sexta-feira, 29 de março de 2013

Como é ressuscitada uma vítima de parada cardíaca?


Julia Moióli
Com uma corrida contra o tempo, que inclui uma sequência de massagens, choques e medicamentos para fazer o coração voltar a bater e a realizar sua função primordial: bombear sangue e oxigênio pelo organismo. Nesse processo de ressuscitação, o mais importante é agir rápido. "Se a vítima for socorrida no primeiro minuto após a parada, ela tem 90% de chances de sobreviver", diz o cardiologista Sérgio Timerman, do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo. Como quase 80% das mortes por parada cardíaca no Brasil acontecem fora dos hospitais, as etapas iniciais do salvamento ficam nas mãos de pessoas como nós. O primeiro passo é checar os sinais vitais da vítima. Se ela não tiver pulso e não estiver respirando, é bem provável que o coração tenha parado de bater. Depois de chamar ajuda médica, é hora de agir, fazendo a chamada respiração de resgate. É uma espécie de assoprão na boca que difere um pouco da tradicional respiração boca-a-boca, onde também se puxa o ar. O segundo passo é aplicar a massagem cardíaca, uma série de compressões no peito da vítima para "acordar" o coração. Se nada disso der certo, a última coisa que dá para fazer fora do hospital é apelar para os choques elétricos - desde que haja por perto um aparelho específico para isso, o desfibrilador. O choque pode funcionar quando o coração pára de bombear sangue porque o órgão nessa situação começa a bater muito rápido e sem ritmo. É a chamada fibrilação ventricular. Como esse problema é responsável por 90% das paradas cardíacas, os médicos insistem para que locais públicos tenham desfibriladores à mão. "Se eles forem usados no local da emergência, a vítima tem 70% de chances de sobreviver. Se ela esperar até o hospital, esse número cai para 2%", afirma Sérgio. Depois disso, o negócio é deixar o trabalho para os cardiologistas, que vão medicar a pessoa ou optar por táticas mais drásticas para tentar reverter a parada.

Corrida pela vida
Chances de sobrevivência caem 10% a cada minuto depois que o coração parou.

1. Quando a vítima de parada cardíaca chega ao hospital, a primeira etapa da ressuscitação é a massagem cardíaca. Tapando o nariz do paciente, uma enfermeira sopra duas vezes na boca para mandar oxigênio para o organismo. Em seguida, ela faz 15 compressões cardíacas entre os mamilos, tentando fazer o coração pegar "no tranco".
2. Para monitorar os batimentos, a vítima é ligada a um eletrocardiograma. Com ele, dá para saber por que o coração parou de bombear sangue. Há três causas: a fibrilação ventricular (batimento desgovernado), a assistolia (parada total) e a atividade elétrica sem pulso (batimentos esporádicos).
3. Quando a parada é causada por uma fibrilação ventricular, os especialistas partem para o trabalho com o desfibrilador. Posicionando as pás do aparelho no peito da vítima, um médico aplica uma série de choques. A idéia é que a descarga coloque a atividade elétrica do coração em ordem para que ele volte a bater direito.
4. Se os choques falharem, os médicos precisam mandar oxigênio para o corpo. Para isso, eles entubam o paciente com um cano de borracha que chega até a traquéia. Conectado a um balão com ar, o tubo lança oxigênio para o pulmão e serve para injetar medicamentos que aumentam o fluxo sanguíneo.
5. A última tentativa de ressuscitação é a massagem direta. O peito do paciente é aberto e o médico segura o coração com as mãos, fazendo um movimento intenso para reativar o bombeamento de sangue. Essa técnica só costuma ser usada quando o paciente sofreu algum trauma grave.

Revista Mundo Estranho Edição 27/ 2004

Como ocorre um ataque cardíaco?


Yuri Vasconcelos
1. Tudo começa com o acúmulo de gordura na parede interna das artérias coronárias, que têm apenas 2 milímetros de diâmetro e são responsáveis pela irrigação do coração. A formação das placas é um processo lento - pode levar anos -, causado principalmente pelo excesso de LDL, o colesterol "ruim", no sangue.
2. À medida que a placa de gordura aumenta de tamanho, o calibre interno da artéria fica mais estreito. Isso dificulta o fluxo do sangue, fazendo o músculo cardíaco funcionar a meia bomba. O esforço extra gera a dor no peito, um dos primeiros sintomas do infarto do miocárdio.
3. A placa de gordura tem uma capa dura por fora, mas é mole por dentro. Como o sangue continua a passar mesmo com a placa, a superfície dura se rompe e libera a gordura. Em segundos, as plaquetas (células do sangue) aderem ao local para tapar o buraco.
4. As plaquetas tapam o buraco formando um coágulo. Por ser muito volumoso, ele acaba entupindo a artéria e bloqueia a passagem do sangue, que é obrigado a fazer o caminho de volta. Resultado: a região do músculo cardíaco que receberia esse sangue deixa de ser irrigada.
5. Sem oxigênio e nutrientes, a parte afetada começa a necrosar. Esse processo começa quando o fluxo sanguíneo é interrompido, e o estrago tem até seis horas para ser revertido. Se nada for feito, o coração bate descompassadamente ou pára de bombear sangue, podendo causar a morte.

Haja coração!
Outros tipos de infarto podem parar o músculo cardíaco mesmo sem a presença de gordura nas artérias.

Espasmo
Ocorre quando as artérias coronárias se contraem violentamente, produzindo um déficit de sangue e interrompendo a irrigação do coração. Esse espasmo, que dura menos de um minuto, é causado  por uma súbita liberação de adrenalina na corrente sanguínea. Os principais motivos para isso são o uso de drogas, como cocaína, estresse e até o recebimento de uma má notícia.

Hemorragia
Um ataque cardíaco também pode ser causado pelo rompimento de uma das duas artérias coronárias responsáveis pelo suprimento de sangue ao coração. Pancada no peito, tiro ou outro tipo de trauma, bem como algumas doenças que fragilizam a estrutura das artérias, podem provocar essa ruptura. Ela causa uma hemorragia interna e deixa o músculo sem irrigação.

Gordura viajante
Além da artéria coronária, a placa de gordura pode se formar em outras partes do corpo, como na perna e no caminho para o cérebro.

Trombose
Quando a placa de gordura se aloja na artéria femural, que leva o sangue para as pernas, a pessoa pode sentir dor durante a caminhada e sensação de frio na ponta dos pés. Se o problema não for tratado a tempo, pode levar à amputação da perna por gangrena

Derrame
A placa de gordura pode grudar em uma artéria do cérebro ou na carótida, vaso que fica no pescoço e que leva o sangue à cabeça. Isso pode levar a um acidente vascular cerebral (AVC), o popular derrame. Ele é causado pelo entupimento das artérias do cérebro por pedaços de gordura que se desprenderam da placa ou por coágulos que se deslocaram para lá

Revista Mundo Estranho Edição 27/ 2004

Qual é o limite máximo e o mínimo para os batimentos cardíacos?


O coração de um jovem saudável, entre 15 e 20 anos, costuma bater no mínimo 60 e no máximo 90 vezes por minuto. Mas se esporadicamente sua freqüência cardíaca ultrapassa ou cai abaixo de tal faixa, isso não quer dizer que você tem algum tipo de doença. "O coração está ligado ao cérebro e ao corpo por estímulos nervosos e são eles que dizem o quanto ele precisa trabalhar", afirma o cardiologista Antônio Carlos Carvalho, da Unifesp. Em algumas pessoas, o nervo simpático (que libera adrenalina) atua com mais força, fazendo com que o indivíduo perceba mais facilmente quando o coração acelera. Em outras pessoas, a atuação do nervo vago (que breca os batimentos) é mais percebida. Basta uma situação que estimule um dos dois nervos e pronto. Quando você está malhando, por exemplo, sua freqüência cardíaca pode chegar a 150 ou 160 bpm (batimentos por minuto) sem que isso represente uma ameaça à saúde. Agora imagine que você está no milésimo sono. Deitadão na cama, sem se mexer ou fazer qualquer esforço, seu metabolismo é muito menos intenso e seu cérebro praticamente desliga. Por que seu coração iria disparar? Enquanto dormimos, é normal nossa freqüência cardíaca chegar aos 40 bpm, também sem causar nenhum problema. Afinal você sempre acorda bem no dia seguinte, não? Outro fator que influencia muito a freqüência cardíaca é a idade. Um recém-nascido tem entre 120 e 140 bpm, pois seus sistemas de regulação do sistema circulatório ainda não estão bem desenvolvidos. A freqüência cardíaca maior ajuda a fornecer mais oxigênio ao coração dos bebês. Conforme eles crescem, os batimentos vão diminuindo. Décadas mais tarde, na velhice, os batimentos provavelmente serão mais espaçados ainda, numa faixa entre 50 e 80 bpm.
Motor desregulado

Cada coração tem sua cadência, mas alterações bruscas podem levar à morte.
Com o pé no freio
Uma frequência cardíaca muito baixa faz com que menos oxigênio circule pelo corpo. Com você deitado e quieto, ou mesmo dormindo, é provável que não haja nenhum problema se seu coração estiver com apenas 30 bpm. Mas essa  frequência com você desperto, em pé, pode provocar desmaios e, em casos extremos, levar à morte.
Limite ideal
Para um jovem saudável, a frequência normal fica entre 60 e 90 bpm. Mas um atleta, por exemplo, pode ter uma frequência de 40 bpm e isso ser absolutamente normal. É que o coração dele é muito eficiente: cada bombeada entrega ao corpo bem mais sangue que o normal, por isso ele precisa bater menos vezes.
Excesso de velocidade
O coração tem dois movimentos: a diástole (quando o órgão se enche de sangue) e a sístole (quando o sangue é bombeado para o corpo). Quando o coração acelera, ele encurta a diástole. Assim, o órgão envia menos sangue para o corpo, causando cansaço e desmaios. Uma frequência cardíaca perto dos 180 bpm é sinal de alerta total e perigo de morte.

Revista Mundo Estranho Edição 27/ 2004

Como é feita a cremação de cadáveres?


