EXERCER PRESSÃO INTOLERÁVEL SOBRE OS PRODUTORES DE PETRÓLEO MAIS POBRES, FAZENDO-OS ROMPER COM OS DEMAIS. (...)
EM SEGUNDO LUGAR, PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS CONSUMIDORES DE RESISTIR À CHANTAGEM DO CARTEL, PROPUSEMOS QUE CADA NAÇÃO CONSUMIDORA ESTABELECESSE UM ESTOQUE DE RESERVA DE PETRÓLEO SUFICIENTE POR 90 DIAS. (...)
TERCEIRO (...), A FIM DE ATENUAR O NOVO PODER FINANCEIRO DOS PRODUTORES, ARTICULAMOS A CRIAÇÃO DE INSTRUMENTOS FINANCEIROS PARA FACILITAR O FLUXOS PARA O EXTERIOR DOS SUPERÁVITS DOS PAÍSES PRODUTORES.
(HENRY KISSINGER, YEARS OF RENEWAL, NOVA YORK, SIMON & SCHUSTER, 1999, P. 676)
Petróleo é política, muito mais que economia. Logo depois que o primeiro “choque do petróleo”, em 1973, elevou os preços do barril de cerca de US$ 3 para algo em torno de US$ 12, o poderoso assessor de Segurança Nacional americano, Henry Kissinger, delineou uma estratégia para inverter a relação de forças entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e os países ricos consumidores.
Aquela estratégia baseava-se em três pilares: redução do consumo de energia, formação de estoques petrolíferos de reserva e reciclagem dos recursos financeiros dos exportadores de petróleo no sistema bancário ocidental. Dela nasceu, em setembro de 1974, a Agência Internacional de Energia (AIE).Preços do petróleo pouco tem a ver com as oscilações da oferta e procura. Os preços do barril atingiram um primeiro auge histórico em 1981, como conseqüência da Revolução Iraniana que derrubou o regime pró-ocidental do xá Reza Pahlevi, mas desabaram poucos anos depois.
George Bush, o pai, proclamou uma “Nova Ordem Mundial” na hora da primeira Guerra do Golfo, em 1991. A expressão sintetizava a perspectiva de uma ordem pós- Guerra Fria assentada sobre a hegemonia dos Estados Unidos. A Pax Americana prevaleceu ao longo daquela década, marcada pelo rebaixamento da Rússia à condição de potência regional e pela progressiva incorporação dos países do antigo bloco soviético na Europa centro- oriental à OTAN e à União Européia.
Durante a década da “Nova Ordem Mundial”, os preços do petróleo permaneceram num patamar baixo, flutuando em torno dos US$ 20. A crise econômica crônica numa Rússia que desmontava sua economia estatizada e o colapso financeiro de 1998 que praticamente destruiu o governo de Boris Yeltsin foram motivados, em grande parte, pelos preços deprimidos do petróleo e do gás. Quando a Iugoslávia se desmantelou, em meio a sangrentas guerras étnicas, a Rússia protestou e esperneou, mas pouco podia fazer para impedir o isolamento da Sérvia, sua tradicional aliada nos Bálcãs.
Os preços deprimidos do petróleo repercutiram sobre a ordem política de todos os grandes exportadores do produto, provocando crises ou distúrbios internos. No Oriente Médio, o Irã não conseguiu tirar proveito do embargo imposto pela ONU sobre as exportações petrolíferas do Iraque de Saddam Hussein, seu rival no Golfo Pérsico, para estender sua influência regional. Pior ainda: o ambiente econômico hostil minou o poder interno da elite religiosa xiita e criou as condições para um esboço de reformas liberalizantes conduzidas pelo presidente Mohammed Khatami.
Bem longe do Oriente Médio, na Venezuela, o desastre econômico agravado pelos baixos preços do quase único produto de exportação do país refletiu-se numa década de desordem política. No fim, a falência da elite dirigente tradicional abriu caminho para a ascensão eleitoral de Hugo Chávez, à frente de seu nacionalismo “bolivariano”.
Tudo se inverteu a partir dos atentados do 11 de setembro de 2001 e da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. Os eventos geopolíticos da chamada “guerra ao terror” conjugaram-se com a especulação financeira e o extraordinário aumento das importações chinesas de petróleo para provocar um terceiro “choque de preços”, que levou as cotações nominais do barril a bem mais de US$ 100 e as cotações médias reais (em dólares constantes) às proximidades daquela marca simbólica. No novo ambiente, grandes exportadores de hidrocarbonetos como a Rússia, o Irã e a Venezuela converteram-se em atores geopolíticos de primeira linha nas suas esferas de atuação, desafiando o poder dos Estados Unidos.
A Rússia de Vladimir Putin transformou-se na fonte principal de abastecimento de gás e petróleo para a União Européia. Moscou engajou-se na restauração de uma influência perdida, retomando programas militares interrompidos e contestando o projeto americana de instalar um escudo de mísseis anti-mísseis na Polônia e República Tcheca. Além disso, mais importante, Moscou evitou o deslizamento da Ucrânia e da Geórgia para a OTAN, reafirmando o valor da CEI como sua esfera de influência exclusiva. O Irã, sob o governo ultranacionalista de Mahmoud Ahmadinejad, aproveitou-se da instabilidade crônica no Iraque ocupado para erguer-se como potência regional no Golfo Pérsico e, em aberto desafio a Washington, deflagrou um programa de construção de armas nucleares. A Venezuela de Chávez, por sua vez, lançou a Alternativa Bolivariana das Américas (Alba), aliando-se com Cuba e oferecendo apoio e proteção aos governos nacionalistas da Bolívia e do Equador.
A nova inversão do pêndulo petrolífero coincide com a mais profunda crise econômica global desde a Grande Depressão e com o abandono da Doutrina Bush pelos Estados Unidos de Barack Obama. A nova secretária de Estado americana, Hillary Clinton, provavelmente deposita nesta circunstância uma parte de suas esperanças de estabilização da ordem na Europa, no Oriente Médio e na América Latina.
Já apareceram os primeiros sinais do impacto geopolítico do colapso de preços do petróleo. Na Rússia, que gastou grande parte de suas reservas na tentativa frustrada de sustentar a cotação do rublo, surgem os primeiros sintomas de descontentamento popular com o primeiro-ministro Putin e, junto com eles, indícios de um embrionário conflito entre o todo-poderoso chefe de governo e o presidente Dmitry Medvedev. Um Irã menos desafiador parece disposto a abrir negociações com Washington sobre o futuro do Iraque. Hugo Chávez apressou-se em promover o referendo da reeleição ilimitada antes que os efeitos da crise econômica possam abalar seus programas mais populares.
São janelas que se abrem para a nova diplomacia de Washington. Obama e Clinton saberão aproveitá-las?
Boletim Mundo n° 2 Ano 17
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