domingo, 1 de janeiro de 2012

HUMANIDADE CONTROLA O CLIMA GLOBAL, AFIRMA O IPCC

O AQUECIMENTO DO SISTEMA CLIMÁTICO É INEQUÍVOCO E AGORA É EVIDENTE POR MEIO DE OBSERVAÇÕES DE AUMENTOS NAS TEMPERATURAS MÉDIAS GLOBAIS DA ATMOSFERA E DOS OCEANOS, FUSÃO GENERALIZADA DE NEVE E GELO E ELEVAÇÃO GLOBAL DO NÍVEL MÉDIO DO MAR. (...) A MAIOR PARTE DO AUMENTO DAS TEMPERATURAS MÉDIAS GLOBAIS DESDE MEADOS DO SÉCULO XX É, MUITO PROVAVELMENTE, RESULTANTE DA ELEVAÇÃO DAS CONCENTRAÇÕES DE GASES DE ESTUFA PRODUZIDAS POR FONTES ANTROPOGÊNICAS. (...) INFLUÊNCIAS HUMANAS PERCEPTÍVEIS ATUALMENTE SE ESTENDEM A OUTROS ASPECTOS DO CLIMA, INCLUSIVE AQUECIMENTO OCEÂNICO, TEMPERATURAS MÉDIAS CONTINENTAIS, TEMPERATURAS EXTREMAS E PADRÕES DE VENTOS.

(IPCC, CLIMATE CHANGE 2007: THE PHYSICAL SCIENCE BASIS, FEVEREIRO DE 2007)