Basicamente, os corpos são colocados em fornos e incinerados a temperaturas altíssimas, fazendo carne, ossos e cabelos evaporarem. Só algumas partículas inorgânicas, como os minerais que compõem o osso, resistem a esse calor para lá de intenso. São esses resíduos que compõem as cinzas, o pozinho que sobra como lembrança dos restos mortais de uma pessoa cremada. "No corpo humano, não existe nenhuma célula que tolere uma temperatura maior que 1 000 ºC. Um calor como esse é suficiente para derreter até metais", afirma o médico legista Carlos Coelho, do Instituto Médico Legal de São Paulo. Apesar da aparência de prática moderna, a cremação é uma tradição de quase 3 mil anos. "Para as religiões do Oriente, queimar o cadáver é uma prática consagrada. O fogo tem uma função purificadora, eliminando os defeitos da pessoa e libertando a alma", diz o perito criminal Ugo Frugoli.
No mundo ocidental, por volta do século 10 a.C., os gregos já queimavam em fogo aberto corpos de soldados mortos na guerra e enviavam as cinza para sua terra natal. Apesar desse histórico, a cremação foi considerada ilegal em várias épocas, principalmente por motivos religiosos. Para os judeus, por exemplo, o corpo não pode ser destruído, pois a alma se separaria dele lentamente durante a decomposição. Já os espíritas pedem que o cadáver não seja incinerado antes de 72 horas - segundo eles, esse é o tempo necessário para a alma se desvincular do corpo. Entre os católicos, evangélicos e protestantes, não há restrições tão severas. No Brasil, a cremação é regulada pela Constituição. Quem quiser ter o cadáver reduzido a pó precisa deixar essa vontade devidamente registrada, com documento assinado por testemunhas e reconhecido em cartório. No fim de tudo, pode ser opção econômica para quem não tem onde cair morto. Enquanto um sepultamento simples custa pelo menos 200 reais, o serviço pago em um crematório público numa cidade como São Paulo, por exemplo, sai a partir de 105 reais.

De volta ao pó
Incineração reduz um corpo de 70 quilos a menos de 1 quilo de cinzas.
1. O processo de cremação começa quando a pessoa ainda está viva. Não se assuste — é que ela precisa registrar em cartório a vontade de ter seu corpo transformado em pó. Em relação a um sepultamento comum, as diferenças aparecem depois do velório, quando o caixão não é levado até a cova, mas para uma sala refrigerada. Em alguns crematórios, um elevador se abre no chão e desce com o corpo até o andar de baixo, onde ficam as geladeiras.
2. No subsolo funciona a chamada câmara fria. No crematório de São Paulo, por exemplo, o cômodo gelado é uma sala revestida de azulejos e com isolamento térmico, onde ficam prateleiras metálicas com capacidade para até 4 caixões. Os falecidos passam 24 horas no frio. Nesse período, a família ou a polícia podem requisitar o corpo de volta, no caso de mortes violentas como assassinatos.
3. Depois de um dia na geladeira, o cadáver entra em um forno com todas as roupas e ainda dentro do caixão — apenas as alças de metal são retiradas. Sustentado por uma bandeja que impede o contato direto com o fogo, o caixão é submetido a uma temperatura de 1 200 ºC. Esse calor faz a madeira do caixão e as células do corpo evaporarem ou volatilizarem, passando direto do estado sólido para o gasoso. O cadáver começa a sumir.
4. Depois de até duas horas no forno, apenas partículas inorgânicas como os óxidos de cálcio que formam os ossos resistem à onda de calor. Esses restos são colocados no chamado moinho, uma espécie de liquidificador que tritura os ossos com bolas de metal que chacoalham de um lado para o outro.
5. O moinho funciona por cerca  de 25 minutos. Depois dessa etapa, as cinzas em pó são guardadas em urnas e entregues à família do morto. No final do processo, uma pessoa de 70 quilos fica reduzida a menos de um quilo de pó. Em uma cidade como São Paulo, uma cremação custa a partir de 105 reais, metade do preço de um enterro simples.

Revista Mundo Estranho Edição 27/ 2004

Qual a diferença entre sapo, rã e perereca?


Embora muita gente faça confusão, esses três animais saltitantes possuem muitas diferenças entre si, tanto na morfologia quanto no comportamento e na classificação zoológica. Em comum eles têm o fato de serem classificados como anuros, o nome dado aos anfíbios que não têm rabo. "Os sapos, em geral, pertencem à família dos bufonídeos, embora existam espécies distribuídas por outras famílias de anuros", diz o zoólogo Célio Fernando Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro (SP). Eles preferem viver em terra firme e só procuram ambientes aquáticos quando vão se reproduzir. No Brasil, uma das espécies mais comuns é o sapo-cururu (Bufo marinus). As rãs são as mais habilidosas entre esses três tipos de anuros. Elas conseguem dar saltos de até 1,5 metro de comprimento e 70 centímetros de altura. "A família dos ranídeos é a mais numerosa, embora no Brasil ocorra uma única espécie dessa família (Rana palmipes). As demais rãs brasileiras pertencem à outra família, a dos leptodactylídeos", diz Célio. As pererecas, como os sapos, também não gostam de lagoas. Elas costumam viver em árvores e pertencem a várias famílias. A mais extensa é a dos hylídeos, da qual fazem parte a perereca-da-europa (Hyla arborea) e a minúscula grass frog ("perereca da grama"), que mede só 1,75 centímetro.
Das lagoas à terra firme
A melhor maneira de distingui-los é pelo hábitat de cada um.

PERERECA
Hábitat: muito encontrada em galhos de árvores.
Tamanho: menos de 10 centímetros
Número de espécies: mais de 700
Em geral, a perereca é menor que um sapo ou uma rã e tem como característica os olhos esbugalhados, deslocados para fora. Suas pernas finas e longas permitem grandes saltos - algumas alcançam a marca de 2 metros de distância! As pontas dos dedos da perereca possuem um tipo de ventosa, que ajuda a subir nas árvores.

SAPO
Hábitat: prefere viver em terra firme
Tamanho: de 2 a 25 centímetros
Número de espécies: cerca de 300
Tem aparência estranha, pele rugosa e cheia de verrugas. Suas pernas curtas fazem com que dê pulos limitados e desajeitados. Graças a glândulas na região dorsal, o sapo libera veneno que pode irritar nossos olhos e as mucosas. Mas a peçonha só pode ser expelida se o animal sofrer uma pressão externa, como ser pisado.

Hábitat: mora principalmente em lagoas
Tamanho: de 9,8 milímetros a 30 centímetros
Número de espécies: mais de 4 mil
Se o sapo assusta pelo veneno, a rã é considerada um prato sofisticado em muitos países. Ela tem a pele lisa e brilhante. Suas pernas são longas e correspondem a mais da metade do tamanho do animal. As patas traseiras podem ser dotadas de membranas que ajudam a rã a nadar.

Revista Mundo Estranho Edição 27/ 2004

Ponte Golden Gate: Setenta anos com tudo em cima


Rodrigo Cavalcante
A ponte Golden Gate, em São Francisco, já serviu de passagem para 2 milhões de veículos.
Inaugurada em abril de 1937, a ponte Golden Gate, em São Francisco, nos Estados Unidos, completa agora 70 anos. Em plena forma. Em 2006, o Instituto dos Arquitetos Americanos fez uma pesquisa para saber quais eram as 20 construções mais amadas dos Estados Unidos. Ela estava lá, entre as cinco primeiras – à frente de ícones como o Capitólio, em Washington, além do finado World Trade Center, em Nova York.
Criada pelos arquitetos Irving e Gertrude Morrow, a ponte sempre impressionou tanto pela beleza quanto pela resistência. Apesar de estar  224 metros acima do nível do mar e de pesar 80,5 toneladas, sobreviveu a um terremoto de 7,1 graus na Escala Richter, em 1989. Até hoje, quase 2 milhões de veículos passaram por sua pista.

Aventuras na História n° 044

O Brasil lutou na Primeira Guerra?


Rodrigo Cavalcante
O país demorou mais de três anos para se posicionar sobre o conflito.
Mais ou menos. Em julho de 1914, quando teve início a chamada Grande Guerra (na época, ninguém imaginava que haveria uma segunda), o Brasil preferiu manter a neutralidade. Com o tempo, o governo brasileiro foi criticado por movimentos como a Liga de Defesa Nacional, criada em 1916 e presidida por Ruy Barbosa, que defendia o engajamento do país no conflito ao lado de Inglaterra, França e Rússia. Mas, como havia políticos no Congresso simpáticos à Alemanha, ao Império Austro-Húngaro e à Itália, o governo manteve a preferência por permanecer neutro no conflito.
Somente em outubro de 1917, três anos após o início da guerra – e seis meses depois de os Estados Unidos ingressarem nela –, o Brasil declarou guerra à Alemanha. A decisão do governo Wenceslau Brás (1914-1918) foi uma resposta ao afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães. Os ataques haviam ocorrido no começo do ano. Em abril de 1917, o vapor brasileiro Paraná foi torpedeado. O navio Tijuca foi atacado no mês seguinte. O governo brasileiro rompeu relações diplomáticas com o bloco germânico, confiscando 42 navios alemães que estavam em portos brasileiros. A declaração direta de guerra, porém, veio só em 26 de outubro, três dias após o ataque ao terceiro barco brasileiro, o cargueiro Macau, por um submarino alemão perto da costa da Espanha. Como o navio foi capturado e o comandante feito prisioneiro, uma imensa pressão popular obrigou o governo a tornar o Brasil o único país da América Latina a declarar guerra à “aliança germânica”.
Na prática, a participação do país se deu com o envio de médicos e aviadores à Europa e com a cooperação com os ingleses na patrulha do Atlântico Sul. O principal ataque que o Brasil sofreu na guerra, contudo, não veio do front inimigo. Antes de chegar à Europa, no Atlântico, a gripe espanhola dizimou boa parte da tripulação dos navios enviados para lá: 176 pessoas foram mortas com o vírus – e nenhuma morreu em batalha.
Após a guerra, o Brasil foi convidado à Conferência de Paz que culminou com o Tratado de Versalhes, em 1919, e obteve vantagens: autorização para ficar com os navios alemães aprisionados e a devolução de depósitos bancários retidos desde 1914 na Alemanha, referentes à venda de 2 milhões de sacas de café.

