sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Meu padrinho Padre Cícero

Xico Sá

Conciliador, ele foi acusado de conivência com bandidos e cangaceiros. Político, fez acordos com os poderosos coronéis, foi prefeito e até enfrentou uma guerra, em 1914. Hoje, é adorado por milhões, como o santo popular do Nordeste.
Uma longa fila de beatas segue lentamente, arrastando-se sobre chinelos de couro, para receber a hóstia sagrada das mãos de um sacerdote de pele muito branca, cabelos loiros, miúdos olhos azuis – olhos mais apertados ainda sob o sol do Cariri – , nariz recurvado, um “galego” como muitos do sertão do Nordeste – baixinho, 1,60 metro, também como a maioria das criaturas da nação semi-árida. Tudo corria no mais rigoroso silêncio e dentro da rotina de todas as sextas-feiras naquela capela, quando era celebrada a missa em honra ao Sagrado Coração de Jesus. A folhinha do calendário marcava 1º de março de 1889.
Tudo sossegado naquele dia. Pelo menos naquela vila. Em toda a região, no entanto, o tempo era de seca braba, numa terra de latifúndios e cercas de arame. Junto ao cheiro da pólvora do arcaísmo queimavam-se também as velas fortes de um fundamentalismo marcado por cangaceiros pré-Lampião e outras tantas legiões sebastianistas – a eterna espera do salvador dom Sebastião, rei de Portugal que desapareceu para nunca mais voltar no ataque aos mouros em 1578 – que assombravam os sertões (e teria, na guerra de Canudos, em 1896 e 1897, seu exemplo mais gritante).
Tudo sossegado naquele dia. Até que uma lavadeira batizada Maria Madalena do Espírito Santo de Araújo, de 28 anos, moça solteira, uma das primeiras da fila de beatas, se estrebucha no chão, aos pés do padre. A hóstia que acabara de receber se transforma em sangue, tingindo toda a sua roupa branca. O “fato extraordinário”, como tratou a imprensa na época, se repetiria, segundo os relatos e testemunhas, por mais 47 dias. A partir do acontecimento, o padre Cícero Romão Batista, que celebrava a missa, iniciava a sua trajetória que culminaria com a fama de santo milagreiro, posto que conquistou imediatamente por aclamação popular de milhões de nordestinos.
A voz do povo, no entanto, não foi a voz do Vaticano. Acusado de fomentar o fanatismo e forjar falsos milagres, padre Cícero, a partir daquele momento, seria alvo das forças da Inquisição, responsável por comandar as investigações sobre o ocorrido com a beata Maria de Araújo. Ignorando as dúvidas da Igreja, multidões acorreram para Juazeiro, pouco mais que um amontoado de casas próximas ao município de Crato e perdida no meio do vale do Cariri, no sertão do Ceará. Por conta da hóstia ensangüentada, as altas autoridades da Igreja Católica cassaram os direitos do sacerdote e posteriormente o excomungaram. Mas pouca gente soube ou se importou com isso. Do final do século 19 até 1934, quando morreu, aos 90 anos, cego e muito alquebrado, Cícero pregou suas idéias, liderou a comunidade que se avolumou a sua volta, fez política e entrou para a história.
A MECA DO CARIRI
Hoje, Crato e Juazeiro são cidades emendadas, quase não se percebe quando se sai dos limites de uma e se entra na área da outra. Mas em 1872 foram necessárias três horas de viagem em lombo de burro, para o jovem padre vencer a distância que separava sua terra natal do povoado de Juazeiro. Menos de dois anos depois de ordenado, ele chegava para ocupar a pequena capela, onde seria o pastor das poucas almas que por ali resistiam. Cícero tinha então 28 anos.
De seus primeiros anos como vigário, o que se sabe é que ele adotou medidas moralistas. Naquela época, naquele lugar, era comum que o pároco tivesse grande influência na vida das pessoas, sobretudo na conduta social. “O padre Cícero proibiu as rodas de samba e o consumo de cachaça e combateu a prostituição”, exaltou, em 1924, o editorial de O Rebate, um periódico de Juazeiro.
