terça-feira, 17 de janeiro de 2012

RENOVAÇÃO DA DIREITA REORDENA O SISTEMA POLÍTICO

Newton Carlos

O candidato da nova direita chilena traz, na bagagem, antigas figuras do pinochetismo.
Seu favoritismo para as eleições presidenciais de dezembro provoca confusão nas fileiras da centro-esquerda governista.

A sombra de Augusto Pinochet recai sobre o Chile. A presidenta Michelle Bachelet não conseguiu reunir mais do que um grupo reduzido de pessoas num comício onde ela falou celebrando o vigésimo aniversário do plebiscito no qual a ditadura pinochetista saiu derrotada. A Concertación, coligação de partidos que detêm o poder desde que a democracia foi restaurada no Chile, já havia perdido as eleições municipais de outubro.
Os seus dois grupamentos maiores, o democrata-cristão e o socialista, cuja solidez tem assegurado a permanência no poder, se dilaceram, fazendo prever uma derrota nas eleições presidenciais deste ano.
O clima é de nervosismo no palácio de La Moneda, a sede de governo chilena, assediado por manifestações estudantis com variada gama de protestos e reivindicações.
O maior complicador, para Bachelet e os seus, algo perturbador, é o perfil do principal candidato de oposição, Sebastian Piñera, do Renovação Nacional. Piñera votou “não” no plebiscito que finalmente, em 1990, tirou Pinochet do La Moneda. Ajudou, portanto, a derrubar o ex-ditador. Mas seu partido, assumidamente de direita, incorpora pinochetistas que podem voltar ao La Moneda de braços dados com o beneficiário da fadiga de material da Concertación cansada de guerra. Em entrevista ao El Mecúrio, jornal que esteve envolvido no golpe contra o ex-presidente Salvador Allende e mesmo assim continua sendo o mais importante do Chile, o ex-presidente Ricardo Lagos, antecessor de Bachelet, procurou “desqualificar” Piñera.
Acusou-o de incoerente, tendo em vista o voto contrário a Pinochet no plebiscito. Lembrou que Piñera elegeu-se senador um ano depois, já se deslocando para a direita ao ponto de comandar a campanha presidencial de Hernan Buchi, ex-ministro da Fazenda da ditadura. Empresário bem sucedido, dono da companhia aérea Lan Chile, Piñera incorporou seu partido à Aliança Pelo Chile – e, segundo as pesquisas, bate todos os demais, inclusive quem vier a ser o candidato da Concertación, cuja escolha produz confrontos e dissidências e será definida nas primárias de abril.
A tropa de Piñera entrou desbancando a União Democrata Independente na disputa pela hegemonia na aliança oposicionista.
Assumiu a liderança dos que conquistaram a maioria dos votos nas eleições municipais e construíram para a direita uma base nacional.
Piñera se coloca à cabeça dessa erupção direitista e em círculos nostálgicos é encarado como possível portador de uma desforra. Talvez o “derretimento” global, que inclui a América Latina, torne ainda mais vulnerável a Concertación. Amarga ironia, já que o Chile de Pinochet foi o primeiro laboratório da chamada “escola de Chicago”, dos economistas responsáveis pelas equações que resultaram no ultra- liberalismo, numa falsa sensação de prosperidade e, afinal, na crise que todos vivemos. Além de assediada pela direita, a coligação no poder também sofre fraturas internas que cobrem todo o seu arco de centro-esquerda. Um político de peso, Jorge Arate, caiu fora com a disposição de criar uma “esquerda moderna”, em oposição a Piñera e às forças de centro- esquerda agrupadas na velha Concertación.
“Esquerda moderna”, na versão de Arate, significaria distância do populismo de Hugo Chávez e Evo Morales. Sua maior ambição é “unificar as esquerdas”, com o objetivo de oferecer ao eleitorado uma opção que não seja nem uma Concertación envelhecida e nem uma direita em ascensão, a de Piñera.
Seria uma terceira força procurando dar à política chilena o seu formato tradicional: um terço à esquerda, um terço à direita e um terço no centro. As urnas que decidam.
Se as eleições fossem hoje, ganharia a direita, que desestabiliza esse formato. A coligação de governo, sob assédio de uma direita no momento dominante nas pesquisas e de uma esquerda saída de seu ventre, vai ficando aparentemente sem rumo, em meio a deserções. Três possíveis candidatos de peso saíram de sua fileiras ou tiveram relações indiretas com ela. O pai de Piñera foi um dos fundadores do partido Democrata Cristão, estrela da Concertación.
Em abril, a coligação de governo escolherá seu candidato. Já saíram do páreo o ex-presidente Ricardo Lagos, socialista, e o secretário-geral da OEA, José Insulza. O mais cotado é Eduardo Frei, primeiro presidente do pós- Pinochet e filho do ex-presidente Frei, democrata-cristão que governou antes da eleição de Allende. Pesquisa do jornal La Tercera constatou que Piñera derrotaria num segundo turno a Lagos (52% contra 35%), Insulza (54% a 32%) e a Frei (53% a 33%). Economistas chilenos prevêem que o crescimento deste ano ficará em 2,5%, contra os 5,5% do ano passado. Nesse quadro de mutações e possíveis revanchismos se inscreve uma novidade do tamanho de um bonde: Frei filho admite aliar-se ao que restou do velho Partido Comunista, o partidão.

Boletim Mundo n° 2 Ano 17

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