Aventuras na História n° 044

Imigrantes anarquistas: Sem pátria nem patrão


Márcio Sampaio de Castro
Para realizar seu sonho libertário, muitos anarquistas deixaram a Itália e vieram para o Brasil. No início do século 20, eles agitaram São Paulo - e ensinaram os trabalhadores a lutar por seus direitos.
Na virada do século 20, o Brasil havia se tornado o novo lar de cerca de 1 milhão de italianos. Fugindo de uma severa crise econômica no país natal, a grande maioria chegava para tentar a sorte nas fazendas do interior paulista ou nas fábricas de São Paulo. Alguns, entretanto, atravessavam o oceano Atlântico com uma outra missão: difundir o anarquismo. Enquanto seus conterrâneos sonhavam em enriquecer, os imigrantes anarquistas queriam mesmo era derrubar o capitalismo. Como sabemos hoje, eles não conseguiram. Mas deixaram aos trabalhadores brasileiros uma lição importantíssima: sem organização e luta, ninguém conquista seus direitos.
A palavra “anarquia” vem do grego e significa, literalmente, “sem governo”. A idéia de viver sem ter que obedecer a alguém talvez seja tão antiga quanto a própria obediência. Mas foi só em meados do século 19 que o anarquismo se tornou uma corrente de pensamento. Conforme a indústria se desenvolvia na Europa, essa ideologia se espalhava entre os trabalhadores. No Brasil, a industrialização era novidade – e os anarquistas italianos queriam, desde o começo, contagiar o operariado daqui com suas idéias revolucionárias.
Um desses anarquistas foi Oreste Ristori. Ele desembarcou no porto de Santos, no litoral paulista, em 1904, depois de uma rápida passagem pela Argentina. Nascido 30 anos antes, na região da Toscana, ele passara um bom tempo nas cadeias de seu país. O motivo foi seu envolvimento com ações como o incentivo a greves e a distribuição de panfletos contra a autoridade do Estado. A vinda ao Brasil era uma ótima oportunidade para fazer tudo isso de novo.
Ristori seguia os passos de um ex- companheiro de prisão: o também anarquista Gigi Damiani, que chegara a São Paulo em 1897. Naquele início de século, vários militantes da causa já estavam estabelecidos na capital paulista. Seu principal campo de atuação eram os bairros operários, como o Brás, a Mooca e o Belém, onde viviam e trabalhavam milhares de imigrantes. Submetidos a jornadas exaustivas, que muitas vezes alcançavam 16 horas por dia, os operários da indústria paulistana formavam o público ideal para o discurso anarquista. Segundo ele, os operários de todos os países deviam lutar, juntos, contra a opressão. Trabalhar para um patrão, obedecer a um governante, confessar-se a um padre: tudo isso acabaria quando o anarquismo conquistasse sua vitória.
Os donos das grandes indústrias paulistas sabiam que, cedo ou tarde, teriam que enfrentar as greves de operários, já comuns na Europa. Antecipando-se a isso, eles passaram a dar preferência a mulheres e crianças na hora da contratação. Além de ganhar menos, eles eram considerados mais fáceis de ser controlados. Mas isso de nada adiantaria para conter o movimento que estava por vir.

Lições libertárias
Os ideais anarquistas circulavam em diversos panfletos e jornais. Muitos deles eram escritos diretamente em italiano. Esse era o caso de La Battaglia, o periódico que Oreste Ristori e Gigi Damiani fundaram, ao lado de outros anarquistas, em 1904. Impresso em São Paulo, ele muitas vezes cruzava as fronteiras do estado. Ristori costumava viajar para divulgar o La Battaglia, percorrendo o interior paulista, o sul de Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Sua fama de grande orador precedia sua chegada. Sério, bradava contra a opressão dando baforadas no cachimbo. Mas, ao fim de cada discurso, Ristori se descontraía: arrumava um violão e abria uma roda para entoar cantos revolucionários.
Influenciados pelos italianos, os brasileiros também produziam periódicos anarquistas. Em 1905, Edgard Leuenroth botou nas ruas o jornal Terra Livre, feito em parceria com o português Neno Vasco. O editorial do primeiro número dizia: “Tomamos o nome de anarquistas libertários porque somos inimigos do Estado. Somos anarquistas porque queremos uma sociedade sem governos”.
Outro veículo importante para a propaganda anarquista eram peças de teatro, com textos vindos da Europa ou escritos aqui mesmo. A crítica social estava por todos os lados. “É claro que havia um certo maniqueísmo, pois o trabalhador era sempre bom e o patrão era sempre o vilão. E as peças anticlericais mostravam a Igreja defendendo os interesses do capitalismo explorador”, disse o anarquista Jaime Cubero à pesquisadora Endrica Geraldo, da Universidade Estadual de Campinas, num depoimento dado em 1994. O palco preferido para essas montagens, que ocorriam semanalmente, era o Teatro Colombo, que ficava no Brás.
A disseminação das idéias anarquistas também acontecia nas salas de aula. Numa época em que o governo brasileiro mantinha pouquíssimas instituições de ensino, surgiram as chamadas Escolas Modernas. Inspiradas no método do anarquista espanhol Francisco Ferrer y Guardia, elas misturavam meninos e meninas (então uma inovação), defendiam o fim dos exames e dos castigos e, principalmente, uma educação científica, em oposição ao ensino religioso.
A primeira escola moderna de São Paulo, a Escola Nova, foi criada no Brás em 1909. Na década seguinte, outras surgiram – na capital, no interior e em outros estados. “A ignorância era vista como um dos principais inimigos dos anarquistas”, diz a historiadora Edilene Toledo, autora do livro Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário. “Estender a ciência aos pobres significava prepará-los para construir a sociedade futura.”

Parar para lutar
Em 1905, em boa parte graças à luta dos anarquistas, foi criada a Federação Operária de São Paulo, que reunia as associações de trabalhadores da cidade. Em abril do ano seguinte, o Rio de Janeiro recebeu o 1º Congresso Operário Brasileiro, encontro que é considerado a origem do sindicalismo no Brasil. Lá foram erguidas bandeiras como o fim do trabalho infantil e a diminuição da jornada de trabalho para oito horas diárias.
Reunidos no Rio, os anarquistas tiveram oportunidade de traçar planos para o futuro. O resultado não demorou a aparecer: no dia 1º de maio de 1907, eclodiu a primeira greve geral da história do Brasil. Os primeiros a parar foram os metalúrgicos da empresa americana Lidgerwood, que exigiam redução da jornada de trabalho. Operários de diversas áreas foram paralisando suas atividades e fazendo reivindicações semelhantes.
A reação das autoridades viria 14 dias depois, com a polícia invadindo a sede da Federação Operária. Documentos foram apreendidos e militantes que haviam participado da greve foram presos. Para punir os que eram imigrantes, o governo tinha uma nova arma: a recém-aprovada Lei Adolpho Gordo, que previa a extradição dos operários estrangeiros envolvidos com tumultos. Apenas no ano de 1907, cerca de 130 trabalhadores foram expulsos do Brasil.
A greve, que durou até meados de junho, conseguiu fazer com que muitas empresas adotassem as oito horas de trabalho. Mas a repressão fez com que anarquistas como Oreste Ristori se afastassem da militância, temendo ser presos. Foi só dez anos depois da greve geral que o Brasil voltou a ver uma manifestação operária de grandes proporções. Por causa da crise no comércio exterior causada pela Primeira Guerra, iniciada em 1914, os preços aumentavam, os alimentos sumiam das prateleiras e os salários diminuíam. Enquanto isso, os patrões voltaram a esticar as jornadas de trabalho.
Em junho de 1917, os 2 mil empregados do Cotonifício Crespi entraram em greve em São Paulo. No mês seguinte, a paralisação já havia atingido cerca de 15 mil operários, de vários setores. Em 9 de julho, os trabalhadores organizaram uma passeata. A polícia avançou sobre a multidão com seus cavalos e atirou. Antonio Martinez, um sapateiro, caiu morto. O assassinato revoltou ainda mais os trabalhadores: dias depois, o movimento se tornou uma greve geral com 45 mil pessoas paradas – praticamente todos os operários da capital paulista.
Enquanto os anarquistas de São Paulo subiam nos palanques para inflamar os grevistas, o movimento atingia o Rio de Janeiro e o Paraná. Fábricas foram invadidas e depredadas, enquanto ocorriam novos confrontos com a polícia. Ainda em julho, um acordo permitiu que os operários voltassem ao trabalho. Tiveram a garantia de que seus direitos seriam respeitados e ganharam um aumento salarial de 20%.
Depois da greve, o governo fechou de vez o cerco contra os anarquistas. Em 1918, Gigi Damiani foi expulso do país (restabelecido na Europa, dedicaria-se a publicar textos que desaconselhavam a imigração para o Brasil). Para evitar o mesmo destino, Oreste Ristori fugiu para a Argentina. Já as Escolas Modernas não escaparam: sofreram uma campanha de difamação pública e foram fechadas na virada dos anos 1920.
O ano de 1917 trouxe, além da greve, outro acontecimento que marcou o declínio do anarquismo no Brasil. Foi a Revolução Russa, que fez com que os comunistas ganhassem espaço no operariado brasileiro. Enquanto os anarquistas pregavam a abolição imediata do Estado, os comunistas defendiam que o poder não acabasse de uma hora para outra, mas passasse às mãos dos trabalhadores. A vitória de Lênin e seus camaradas parecia mostrar que esse era o melhor caminho a ser seguido.
Após chegar ao poder, na chamada Revolução de 1930, Getúlio Vargas deu o golpe de misericórdia na influência dos anarquistas. Ele decidiu não reprimir abertamente os operários, mas atraí-los para perto de si. Os sindicatos foram absorvidos pelo Estado e “amansados”: como eles agora eram órgãos oficiais, não podiam se opor ao governo. Enquanto isso, a polícia de Vargas caçava os militantes que podiam ameaçar a nova ordem. Uma das vítimas foi Oreste Ristori. De volta da Argentina, ele se opunha à aproximação entre o Brasil e a Itália do fascista Mussolini. Em abril de 1936, Ristori foi preso. Em junho, foi enviado para seu país natal – sete anos depois, seria descoberto pelos fascistas na cidade de Empoli e fuzilado.
Nos anos 1930, enquanto o anarquismo era abandonado pelos operários, os palcos do Brás ainda mostravam as peças dos militantes. Mas elas também estavam com os dias contados. Em 1937, Vargas iniciou a ditadura do Estado Novo. Uma de suas medidas foi a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda, que, entre outras coisas, escolhia o que os teatros podiam exibir. É claro que todas as montagens anarquistas foram banidas. Naquele Brasil autoritário, o sonho libertário dos imigrantes foi deportado até da ficção.

