terça-feira, 17 de janeiro de 2012

EL SALVADOR ENCERRA O CICLO DA POLARIZAÇÃO POLÍTICA

Newton Carlos

O perfil e as atividades dos chamados “Amigos de Maurício Funes” talvez sejam o melhor retrato do que se passa em El Salvador.
Funes fez seu discurso de vencedor das eleições presidenciais cercado de comandantes dos ex-guerrilheiros da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), sob cuja legenda foi às urnas, e reiterou a promessa de dar prioridade ao combate à pobreza inclusive como um meio de ”despolarizar” a política. Dedicou sua vitória ao bispo Oscar Romero, assassinado em 1980 por considerar justas as insurreições, desde que os meios pacíficos não consigam acabar com injustiças.
Mas Funes vestia a tradicional guaiabera, não as camisas vermelhas de seus companheiros de palanque. Embora pouco destacado, esse detalhe se entrosaria com outros numa definição antecipada do que possivelmente acontecerá em El Salvador.
Foram os “amigos”, segundo a agência Latin News, que “venderam” a mensagem vitoriosa de que Funes, com seus carisma, conseguiria mudar a maneira de fazer política “num pais onde as divergências ideológicas significam de fato alguma coisa”. Os salvadorenhos estariam cansados de tanta violência e vêem  Funes como alguém capaz de mudar as coisas pacificamente.
Os “amigos” se dizem “independentes, pluralistas e não partidários”, nem sempre se entendem bem com a FMLN, formam um arco político que vai da esquerda à direita, foram decisivos na arrecadação de recursos de campanha e são um manancial de assessores próximos de Funes. O braço direito do presidente-eleito por exemplo, Hato Hasbún, foi membro das Forças Populares de Libertação, primeira guerrilha de El Salvador. Hasbún é freqüentemente citado como elo de ligação entre Funes e a “ortodoxia” da FMLN. Junto com ele, nos “amigos”, há figuras com atividades bancárias cobrindo a América Central e um coronel da reserva do Exército, ex-comandante de operações de contra-insurgência e hoje espécie de assessor militar da FMLN.
Também figura no grupo Luis Angel Lagos, criador em tempos passados do “Ordem”, um esquadrão da morte de paramilitares.
O mais influente dos “Amigos de Mauricío Funes” junto ao presidente eleito seria Alex Segóvia. Trata de questões econômicas e insiste em que qualquer plano  deve ter como meta a abolição das causas da guerra civil: exclusão, pobreza e desigualdades. A empresa privada não teria o que temer e tampouco estariam sendo arquitetados antagonismos aos Estados Unidos. Mesmo assim, é uma ruptura com o conservadorismo, sustentado durante vinte anos de governo da Aliança Nacional Republicana (ARENA).
O reinado do partido criado pelo major Roberto D’Aubuisson, íntimo da CIA, ex-aluno da Escola das Américas, do Comando Sul dos Estados Unidos,  e comandante de esquadrões da morte, começou depois de uma guerra civil que matou mais de 70 mil, entre 1980 e 1997. Ainda recentemente foram encontrados restos mortais de pessoas enterradas clandestinamente em valas comuns. Dom Oscar Romero foi a vítima de maior projeção: sua morte a tiros comoveu a América Latina e chamou mais atenção para o que se passava em El Salvador. Ficou claro que a política do então presidente americano Ronald Reagan, de “contenção do comunismo” no continente, somou forças com interesses oligárquicos em EL Salvador.
Uma exaustão sangrenta ajudou o trabalho da ONU na intermediação de um acordo de paz. A FMLN, que carrega o nome de Farabundo Marti, biografado como um “centro-americanista revolucionário”, fundador de um fantasmagórico partido comunista da América Central, enfrenta agora, afinal, os desafios do poder político. Funes, um jornalista popular sem vinculações com a guerra civil, filiou-se ao FMLN com o único propósito de ser candidato. A FMLN, num gesto de pragmatismo, aceitou-o depois de uma sucessão de derrotas com candidatos ex-guerrilheiros. Mas não se fala em socialismo e muito menos no “socialismo do século XXI” de Hugo Chávez. Há quem aposte que Funes terá maior dificuldade de convivência com seu próprio partido. A FMLN “ortodoxa” é majoritária no parlamento.
Quanto à ARENA, ainda tem o recurso de juntar-se a partidos menores e ficar com maioria legislativa.

Boletim Mundo n° 3 Ano 17

Nenhum comentário:

Postar um comentário