Luiz de Alencar Araripe, coronel reformado de Artilharia e de Estado-Maior do Exército, titular do Instituto de História Militar e Geografia do Exército, é um especialista no tema. Ele escreveu o capítulo sobre o Tratado de Versalhes para a obra História da Paz (Contexto, 2008). Na entrevista seguinte, Araripe aborda a certidão de nascimento da “Europa das nações”.
Por que foi escolhido o Palácio de Versalhes como local de assinatura do tratado de paz negociado na Conferência de Paris, que encerrou a Primeira Guerra Mundial?
Luiz de Alencar Araripe – A escolha foi do presidente da Conferência, primeiro-ministro da França Georges Clemenceau – “o Tigre”, como era chamado. O apelido explica boa parte da decisão, tomada sob o impulso de dois sentimentos sempre agudos na alma de Clemenceau: amor à França e ódio à Alemanha. Os Aliados aprovaram facilmente a opção pela amável capital francesa em detrimento da então severa Genebra de Calvino. Tudo no Palácio de Versalhes transmite ao visitante a imagem da glória da França e do soberano que o mandou construir, Luis XIV, o “rei sol”. A Galeria dos Espelhos fora a escolha do chanceler Bismarck para proclamar a fundação do Império Alemão, após a vitória na Guerra Franco- Prussiana de 1870. Escolha brutal, que Clemenceau, à época jovem e fogoso deputado socialista à Assembléia Nacional Francesa, guardaria na memória por quase meio século. O Palácio, evocador de glórias e de humilhações da França, foi o cenário perfeito escolhido pelo “Tigre” para a celebração da vitória e a culminação da vingança.
Quais foram os principais personagens da Conferência? Qual era o interesse básico representado por cada um?
LAA – Reuniram-se na capital francesa mais de um milhar de estadistas, diplomatas, juristas, economistas, jornalistas, parlamentares, homens de negócio, secretárias, enfermeiras e muitos curiosos. Nesse universo variado e colorido avultavam os chefes das delegações dos chamados Quatro Grandes: França, Grã-Bretanha, Itália e Estados Unidos. Clemenceau, a cada momento, justificava o apelido de Tigre, ganho pela ferocidade com que fez a guerra. Usou de ferocidade semelhante ao perseguir o grande objetivo de impor à Alemanha castigo tão forte que ela nunca mais pudesse ameaçar a segurança da França.
O primeiro-ministro Lloyd George, um simpático inglês de olhos azuis, combinava habilidade de político com o gosto pelas boas coisas da vida, a começar por mulheres. Ele teve sempre em vista o estabelecimento de um novo equilíbrio do poder na Europa, condição necessária para a segurança britânica. Peça essencial do equilíbrio seria uma Alemanha não tão forte que voltasse a desafiar o poderio naval britânico e nem tão fraca que não se pudesse opor a pretensões de hegemonia da França e à ameaça do bolchevismo russo. O primeiro-ministro
Vittorio Emanuele Orlando, um siciliano temperamental de bela cabeleira branca, pretendeu fazer cumprir a promessa da França e da Grã-Bretanha de restituir à Itália as chamadas “terras irridentas” territórios histórica e etnicamente italianos, mas sob a soberania de outros Estados (Trentino, Trieste, Istria, Dalmácia).
E o americano Woodrow Wilson?
LAA – Ele foi à grande estrela da Conferência, e não somente por ser o presidente dos Estados Unidos. Chegou a Paris precedido por revolucionárias idéias sobre a paz e as relações entre Estados. Um ano antes, falando no Senado, havia apresentado seus famosos e controversos Catorze Pontos. O presidente pretendia que esses pontos constituíssem o paradigma para uma “paz justa e duradoura”.
Wilson aceitou que seus Catorze Pontos fossem repetidamente desconsiderados nas negociações de Paris, na crença de que a Liga das Nações corrigiria o que considerava falhas do Tratado de Versalhes. Presidiu o comitê elaborador do estatuto da Liga, e cuidou que seus 30 artigos fossem os primeiros do Tratado. No fim, o Senado americano não aprovou o Tratado, mas Wilson deixou na política internacional a forte marca de suas idéias, resumidas na palavra “wilsonismo”, termo não raro usado no sentido de utopismo.
O Tratado de Versalhes e os outros tratados que encerraram a Primeira Guerra Mundial redesenharam o mapa político europeu. Quais foram as principais mudanças de fronteiras que eles provocaram?
LAA – O Tratado de Versalhes, acordo-quadro de cinco outros tratados, eliminou do mapa- mundi três vastos impérios: o da Alemanha, o Austro-Húngaro, e o Turco-Otomano; extinguiu-os e retalhou-lhes o território, criando novos Estados, ampliando a superfície de Estados aliados e fazendo encolher a dos que haviam se alinhado com os Impérios Centrais. Não signatário de Versalhes, um quarto império, o Russo, desapareceu em conseqüência da grande guerra, surgindo em seu lugar a União Soviética. O Império Alemão, amputado de 13% o território, forneceu territórios que, juntamente com outros, russos, permitiram a reconstituição da Polônia. Do Império Austro-Húngaro foram extraídas a Tchecoslováquia e parte da Iugoslávia. A Turquia, com pequena parte de seu território na Europa, incluindo minorias curdas e armênias, foi o que restou do Império Turco-Otomano.
Boletim Mundo n° 3 Ano 17
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