Para esclarecer um pouco o problema, vamos começar dizendo tudo o que não explica a queda dos preços.
Não foram encontradas novas reservas que significassem um inesperado aumento da oferta de petróleo (mesmo os imensos depósitos do pré-sal brasileiro, por exemplo, ainda exigirão muitos anos de prospecção para começarem a suprir os mercados). Não houve uma queda significativa na demanda; ao contrário, o rigoroso inverno dos países do hemisfério norte sempre significou pressão de consumo.
Não foi encerrada a guerra do Iraque, com a eventual normalização do fluxo de petróleo daquele país para o resto do mundo. Nenhum outro país produtor de petróleo resolveu, num improvável ímpeto de generosidade, “abrir as torneiras” para facilitar a vida dos consumidores.
Uma das respostas, de dimensão estritamente financeira, é dada pelo especialista americano William Engdahl, autor de um dos mais esclarecedores livros sobre a história do petróleo: A Century of War: Anglo American Oil Politics and the New World Order. “O preço do óleo cru – diz Engdahl – não é mais definido segundo as tradicionais relações entre oferta e demanda.
É controlado por um intricado sistema do mercado financeiro e pelas quatro maiores empresas petrolíferas anglo-americanas. Cerca de 60% do preço do petróleo é definido por pura especulação manipulada por bancos e hedge funds.”
Os hedge funds (ou fundos de derivativos) são instituições financeiras que não se submetem aos mecanismos de monitoramento e controle do sistema fiscal que regula a ação dos bancos e bolsas de valores. Os informes de suas performances (os balanços financeiros) são publicados de acordo com os dados fornecidos pelos próprios fundos, sem intervenção dos reguladores. Eles podem agir livremente no mercado financeiro, mesmo sem ter reserva mínima para cobrir compra e venda de ações. Em grande parte, esse tipo de fundo foi responsável pela tremenda crise que abala o mundo contemporâneo.
Não por acaso, um dos pontos centrais da reforma do sistema financeiro proposta pelo presidente Barack Obama é submeter os hedge funds à regulamentação do Estado.
Pois bem, explica Engdahl, o preço do petróleo é determinado por negociações em três bolsas de mercado futuro, situadas, respectivamente, em Nova York, Londres e, mais recentemente, em Dubai (que funciona quase que como uma “filial” de NY). Bolsas de mercado futuro funcionam com base em pura especulação. Investidores calculam o valor futuro de commodities (matéria-prima com características padronizadas segundo critérios adotados pelo mercado globalizado), incluindo o óleo, e passam a negociar com base em seus próprios cálculos, em associação com os hedge funds. Para calcular o preço futuro de uma commoditie, vale tudo: evolução tecnológica, reservas mundiais do produto, guerras eventuais...
Como, obviamente, as três bolsas concentram o capital financeiro mundial, e as empresas petroleiras anglo-americanas praticamente controlam o fluxo de todo o óleo produzido, os mercados de todo o planeta são obrigados a adotar, como parâmetro, os preços negociados por elas. Essa situação de descontrole especulativo chegou a provocar uma advertência do Senado dos Estados Unidos, em junho de 2006, no relatório intitulado: “O papel da especulação na alta do preço do petróleo e do gás”, notando que uma “especulação excessiva” provocava flutuações perigosas nos preços. O relatório, evidentemente, não foi levado em consideração pelo governo do presidente George Bush, ele próprio dono de empresa petroleira que lucrava e muito com as altas de preço do barril. A crise que estourou em 2008, ameaçando levar para o buraco o sistema financeiro em seu conjunto, acabou forçando a baixa dos preços.
Mas, de um ponto de vista histórico mais abrangente, não seria exato afirmar que a o preço do petróleo é determinado unicamente pela especulação financeira.
Dado o seu extremo valor estratégico, o petróleo sempre foi alvo da cobiça de Estados, governos e corporações e a disputa pelo seu controle marca o século XX (e o atual). Assim, seu preço também é resultado de considerações de natureza estratégica, geopolítica e militar.
Um marco bastante óbvio nessa história aconteceu em outubro de 1973, quando a Organização dos Países Exportadores do Petróleo (OPEP) elevou subitamente o preço do barril, como suposta “represália” ao apoio dado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur (veja o Gráfico). Pela primeira vez, o preço do petróleo era usado explicitamente como parte do jogo geopolítico mundial. Outro dado, menos óbvio, também contribuiu para tornar o petróleo uma “moeda especulativa”. Naquela mesma época, o então presidente americano Richard Nixon anunciou o fim da paridade entre o dólar e o ouro, estabelecida pelos Acordos de Bretton Woods, em 1944.
Isso significa que os Estados Unidos renunciavam unilateralmente a cumprir o compromisso de garantir com ouro o valor de cada dólar que circulava no planeta.
O valor do dólar passou a ser fixado pelo puro jogo de mercado, logicamente associado ao poder militar dos Estados Unidos, sem qualquer lastro material. Ora, foi a combinação dessas duas circunstâncias: o petróleo como instrumento geopolítico, descolado do mecanismo de oferta e demanda, e o dólar como moeda especulativa, descolada de sua referência no ouro, que possibilitaria o desenvolvimento futuro do comércio do petróleo como pura especulação, mas sempre associado a eventos da geopolítica conturbada que caracteriza o Oriente Médio, onde estão as maiores reservas de petróleo do planeta.
Boletim Mundo n° 2 Ano 17
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