Inimigos do Estado
Proudhon e Bakunin fundaram o anarquismo.
“Eu sou um anarquista.” Quando o francês Pierre-Joseph Proudhon escreveu essa frase no livro O que É a Propriedade?, de 1840, ele correu o risco de ser confundido com um baderneiro qualquer. Até então, o termo “anarquia” era tratado apenas como mais um sinônimo de desorganização. Mas Proudhon, um sofisticado intelectual, estava lançando as bases de uma nova doutrina política. Essencialmente, ele dizia que o fato de alguns homens trabalharem para outros era uma “fraude”, que só se mantinha graças à imposição das autoridades. Para acabar com essa exploração, o jeito seria acabar com o Estado e qualquer outra forma de governo centralizado. Mas, enquanto Proudhon acreditava que o fim do Estado deveria chegar de modo pacífico, seu principal discípulo, o russo Mikhail Bakunin, passou a defender a luta armada e a revolução. Ele lançou o Movimento Anarquista Internacional, em 1847, e se envolveu com agitações ao redor do mundo. Além dos capitalistas, Bakunin também se indispôs com os comunistas por não aceitar Estado algum – nem controlado pelos trabalhadores.

O laboratório
No século 19, o Brasil teve uma comunidade anarquista.
Em abril de 1888, durante uma viagem a Milão, dom Pedro II soube que o italiano Giovanni Rossi pretendia criar uma colônia anarquista na América. Meses depois, preocupado em atrair imigrantes ao país, o imperador escreveu a Rossi, autorizando-o a levar sua idéia adiante e cedendo-lhe uma porção de terra no interior do Paraná. O convite foi aceito. Os150 homens e mulheres só chegaram depois do fim da monarquia, em 1890, mas puderam fundar a Colônia Cecília. Como o grupo de Rossi era formado principalmente por trabalhadores urbanos, lidar com a terra não era seu forte. Apesar das dificuldades para a subsistência e das desavenças internas, a colônia se manteve por quatro anos. A vida sem líderes acabou quando um morador conhecido como Gariga se ofereceu para vender toda a produção de milho da colônia, mas acabou fugindo como dinheiro. Diante do golpe, as famílias desistiram de viver juntas.

Aventuras na História n° 044

São Tiradentes: imagem real do herói pode ser outra


Jeanne Callegari
A imagem conhecida do herói lembra a de Jesus, mas pode não ter nada a ver com a figura real do inconfidente. Afinal, por que o vestiram de santo?
Quando você ouve falar em Tiradentes, que imagem vem a sua mente? Provavelmente a de um sujeito com barba e cabelos longos e rosto sereno. Trocando a corda pela cruz, é o próprio Jesus. A imagem de mártir está tão colada ao mito de Tiradentes que é difícil imaginar um sem o outro. Só que nem sempre foi assim. A figura de santo surgiu um século após a morte do inconfidente. E pode ter pouco a ver com ele.
No episódio conhecido como Inconfidência Mineira, os rebeldes que conspiravam contra a Coroa portuguesa foram delatados, presos e julgados, em 1792. A maioria, formada por homens bem-nascidos, foi extraditada para outras colônias portuguesas. Apenas um, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, de origem humilde, foi enforcado e esquartejado. Por quase um século, mal se falou na Inconfidência e em Tiradentes. Ambos eram considerados apenas maus exemplos punidos com rigor.
No fim do século 19, com o país já independente, a situação começou a mudar. Intelectuais queriam instaurar uma república. E começaram a buscar na história brasileira alguém que pudesse representar os novos ideais.
Começou, assim, o culto a Tiradentes. Logo que a República foi proclamada, decretou-se o primeiro feriado: o Dia de Tiradentes, em 21 de abril, data da morte dele. Nesse dia, o Apostolado Positivista, associação brasileira dos afiliados ao positivismo, a corrente filosófica criada pelo francês Augusto Comte, distribuiu folhetos com a imagem do mártir desenhada por Décio Villares (artista responsável pelo desenho da bandeira nacional). Os cabelos e barba longos, a expressão ausente, as roupas, tudo lembrava Cristo. Nascia a imagem conhecida até hoje de Tiradentes. “Ela é fundamental para o estabelecimento do mito”, diz a historiadora da arte Maria Alice Milliet, autora de Tiradentes: o Corpo do Herói. Depois dessa, vieram muitas.
Ninguém sabe ao certo qual a aparência correta de Tiradentes. Como há poucos dados históricos, o terreno para a especulação é grande. Mas por que não retratar outros aspectos do herói, como o lado militar? Para Maria Alice, vestiram-no de santo por algumas razões. Em primeiro lugar, havia a tradição profundamente religiosa da sociedade brasileira. Em segundo, a influência do positivismo entre os republicanos, doutrina que preferia transições lentas a rupturas bruscas. Aliás, como foram, sempre, as transições brasileiras: a Independência e a República foram proclamadas sem sangrentas batalhas. “Retratar o herói armado, exaltar o rebelde ou o militar iria contra essa índole pacífica.”
A imagem serviu bem ao propó­si­to. Mesmo muito depois da proclamação da República, os artistas con­tinua­ram preferindo o santo. O governo brasi­leiro usou o mito para fortalecer a identidade nacional muitas vezes, de Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas a Itamar Franco – este, por exemplo, falava na TV com um busto do alferes ao fundo.

O mito imita a arte
A litografia que Décio Villares fez de Tiradentes consagrou a imagem cristã do líder inconfidente.

1. Barba, cabelo e bigode
A barba e o cabelo compridos lembram a imagem de Jesus. É provável que, na época, o cabelo fosse cortado antes da execução. Mas não há registros que comprovem isso.

2. Traços gregos
Os traços do militar, que aparenta uns 40 anos, são nobres, retos, gregos – também como os de Jesus, que, apesar da região em que nasceu, é retratado com os olhos azuis.

3. Com a corda no pescoço
A corda está entrelaçada no pescoço de Tiradentes, mas está frouxa, não ameaça enforcar. É fina e delicada, bem diferente da que realmente foi usada para a execução.

4. Coroa de café
A palma simboliza o martírio. E, assim como Jesus, Tiradentes tem coroa: a sua não é de espinhos, mas de folhas e grãos de café, mais adequada aos trópicos.

5. Os pais do mito
No canto esquerdo, a informação de quem mandou imprimir os folhetos no primeiro feriado popular da República: Edição do Apostolado Positivista do Brasil, 1890. Já as inscrições no laço (1792 – Libertas quae sera tamen e Ordem e Progresso – 1889) representam o pretenso parentesco histórico da Inconfidência Mineira com a proclamação da República.

Outras faces
Muitos outros artistas pintaram Tiradentes, ajudando a formar e a popularizar a cara do mito.

Prisão de Tiradentes
Pintado em 1914 por Antônio Parreiras, é o único quadro que mostra Tiradentes valente. Não à toa, foi encomendado pelo governo do Rio Grande do Sul, estado mais belicoso. Armado, enfrenta os policiais que querem prendê-lo.

Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”
De José Wasth Rodrigues (1940), retrata o herói antes da prisão, vestido com a roupa de militar, sem a barba e os cabelos compridos. Na criação do mito, o lado militar seria deixado de lado em favor do aspecto de mártir.

Tiradentes Esquartejado
Um dos quadros mais conhecidos do herói mineiro, feito em 1893 por Pedro Américo, mostra o tronco esquartejado, a cabeça e a perna esquerda. Apesar da crueza, ele ainda é tratado com certo distanciamento, como o corpo sem feridas.

Painel Tiradentes
No imenso painel que fez para retratar a Inconfidência, Candido Portinari, partidário do comunismo, retrata o mineiro em vários momentos, da juventude na cavalaria ao homem barbado e grisalho – parecido com o comunista Luís Carlos Prestes.

Aventuras na História n° 044

Legenda Áurea, o best-seller da Idade Média


Rodrigo Cavalcante
Publicado no século 13, relato sobre a vida dos santos foi mais popular que a Bíblia.
Quais os temores típicos de um cristão que vivia na Europa em plena Idade Média? Quem eram seus guias espirituais e em que exemplos morais ele se inspirava? Quem lê Legenda Áurea – Vidas de Santos, escrito pelo frei dominicano Jacopo de Varazze entre 1253 e 1270, vai ter uma boa idéia de como era o imaginário religioso medieval. O próprio título (legenda é “aquilo que deve ser lido” e áurea, “ouro”, “de valor”) revela sua função: uma coletânea sobre a vida dos santos para servir de exemplo aos cristãos. Historiadores acreditam que, inicialmente, o objetivo do frei tenha sido o de fornecer farto material para que seus colegas dominicanos pudessem enriquecer seus sermões. A idéia era boa: com ajuda de um verdadeiro almanaque com os relatos dos martírios e milagres pelos quais passaram os principais santos da Igreja, não havia como os ouvintes ficarem indiferentes.
É bom lembrar que, na época em que o texto foi escrito, os cristãos tinham uma relação com os santos mais prática do que a pura devoção espiritual. Num mundo sem médicos e sem farmácias na esquina, os mártires da Igreja eram usados como especialistas para males do corpo e da alma. Não à toa, a coletânea virou febre e logo ganhou traduções do latim para o alemão, catalão, francês, provençal, holandês, tcheco e outras línguas. Nem mesmo o aparecimento da imprensa e da primeira edição da Bíblia, no século 15, ofuscou a popularidade de Legenda Áurea. A versão francesa se tornou o primeiro livro impresso daquele país. E, por muitos anos, a obra chegou a ter mais edições que a própria Bíblia.
O livro não é recomendado, contudo, para quem busca um relato biográfico realista dos santos. Jacopo, assim como os outros autores cristãos de seu tempo, estava mais preocupado com a força e a beleza de seus relatos do que propriamente com a credibilidade. Essas características inspiraram artistas como Giotto e Fra Angélico, fazendo com que Legenda Áurea até hoje permaneça como um dos mais importantes documentos do mundo pré-Renascimento.

