terça-feira, 17 de janeiro de 2012

TRÊS PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO

Vamos todos aprender chinês, no lugar do inglês? No plano do senso comum, há décadas, circula a idéia de uma substituição de hegemonia global. Nos anos 80, até mesmo alguns especialistas garantiam que os Estados Unidos estavam prestes a ceder a posição de número um para o então ascendente Japão. Na última década, a China emergiu como candidato aparentemente óbvio a tomar o posto ocupado pelos Estados Unidos há um século. A crise econômica global, com epicentro no colapso das altas finanças americanas, atiçou a chama das especulações geopolíticas.
Começou, enfim, o declínio definitivo da hiper- potência e a paralela ascensão da potência asiática rumo à condição de número um?
Nada é tão simples, se levamos em conta que a plataforma de ascensão chinesa é justamente o poderio econômico americano, expresso na dimensão de seu mercado interno e na dinâmica das suas finanças. Mas, além disso, há obstáculos bem definidos na estrada triunfal que conduziria a China até o paraíso.
Os nomes deles: demografia, economia, democracia.
A China, por paradoxal que pareça, enfrentará logo o desafio posto por um lento crescimento populacional. O país, hoje com 1,340 bilhão de habitantes, pratica há décadas uma rigorosa política anti- natalista. A ditadura de partido único, impondo penalidades tributárias brutais, assegurou um relativo sucesso dessa política.
Estima-se que a taxa de natalidade gire em torno de 13,71 por mil e a de mortalidade, em torno de 7,03 por mil. O crescimento vegetativo resultante, de 0,67%, está entre os mais baixos fora do mundo desenvolvido. A idade média da população já ultrapassou 34 anos. No Brasil, é de 28,6 anos. A tendência é de um acelerado envelhecimento da população, com repercussões sociais explosivas.
Nos países desenvolvidos, o envelhecimento da população foi um fenômeno posterior à ampliação da riqueza nacional, que permitiu erguer abrangentes sistemas de seguridade social. Na China, o envelhecimento precede o enriquecimento.
Como fechar a equação sem ameaçar a estabilidade política?
A expansão econômica a taxas médias em torno de 10%, ao longo de um quarto de século, deriva da transferência em massa da população camponesa para as cidades.
Substituindo o trabalho agrícola rudimentar pelo trabalho industrial moderno, a China experimenta saltos sucessivos de produtividade, cujo reflexo aparece no crescimento do PIB. Mas a continuidade da expansão, em taxas tão elevadas, exige um ambiente econômico global favorável.
A indústria implantada em território chinês precisa de consumidores nos Estados Unidos, na Europa, no Japão, nos Tigres Asiáticos, na América Latina.
Até quando ela terá mercados amplos, abertos e crescentes? A crise atual confere uma ênfase maior à pergunta. Uma coisa é certa: a China não tem a opção de crescer devagar. Um rumo desse tipo implicaria fechar as portas das cidades às massas que deixam o campo e negar um emprego decente aos milhões de jovens que, anualmente, brotam com diplomas do interior das universidades.
Ninguém segura uma panela de pressão social de dimensões chinesas...
Nas democracias, sistemas políticos flexíveis absorvem as crises e oferecem saídas para o descontentamento social. Os americanos que perderam suas casas e suas poupanças de décadas nos últimos meses não empunharam armas contra Wall Street: elegeram Barack Obama. Na China, um sistema político inflexível, autoritário e fechado, é o alvo evidente das tensões sociais.
Há duas décadas, enquanto ruía a União Soviética, a China conheceu o maior movimento popular recente pela democracia. A multidão de jovens reunida na Praça da Paz Celestial, em 1989, foi dizimada a tiros. De lá para cá, a expansão econômica contínua e acelerada amortizou a tensão latente. Mesmo assim, milhares de protestos isolados pipocam todos os meses nas províncias do imenso “continente chinês”. Não é fácil, em tempos normais, negar direitos políticos elementares a uma população que emerge acima da miséria.
Será possível negá-los por anos a fio, pontilhados de crises e tempos de vacas magras? Será possível fazê-lo na “era da informação”, uma época em que quase tudo pode ser lido no éter da internet?
O futuro não está escrito. Ninguém tem respostas a tais perguntas. Ninguém sabe se a China um dia tomará o posto de número um. Mas não acredite no senso comum: ele quase sempre está errado.

Boletim Mundo n° 3 Ano 17

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