Talvez este não seja o ano mais quente da história dos registros de temperatura, mas certamente o relatório publicado em fevereiro pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é o mais quente de todos os alertas climáticos produzidos pelos cientistas.
A constatação de aumento nas concentrações atmosféricas de gases de estufa (especialmente dióxido de carbono, o CO2, metano, o CH4, e óxido nitroso, o N2O) não é nova. Também não é exatamente novo o reconhecimento de que as temperaturas globais conheceram aumento no século XX e, em particular, ao longo das últimas décadas. Corrigindo e completando dados divulgados em relatórios anteriores, o IPCC revela que, no período de 12 anos entre 1995 e 2006, 11 anos estiveram entre os 12 mais quentes desde 1850, quando se iniciaram os registros térmicos de alcance global. Também informa que nos cem anos entre 1906 e 2005 ocorreu aumento de 0,740C nas temperaturas médias globais.
As verdadeiras novidades do relatório encontram-se no grau de certeza proclamado a respeito das causas do aquecimento global e das previsões de elevação das temperaturas ao longo do século XXI.
O IPCC sustenta que, com alto grau de probabilidade:
● As atividades humanas, e não fatores naturais, são as principais responsáveis pelo aquecimento global observado.
● O padrão registrado de aquecimento da troposfera e resfriamento da estratosfera deriva da emissão de gases de estufa e da rarefação da camada de ozônio, dois processos ligados às atividades humanas.
● A redução da massa de gelo no planeta decorre também do aquecimento global e deve-se às interferências antropogênicas sobre o sistema climático.
● As interferências antropogênicas já provocam mudanças em padrões de circulação das massas de ar no hemisfério norte e aumento de tempestades extra-tropicais.
● O aumento das temperaturas médias nas noites mais quentes e mais frias e nos dias frios é um efeito do aquecimento global e está ligado às atividades humanas.
Os cenários projetados pelo IPCC para o aquecimento global variam entre o preocupante e o assustador. Numa hipótese tão otimista quanto irrealista, baseada no pressuposto da manutenção constante das emissões de gases de estufa nos níveis de 2000, ocorreria aumento das temperaturas médias globais de 0,10C por década, o que significa uma elevação térmica de 10C em 2100. Nesse caso, as interferências antropogênicas no sistema climático que já ocorreram continuariam, inercialmente, a provocar aquecimento.
Os outros cenários, mais realistas, apontam para um aquecimento global de 1,80C a impressionantes 4,00C em 2100.
Esses cenários dependem de combinações complexas de fatores naturais e antropogênicos. Mas, segundo a lógica dos modelos utilizados pelo IPCC, os fatores antropogênicos têm peso maior na evolução do sistema climático.
A cobertura da mídia tratou o relatório como um consenso científico indiscutível. Uma grande companhia petrolífera anunciou que financiará estudos de economistas ou cientistas ambientais dispostos a contestar o IPCC.
Mas, ao contrário do que parece, há cientistas independentes que, sem financiamento de gigantes do petróleo ou do governo americano, discordam do relatório.
Os cientistas dissidentes não contestam as informações factuais sobre temperaturas globais e, portanto, reconhecem que as últimas décadas foram marcadas por uma nítida tendência de aquecimento. O que eles discutem são as causas do aquecimento e as projeções sobre o comportamento do sistema climático.
Esses críticos do IPCC não concordam que seja razoável afirmar, com um elevado grau de confiança, que os fatores antropogênicos são decisivos para o aquecimento global. O relatório atual, como os anteriores, subestimaria o peso de fatores naturais decisivos, como a dinâmica das massas de ar e correntes marítimas.
As dúvidas não são descabidas. A revista americana Time, na capa de sua edição de 10 de setembro de 1945, um mês após a rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial, exibia um desenho da Terra suando, acompanhado pela manchete “O mundo está fervendo”. É que a década anterior havia sido a mais quente de toda a história registrada. Contudo, três décadas mais tarde, no 31 de janeiro de 1977, a capa da mesma revista trazia a manchete “O grande congelamento”, que remetia a um artigo no qual discutia-se uma aparentemente clara tendência ao resfriamento global. O ciclo se fechou no 3 de abril de 2006, quando a capa da Time expunha a foto de um urso polar encurralado pela fusão dos gelos árticos e as páginas internas reproduziam o alarme do aquecimento global.
As capas da Time obedeceram ao ritmo de um processo natural, descoberto em 1997, que atrai a atenção de muitos cientistas insatisfeitos com as explicações da moda. O processo é a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP), um ciclo comprovado ao longo do século XX de mudanças na temperatura das águas superficiais do Oceano Pacífico. A ODP alterna fases quentes e frias com duração de cerca de três décadas. Nas fases quentes, as águas oceânicas registram picos de aquecimento superiores a 20C e os fenômenos El Niño são mais freqüentes e intensos que os La Niña. Nas fases frias, registram-se picos de resfriamento também superiores a 20C e os fenômenos La Niña são mais freqüentes e intensos que os El Niño.
A ODP atravessou uma fase quente entre 1925 e 1946, que influenciou o sistema climático e expressou-se na capa da Time do final da Segunda Guerra Mundial. Entre 1947 e 1976, verificou-se a fase fria da ODP. Na reta final dessa fase, a Time não falou sozinha. Menos de três anos antes de sua capa sobre o “grande congelamento”, no 30 de junho de 1974, o jornal O Estado de S. Paulo anunciou, em letras garrafais, que “A Terra caminha para uma nova era glacial”. Depois de 1977, começou uma nova fase quente, que estaria perto do seu final ou já teria terminado. Na interpretação de parte dos críticos do IPCC, está se confundindo o “aquecimento global” com essa fase quente da ODP.
As médias térmicas do período 1965-1975 são, de modo geral, um pouco menores que as do período 1937-1946. Já as médias de 1995-04 são geralmente maiores que as de 1940-1980. Essas informações não representam prova definitiva de coisa nenhuma, mas podem ser interpretadas como indícios do impacto da ODP nas temperaturas globais.
Os críticos do IPCC não formam um grupo homogêneo e nem todos atribuem a mesma importância à ODP. A maioria deles concorda que as emissões antropogênicas de gases de estufa interferem no sistema climático global. Mas o ponto que os une é o ceticismo diante da noção de que a humanidade assumiu o controle do clima planetário.
O futuro próximo dirá quem tem razão.
Mas não deixaria de ter graça a leitura de uma profecia da “nova era do gelo” numa Time de algum dia de 2035...