Aventuras na História n° 044

A Arca da Aliança: O último mistério


Tiago Cordeiro
Construída para guardar os Dez Mandamentos, a Arca da Aliança estaria desaparecida há pelo menos 2 500 anos. Enquanto arqueólogos tentam encontrá-la, há quem diga estar com a relíquia em seu poder.

"Assim falou Javé a Moisés: ‘Farás uma arca com madeira de acácia: seu comprimento será de dois côvados e meio; sua largura, de um côvado e meio; sua altura, também de um côvado e meio. Tu a revestirás com ouro puro, recobrindo-a por dentro e por fora; e farás ao seu redor um friso de ouro. Fundirás para ela quatro argolas de ouro, que porás nos seus quatro cantos; duas argolas num lado e duas argolas no outro lado. Farás também varais de madeira de acácia, revestindo-os de ouro. E os introduzirás nas argolas que estão nos lados da arca a fim de que esta, por meio deles, possa ser transportada. Dentro da arca guardarás o Testemunho que eu vou te dar’.”
Segundo a Torá, o livro sagrado dos judeus (e que, grosso modo, corresponde aos cinco primeiros livros da Bíblia cristã), foi assim, com instruções precisas, que Javé – Deus, em pessoa – instruiu Moisés na construção de um dos objetos mais misteriosos da história. Dentro dessa caixa de 1,11 metro de comprimento por 66,6 centímetros de largura e altura, o líder dos hebreus deveria guardar duas placas de pedra, gravadas a fogo por Javé. As inscrições traziam as normas de conduta que os fiéis deveriam seguir para justificar sua condição de povo eleito por Deus, e que qualquer criança conhece como os Dez Mandamentos. Por conter a prova desse acordo, um contrato entre o mundo divino e o mundo terreno, o baú ganhou o nome de Arca da Aliança. A Torá conta que Moisés levou o objeto sagrado pelo meio do deserto até as margens do rio Jordão, onde morreu. Seus sucessores guardaram a Arca, que se tornou um dos símbolos mais sagrados dos hebreus e, por herança, dos cristãos.
No entanto, fora dos textos religiosos, a história da Arca permanece um mistério. “Ela é um desses objetos míticos, como o Graal ou o túmulo de Jesus, que nenhum arqueólogo sério gosta de dizer que está procurando”, afirma a arqueóloga canadense Anne Michaels, professora da Universidade de York, em Toronto. “E que, vira e mexe, alguém diz que encontrou, faz um documentário, escreve um livro e consegue 50 minutos de atenção. Mas são objetos mais míticos que reais”, diz Anne.
Mas, diferentemente do Graal ou do túmulo de Jesus, que ninguém sabe como seriam, a Arca tem forma definida.“Não temos motivos para duvidar que a Arca tenha existido, mas é pouco provável que esteja inteira até hoje”, diz o historiador e teó­logo Hans Borger, do Centro de Cultura Judaica de São Paulo. Outros especialistas são mais cautelosos. “Não existem evidências concretas a respeito dela. A Arca mal chega a ser objeto da arqueologia. É assunto para historiadores bíblicos”, afirma o arqueólogo israelense Israel Finkelstein, autor de A Bíblia Desenterrada. “Ela fascina as pessoas por causa de seu intenso poder como mito, concreto ainda hoje.”
As principais referências sobre a Arca estão na Torá e na Bíblia, obras que trazem ricas informações sobre a Antiguidade, mas sem rigor histórico. Alguns pesquisadores vêm tentando comprovar trechos dos textos sagrados (veja quadro na pág. ao lado). O problema é que a influência das escrituras pode desvirtuar os estudos. “Muitos arqueólogos procuram evidências que justifiquem sua própria fé. Qualquer vestígio é analisado com o desejo de encaixá-lo nos relatos bíblicos”, diz o historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Essa ansiedade por novas descobertas é ainda mais verdadeira no caso da Arca. Se, para os arqueólogos, encontrá-la seria um achado incrível, para os fiéis seria a prova da existência de Deus.

PEGADAS NO DESERTO
Os eventos narrados pelo livro do Êxodo, quando a Arca é citada pela primeira vez, teriam ocorrido aproximadamente em 1300 a.C. O cálculo é baseado em registros históricos do antigo Egito, onde os hebreus teriam sido mantidos como escravos. Segundo as escrituras, eles teriam fugido e, liderados por Moisés, partido em busca de Canaã, a Terra Prometida. A Arca teria sido feita dois anos depois da saída do Egito, quando os hebreus estavam perto do monte Sinai. “Há pouquíssima, para não dizer nenhuma evidência arqueológica sobre esse período”, afirma Finkelstein. Um dos pontos mais polêmicos é a localização exata do monte. Há quem diga que ele fica na península do Sinai, no leste do Egito. O físico britânico Colin Humphreys, da Universidade de Cambridge, que pesquisa a história bíblica há 30 anos, defende que o monte Bedr, na atual Arábia Saudita, é o verdadeiro Sinai.
Que as referências ao período do Êxodo são mais míticas que documentais,  praticamente todo mundo concorda. Esse livro, como toda a Torá, foi elaborado provavelmente entre os séculos 7 e 5 a.C., muito tempo depois dos eventos narrados. “Ele foi escrito numa época em que os hebreus estavam exilados na Babilônia”, diz Chevitarese. “Os autores queriam garantir a coe­são do grupo e reforçar preceitos religiosos e de comportamento para que a identidade da nação não se perdesse.”
O texto sagrado dá conta de que, durante os 40 anos de peregrinação pelo deserto até a Terra Prometida, a Arca manifestou poderes mágicos. Os responsáveis por ela eram sacerdotes conhecidos como levitas. Diante deles, no alto da Arca, entre os dois querubins de ouro, Javé apareceria pessoalmente para se comunicar com os hebreus e orientá-los em sua jornada. “A descrição da Arca e de seus poderes faz sentido com o misticismo dos povos nômades daquela região e época, quando era comum a adoração a objetos e ídolos”, diz Anne Michaels. “E mesmo o surgimento do deus único dos hebreus, que substitui os ídolos, manteve paradoxalmente uma representação de seu poder, a Arca, que não deixava de ser um objeto a ser adorado.”

