quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

DOS “NORDESTES” AO NORDESTE

Industrialização e planejamento regional unificaram os antigos “nordestes” numa região cuja dinâmica depende dos investimentos do Centro-Sul e da globalização.

A noção espacial do que chamamos hoje de Nordeste é recente, datando do século XX. Desde o período colonial existiram vários “nordestes”, áreas com características geoeconômicas bastante diferenciadas e que mantinham escassas relações entre elas.
O primeiro destes “nordestes” teve como base a cultura canavieira, atividade que se espalhou pela faixa litorânea dos atuais estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas – e tinha em Recife seu principal pólo urbano. Com o tempo, foram se organizando outras regiões com características econômicas e sociais diversas. Na Bahia, constituiu-se um espaço regional polarizado por Salvador, que era sede do Governo Geral.
No Ceará e Piauí, predominavam atividades ligadas à pecuária rudimentar e ao extrativismo, enquanto o Maranhão estava vinculado aos processos de expansão do povoamento da Amazônia. No fim do século XVII, o “nordeste açucareiro” entrou numa longa e contínua decadência. Quase ao mesmo tempo, emergiu no Sertão semi-árido uma região econômica baseada na cultura do algodão e na pecuária extensiva.
Na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento da pequena agricultura comercial e o crescimento de cidades na região do Agreste, diferenciaram-se ainda mais as estruturas geoeconômicas e sociais. No início do século XX, estruturou-se no sul da Bahia o “nordeste cacaueiro”, polarizado pelas cidades de Itabuna e Ilhéus.
Ao longo de quatro séculos, essas evoluções econômicas deixaram como herança enormes desigualdades sociais, uma estrutura fundiária marcada pelo predomínio do latifúndio, especialmente nas regiões canavieiras e no Sertão, e o enraizamento do poder de oligarquias regionais.
As oligarquias nordestinas preservaram seus interesses mesmo após a abolição da escravidão, ingressando no período republicano como elites regionais secundárias.
O Nordeste configurou a principal área repulsora de população do país. Nos séculos XIX e XX, milhões de nordestinos migraram – e não só das áreas atingidas pelas secas – rumo a outras regiões, buscando escapar da miséria e erguer um futuro diferente para seus filhos.
No século XX, a região tornou-se uma peça-chave nas políticas de planejamento regional postas em prática pelo Estado brasileiro. Num primeiro momento, quando se acreditava que a pobreza endêmica da região devia ser explicada exclusivamente pelas secas, fornecer água para as populações do semi-árido figurou como objetivo principal. A oligarquia sertaneja apropriou-se da “política hidráulica”, baseada na construção de açudes e canais com recursos federais, o que deu origem à chamada “indústria da seca”.
O Nordeste passou a ser encarado, efetivamente, como uma unidade regional apenas a partir da década de 1930, quando a marcha da industrialização estimulou as políticas de integração nacional. Mesmo assim, a primeira regionalização oficial do Brasil, de 1946, excluía a Bahia e Sergipe do espaço nordestino. Os dois estados seriam incluídos no Nordeste apenas na divisão regional de 1969.
A concentração da atividade industrial no Sudeste, marca crucial das dinâmicas espaciais do Brasil no século XX, agravou a dependência econômica do Nordeste e acentuou os fluxos migratórios inter-regionais. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), uma agência federal, foi criada em 1960 com a meta de amenizar esse desequilíbrio.
A estratégia principal da Sudene dava ênfase à industrialização do Nordeste, com base em recursos obtidos através de incentivos fiscais e financeiros e também por investimentos estatais destinados a ampliar a infra-estrutura viária e energética da região. No setor agropecuário, a Sudene objetivava promover reformas que levassem à ampliação da produção, através da utilização de técnicas modernas, especialmente de irrigação no semi-árido e da introdução de mudanças na estrutura fundiária da Zona da Mata. Acreditava-se que essas medidas contribuiriam para mudar o perfil social da região.
Extinta em 2001 e recriada em 2007, a Sudene promoveu a diversificação da estrutura industrial, com ênfase no setor de bens intermediários, em detrimento dos bens de consumo não duráveis, anteriormente o principal setor industrial. Quanto à agropecuária, algumas áreas apresentaram significativa modernização, sobretudo aquelas em que se desenvolveram as técnicas de irrigação e de valorização das áreas de cerrado. Mas a reforma agrária na Zona da Mata não ocorreu. O setor serviços, especialmente nas capitais estaduais, passou a ter maior importância e o turismo cresceu muito.
Na década de 1990, com a abertura da economia brasileira, novas formas de intervenção na região foram desenvolvidas.
As condições econômicas, num mundo cada vez mais globalizado, fizeram com que os investimentos industriais fossem destinados ao setor de bens não duráveis (tecidos, vestuário, calçados), na tentativa de aproveitar as vantagens comparativas decorrentes dos baixos custos da mão de obra regional. No setor agrícola, as atenções se voltaram para os novos centros produtores de frutas da região do semi-árido. No setor de serviços, o turismo recebeu prioridade, através do apoio a empreendimentos hoteleiros, principalmente na faixa litorânea.
Hoje, existem focos de dinamismo econômico ao lado de áreas onde sobrevivem as arcaicas estruturas tradicionais.
Nestas, o processo de modernização, quando ocorreu, foi espacialmente seletivo e restrito, permitindo que as oligarquias criassem sucessivos mecanismos de preservação.
Nesses espaços resistentes às mudanças, persistem os velhos esquemas da dominação oligárquica, que se fundamentam na injusta estrutura fundiária e no controle do acesso à água.
Boletim Mundo n° 4 Ano 17

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