O jornal impresso vai acabar? Desde que o jornalismo on line possibilitado pela internet começou a concorrer, em vários sentidos, com o jornal impresso, essa pergunta atormenta especialistas e os principais estrategistas das grandes empresas de comunicação, incluindo o famoso magnata Rupert Murdoch. Afinal, o jornalismo on line transmite as notícias instantaneamente, permite a interação com o leitor, custa bem menos e não agride o meio ambiente como é o caso da indústria da celulose, cuja matéria-prima, o eucalipto, cria imensos “desertos verdes”, além de detritos industriais insolúveis. Em compensação, há inúmeros outros fatores que tornam a questão bem mais complicada do que parece à primeira vista.
Segundo o relatório The State of the News Media – 2008, produzido por um instituto especializado dos Estados Unidos, “os jornais impressos estão longe da morte, mas a linguagem do seu obituário está fervendo. A sua saúde vem declinando ladeira abaixo há tempos, piorou em 2007 e 2008 não ofereceu nenhuma perspectiva de cura.” A indústria dos meios de comunicação de massa americana, por ser a mais avançada do planeta, estabelece os padrões daquilo que acontece nesse setor em todo o mundo, claro que com pequenas variações em cada país. Daí a importância dos estudos feitos nos Estados Unidos. O relatório citado fornece alguns dados alarmantes.A circulação continua diminuindo à razão de 2,5% ao ano para os jornais diários e de 3,3% para os semanários. Paradoxalmente, os jornais abrangem um número cada vez maior de leitores, graças à versão on line, mas isso não se traduz em verbas publicitárias para os veículos, que dependem dessa receita para sobreviver.
Como resultado, as receitas obtidas com publicidade ficaram estáveis em 2006, caíram 7% em 2007 e tendem a cair mais.
Além disso, as despesas com pessoal, impressão e distribuição aumentam, mesmo com cortes dramáticos. Grandes corporações como a Gannett (que edita o USA Today) registraram perdas de 35% ou mais de seu valor, entre 2005 e 2007.
O “lado brilhante” da moeda, segundo o mesmo relatório: o investimento das empresas no jornalismo on line e em web sites cada vez mais interativos começa a dar resultados em termos de receita com publicidade (banners, pop up e outros recursos), mas a um passo muito lento para cobrir os prejuízos acusados pelos jornais impressos. Além do mais, a resistência dos internautas à publicidade virtual indica que os estrategistas da mídia terão que achar caminhos novos para obter lucros.
Uma das possibilidades, adotada por Murdoch, é ceder gratuitamente boa parte do conteúdo das notícias on line, ganhando com isso circulação paga por patrocinadores.
No Brasil, o problema tende a ser ainda mais dramático, dado o baixíssimo número de leitores, cuja contrapartida são os custos cada vez mais elevados de produção (máquinas importadas, preço do papel cotado em dólar, logística de distribuição em um país com dimensões continentais etc.). Apenas para efeito de comparação: a circulação do jornal diário de maior tiragem do Japão é de 14 milhões de exemplares, equivalente ao dobro da soma de todos os jornais diários brasileiros.
Nos Estados Unidos, cerca de 50 milhões de jornais são vendidos diariamente, e lidos por 120 milhões de pessoas.
Aliás, o baixo nível de leitura dos brasileiros também se verifica na indústria dos livros: apenas em Buenos Aires há mais livrarias do que em todo o Brasil, segundo um levantamento feito em 2003.
Apesar de tudo, poucos acreditam que o jornal impresso vai acabar. É mais provável que ele mude a sua função. Assim como a invenção da fotografia mudou a pintura, e a do cinema criou novas vertentes para a fotografia, o mais provável é que o jornalismo on line acabe deslocando o impresso para novos modos de fazer jornal. Alguns teóricos acreditam que a credibilidade historicamente conquistada pelo jornal impresso jamais será transferida para o jornalismo virtual, de natureza mais volátil, dinâmica e, não raro, pouco confiável. Caberia, nesse caso, ao jornalismo impresso a tarefa de produzir um material interpretativo e reflexivo capaz de dar alguma ordem ao caos informativo transmitido via Internet, televisão e os outros meios eletrônicos.
Há, aqui, uma questão de ordem civilizacional: a história da construção da democracia ocidental é inseparável da história do jornalismo impresso. E na sua própria origem estava o cruzamento entre tecnologia (por implicar o acesso à capacidade material de gerar, transmitir e trocar informações), cultura (por serem os meios o suporte que permite a circulação dos bens simbólicos) e político (por serem instrumentos de poder, controle e luta ideológica).
O início dessa história encontra-se na Europa do século XVI, com a conjugação de dois acontecimentos de natureza distinta: a invenção de Johannes Gutenberg (1400-1468) dos tipos móveis metálicos e a revolta de Martinho Lutero (1483-1546) contra a Igreja Católica e seu monopólio sobre a impressão e difusão da Bíblia. A luta pelo direito à expressão por meio do texto impresso rapidamente transbordou os limites do debate teológico e ganhou impulso na Europa, esbarrando nas barreiras impostas pelo absolutismo.
Inspirados pelos ideais iluministas, os revolucionários americanos (1776) e franceses (1789) inscreveram a garantia à liberdade de expressão na constituição de seus países. Os processos revolucionários verificados na Europa, ao longo dos séculos XIX e XX, e os desdobramentos históricos que desembocaram na proclamação dos Direitos Humanos da ONU, em 10 de dezembro de 1948, universalizaram formalmente as liberdades fundamentais, incluindo o direito à liberdade de expressão (artigo XIX).
Sempre houve, obviamente, um abismo entre a declaração formal dos direitos e a prática, claro que de forma diferenciada entre países. Seja por estar concentrada nas mãos de grupos reduzidos de proprietários privados (no caso das democracias capitalistas liberais), seja por ser propriedade exclusiva do Estado (ditaduras e regimes autoritários) ou ainda por uma combinação de ambos, a mídia jamais foi plenamente democrática. Mas foi o advento da mídia impressa que permitiu o surgimento e o desenvolvimento daquilo que hoje conhecemos como “esfera pública” e “sociedade civil”.
O debate que se abre, portanto, não é apenas de caráter empresarial. Ele diz respeito ao futuro da democracia. Estamos apenas no seu começo.
Boletim Mundo n° 2 Ano 17
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