BELELÉU
No momento em que os hebreus encontraram a Terra Prometida, de acordo com o fim da Torá, Moisés morreu – aos 120 anos, ele deixava seu povo no destino indicado por Javé. Mas, se a terra tinha sido prometida aos hebreus, esqueceram-se de avisar os outros povos que moravam no que hoje é Israel e a Palestina. Por volta do século 13 a.C., a região era uma colcha de retalhos, onde o poder era exercido por cidades-estados que guerreavam entre si. Os hebreus eram apenas mais um punhado de tribos que lutavam para se manter por lá. A Bíblia menciona que, nessa época, a Arca acompanhava os hebreus nos confrontos contra cidades como Jericó, Maceda e Hebron. Era usada como estandarte de batalha – para os hebreus, ela era o motivo de suas sucessivas vitórias militares.
Segundo a Bíblia, nas décadas de luta por Canaã, pelo menos uma vez o objeto sagrado foi tomado por outro povo. De acordo com o livro de Samuel, que narra fatos que teriam acontecido perto de 1200 a.C., os filisteus capturaram a Arca e a levaram para três cidades diferentes: Asdobe, Ecrom e Bete-Semes. Em todas, ela teria provocado acontecimentos estranhos: estátuas amanheciam com as cabeças decepadas, ratos atacavam as casas com violência e, como se não bastasse, pessoas tinham surtos de hemorróidas. Quem encostasse na Arca morria na hora. Assustados, os filisteus devolveram o objeto a seus donos.
Os hebreus esconderam a Arca na cidade de Quiriate-Jearim. Ela teria sido levada para Jerusalém quando o lendário Davi se tornou rei, por volta de 1000 a.C. De acordo com a tradição, ele projetou um templo grandioso para abrigá-la. A obra coube a seu filho, Salomão, que teria reinado do rio Eufrates (no atual Iraque) ao Egito, entre 970 a.C. e 931 a.C. O primeiro Templo de Jerusalém é descrito com 26,6 metros de comprimento, 8,88 metros de largura e 13,3 metros de altura. Era feito de pedra e, do lado de dentro, revestido com cedro coberto de ouro. No centro do edifício, concluído em 965 a.C., uma área isolada, chamada Sagrado dos Sagrados, foi construída só para abrigar a Arca. Era um quarto em forma de cubo, com 8,88 metros  de lado, revestido de ouro puro. A Arca ficaria depositada sobre um altar de madeira recoberto por ouro. Apenas iniciados, como levitas e profetas, podiam entrar lá.
Se não há registro de que Moisés tenha existido de fato, Davi e Salomão parecem mesmo ter reinado entre os hebreus. O que se discute é se pai e filho foram tão grandiosos como diz a tradição. “Ambos unificaram o povo hebreu, que desde os tempos de servidão no Egito vivia disperso em 12 grupos diferentes, chamados tribos de Judá”, diz o historiador Hans Borger. “Mas tudo indica que Salomão foi um rei bem mais modesto, e que o templo que ele construiu não era tão extraordinário quanto diz a tradição. Não existem registros arqueológicos dessas obras grandiosas descritas pela Bíblia.”
Depois da morte de Salomão, as 12 tribos de Judá (cujos membros ficaram conhecidos como judeus) se dividiram em dois grupos, com dez delas ao norte e duas ao sul. A nova estrutura política dos hebreus se sustentaria até o ano 721 a.C., quando os assírios dominaram o norte do reino. O sul, incluindo Jerusalém, cairia cerca de um século e meio depois, em 586 a.C., diante da invasão dos babilônicos liderados por Nabucodonosor II, que arrasaram o Templo. Esse evento marca o desaparecimento da Arca dos relatos bíblicos. A última referência a ela está no capítulo 2 do segundo livro dos Macabeus. Prevendo a invasão dos babilônicos, o profeta Jeremias teria retirado a Arca do Sagrado dos Sagrados e escondido-a no monte Nebo  o mesmo local, às margens do mar Morto, onde se acredita que Moisés foi enterrado.
O monte Nebo fica na atual Jordânia, a 10 quilômetros de uma cidade chamada Madaba. A Bíblia afirma que a Arca foi escondida numa gruta, cuja entrada foi obstruída por Jeremias. Arqueólogos já reviraram o local de cima a baixo e não acharam nada parecido com um baú dourado. Se a Arca ficou mesmo lá, não é difícil acreditar que nos últimos 2500 anos alguém a tenha encontrado antes dos pesquisadores. Mas, como costuma acontecer, a Bíblia talvez não possa ser interpretada ao pé da letra quando se refere ao destino da Arca.
Segundo o arqueólogo israelense Dan Barat, dizer que algo foi para o monte Nebo significa, na cultura judaica, que a coisa foi esquecida – mais ou menos como quando dizemos, no Brasil, que algo “foi para o beleléu”. “Quando o texto bíblico diz que a arca foi deixada no monte Nebo, na verdade está afirmando que ela jamais será vista novamente”, afirma (veja entrevista na pág. 33). A tese de Barat, que já foi consultor do Vaticano para a história de Jerusalém, faz sentido se comparada às referências a um texto apócrifo (não reconhecido pela Igreja) atribuído a Jeremias e já desaparecido. Segundo ele, a Arca teria sumido na destruição do Templo.
Se Jeremias não tirou a Arca do Templo, ela pode ter sido capturada pelos babilônicos. Essa possibilidade é defendida por alguns estudiosos, mas esbarra em algumas evidências. A lista de objetos levadas de Jerusalém para a Babilônia é conhecida, e nela não consta a Arca. A menos que os saqueadores tenham deliberadamente mantido o roubo em segredo, o objeto não chegou a ir para a Babilônia.
Mas a Arca pode ter sido escondida em Jerusalém mesmo, bem antes da chegada dos babilônicos. Essa versão também está na Bíblia, embora entre em contradição com o relato sobre Jeremias no livro dos Macabeus (que, é bom lembrar, não faz parte das Bíblias protestantes). Por volta de 626 a.C., o rei Josias teria colocado a Arca em um buraco sob o Templo de Salomão. O Talmude, tradicional compilação de leis e textos judaicos, sustenta essa versão e afirma que, no local onde havia o Templo, existe uma passagem secreta que leva a esse esconderijo. Mas, se Josias ocultou a arca em Jerusalém, fez isso tão bem que nem seu povo conseguiu encontrá-la.
Com a invasão babilônica, os judeus foram obrigados a ficar longe de Jerusalém até 539 a.C., quando a Pérsia conquistou a cidade e permitiu que eles voltassem. Em 515 a.C., no mesmo lugar do primeiro, foi erguido o segundo Templo de Jerusalém. Dentro dele, foi reconstruído o Sagrado dos Sagrados. Mas, dessa vez, o cômodo já não guardava mais a Arca. Pelo menos foi o que disse o general romano Pompeu, que invadiu a cidade quatro séculos depois, em 63 a.C., e exigiu entrar lá. Ao sair, afirmou não entender por que os judeus davam tanta importância a um quarto vazio. Os romanos levavam a sério os saques, uma das principais atividades econômicas do grande Império. Acostumados a listar as riquezas tomadas dos outros, os romanos também não fizeram menção à Arca.
O Império Romano expulsou os ju­deus da região de Jerusalém. Mas os cristãos acabaram sendo expulsos também, por muçulmanos. Até a época das Cruzadas (o esforço de reconquista da Terra Santa pelos cristãos), a Arca permaneceu esquecida. Por volta do ano 1118, surgiram boatos de que a Ordem dos Cavaleiros Templários, um grupo de cristãos que pretendia defender os peregrinos nas Cruzadas, teria resgatado a Arca na Palestina. O objeto teria ficado nas mãos do monge francês Bernard de Clairvaux para, depois, sumir novamente. “Como tudo o que envolve os Templários, esses boatos são difíceis, senão impossíveis de averiguar”, diz o historiador Hans Borger.
Em meio a tanta incerteza, existe um grupo que afirma saber onde está a Arca. Os monges cristãos da Igreja Santa Maria de Sião, instalada no vilarejo Axum, na Etiópia, se dizem guardiães do objeto. A Arca teria sido levada para lá por volta de 950 a.C., pelas mãos de Menelik, filho do hebreu Salomão com Makeda, conhecida como a rainha de Sabá. Sabe-se que esse reino ocupou o que hoje são a Etiópia e parte da Eritréia e do Iêmen até ser dominado durante a expansão do Islã, no século 7. Há indícios de que a rainha de Sabá existiu, mas nenhum dado concreto sustenta que Makeda tenha tido um filho com Salomão. Apesar disso, a dinastia que governou a Etiópia até 1947 se dizia descendente direta de Menelik.
De acordo com os monges etíopes, a Arca está num templo perto do lago Zway, acessível apenas por um sacerdote guardião. Todos os anos, arqueólogos pedem acesso ao local para comprovar a história. Nenhum jamais foi autorizado a entrar. O argumento para tanto segredo é simples: apenas o guardião, nomeado pelos monges, pode olhar para o objeto sem morrer. O jornalista escocês Graham Hancock, ex- correspondente da revista britânica The Economist na África, escreveu um livro – Em Busca da Arca da Aliança – dizendo que os monges falam a verdade. Mas nem ele pôde entrar na caverna para conferir.
Atualmente, apesar do que dizem os monges da Etiópia, as buscas se concentram em Jerusalém, onde todas as escavações esbarram em intrincadas disputas políticas, religiosas e militares. Em 1982, por exemplo, o rabino israelense Yehuda Getz organizava pesquisas em uma caverna sob o local em que teria existido o primeiro Templo. A poucos metros de chegar ao fim dos trabalhos, teve de interrompê-los por causa dos protestos da comunidade árabe.
Mesmo que nunca seja achada, a Arca ainda é referência para os cristãos e, principalmente, para os judeus. Toda sinagoga tem, até hoje, uma área chamada Sagrado dos Sagrados, dedicada à aliança de Deus com os homens. “Graças à Arca, nossa história faz todo sentido”, diz o rabino americano Barry Kornblau, do Centro da Torá de Hillcrest, em Nova York. “Acredito que ela continuará desaparecida por bastante tempo. Quando reaparecer, representará uma renovação para a humanidade.”

A ciência tenta explicar a Bíblia
A arqueologia não está sozinha no desafio de desvendar as escrituras.
O que é mito e o que é realidade nos relatos bíblicos? Responder a essa pergunta é uma das principais missões dos pesquisadores que vasculham as milenares camadas de construções que recobrem Israel e arredores. E, de tempos em tempos, um achado arqueológico parece confirmar as palavras da Bíblia. Em 1993, pesquisadores israelenses encontraram em Tel Dan, no norte do país, uma pedra de basalto datada do século 9 a.C. com uma inscrição em aramaico dizendo “Casa de Davi”. Pode ser uma coincidência, é verdade. Mas pode ser um sinal de que o rei e seu palácio existiram mesmo. A parte da Bíblia que mais desperta a curiosidade dos pesquisadores é o Êxodo. Para explicar alguns detalhes da fuga de Moisés do Egito, a arqueologia ganha a companhia de ciências como a física e a biologia. Um exemplo é o caso da Sarça Ardente, o galho de árvore que, segundo as escrituras, queimava sem nunca se consumir. Segundo os cientistas, a planta incandescente estaria localizada em uma área de grande atividade vulcânica e um jato de gás subterrâneo explicaria o fogo constante. As pragas divinas que teriam assolado os egípcios também seriam fenômenos naturais – o rio Nilo transformado em sangue, por exemplo, seria resultado do excesso de algas vermelhas na água.

Caminho sagrado
Veja por onde teria passado a Arca
A Bíblia afirma que a Arca da Aliança surgiu durante o Êxodo, a ida dos hebreus à Terra Prometida, e desapareceu nove séculos depois, na época da invasão de Jerusalém pelos babilônicos. Este mapa é uma tentativa de reconstituir, passo a passo, o caminho que teria sido percorrido pela Arca. Para isso, a descrição bíblica foi unida ao conhecimento arqueológico sobre antigas cidades e povos do Oriente Médio.

Primeira parte do êxodo (APROXIMADAMENTE 1300 A.C.)
Fugindo da escravidão no Egito, os hebreus teriam partido de uma cidade chamada Ramsés e, dois anos depois, chegado ao monte Sinai. A rota do Êxodo ao lado foi proposta pelo cientista inglês Colin Humphreys em 2003.

1. Caixa de Deus
Dois anos depois de sair do Egito, o líder Moisés recebe os Dez Mandamentos no monte Sinai (que seria o monte Bedr, na atual Arábia Saudita). Para guardá-los, o hebreu Beseleel constrói a Arca da Aliança.

2. Promessa cumprida
Os hebreus chegam à região conhecida como Canaã, a Terra Prometida, 40 anos após deixar o Egito. Depois de sobreviver a várias batalhas, a Arca é mantida na cidade de Siló, sob a proteção do sacerdote Eli.

3. Crime e castigo
Por volta de 1050 a.C., os filisteus atacam os hebreus e levam a Arca consigo. O objeto sagrado passa a causar mortes e doenças e acaba sendo devolvido aos donos, que o levam para Quiriate-Jearim.

4. Casa própria
O rei hebreu Davi decide levar a Arca para Jerusalém, cidade conquistada por ele em torno do ano 1000 a.C. Seu filho, Salomão, constrói um templo para guardar a Arca, que fica pronto em 965 a.C.

5. Esconderijo final
Em 586 a.C., os babilônicos invadem Jerusalém e destroem o templo. Mas, antes disso, o profeta Jeremias retirou a Arca da cidade, escondendo-a numa caverna no monte Nebo, na atual Jordânia.