O APOCALIPSE, SEGUNDO O IPCC
Nossa Terra está degenerada nesses últimos tempos. Há indícios de que o mundo está rapidamente chegando ao fim.” A avaliação guarda indisfarçável semelhança com certas passagens do relatório do IPCC sobre o aquecimento global – ou, pelo menos, com as sínteses do relatório difundidas pela mídia. Mas a profecia apocalíptica foi escrita há quase cinco milênios e está gravada num tablete de argila da civilização assíria, de aproximadamente 2800 a.C.
A última frase do tablete assírio oferece os “indícios” do fim do mundo: “Suborno e corrupção generalizaram-se”. Embora esse traço esteja presente entre nós, ele separa conceitualmente a profecia ancestral do texto do IPCC, que faz parte de uma tradição recente na qual o apocalipse tem causas ecológicas. Fogo e inundações assinalariam o encerramento da era do pecado e o início do Milênio, na maioria das profecias apocalípticas cristãs. O ecologismo apocalíptico contém esses elementos narrativos, o que talvez explique a sedução que exerce sobre o grande público.
A capa da revista Life de setembro de 1993 trazia a manchete: “O ano do tempo assassino. Por que a natureza enlouqueceu?” Nos doze meses anteriores, os Estados Unidos haviam experimentado os desastres provocados pelo furacão Andrew, na Flórida, por uma forte tempestade de inverno que atingiu toda a costa leste e por extensas inundações na bacia do Mississipi, no Meio Oeste. Sob o impacto desses eventos, e dos alertas científicos sobre o aquecimento global, o público não se espantou diante da incrível manchete que acusava a natureza de insanidade, atribuindo-lhe uma vontade assassina.
Não é fácil romper com raízes cravadas no subsolo cultural. O ambientalismo nasceu com o movimento romântico, que se ergueu no fim do século XVIII, como reação às Luzes. Os românticos adoravam um passado idealizado, pleno de pureza e avesso à racionalização da natureza. Eles contestavam o progresso, contrapondo-lhe o universo das emoções, a sensação do sublime, a força da tradição. Civilização e natureza, na abordagem romântica, funcionam como pólos opostos: a primeira é perdição; a segunda, refúgio e salvação.
O romantismo americano, especialmente com o escritor e filósofo Henry David Thoreau (1817-62) está diretamente associado ao pensamento ambientalista. Thoreau defendia a conservação dos recursos naturais e a preservação de ambientes e paisagens em terras públicas. Foi um dos precursores de passatempos recreativos “ecológicos”, como a canoagem e caminhadas em trilhas selvagens. Thoreu fazia parte do movimento transcedentalista, que valorizava a experiência sensível e a intuição individual.
Entre eles, alguns radicais, que viriam a influenciar o movimento hippie dos anos 1960, propunham a formação de comunidades naturalistas e o vegetarianismo.
Ralph Waldo Emerson (1803-82), ensaísta e poeta, amigo de Thoreau, liderou o movimento transcedentalista e tornou-se o ponto de referência intelectual de John Muir (1838-1914), o “pai” dos parques nacionais americanos e fundador do Sierra Club, a mais antiga das organizações ambientalistas. Muir foi um geólogo amador e um pioneiro no estudo do trabalho de erosão dos glaciares, no vale de Yosemite, na Califórnia. A partir dele, o romantismo ecológico estabeleceu uma sólida ponte com o pensamento científico.
O relatório do IPCC faz parte do discurso científico, está recheado por um amplo aparato de modelagem computadorizada e se veste nas roupagens da estatística de probabilidades. Mesmo assim, está ligado por fios invisíveis à tradição do pensamento ambiental, que se desenvolveu na sopa do romantismo e da adoração de um “mundo natural” intocado que só existe na imaginação da humanidade. Além disso, a recepção pública do relatório não poderia deixar de expressar a coleção de preconceitos do ambientalismo popular.
O ambientalismo popular é uma mercadoria vendida na tevê, no cinema, nos jornais e revistas. Suas “verdades” simplórias – “a Amazônia é o pulmão do mundo”, “a natureza enlouqueceu”, “a Terra está doente”, “precisamos salvar o planeta” – tornaram-se componentes de um repertório cultural bem conhecido, que identifica o aquecimento global em praticamente qualquer evento meteorológico, como uma tempestade tropical, os dias muito quentes do verão, as noites sem brisa ou as chuvas torrenciais que redundam em inundações urbanas.
Noticiando o relatório do IPCC, o jornal O Estado de S. Paulo escreveu que o aquecimento global seria, agora, um fenômeno irreversível. A palavra “irreversível” não consta do relatório – e não seria escrita por um cientista. Tudo é reversível, na escala do tempo geológico. Há uns 12 mil anos, encerrou-se a glaciação mais recente e provavelmente caminhamos, no longo prazo, para outra glaciação. As previsões científicas sobre o aquecimento global são probabilísticas, ou seja, incorporam uma margem de erro – que, no caso, é bastante significativa.
Sobretudo, a tradução do relatório pela mídia virtualmente ignorou os cientistas que discordam do IPCC. Mas eles existem e também são gente séria. Mas gostamos muito de apocalipse. Especialmente na sua versão ecológica...

Boletim Mundo n° 1 Ano 15

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