Tudo mudou em 1889, quando o suposto milagre teria acontecido. Juazeiro passou a receber gente de todo o Nordeste. Os romeiros iam  em busca de um milagre e encontravam, ao menos, consolo. Suas motivações talvez não fossem tão diferentes daquelas que levam atualmente quase 1 milhão de visitantes à cidade, todos os anos.
“Aqui é mesmo a terra santa, a Nova Jerusalém, o lugar para onde todos correm para rezar ou morrer”, diz Pedro Ponciano da Silva, de 31 anos, um dos tantos pregadores que fazem sermões ao pé da estátua do padre Cícero.
Assim, a população da pequena vila cresceu além do que as precárias estatísticas da época conseguiam registrar. Nos rastros dos religiosos, vinham migrantes, fugitivos da seca, desocupados e mendigos. Aquele povo todo reunido atraía a atenção da Igreja e das autoridades. Com a República (proclamada no mesmo ano) eles haveriam de se tornar eleitores.
NA TERRA DO SOL
Ao contrário da sorte de Canudos, onde o também cearense Antônio Conselheiro não se valia das manhas do jogo político dos coronéis e pregava contra o diabo na terra do sol, Juazeiro tinha no padre Cícero um conciliador de mão cheia, capaz de acolher os miseráveis que chegavam à cidade e de negociar com os fazendeiros. Para os primeiros, que encontravam nele um refúgio contra a fome durante os períodos de seca, tornou-se o padrinho, o “padim Ciço”. Para os segundos, foi um negociador competente, responsável pelo “Pacto dos Coronéis”. Assinado em 1911, o acordo entre os grandes latifundiários e políticos conservadores visava a permanência da família Acioly, que mandava no Ceará desde 1877, no poder do estado. Naquele mesmo ano, a vila se tornaria o município de Juazeiro do Norte e o padre Cícero seu primeiro prefeito.
Mas, fora dali, Cícero estava longe de ser um consenso. Em tempos de governadores nomeados, o presidente Hermes da Fonseca ignorou o pacto regional e escolheu Franco Rabelo para governar o Ceará.
Uma rebelião na Assembléia Legislativa, em Fortaleza, rejeitou a indicação no primeiro momento. Mesmo assim, Rabelo tomou posse, em ato que passou por cima da Constituição, que exigia o referendo da Assembléia. A ilegalidade do mandato dava brechas para que os adversários investissem na tentativa de derrubá-lo. Em uma dessas manobras, Floro Bartolomeu, eminência parda do padre Cícero, decretou a criação de uma Assembléia Legislativa paralela em Juazeiro, com o desejo de virar governador. Não obteve êxito, esbarrando na vontade de Hermes da Fonseca.
O jornal mais importante do país na época, o Diário de Pernambuco, também desconfiava das intenções do padre Cícero e afirmou, em 1913, que o religioso cearense provocaria, mais cedo ou mais tarde, “o rompimento grave da ordem pública”. Para o historiador Ralph Della Cava, da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, autor de Milagre em Joaseiro (assim mesmo, com a grafia antiga), as elites litorâneas interpretaram mal o homem e a situação. “A causa do padre não era uma revolução social, mas a redenção individual de cada um. Ele era um Messias tímido a quem Deus confiara a conversão dos pecadores. Súbita e involuntariamente, atribuíram-lhe o papel de arqui- conspirador.”
GUERRA SANTA
No final de 1913, as diferenças entre a política estadual e a local desembocaram num confronto armado. Legiões de fiéis de todos os grotões do Nordeste, que já habitavam a nova cidade, montaram barricadas para enfrentar tropas do governador Franco Rabelo, no episódio que ficou conhecido como “Guerra de 14”, ou “Sedição de Juazeiro”.