A longa lista de suspeitos
Muitos povos passaram por Jerusalém após o sumiço da Arca.
Nada de monte Nebo, Etiópia ou Babilônia: há quem diga que a Arca continuou em Jerusalém mesmo após a destruição do templo em que ficava. O problema é que, nos últimos 2500 anos, vários povos conquistaram e reconquistaram a cidade. E todos eles podem ter encontrado a Arca.

537 a.C.
Os persas derrotam os babilônicos e seu rei, Ciro, devolve Jerusalém aos judeus. As obras do novo Templo são concluídas em 515 a.C.

332 a.C.
O líder macedônio Alexandre, o Grande, derrota o rei persa Dario e conquista a Palestina. Rumo à Ásia,  passa por Jerusalém.

320 a.C.
Três anos após a morte de Alexandre, Jerusalém é capturada pelo faraó egípcio Ptolomeu I.

198 a.C.
Os selêucidas tomam a Palestina e saqueiam o Templo. Mas, liderados por Judas Macabeu, os judeus recuperam a cidade sagrada.

63 a.C.
A Palestina é anexada ao Império Romano. No ano 70, após uma revolta em Jerusalém, o Segundo Templo é arrasado pelo imperador Tito. Em 135 o imperador Adriano refunda a cidade com o nome de Aelia Capitolina. Expulsos de lá, os judeus só retornariam em 438.

614
A Pérsia toma Jerusalém do Império Bizantino. Quinze anos depois, os bizantinos retornam e exigem que os judeus se convertam ao cristianismo.

638
Seis anos depois da morte do profeta Maomé, fundador do Islã, o califa Omar toma Jerusalém e permite o retorno dos judeus.

1099
Liderados por Godfrey de Bouillon, os cavaleiros cristãos da Primeira Cruzada capturam Jerusalém e expulsam judeus e muçulmanos.

1187
A cidade é retomada pelos muçulmanos, liderados pelo general curdo Saladino

1244
A dinastia muçulmana Ayyubid anexa Jerusalém. Em 1260, um grupo de ex- escravos dos Ayyubid, os mamelucos, se rebela e conquista a cidade.

1517
Os turcos otomanos do sultão Selim I chegam a Jerusalém e a ocupam pacificamente, sem resistência dos mamelucos.

1917
Durante a Primeira Guerra, os ingleses conquistam a Palestina. Três décadas depois, após o fim da Segunda Guerra, aceitam sair de lá.

1948
O Estado de Israel declara independência e fica com Jerusalém Ocidental. O lado oriental, mais antigo, é controlado pela Jordânia. Em 1967, os israelenses derrotam os árabes e dominam toda a cidade.

Lá ou cá
Fora do roteiro bíblico, há dois destinos que podem abrigar a Arca hoje em dia.

Conexão africana

Entre as supostas amantes de Salomão está Makeda, a rainha de Sabá (um antigo reino africano). Menelik, filho dos dois, teria nascido no século 10 a.C. Após ir a Jerusalém conhecer o pai, teria levado a Arca embora. Hoje em dia, em Axum, na Etiópia, monges juram guardar a relíquia num templo (foto).

Butim babilônico
Há versões que afirmam que a Arca não foi retirada do Templo de Jerusalém antes da invasão babilônica, em 586 a.C. Dessa forma, o baú teria ficado à mercê das tropas de Nabucodonosor II, que poderiam tê-la levado para a Babilônia (no atual Iraque), mesmo sem listá-la entre os objetos confiscados.

"A arca está em Jerusalém"
Mas o pesquisador que afirma isso acha que ela nunca será encontrada
O arqueólogo israelense de origem polonesa Dan Barat (foto), de 69 anos, é um dos maiores especialistas na história de Jerusalém. Depois de passar 40 anos pesquisando os subterrâneos da cidade, Barat não tem dúvidas: a Arca da Aliança ainda está no local onde Salomão fez um templo para guardá-la.

Por que, depois de Salomão, a arca praticamente desaparece da Bíblia?
Quando Salomão trouxe a Arca para o Templo, seu valor como sinal da aliança com Javé terminou. A partir daí, todo o Templo passou a ter essa função. É por isso que não ouvimos mais falar dela até os dias do profeta Jeremias.

Que escondeu a Arca antes que os babilônicos destruíssem o Templo, em 586 a.C., certo?
O livro dos Macabeus afirma que Jeremias a escondeu no monte Nebo. Mas, na cultura judaica, o monte Nebo costuma ser mencionado como sinônimo de “esquecimento”. Quando a Bíblia cita o monte Nebo, está afirmando que a Arca jamais será vista de novo.

A Arca foi destruída, então?
Não, ela está inteira, e em Jerusalém. O Talmude diz que, depois dos babilônicos, a Arca continuava no Templo.

O senhor quer encontrá-la?
Não estou procurando pela Arca. Nem acredito que ela vá ser encontrada.

Mas achá-la não seria espetacular?
Sim, é o sonho de todo arqueólogo. Mas a Arca já cumpriu sua missão e não vamos conseguir resgatá-la tão cedo. Ela ressurgirá no momento certo.

 Aventuras na História n° 044

A história do onipresente PC


Mário Araujo
Os principais momentos da história do computador pessoal.
Criação coletiva, o computador pessoal é resultado de múltiplos experimentos e da junção de peças desenvolvidas por diferentes fabricantes. O primeiro nada mais era do que uma simples máquina de escrever com monitor. Hoje há exemplares minúsculos, capazes de realizar múltiplas tarefas em poucos segundos.

1970 - Alto
O primeiro protótipo de um computador pessoal da Xerox, o Alto, que nem chegou a ser vendido, era uma tela vertical de televisão acoplada a um teclado e a uma caixa, que guardava os programas. A tela mostrava ícones, acionados pelo mouse, criado em 1965.

1975 - Altair
O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) coloca a venda o primeiro PC, o Altair. As peças vinham separadas e tinham que ser montadas pelo usuário. Assinado por Bill Gates e Paul Allen, que tinham 18 anos, o programa Basic permitia que o computador fosse operado.

1976 - Apple I
A gigante Apple nasce com três sócios – Steve Jobs, Stephen Wozniak e Ron Wayne – numa garagem californiana e cria um concorrente para o Altair, o Apple I. Ele já vinha montado, facilitando a vida do usuário.

1979 - Apple II
O Apple II trouxe uma novidade que revolucionou o mercado de computadores até então, despertando o interesse das grandes corporações. Era o VisiCalc, a mãe das planilhas de cálculos. O novo produto foi responsável por dobrar o valor da Apple como empresa em menos de um ano.

1981 - IBM-PC4
Por 1565 dólares e com 16 kB de memória, a IBM colou à venda seu primeiro PC. Saíram mais de 50 mil unidades em um ano. Neste ano surge o primeiro notebook. Lançado pela Osborne Computer, custava 1800 dólares e pesava 12 quilos.

1983 - Word para MS-DOS
A Microsoft de Bill Gates anuncia a versão 1.0 do editor de textos Word para o sistema operacional MS-DOS. Com o editor de textos simples, a informação poderia ser escrita e armazenada no micro. Foi uma revolução: quase todos os PCs da época, com exceção dos da Apple, possuíam o MS-DOS.

1984 - Internet
O escritor William Gibson cria o termo ciberespaço e teoriza no livro Neuromancer sobre o espaço virtual, que um dia seria desenvolvido e faria parte da vida de todas as pessoas. A internet, rede que liga computadores de todo o mundo, nasceu primeiro no papel para depois se tornar realidade.

1993 - Pentium I
A Intel cria o processador Pentium I, com 3,1 milhões de transistores e 100 mips (milhões de instruções por segundo). Com ele, os computadores ficaram até três vezes mais velozes e eram capazes de executar vários programas ao mesmo tempo.

1994 - Netscape
A princípio, a internet era usada apenas em universidades. A Netscape mudou isso quando lançou um programa de fácil navegação na rede: o usuário apenas digitava um endereço eletrônico para ir à página desejada. O programa também exigia comandos simples para enviar e receber e-mails.

1995 - Windows 95
Criado pela Microsoft, fundia os sistemas MS-DOS e Windows, transformando um simples programa num sistema operacional complexo. Vendeu mais de 1 milhão de cópias em quatro dias e se tornou o sistema básico dos PCs fabricados desde então.

Aventuras na História n° 044

O passado à deriva com o aquecimento global


Rodrigo Cavalcante
Relatório da ONU mostra que as mudanças climáticas também ameaçam sítios arqueológicos e patrimônios históricos.
Por volta do século 7, a cidade portuária de Alexandria, no Egito, sofreu uma perda irreparável: um incêndio devastou o acervo de sua biblioteca, que pode ter abrigado até 700 mil rolos de papiro com as obras mais importantes da Antiguidade. Em pleno século 21, a cidade passa por uma nova ameaça. Desta vez, provocada pelas recentes mudanças climáticas: a erosão costeira causada pela elevação do nível do mar pode destruir os mais importantes monumentos históricos de lá. Entre eles, os da cidadela de Qait Bey, do século 15, onde está localizado um forte construído sobre a fundação do famoso Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo.
Segundo a publicação The Atlas of Climate Change (“O Atlas da Mudança Climática”), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no fim do ano passado, Alexandria é um entre dezenas de outros locais históricos ameaça­dos pelo aquecimento global. “As mudanças climáticas estão causando impacto em todos os aspectos, naturais ou humanos, incluindo o patrimônio  histórico e cultural”, diz o diretor-geral da Unesco (divisão da ONU que cuida da Educação, Ciência e Cultura), Koichiro Matsuura. Segundo ele, a proteção desses locais tem que se tornar uma preocupação intergovernamental urgente.
Se nada for feito, outros pontos históricos poderão sumir do mapa. No nordeste da Tailândia, inundações já danificaram as ruínas de Ayutthaya, capital do país do século 14 ao século 18. E a ameaça não vem apenas do aumento do nível das águas do mar, de lagos e de rios. A mesquita Chinguetti, na Mauritânia, está ameaçada de ser engolfada pela desertificação provocada pelas mudanças no clima. Nem os países ricos estão livres, já que as inundações na Europa, em 2002, atingiram antigos museus e bibliotecas, danificando cerca de 500 mil livros e documentos.

