-101, nos anos 70, aterrou parte dos acessos de água salgada que abasteciam a lagoa local, causando-lhe uma morte lenta.
Mas as maiores críticas do militante vão para as transnacionais e sua participação na privatização dos lençóis subterrâneos ou dos serviços de saneamento básico. “As multinacionais vêm, aproveitam vazios na legislação brasileira e conseguem concessões para explorar as águas subterrâneas junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral”, diz.
Ele lamenta a falta de controle ambiental e da sociedade sobre tais concessões.
Embora com moderação infinitamente maior, o relatório sobre o tema produzido por 23 agências ligadas às Nações Unidas, divulgado no início de março, também aponta tais preocupações. O documento insiste que os pobres precisam ser protegidos em caso de privatização e nos mecanismos de definição do preço da água. “O fato de que os pobres, com acesso mais limitado ao abastecimento de água, tenham que pagar significativamente mais caro é perturbador”, diz o documento, que serviu de base e inspiração à conferência de Kyoto.
O estudo cita, como exemplo, o caso de Nova Delhi. Vendedores indianos cobram até US$ 4,89 por metro cúbico comercializado a quem  não tem acesso à rede de distribuição, enquanto famílias que dispõem de água encanada pagam apenas US$ 0,01 pelo mesmo volume quase 500 vezes menos. Quem conhece a realidade dos carros-pipa que distribuem água nos vilarejos nordestinos a preço de ouro sabe que esta realidade não é estranha aos brasileiros.
Morelli também indica o crescente risco de disputas internacionais pelo uso da água como um dos principais temas do encontro alternativo que aconteceu em Cotia. “Hoje, os Estados Unidos e a Grã- Bretanha  querem declarar guerra ao Iraque pelo petróleo”, diz. “Amanhã, a guerra será pela água. Nós somos o Iraque do futuro”, arrisca.
O conflito entre Israel e os palestinos tem raízes na história dos dois nacionalismos, mas abrange também a questão do controle das escassas fontes de água da Palestina. Israel insiste em ter o controle do vale do rio Jordão não apenas por motivos estratégicos ligados à segurança, mas também pela “estratégia hídrica”. Alguns analistas prevêem o crescimento dos conflitos associados ao domínio das fontes de água, em certas regiões do mundo.
Para o ambientalista, o Brasil, detentor do maior aqüífero do mundo, o Guarani, tem tudo para despertar a cobiça internacional. O aqüífero Guarani engloba os lençóis subterrâneos sob os três estados do Sul, mais São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, além de partes dos territórios do Uruguai, do Paraguai e da Argentina . “Apenas 0,13% de seu potencial é explorado hoje”, diz Morelli. “Temos de defender tais recursos para garantir a paz no futuro”.
Boletim Mundo Ano 11 n° 2

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