O conflito começou no dia 20 de dezembro quando as tropas de Rabelo, com cerca de 600 homens, chegaram às imediações de Juazeiro, cidade que já tinha uma população de aproximadamente 30 mil pessoas. Pelo menos 10% dos habitantes, sob o comando de Floro Bartolomeu, que ainda convocou cangaceiros de outros municípios para ajudá-lo, viraram soldados do padim Ciço, mesmo que as armas, a maioria rifles e espingardas de baixo calibre, não fossem suficientes nem mesmo para mil juazeirenses.
Os desarmados ajudaram na obra fundamental para a vitória do padre Cícero: a escavação de uma vala de 12 palmos de largura por 10 de profundidade cercando toda a sede do município. O buraco e a barreira de terra das escavações impediram que as tropas de Fortaleza, com ajuda de bandos do Crato, se aproximassem do alvo inimigo, o que facilitou bastante no triunfo. Mesmo dispondo de dois canhões, o exército de Rabelo gastava munição à toa. A guerra se estendeu até o dia 22 de fevereiro, mas nas últimas duas semanas apenas um destacamento policial de 60 homens do Crato mantinha-se firme na luta contra os juazeirenses. O grosso das tropas do governador havia abandonado desde o final de janeiro o campo de batalha.
Na contagem dos mortos, foram divulgados os mais disparatados números. Em Juazeiro, os vitoriosos falavam na baixa de “quase 100 soldados” inimigos mortos pelos rifes dos jagunços comandados por Floro Bartolomeu. “Bala não alcança quem está ao lado do meu padim”, dizia um cordel que logo se tornou um ditado conhecido entre os combatentes de Juazeiro.
Porém, na acirrada peleja contra Rabelo, o padre Cícero não obteve apenas ajuda divina. Ele contou com a conivência do governo de Hermes da Fonseca, que manteve as tropas federais afastadas do combate, deixando o governador, um antigo aliado do poder central, revoltado. Após a vitória de Juazeiro, o presidente nomeou o marechal Setembrino de Carvalho como interventor no estado.
O PODER E O CANGAÇO
Se a vitória na guerra fez a fama do “santo de Juazeiro”, ela também consagrou o poder de Floro Bartolomeu e sua ascendência sobre o padre. O sacerdote condenado pelo Vaticano não tinha lá tanto gosto por política, apesar de ter exercido o cargo de terceiro vice-governador do Ceará, entre 1912 e 1914 (quando foi nomeado para este posto, por conta da sua visibilidade como líder religioso, o padre ainda mantinha relações cordiais com o governo de Franco Rabelo). “Não que suas ambições fossem pequenas. É que preferia o triunfo, digamos, espiritual – queria ser mesmo o grande pastor de almas do Nordeste e reabilitar as suas credenciais junto ao Vaticano”, escreveu Della Cava.
Cabia a Floro administrar a influência política que a liderança espiritual de padre Cícero representava. Foi ele, por exemplo, que articulou a visita de Lampião e seu bando ao “padim Ciço”, em 1926, uma página mitológica na história do Nordeste. No imaginário popular, graças às versões divulgadas pelos aliados do padre, o cangaceiro arrependeu-se, naquele encontro, de toda a carnificina que havia cometido, tendo sido aconselhado a seguir o caminho do bem. O que ocorreu, no entanto, como sustentam as pesquisas do historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor do clássico Guerreiros do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, foi bem diferente. “A exemplo do que vinha acontecendo com outros grupos de cangaceiros, o bando de Lampião foi convocado pelo então deputado Floro Bartolomeu a integrar um de seus ‘batalhões’, recebendo cada cangaceiro um fuzil novo, fardamento e farta munição”, diz Mello. Ele se refere aos “Batalhões Patrióticos”, criados em todo o Nordeste com a finalidade de combater os rebeldes liderados pelo líder comunista Luís Carlos Prestes.
No entanto, segundo Mello, os batalhões criados por Floro foram um fracasso, pois os grupos de jagunços e cangaceiros não tiveram a menor motivação para lutar contra os rebeldes comunistas, de quem sequer tinham ouvido alguma notícia. Preferiam usar o armamento distribuído pelo governo em toda a região no banditismo de sempre.
