segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

NA FRANÇA, DECLINA A POLARIZAÇÃO DIREITA VERSUS ESQUERDA

João Batista Natali

Um presidente da França manda hoje bem menos do que mandava há duas décadas.
Ele não tem mais uma moeda nacional – o euro é administrado pelo Banco Central Europeu, em Frankfurt – e boa parte das políticas públicas, como a de direitos humanos ou impostos, é definida pela União Européia, em Bruxelas. Mesmo assim, continua acirrada a disputa pelo cargo de presidente: são, desta vez, 12 candidatos.
Uma das regras da Vª República, estabelecida por Charles De Gaulle em 1958, é a da bipolarização política das campanhas presidenciais, com um embate entre esquerda e direita – mesmo com a esquerda cada vez mais próxima do centro, e com a direita com menor ranço autoritário. Pois desta vez, com o primeiro turno em 22 de abril, esse confronto pode não acontecer. Existe a possibilidade de o turno final, marcado para 6 de maio, ser disputado entre Nicolas Sarkozy, político ambicioso da direita tradicional, que há anos se programa para suceder o presidente Jacques Chirac, e François Bayrou, um conservador arejado que se apresenta como “candidato centrista” e alternativo. Nessa hipótese, estaria eliminada a candidata do Partido Socialista Francês (PSF), Ségolène Royal.
Seria a segunda vez seguida que os socialistas ficariam excluídos do turno final.
Nas eleições presidenciais de 2002, com uma diferença de menos de 200 mil votos, quase insignificante, o candidato da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen, ultrapassou no primeiro turno o socialista Lionel Jospin. Na França, o voto não é obrigatório, o dia estava bonito para praia e piquenique, e foi altíssima a abstenção dos eleitores de esquerda. Nessas condições especiais, o neofascista ganhou o direito de disputar o segundo turno com Chirac, que se reelegeu com 82% dos votos apresentando-se, meio sem querer, como candidato de uma ampla frente contra o racismo e a xenofobia.
Agora, a ameaça aos socialistas vem de outro lugar. Bayrou já havia disputado as últimas presidenciais, recebendo menos de 7% dos votos. Ele tem visibilidade pública: é o presidente da União pela Democracia Francesa (UDF), partido liberal do ex-presidente Giscard d‘Estaing (1974-1981), que integra a base de sustentação parlamentar de todos os primeiros-ministros indicados por Chirac. É deputado de um distrito próximo à fronteira espanhola e foi, entre 1993 e 1997, ministro da Educação. Tudo indica que a sua espantosa ascensão reflete a profunda anemia ideológica dos partidos políticos franceses.
Nos últimos tempos, o cenário “direita versus esquerda” perdeu a consistência e o charme. Professor de literatura, escritor e criador de cavalos nas horas vagas, Bayrou é um orador chato, sem carisma.
Ele defende a consolidação das instituições européias mas, excetuada a Europa, oferece idéias confusas nos campos da economia, do trabalho ou da política industrial.
Ségolène é também um pouco disso tudo. Em novembro do ano passado, ela venceu as eleições primárias do PSF. Os militantes a escolheram por ser mulher e representar uma opção de renovação – uma alternativa aos chamados “elefantes” socialistas, como os três personagens que derrotou, um ex-premiê e dois ex-ministros, todos de uma geração contaminada pela corrupção e por derrotas eleitorais.
Ségolène fez carreira política como assessora do presidente François Mitterrand (1981-1995) e como esposa de François Hollande, presidente do PSF. Ao menos aparentemente, ela representa uma ruptura com a tradição histórica das esquerdas de fortalecer o Estado e instrumentalizá-lo agressivamente em políticas sociais. A candidata passou os três primeiros meses de campanha “ouvindo as bases”. Saiu-se com idéias simplistas, como a de gestão participativa em setores como educação ou programas de inserção de imigrantes. Seus eleitores a enxergam como um mal menor diante de “Sarkô” ou Bayrou.
Sarkozy, ministro do Interior (leia-se: chefe das polícias), é uma espécie de filho rebelde de Chirac. Ele teve a habilidade de insistir na tecla da lei e da ordem diante da revolta dos imigrantes dos subúrbios, em 2005. Por essa via, solidificou o apoio dos eleitores de centro-direita e ainda mordeu uma fatia do eleitorado de Le Pen. Quer criar um Ministério da Imigração e da Identidade Nacional, iniciativa avaliada como excrescência até pelos liberais.
“Sarkô” não tem o pedigree dos habituais candidatos da direita. Subiu na vida sem ter passado por uma das “grandes escolas” (Politécnica, Normal Superior, Nacional de Administração), de difícil acesso e freqüentadas pela elite francesa. Filho de imigrantes judeus convertidos ao catolicismo, foi prefeito de Neuilly, um subúrbio parisiense de classe média alta, e ministro do Planejamento e da Economia.
Entre os três candidatos principais, há uma curiosa migração de intenções de voto, ditada pela noção de “voto útil”. Partidários pouco consistentes de Ségolène passam a preferir Bayrou, como forma de derrotar “Sarkô”. Partidários de Le Pen voltam-se para “Sarkô”, porque ele derrotaria Ségolène.
Nesse jogo de empurra, prevalece bem mais a imagem pessoal dos candidatos que o conjunto pouco consistente de idéias.
A campanha, desta vez, foi incrivelmente despolitizada. Não há mais o confronto entre projetos antagônicos de sociedade, como o que ocorreu em 1981, entre o socialista Mitterrand e o liberal Giscard. Os sindicatos, em crise, pesam pouco em termos eleitorais. O Partido Comunista Francês, que até os anos 60 tinha um quinto do eleitorado entrou em declínio profundo desde o fim da Guerra Fria e, desta vez, com Marie-George Buffet, pode ficar abaixo dos 2%.
O tempero político, algo exótico, acaba sendo fornecido pelos “nanicos”. Entre eles, José Bové, ligado ao Fórum Social Mundial e processado por seu hobby de destruir lavouras transgênicas, ou então o trotskista Olivier Besancenot, um carteiro de 32 anos com mestrado em História e considerado bonitão pelas eleitoras.

Boletim Mundo n° 2 Ano 15

Nenhum comentário:

Postar um comentário