O antigo Mercado Comum Europeu, quando de seu surgimento, tinha apenas seis signatários. Atualmente, o bloco abrange a maior parte dos países europeus. Na Europa Ocidental, só não fazem parte do bloco a neutra Suíça, a insular Islândia e a reticente Noruega.
Os dois recentes alargamentos da União Européia (UE) foram festejados como indicação de sucesso da empreitada comunitária, mas também geraram temores, desconfianças, ressentimentos e frustrações tanto internamente quanto junto aos países que se situam nas fronteiras do bloco.Em 2004, a entrada da Hungria, República Tcheca, Eslováquia e Polônia, países que fizeram parte do bloco soviético durante a Guerra Fria, e dos Estados Bálticos, que foram repúblicas da antiga União Soviética, reacenderam os temores e desconfianças da Rússia em relação ao Ocidente. A adesão, em 2007, de Bulgária e Romênia, que também foram satélites da União Soviética, ampliaram esses receios.
Os próximos alargamentos envolveriam a incorporação da Ucrânia, Belarus e Moldova? Estaria havendo um complô ocidental para isolar a Rússia, traçando em torno dela uma nova Cortina de Ferro?
Desde que assumiu o poder, Vladimir Putin almeja recuperar o papel de grande potência da Rússia no cenário internacional.
Ele sugere que a “nova” Rússia deveria incorporar as “melhores coisas” da antiga União Soviética. O país é, hoje, uma grande potência energética e exporta hidrocarbonetos dos quais a Europa Ocidental é dependente. Por outro lado, mesmo que as forças armadas russas não sejam sombra do que foram as da União Soviética, o arsenal nuclear e a experiência tecnológica de sua indústria bélica não podem ser ignoradas. Não vale a pena cutucar o urso russo com vara curta.
Nos Bálcãs, a sensação é de frustração.
Os Estados que não fazem parte da UE são as repúblicas que integraram a Iugoslávia socialista – com exceção apenas da Eslovênia, admitida em 2004. Além deles, fora do bloco ainda há a paupérrima Albânia. Croatas e sérvios, embora desejem ardentemente fazer parte da Europa comunitária, têm contra si o fato de ainda não terem entregado criminosos de guerra que participaram da Guerra da Bósnia (1992- 95) e do confronto entre o governo croata e a minoria sérvia na Croácia. Para os sérvios, falta também uma solução definitiva para a espinhosa questão do estatuto da província de Kosovo, que desde 1999 é um protetorado militar da ONU.
Na Bósnia, 12 anos após o Acordo de Dayton, que criou o país, contingentes das Nações Unidas continuam a postos para evitar a emergência de um novo conflito entre muçulmanos, sérvios e croatas.
Montenegro, que até recentemente formava com a Sérvia o que havia restado da antiga Iugoslávia, sofre de restrições semelhantes às dos sérvios. A Macedônia enfrentou até recentemente a oposição da Grécia, que não aceitava o uso do nome Macedônia, sob o argumento de que essa é a denominação de uma região grega. As precárias condições sócio-econômicas da Albânia, somadas ao fato de que cerca de 40% da população do país é islâmica, impedem que se vislumbre sua entrada na UE.
Por fim existe a Turquia, um país que tenta sem sucesso, há cerca de quatro décadas, ser admitido na Europa comunitária.
Para as elites do país, a adesão ao bloco europeu significaria fazer parte do mais bem sucedido processo de integração econômica, do qual a economia turca já participa marginalmente. Ingressar na EU permitiria o acesso sem restrições ao mercado europeu, aos fundos de apoio para os países menos desenvolvidos do bloco e a uma moeda forte. Mas, sobretudo, representaria a definição de uma identidade européia para a Turquia, algo muito valorizado entre os empresários e a classe média urbana do país.
Contudo, do ponto de vista dos europeus, aceitar a Turquia é bastante complicado.
Para a UE, seria muito mais confortável convencer os turcos a participar, junto com outros países muçulmanos da África do Norte, de um bloco periférico, ligado à Europa comunitária por um espaço econômico comum. Essa alternativa, vislumbrada em Bruxelas, mas veementemente rejeitada pelos turcos, deixaria a populosa Turquia fora do núcleo de poder estratégico da Europa.
Nas últimas décadas, os europeus produziram argumentos de todos os tipos para justificar a recusa em abrir negociações de adesão da Turquia. Eles dizem, antes de tudo, que o país não é geograficamente europeu, pois apenas 3% de seu território está na Europa, e que não é culturalmente europeu, em virtude de suas antigas tradições muçulmanas (o Império Turco- Otomano foi a sede do califado desde o século XVI até a sua desaparição, na Primeira Guerra Mundial). No fundo, a EU teme incorporar os quase 80 milhões de turcos, dando-lhes os mesmo direitos dos demais cidadãos comunitários, pois sabe que, empurrada por seu crescimento demográfico, a Turquia seria em pouco tempo o mais populoso país do bloco e teria direito a mais votos que a própria Alemanha nas instituições européias.
Há outros argumentos, fortes e fracos.
A Turquia não segue os padrões europeus de respeito dos direitos humanos, especialmente no que se refere à condição social das mulheres e aos direitos políticos da minoria curda, e continua se recusando a reconhecer suas responsabilidades históricas no genocídio praticado contra armênios, durante a Primeira Guerra Mundial.
O debate continua e, na UE, existem defensores do ingresso turco. Essa corrente afirma que nenhum outro país sacrificou aspectos fundamentais de sua cultura para afirmar uma identidade européia e que só a Turquia pode funcionar como uma “ponte” estável entre a Europa e o Oriente Médio.
Em visita à Turquia, o papa Bento XVI, surpreendentemente, defendeu a entrada do país na UE. Não é algo a ser ignorado, num bloco que escolheu Roma como o lugar do seu batismo.
Boletim Mundo n° 2 Ano 15
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