A REDENÇÃO
Em vida, o padre Cícero tornou-se um mito. Adorado pelo povo, adulado pelos políticos, ele morreu sem ser perdoado pela Igreja, um objetivo que perseguiu durante quase toda sua vida religiosa. No entanto, o enigma do milagre, que justificou todos os acontecimentos de Juazeiro, continua sem solução. Não para o povo do Nordeste, que acredita nele e que já elegeu, há muito tempo e por voto direto, o padre Cícero como santo para valer. Mas, para os céticos da Igreja Católica, tudo não passou de fraude. Na época, a Igreja acusou o jornalista e professor José Marrocos, amigo pessoal de padre Cícero, de ter, a partir de uma fórmula anotada em um velho livro de química encontrado em seu poder, simulado a transformação da hóstia em sangue. Outra hipótese levantada, que consta dos inquéritos do Vaticano sobre o caso, sugere que a pobre lavadeira Maria de Araújo era portadora de uma doença cujos sintomas principais eram hemorragias que resultavam em perda de sangue pela boca.
Hoje, quase 70 anos depois da morte do padim, nada disso parece importar mais e o Vaticano reabriu o processo de reabilitação histórico-eclesial do padre Cícero. Um estudo aprofundado, pedido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e que envolve peritos da Igreja Católica, está sendo feito para decidir se o santo popular do Nordeste será absolvido da condenação que sofreu há mais de um século. O bispo do Crato, dom Fernando Pânico, italiano naturalizado brasileiro, fala com otimismo sobre a possibilidade de resgatar a condição de padre. Do êxito no processo, que segundo os bastidores da CNBB conta com o apoio de cardeais de peso no Vaticano, depende outro sonho dos afilhados do padim: sua  beatificação, primeiro passo para que um dia ele possa virar santo com reconhecimento oficial.
Saiba Mais: Livros
Milagre em Joaseiro, Ralph Della Cava, Paz & Terra, 1976, É um destes documentos importantes sobre o “santo popular”. É uma tradução de livro originalmente publicado pela Columbia University Press, em 1970. O professor americano fez uma pesquisa minuciosa, recorrendo ao maior número de fontes possíveis que encontrou no Brasil, além de uma série de entrevistas em Juazeiro e outras localidades do Nordeste com os remanescentes desse episódio.
Cangaceiros e Fanáticos, Rui Facó, Civilização Brasileira, 1963, Um guia essencial, inclusive muito citado por Della Cava, para se compreender a história do Nordeste, com dedicação especial ao caso de Juazeiro.
Maria do Juazeiro – A Beata do Milagre, Maria do Carmo Pagan Forti, Annablume, 1999, Livro que se concentra em narrar os acontecimentos e a vida da beata Maria de Araújo, protagonista do polêmico “milagre” do padre Cícero, que transformou a história da região e rendeu grande pendenga com a cúpula do Vaticano.