Estado de emergência
Milhares de locais históricos correm o risco de desaparecer.

Escócia
Cerca de 12 mil sítios arqueológicos estão ameaçados pela erosão provocada pela elevação do nível do mar. Entre eles, obras medievais feitas à base de sal na cidade de Brora, um sítio da Idade do Ferro na baía de Sandwich e um acampamento viking em Baileshire.

Egito
Monumentos do século 15 de Alexandria, nas margens do Mediterrâneo, estão ameaçados pela erosão costeira provocada pelo aumento do nível do mar, como o forte de Qait Bey, construído sobre a fundação do antigo Farol de Alexandria.

Peru
O acelerado derretimento das geleiras do Parque Nacional de Huascarán pode provocar cheias e atingir Chavín de Huatar, um dos mais importantes sítios arqueológicos da América, com tesouros anteriores aos incas.

Mauritânia
Conhecida como a sétima cidade santa do Islã, a cidade de Chinguetti, do século 12, está ameaçada de desertificação. Boa parte dos edifícios da cidade, como a mesquita famosa por sua coleção de antigos manuscritos islâmicos, pode ser destruída.

Tailândia
A cidade de Ayutthaya está ameaçada por inundações. As ruínas históricas do local destruído pelo exército birmanês em 1767 – e que já serviu de cenário para filmes como Mortal Kombat  correm risco de ser engolidas pelas águas.

Aventuras na História n° 044

Os óculos de Lampião


Betina Moura
Cangaceiro os usava para esconder a cegueira em um dos olhos.
Nos primeiros dias de agosto de 1925, o bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), fazia uma de suas muitas incursões pelo sertão pernambucano. Os cangaceiros foram surpreendidos por agentes do governo e começou um tiroteio. Um dos membros, Livino – o irmão mais novo de Lampião –, foi atingido. O líder reagiu. No confronto, um soldado atirou em um cacto e a bala da escopeta fez com que um espinho fosse parar no olho direito de Lampião.
Livino acabou morrendo. Lampião, levado à cidade de Triunfo, perto do campo de batalha, foi atendido por um médico que retirou o espinho, mas não conseguiu salvar o olho do cangaceiro. Resultado: ele ficou cego de um olho. “O bom humor o impedia de esconder o problema, e ele brincava dizendo que não adiantava nada ter dois olhos, pois é preciso fechar um deles para atirar”, diz o pesquisador Antonio Amaury Correa de Araújo, autor de dez livros sobre a história do cangaço. O incidente transformou o cangaceiro em canhoto – ao menos na hora de atirar –, mas não atrapalhou sua fama de justiceiro. E o levou a usar óculos até o fim da vida. “Os óculos, que aparecem em quase todas as fotos, escondiam a deficiência de quem não a conhecia e protegiam os olhos do sol escaldante do sertão”, diz Antonio. Há notícia de pelo menos três óculos diferentes – sobre um deles há a história, nunca confirmada, de que os aros eram de ouro.
Dois dos óculos de Lampião, simples, redondos, de aro comum, foram deixados por ele nas casas de pessoas que o abrigaram durante o chamado “ciclo de Pernambuco”, antes de os cangaceiros cruzarem o rio São Francisco em direção à Bahia, em agosto de 1928. Há cerca de oito anos foram doados por essas pessoas à Casa de Cultura de Serra Talhada, em Pernambuco, onde se encontram até hoje.
Sobre os óculos que usava quando morreu, tudo indica que foram entregues para a polícia de Alagoas, que expôs as cabeças dos cangaceiros mortos após dizimar o grupo de Lampião numa emboscada na gruta do Angico, em Poço Redondo, Sergipe. No ataque- surpresa, 11 cangaceiros foram  mortos – entre eles, Lampião e sua mulher, Maria Bonita. A própria polícia promoveu a rapinagem do tesouro do bando. Ficaram com eles jóias, dinheiro, perfumes e tudo o mais que tivesse valor – inclusive os óculos.

Aventuras na História n° 044

Histórias de reis


Cláudia de Castro Lima
Cruel com a mulherada

São famosos os amores do rei Pedro I de Castela, o Cruel, no século 14. Casou-se com Branca de Bourbon e a abandonou horas depois para viver com Maria de Padilha. Ainda casado, se encantou com Joana de Castro, irmã da rainha de Portugal, convenceu-a de que seu matrimônio havia sido anulado e promoveu um casamento público – mas falso. Tanto esforço... para abandoná-la no dia seguinte. Bem se vê que não foram só por seus feitos de guerra que ele era “o Cruel”.

Profecia cumprida
Diz a lenda que os oráculos avisaram Agripina certa vez que, quando seu filho Nero fosse imperador, a mataria. Ao assumir o poder, Nero teve trabalho para cumprir a profecia. Tentou envenená-la três vezes, sem sucesso. Só conseguiu o feito com ajuda da guarda romana, alegando que Agripina era conspiradora. Na hora da morte, ela teria dito, levantando a blusa: “Golpeie nesses peitos que alimentaram um monstro”.

Consciência leve
Frederico, o Grande, rei da Prússia entre 1740 e 1786, além de chegado a uma guerra, era um cético em relação ao avanço da medicina. Certa vez, conversando com seu médico, Hans Zimmermann, perguntou: “Diga-me, doutor: quantas mortes pesam em sua consciência?” O médico respondeu, sem pestanejar: “Umas 300 mil a menos que na do senhor, majestade”.

Aventuras na História n° 044

Datas históricas


Dia 3- Victor Hugo, considerado um dos maiores romancistas franceses da história, publica simultaneamente nas cidades de Paris, Leipzig, Bruxelas, Budapeste, Milão, Madri, Roterdã, Varsóvia e Rio de Janeiro o livro Os Miseráveis. A edição parisiense, de 7 mil exemplares, se esgotou em 24 horas. Sucesso imediato para o autor, que começara a escrever a obra 17 anos antes. Em 1862, em Paris.
Dia 6- Após terem sido banidos pelo imperador romano Teodósio I, em 393, por serem uma festa pagã em homenagem aos deuses, os Jogos Olímpicos recomeçam. Na abertura, o rei Georgios I e 60 mil espectadores receberam os atletas de 13 países. Em 1896, em Atenas.

Dia 16- Forças da Tríplice Aliança, formada por Argentina, Brasil e Uruguai, cruzam o rio Paraná e invadem o Paraguai, durante a Guerra do Paraguai. O conflito, iniciado dois anos antes, durou até 1870. No total, cerca de 300 mil pessoas morreram – estima-se que 70% da população paraguaia perdeu a vida. Em 1866, no rio Paraná.
Dia 18- O conselho municipal de Sevilha recebe a primeira carta transatlântica. Escrita pelo médico real Diego Chanca, foi enviada da América, onde ele acompanhava Cristóvão Colombo. Em 1494, em Sevilha, na Espanha.

Dia 19- Começa o mas­sacre dos judeus em Lisboa, primeiro pogrom (violência contra o povo judeu) da era moderna, após um judeu convertido ao cristianismo duvidar de um milagre e ser morto. O massacre vitimou cerca de 3 mil pessoas. Em 1506, em Lisboa.
Eu me lembro
"Começaram a matar todos os cristãos novos que achavam pelas ruas. Os corpos mortos e os meio vivos lançavam e queimavam em fogueiras (...). Foram (...) às casas em que viviam (...) e tirando-os delas de arrasto pelas ruas, com seus filhos, mulheres e filhas, os lançavam (...) nas fogueiras, sem nenhuma piedade, e era tamanha a crueza que até (...) as crianças que estavam no berço as executavam."
Relato de Damião de Góis, cronista oficial de dom Manuel, rei de Portugal.

Dia 19- Um caminhão-bomba explode em frente ao edifício Alfred P. Murrah, no centro de Oklahoma, e mata 168 pessoas. O atentado destruiu o prédio e abriu uma cratera de 9 metros de largura. Em 1995, nos Estados Unidos.
Eu me lembro
"Estava no trabalho, a 19 quilômetros da explosão, e de lá ouvi claramente o barulho. Uma nuvem densa de fumaça ficou visível no horizonte. A confirmação do atentado só veio uma hora e meia depois. Fiquei chocado. Quatro dias depois visitei o local. A devastação e o cheiro de queimado, lama e carne podre eram terríveis. Nunca mais esquecerei o que vi."
Michael Laprarie, morador de Oklahoma, redator publicitário.

Dia 21 -Internado desde março, na véspera da posse e após sete cirurgias, o presidente eleito Tancredo Neves morre vítima de infecção generalizada. O vice-presidente, José Sarney, assumiu o cargo no dia seguinte. Em 1985, em São Paulo.
Dia 26- Durante a Guerra Civil Espanho­la, os alemães, que apoiavam Francisco Franco contra os republicanos, bombardeiam a cidade de Guernica, na região do País Basco. Mais de duas horas depois do início do ataque, dos cerca de 7 mil habitantes da cidade, mais de 1600 estavam mortos e outros 889 ficaram feridos. O fato inspirou Pablo Picasso a pintar os horrores da guerra na obra Guernica.  Em 1937, em Guernica, na Espanha

Eu me lembro
Era um domingo à noite e, apesar de ser algo esperado por todos, receber o telefonema com a notícia da morte de Tancredo Neves foi lamentável. Eu era governador do Rio Grande do Norte, fui um dos fundadores da Frente Liberal, que apoiou a campanha dele à presidência, e torci por sua recuperação mesmo sabendo que seria muito difícil que ele assumisse o cargo. Fiquei muito triste, ao mesmo tempo que tinha certeza de que Tancredo havia cumprido seu papel. Ele abriu o caminho para a redemocratização.
Senador José Agripino, PFL/RN

Dia 30- Lembrado por sua perseguição aos cristãos, o imperador romano Galerius emite um édito admitindo a crença no Império. Acredita-se que a mudança de opinião do governante tenha acontecido após ele ter contraído uma doença que sabia ser fatal, a qual temia ser uma vingança do Deus cristão. No mesmo ano da emissão do édito, o imperador morreu. A causa provável da morte foi um câncer de intestino. Em 311, em Roma.
Aventuras na História n° 044