Rodrigo Ratier
Assim como a capirinha, o samba e o Carnaval, o jogo do
bicho é uma invenção brasileiríssima, Otávio. Essa loteria foi criada em 1892
pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do Jardim Zoológico do Rio de
Janeiro. A intenção por trás da idéia era nobre: o barão queria atrair mais
gente para o zôo, compensando o corte de verbas do governo, que mantinha o
lugar. Para alimentar toda a fauna, Drummond mandou imprimir o desenho de 25
bichos nos ingressos. Pontualmente às 5 da tarde, sorteava um deles. Quem
tivesse a figura vencedora ganhava 20 vezes o valor da entrada. "No
início, todo visitante do zôo recebia um bilhete com a imagem de um bicho. Mas,
a partir de 1894, cada um podia comprar quantos bilhetes quisesse. Daquele ano
em diante, o jogo do bicho deixou de ser um simples sorteio e se transformou em
um jogo de azar", afirma a roteirista de cinema Elena Soárez, autora de
uma tese de mestrado sobre o assunto. Para combater as apostas, que se tornaram
uma mania em toda a cidade, a Prefeitura impediu o sorteio em 1895. Mas deu
zebra: em vez de enfraquecer a jogatina, a proibição fortaleceu os bicheiros.
Se antes eles compravam os ingressos no zôo e os revendiam pela cidade, a
partir daquele momento eles se juntaram para realizar o sorteio por conta própria.
Nem a ameaça de cadeia para os bicheiros com a criminalização do jogo, em 1946,
conseguiu segurar a jogatina. Àquela altura, o bicho já era uma mania instalada
no imaginário popular, apoiado em uma rede de relações pessoais e no infalível
"jeitinho brasileiro" para driblar a repressão. O bicho pegou de vez
na década de 80: com os lucros estratosféricos das apostas, os homens fortes do
jogo se uniram com o crime organizado. Eles lançaram tentáculos em pelo menos
seis áreas: tráfico de drogas e de armas, especulação imobiliária,
prostituição, jogos eletrônicos e transporte clandestino, com peruas e
lotações. Mesmo proibido, o bicho continua até hoje com três sorteios diários,
representando uma pequena fatia da grana suja que alimenta os criminosos. "Com
a proliferação das loterias oficiais, dos jogos eletrônicos e dos bingos, o
bicho entrou em decadência e perdeu muito público", afirma Elena.
Mania nacional
Entenda por que esse
sorteio proibido faz tanto sucesso no país.
PULO DO GATO
Mesmo clandestino, o
jogo do bicho sobrevive por mais de um século graças às relações entre
bicheiros e apostadores. Geralmente, os "apontadores" de jogo e seus
"clientes" são pessoas da mesma vizinhança, que discutem juntos as
apostas. O prêmio é pago em dia — um requisito básico para manter a
credibilidade do sorteio — e os apontadores tradicionais sabem de cor o palpite
de seus clientes. Alguns apostadores protegem os bicheiros da polícia,
escondendo-os em suas casas quando passa a fiscalização.
DE GALHO EM GALHO
Por causa da repressão, o resultado do bicho é divulgado de
maneira disfarçada, para não chamar a atenção da polícia. Um dos costumes é
anunciar os animais sorteados em classificados ou em rádios clandestinas. Em
alguns bairros, para evitar que os apontadores sejam pegos com a prova do
crime, os bicheiros pregam os resultados do sorteio em um lugar público - uma
árvore, por exemplo. Cada apostador arranca uma folha com o bicho do dia e leva
o seu "fruto" tranquilamente para casa.
VISÃO ANIMAL
Quem estuda o jogo
garante: a possibilidade de associar os bichos com o dia-a-dia e até com os
sonhos foi fundamental para fixar o jogo no imaginário popular. Para os
apostadores, tudo é motivo para um palpite. Foi traído por um amigo falso?
Jogue no urso. Sonhou com fuga ou perseguição? Aposte no cachorro. Foi roubado?
Crave no gato, pois o felino representa o ladrão. Na sabedoria das ruas, as
combinações são infinitas...
Revista Mundo Estranho Edição 26/ 2004
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