O massacre do Caldeirão e o boi milagreiro
O paraibano José Lourenço era um crente. Em 1894, sua fé o levou a Juazeiro, onde, pelo que sabia, um padre galego fazia milagres. Na cidade, ganhou fama de radical, praticante e defensor da autoflagelação. Conheceu padre Cícero e, com o tempo, tornou-se homem de sua confiança e um dos líderes de sua congregação. O padim confiou-lhe a missão de cuidar de um sítio nos arredores do Crato, onde abrigava toda a sorte de deserdados e miseráveis que chegavam à região fugindo da seca. Lá, Zé Lourenço organizava o trabalho coletivo e chegou a acolher até 5 mil pessoas. Apesar da proteção de padre Cícero, o beato vivia às turras com a polícia e era tido como inimigo de Floro Bartolomeu, que via nele um perigo por causa de seu fanatismo. Exemplo dessa briga foi o caso da morte do Boi Mansinho, um touro zebu presenteado pelo industrial Delmiro Gouveia ao padre Cícero. O animal era criado por Zé Lourenço e ganhara a fama de “milagreiro”. Até a urina do animal era usada para “curar doenças”. Floro não gostava do barulho em torno do boi e mandou matá-lo em setembro de 1923. O beato foi obrigado a comer a carne do bicho, mas não conseguiu, regurgitando-a. José Lourenço foi levado preso e passou uns dias na cadeia. Mas o pior estava por vir. Após a morte de padre Cícero, a liderança do beato cresceu ao ponto de não ser mais tolerada. Em 10 de maio de 1937, três aviões despejavam fogo sobre a mata fechada da serra do Araripe, onde os fiéis seguidores de José Lourenço tentavam escapar, em desespero, do massacre. Parecia o apocalipse, lembrariam os remanescentes do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, a comunidade rural e coletivista atacada por ordem do ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. Era o governo do presidente Getúlio Vargas que usava ali, pela primeira vez na história do Brasil, a Força Aérea no combate ao que chamava de “antro de fanáticos e desordeiros. ”O temor do poder federal era que uma  nova Canudos estivesse sendo erguida. Na época, o sítio abrigava cerca de mil moradores. Além da chuva de bombas, 200 homens da Polícia Militar do Ceará combateram por terra. Em artigos publicados na imprensa na época, os líderes da operação admitiam ter matado 700 pessoas, mas não há um número inteiramente confiável. A pequena resistência dos fiéis resultou na morte do capitão José Bezerra e pelo menos mais quatro policiais. O beato escapou, escondendo-se em cavernas de pedra na serra. Ele jamais retomou sua liderança na região e morreu,  vítima de peste bubônica, no dia 12 de fevereiro de 1946, aproximadamente aos 75 anos.
Quem vier pra Juazeiro
Visitar Nossa Senhora
Grava bem minhas palavras
Guarda tudo em memória
Conselhos do padre Cícero
São caminhos para a glória
Ao padre Santo de Juazeiro
dero o boi ciêncio da verdade
bico manso milacreiro
de todo canto trouxe romaria
Mais quando mansinho se ia
Teve trovão e raio
Num dia de tempestade
 Floro Bartolomeu, o braço político do "santo" do Juazeiro
O médico e jornalista baiano Floro Bartolomeu da Costa chegou à Meca do Cariri em 1908, quando o padre Cícero já era famoso por sua liderança apostólica. Era um sujeito prático e sua intenção em Juazeiro era explorar as minas de cobre de Coxá. Lá, descobriu que muitas das terras ricas em minério estavam sob o controle do padre, que as recebia em doação ou como pagamentos de promessas. Floro se apercebeu da chance e se aproximou de padre Cícero. Para o padim a exploração dos minérios era uma possibilidade de bancar as despesas com as suas tentativas de livrar-se da condenação do Vaticano, que havia cassado seus direitos eclesiásticos. A atividade mineradora não durou muito. Floro havia ido garimpar o cobre, mas acabou crescendo os olhos para um negócio muito mais vantajoso, tornar-se, à sombra da consagração popular do padre, um líder político do Nordeste. Em 1911, ele foi o principal responsável pela campanha de emancipação de Juazeiro. Sua influência sobre o padre só crescia. Ao mesmo tempo que se aproveitava dos “milagres” de padre Cícero, cuidava em combater, junto à imprensa e instituições do poder federal, a imagem de que Juazeiro seria um antro de cangaço e fanatismo. Com o episódio de Canudos ainda fresco na memória, essa fama poderia motivar um novo massacre. Era ele quem intermediava o apoio do padre a causas políticas locais e, em dezembro de 1913, esse envolvimento teria o seu momento de maior destaque. Era o estouro do que seria conhecido depois como “Guerra de 1914” (pois só acabou no final de janeiro daquele ano), quando o povo de Juazeiro lutou contra as tropas do governador. A resistência, convocada e liderada por Floro Bartolomeu, reuniu fiéis, camponeses e cangaceiros. Após a vitória, sua posição de maior defensor e representante da região seria incontestável. Foi eleito deputado federal, com o apoio dos coronéis e a bênção do padre. Ardiloso e cruel com os adversários,  tinha carta branca do religioso para as suas alianças com os coronéis e cangaceiros, que ele convocava sempre que precisava mostrar força militar. Foi assim que, em 1926, negociou com o bando do próprio Lampião para que este se engajasse na perseguição e no combate à Coluna Prestes. O braço político do padre morreu naquele mesmo ano, no Rio de Janeiro.
