terça-feira, 17 de janeiro de 2012

POLÔNIA EM DOIS TEMPOS

Luiza Villaméa

Quando estive pela primeira vez na Polônia, no final de 1981, os estaleiros Lenin, da cidade portuária de Gdansk, eram um símbolo de liberdade. Lech Walesa, um eletricista magro e bigodudo, demitido pouco tempo antes, havia pulado os muros dos estaleiros para comandar uma greve que se alastrou pelo país. Acuado durante as negociações com os grevistas, o governo comunista polonês permitira a criação de um sindicato livre – o  Solidariedade.
Em todo o mundo, os estaleiros, que já lançaram mais de mil navios ao mar, haviam ganhado notoriedade na mesma proporção que o líder sindical. No meu retorno a Gdansk, no final de 2008, encontrei os estaleiros em situação oposta à da cidade que o abriga, na foz do rio Vístula. Enquanto Gdansk se reinventou para o capitalismo e exala dinamismo, o antigo carro chefe da indústria naval polonesa está com os dias contados. Sem tecnologia para concorrer no livre mercado, não chega a somar três mil empregados – eles já foram 17 mil.
Como se não bastasse, precisa devolver aos cofres públicos uma fortuna em subsídios recebidos depois que a Polônia entrou para a União Européia (UE), em 2004.
“É um drama, mas não há o que fazer”, lamentou o outrora combativo Walesa. “A economia não é flexível”. Aos 65 anos, ele ainda exibe um farto bigode, embora com fios completamente brancos.
Devido aos quilos que ganhou nos últimos anos, não teria agilidade para saltar nenhum muro, mas também não reclama do novo perfil. Na verdade, passa a imagem de um homem satisfeito consigo mesmo. “Se alguém me dissesse dezenas de anos atrás que eu viveria para ver isso, que a Polônia seria livre, que não haveria mais comunismo, que a Europa estaria unificada, eu não acreditaria que isso aconteceria na minha vida”, disse durante encontro em seu escritório, do qual participaram outros dois jornalistas brasileiros.
“Se soubesse disso naquela época, eu seria o homem mais feliz da galáxia”.
Ao contrário dos estaleiros, Walesa tem o futuro garantido. Depois de amargar um período na prisão, devido à extinção do Solidariedade e à decretação de lei marcial na Polônia, ele ganhou um Prêmio Nobel da Paz, em 1983, comandou a mudança de regime no seu país em 1989, ano da queda do Muro de Berlim, e se elegeu presidente em 1990. Na Polônia, é reverenciado como um ícone, apesar de também ser objeto de piadinhas. A mais recorrente delas diz que Walesa foi “o melhor político entre os eletricistas e o melhor eletricista entre os políticos”. O fato é que, consolidada a meta de ajudar a derrubar o comunismo, sua carreira política entrou em declínio. Agora, ele está à frente de uma fundação que leva seu nome e tem como principal meta “discutir a globalização”. As janelas de seu elegante escritório se abrem para o valorizado centro histórico de Gdansk, que foi bombardeado durante a Segunda Guerra Mundial, reconstruído durante o comunismo e restaurado à perfeição depois da mudança de regime.
Fundada no século X, à beira do mar Báltico, Gdansk sempre foi um importante porto de pesca e de comércio de âmbar.
Marcou época a resina fóssil, proveniente de pinheiros do período terciário da Era Cenozóica e abundante nas profundezas do Báltico. Nos séculos  XVI e XVII, das oficinas de Gdansk saíam obras de âmbar para os salões de toda a nobreza européia.
Essas grandes oficinas acabaram destruídas durante as duas grandes guerras, mas a tradição jamais se perdeu. O âmbar continuou a ser extraído, lapidado e incrustado nos mais diversos objetos – de peças de decoração a adornos pessoais. A produção aumentou ainda mais nos últimos anos, com a crescente vocação de Gdansk para o turismo. Na cidade de cerca de 450 mil habitantes, há uma rua dedicada apenas ao comércio da preciosidade, assim como um museu do âmbar.
A trajetória do movimento que levou o país à mudança de regime também está registrada desde 2000 em espaço próprio – o Museu Solidariedade. Nele, há inclusive uma réplica de prateleiras das lojas polonesas dos anos da fundação do Solidariedade, quando uma crise de desabastecimento assolou o país. Na maioria das vezes, só havia vinagre e chá. Os produtos básicos para a alimentação eram racionados.
Hoje, redes de supermercados oferecem todo tipo de produto. Para comprar, basta ter dinheiro. Três décadas depois da transição para o capitalismo, a Polônia está bem parecida com o resto do mundo. Até mesmo a decantada tendência polonesa para consumir vodca corre o risco de desaparecer. Nestes novos tempos, pega mal tomar vodca no país, embora a Zubrówka, uma vodca curtida com o matinho predileto do bisão (Zubr), continue em alta entre os estrangeiros. Nos bares e restaurantes da moda, o “correto” agora é pedir cerveja ou vinho.
Ecos do comunismo
O retrato de Lenin, quem diria, acabou na balada. Pelo menos é essa a impressão que se tem ao entrar no Komitet, um clube noturno da cidade de Lublin, no leste polonês. Lá dentro, tudo lembra os tempos do comunismo. A imagem mais impactante talvez seja a do líder soviético, colada na parede bem diante da entrada, ao lado de pôsteres criados pelo realismo socialista. As mesas, por sua vez, foram revestidas por recortes de jornais e revistas, além de reproduções de decretos governamentais.
A maioria dos freqüentadores do Komitet devia estar brincando no parquinho quando o general Wojciech Jaruzelski deixou o poder, em 1990. Alguns nem tinham nascido. É o caso da estudante Dorota Nowak, 18 anos, que disse “adorar” o clima de nostalgia da casa noturna. “É claro que nunca li a Tribuna Ludu”, comenta, referindo-se ao jornal oficial do Partido Comunista, que teve uma de suas primeiras  páginas ampliada e colada na porta do banheiro feminino. “Meus pais também não liam, mas tudo bem: agora a Tribuna Ludu é só decoração”, completou, antes de voltar para a pista, embalada ao som de música americana dos anos 80.

Boletim Mundo n° 2 Ano 17

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