Os novos Estados Nacionais foram criados, a partir da Conferência de Paris com base no princípio das nacionalidades, de Woodrow Wilson, pelo qual as nações se definem por critérios étnicos e lingüísticos. Além de Estados, os tratados acabaram criando, involuntariamente, minorias nacionais.
Luiz de Alencar Araripe – A Tchecoslováquia e a Iugoslávia foram criadas para responder aos anseios de independência de minorias étnicas; mas eles, por sua vez, incluíram minorias étnicas. Tais minorias, sob o impulso do nacionalismo, levaram à crise da Sudetolândia e ao fim do Estado tchecoslovaco, esmagado pelo nacionalismo hitlerista. O nacionalismo étnico também respondeu pelo esfacelamento da Iugoslávia. A finada União Soviética fez-se a paladina das minorias por todo o mundo, obscurecendo o fato de ser chamada “a prisão das nações”. Com o fim do Estado soviético, eclodiram movimentos de libertação de minorias, ainda não encerrados.
Na Turquia, as minorias curda e armênia continuam a lutar pela liberdade.
Alguns analistas enxergaram nas guerras que desmantelaram a Iugoslávia, a partir de 1992, uma retomada dos nacionalismos e do princípio das nacionalidades do início do século XX. Seria isso mesmo?
LAA – O Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, depois Iugoslávia, foi uma união instável desde o início, ameaçada pelas forças centrífugas dos nacionalismos. Em 1980, o presidente Josip Broz Tito morreu e as frágeis costuras da Iugoslávia começaram a estourar. Em 1989 o ex-comunista e ultranacionalista Slobodan Milosevic se elege presidente da República da Sérvia. Pretendendo consolidar a hegemonia sérvia, Milosevic desencadeou o processo de violência, pontilhado de tumultos e que culminaram com guerra e a “limpeza étnica”, erigida em doutrina para resolver diferenças étnicas, religiosas ou políticas. Em 1991, as proclamações de independência das repúblicas iugoslavas se sucedem. Em 1992, a Bósnia- Herzegóvina declara independência da República Federativa da Iugoslávia, e é atacada pelo o Exército iugoslavo.
O “utopismo americano” na Conferência de Paris manifestou-se, principalmente, sob a forma do projeto da Liga das Nações. A que se deve o posterior fracasso da Liga das Nações?
LAA – A simples enunciação de princípios nos Catorze Pontos mostra seu forte traço de utopia e explica o ceticismo com que os líderes europeus os receberam: ética na política exterior e, em particular, no futuro tratado de paz, fim da diplomacia secreta, liberdade dos mares, desarmamento geral, abolição de restrições ao comércio internacional. Finalmente, o projeto do coração de Wilson: a Liga das Nações, capaz de fazer com que a negociação substituísse a guerra na solução das controvérsias internacionais. Era o conceito de segurança coletiva, diametralmente oposto ao de alianças, base do equilíbrio do poder, caro aos europeus e abominado por Wilson. A Liga foi a mais forte razão para que o Senado rejeitasse todo o Tratado. É difícil pensar que os senadores aprovassem um instrumento legal que opunha limitações à soberania dos Estados Unidos no cenário internacional.
E Wilson quase conseguiu isso. Quase. Sem a participação americana, e com o apoio morno das grandes potências, a Liga foi perdendo substância.
O Tratado de Versalhes é geralmente interpretado como fonte da crise econômica alemã e do revanchismo político que conduziu Hitler ao poder. É correto fazer uma associação direta entre Versalhes, o nazismo e a Segunda Guerra Mundial?
LAA – A associação direta entre Versalhes, o nazismo e a Segunda Guerra Mundial tem sido objeto de muitas discussões entre historiadores. Certamente que existe uma relação de causa e efeito entre esses eventos, mas não há unanimidade sobre o grau da influência direta da crise e do revanchismo no desencadeamento da Segunda Guerra Mundial. A guerra de 1939 tem muitas e variadas causas.
Versalhes é uma delas. O Tratado indignou toda a Alemanha, antes mesmo de ser assinado. Indignou e forneceu a políticos e militares material fértil que, competentemente processado por Hitler, facilitou a ascensão do nazismo e, conseqüentemente, levou à guerra. A Segunda Guerra Mundial é, acima de tudo, obra de Adolf Hitler, não se deve esquecer. Obra facilitada pela omissão de franceses e ingleses em aproveitar as janelas de oportunidade abertas pelo próprio ditador para detê-lo.
Pouco se fala disso, mas o Brasil participou da Conferência de Paz de Paris com uma delegação que acompanhou a delegação dos EUA.
LAA – O Brasil postulou ter um lugar na conferência de paz com a credencial de único país latino-americano a participar efetivamente da guerra.
Navios mercantes torpedeados, oficiais brasileiros combatendo em terra e pilotos lutando no ar; a Divisão Naval enviada para o teatro de operações; a missão médica trabalhando em hospital franco-brasileiro, mantido por brasileiros residentes em Paris.
Nada disso valeu para assegurar participação nas negociações de paz. Tivemos que recorrer ao apoio de Wilson para que a França e a Grã-Bretanha aceitassem a presença de três representantes do Brasil na Conferência de Paris. Rui Barbosa seria o chefe natural da delegação brasileira, com seus antecedentes na Conferência de Haia, mas recusou chefiar a delegação, a fim de preparar-se para disputar as eleições para presidente da República.
Epitácio Pessoa assumiu a chefia da missão, foi para a Europa, e derrotou facilmente Rui.
Voltou num navio de guerra americano, tornando-se o 12º presidente da República. Assim era o Brasil.
Boletim Mundo n° 3 Ano 17
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