Vamos fazer continência
a Deus tirando o chapeo
aqui o bem que fizemos
está guardado no céu
quem merecer a medalha
aqui perdendo a batalha
lá recebemo o trofeo
Meu Padim viajou mas voltará
Com a Virgem das Dores, Padroeira,
Nossa fé ainda está do mesmo jeito
Pela sua palavra verdadeira
Seus amigos, seu povo e sua igreja
Pacientes lhe esperam a vida inteira.
O cordel do Padim Ciço
O padre com fama de milagreiro foi excomungado e virou santo para seu povo
1844
Nasce no Crato, sertão do Ceará, no dia 24 de março de 1844, Cícero Romão Batista. O pai era um pequeno comerciante, a mãe, dona de casa muito religiosa. Cresceu em uma casa cheio de irmãos e  primos.
1856
Aos 12 anos, sob influência da leitura de um livro sobre São Francisco de Sales, faz voto de castidade.
1865
Ingressa no seminário de Fortaleza, de onde sairia padre cinco anos depois. Foi ordenado em 30 de novembro de 1870.
1871
Visita pela primeira vez a vila do Juazeiro, no município do Crato. Era dia de Natal e coube ao padre Cícero celebrar a Missa do Galo.
1872
No dia 11 de abril, vai a Juazeiro para ficar. É designado vigário da capela da vila.
1889
No dia 1º de março ocorre o chamado “fato extraordinário” de Juazeiro. Ao dar a comunhão à beata Maria de Araújo, a hóstia teria se transformado em sangue. O polêmico milagre fez do padre “um santo popular” do Nordeste.
1889
No mesmo ano, no dia 15 de novembro era proclamada a República. Ao contrário de movimentos “sebastianistas” como Canudos, padre Cícero adere automaticamente aos republicanos.
1891
O suposto milagre arrastou multidões para a pequena vila de Juazeiro, trazendo-lhe fama e prosperidade. Mas também rendeu ao padre a cassação da sua ordem, acusado pelas autoridades do Vaticano de promover embustes e gerar fanatismo.
1911
Lidera o movimento para emancipação de Juazeiro e torna-se o primeiro prefeito do novo município. No mesmo ano é assinado o “Pacto dos Coronéis”, sob suas bênçãos. O acordo fortalece a aliança entre latifundiários e políticos para apoiar a família Accioly, que governa o Ceará.
1912
Rabelo assume o governo do Ceará e envia 200 soldados ao Crato para combater o cangaço. Não prende ninguém e passa a acusar o padim de “coiteiro” dos bandidos.
1914
Durante a Guerra de Juazeiro, a cidade expulsa as tropas de Franco Rabelo. Sob as ordens do padre, reuniu-se um exército de migrantes, romeiros e cangaceiros. No mesmo ano, morre a beata Maria de Araújo. Seu túmulo passa a ser alvo da peregrinação.
1926
Em março, Lampião visita Juazeiro. O padre queria que ele se arrependesse, mas Floro desejava convencer o bandido a aderir aos “Batalhões Patrióticos”, que combatiam a Coluna Prestes. No mesmo mês, morre Floro Bartolomeu.
1934
No dia 20 de julho, aos 90 anos, Cícero morre em Juazeiro. Cerca de 100 mil pessoas se aglomeram para velar o corpo. Meses depois, as autoridades da Igreja demolem o túmulo de Maria de Araújo.

Revista Aventuras na História Volume 007

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