Falar sobre Moscou num breve artigo é para mim difícil. Porque já tenho tanta estrada de Moscou, onde vivi dois anos e meio entre 1994 e 1997, passei férias praticamente todos os anos desde então e agora, novamente, moro na cidade há oito meses. Além disso, sou casado com uma russa e temos duas filhas. Não dá para resumir num artigo minha relação com Moscou ou como vejo e penso a capital da Rússia, atualmente. Melhor escolher apenas uns pontos pouco usuais e emitir algumas opiniões.
Não pretendo mencionar números do tipo população, renda per capita etc. Isto se encontra na Internet. Vou citar apenas uma estatística, para se ter uma idéia da revolução pela qual passa a Rússia: a economia cresce 6,5% ao ano desde 1999, surfando a alta mundial dos preços do petróleo e do gás natural, que representam parcela substancial das exportações do país. Moscou concentra boa parte desse crescimento, por ser capital política, econômica e cultural – uma soma de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.Na Rússia, dois sinais de prosperidade de uma cidade são o percentual de carros importados e a quantidade de novos prédios residenciais. Em Moscou, esse percentual deve estar na faixa de 80% do total e os condomínios de luxo pululam por toda parte. É a segunda melhor capital da Europa para novos projetos imobiliários, após Istambul. Há dez anos, quando morei aqui como diplomata (hoje trabalho no setor privado, em comércio exterior), no máximo 10% da frota era formada por importados.
E não me lembro de ter visto muitos prédios em construção.
Outra coisa: não havia nenhum shopping center na cidade, exceto o GUM da Praça Vermelha, que era bem fraquinho.
Hoje, Moscou deve ter quase o mesmo número de shoppings de São Paulo, certamente mais do que no Rio de Janeiro.
Além das lojas para consumo de classe A, que se aglomeram no centro, onde há todas – rigorosamente todas – as melhores grifes européias. Como as fortunas russas têm mais ou menos uma década, há uma febre consumista extraordinária, exibicionista, narcisista.
Nas amplas avenidas de Moscou ou nas ruelas do centro antigo, Porsche Cayenne e outros modelos do gênero são figurinhas fáceis – como, digamos, o Pajero Full em São Paulo. A classe média também é emergente e está se vestindo cada vez melhor, sendo coisa do passado as pessoas se vestirem de maneira mais ou menos uniforme na Rússia, sobretudo em Moscou. O padrão é quase europeu das melhores cidades, com uma diferença interessante: em Moscou, vê-se nas ruas muito mais gente jovem!
Uma coisa que não mudou, porque sempre funcionou muito bem, é o metrô moscovita: onipresente e de alta eficiência.
Claro, é lotadíssimo nos horários de pico, mas a população é tão acima da média de bonita, que um passeio nesses horários é recomendável. Para o moscovita, o metrô é opção relativamente confortável nos dias de trânsito infernal, do qual curiosamente muitos aqui parecem se orgulhar, como sinal de progresso.
No quesito restaurantes, a capital russa ainda deixa a desejar. A quantidade e a variedade já é enorme, mais do que no Rio de Janeiro, menos do que em São Paulo.
Mas a classe média, que é no fundo quem carrega o piano do capitalismo em qualquer país, ainda não tem o hábito de sair a comer como, por exemplo, em Buenos Aires. Há exceções, cada vez mais freqüentes, de restaurantes com boa relação preço- qualidade, o que requer arte e tradição.
Assim, vai levar algum tempo até Moscou conquistar excelência nisso.
Por ser um tema urgente no Brasil, falemos de segurança. Segundo a ONU, a Rússia é um país violento, logo após Colômbia e Venezuela, tecnicamente empatado com o Brasil. Mas a violência aqui não atinge as pessoas aleatoriamente. Ela está concentrada em guerras em fronteiras remotas, nas disputas mafiosas e em acertos de contas em geral. Não se parece com a violência urbana no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Pode-se caminhar na rua à noite sem sobressalto, salvo abordagem da própria polícia para pedir documentos, mas sem arma apontada.
Agora alguns lugares imperdíveis, além da Praça Vermelha: a Universidade Estatal de Moscou, a Catedral de Cristo Salvador (que tem uma enorme cúpula de ouro maciço), a galeria Tretchakóvsky (sobretudo a ala dos pintores realistas russos dos século XIX), o restaurante Pushkin, um dos mais sofisticados de Moscou, e o Mosteiro de Novodévchy, no centro-sul da cidade. A ir a algum shopping, sugiro o Mega, onde a loja âncora principal é a IKEA.
Jim O’Neill, do banco de investimentos Goldman Sachs, inventou a sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) para destacar aquelas que seriam as novas grandes potências da globalização. Uma visita a Moscou evidencia que, por aqui, todos os que estão ganhando dinheiro acreditam na profecia de O’Neill. É um giro e tanto nas expectativas de um país que há apenas uma década estava desacreditado, e que conhece ciclos sucessivos de euforia e depressão.
Boletim Mundo n° 1 Ano 15
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