domingo, 1 de janeiro de 2012

PROTOCOLO OU ENCRUZILHADA DE KYOTO?

Dez anos após a assinatura, o acordo que prevê a redução das emissões de gases que causam o efeito estufa avançou pouco. E, de acordo com o IPCC, ele é insuficiente para reduzir mudanças climáticas.

O Protocolo de Kyoto completa seu décimo aniversário diante de uma dupla encruzilhada. Avançou pouco a redução das emissões de gases de estufa e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que as suas metas são incapazes de impedir mudanças climáticas de peso, com graves conseqüências para a vida no planeta.
Assinado em 1997, o Protocolo entrou em vigor em fevereiro de 2005, sob ferrenha oposição dos Estados Unidos, o maior emissor individual de gases de estufa. O presidente americano George W. Bush retirou-se do acordo em 2001, sob o argumento de que suas metas compulsórias de emissões feriam os interesses econômicos de seu país. Bush também protestava contra os termos do acordo, que não previa metas específicas de redução de emissões para os países em desenvolvimento.
Segundo o acordo, o mundo deveria alcançar, entre 2008 e 2012, uma redução de 5,2% nas emissões dos seis gases que comprovadamente aceleram o efeito estufa. Para que o Protocolo entrasse em vigor, deveria ser ratificado por países que respondem por, no mínimo, 55% das emissões de gases. Isso só foi possível após a adesão da Rússia, o terceiro maior emissor mundial em 2004, que buscava uma maior aproximação com a União Européia.
A Europa sempre foi o grande contraponto aos Estados Unidos, lutando pela ratificação do Protocolo, que contou com a adesão de 141 países, inclusive o Brasil.
Foi o Brasil, aliás, que sugeriu uma cláusula engenhosa do acordo. Trata-se do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que prevê a possibilidade de países industrializados financiarem projetos de seqüestro de carbono (como a recuperação de matas) em países em desenvolvimento.
Esses projetos são computados nas metas de redução de emissões dos países avançados.
Acontece que as reduções obtidas até agora, pelos países industrializados aderentes ao Protocolo, foram modestas. Enquanto isso, os Estados Unidos aumentaram suas emissões em 10% nos últimos dez anos e, entre os chamados países emergentes, as emissões de gases de estufa aumentam rapidamente.
Mesmo a Europa, discursos à parte, pouco progrediu nas metas estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto. Em fevereiro, o diretor do Programa da ONU para o Ambiente, Achim Steiner, declarou que a Europa “não está fazendo sua parte”. Segundo Steiner, se o ritmo atual for mantido, apenas quatro países da União Européia terão atingido os objetivos definidos pelo acordo em 2012.
Mas o Protocolo defronta-se com uma segunda encruzilhada, de acordo com os estudos mais recentes do IPCC. O relatório do organismo, divulgado no início deste ano, prevê a necessidade de impedir a liberação de 650 bilhões de toneladas de CO2 (de um total estimado em 1,4 trilhão) até 2100 para evitar um aumento médio da temperatura global de 4,50C no período, o que causaria elevação do nível médio dos mares de 18 a 59 centímetros, com efeitos trágicos para as áreas costeiras em todo o planeta Mas nem tudo são más notícias, quando se tratados dez anos da assinatura do Protocolo de Kyoto. Nos Estados Unidos, muitas empresas e estados estão embarcando na redução voluntária da emissão de gases. A Califórnia, por exemplo, anunciou sua disposição de reduzir em 30% as emissões até 2016. O motivo é simples: em um país conhecido pela força dos consumidores, a opinião pública começa a cobrar de empresas e autoridades uma contribuição para um planeta mais limpo. Empresas vistas como “ecologicamente corretas”, experimentam altas maiores em suas ações cotadas em bolsas de valores.
Há também sinais evidentes de uma nova postura do governo Bush. Enroscado na guerra do Iraque petrolífero, e buscando uma menor dependência das importações de combustíveis fósseis, o governo começa a incentivar o uso de fontes de energia menos poluentes. Na América do Sul, Bush articula o acordo do etanol com o Brasil, a fim de criar um contrapeso à influência da Venezuela.
Ao mesmo tempo, esboça um acordo sobre emissões de gases de estufa com países da Ásia/Pacífico, de modo a abrir uma alternativa à liderança européia na “diplomacia climática” global.
Os europeus, comprometidos politicamente com o sucesso do Protocolo, têm que reagir a tempo de salvá-lo da falência anunciada. A União Européia anunciou, em janeiro, que pretende cortar em 20% as emissões de CO2 até 2020, em relação aos números de 1990. Daqui a pouco mais de uma década, 10% de todos os automóveis que rodam em suas estradas deverão queimar biocombustíveis.
No discurso, a Europa vai mais longe e propõe um corte de 30% nas emissões até 2020, desde que os outros países desenvolvidos – leia-se Estados Unidos – também adotem a meta ousada.
No futuro próximo, o mapa das emissões de gases de estufa sofrerá mudanças profundas. Antes de 2020, a China ultrapassará os Estados Unidos, tornando-se o maior emissor de CO2. A Índia, que já está ultrapassando o Japão, deixará a Rússia para trás em 2020 e assumirá a terceira posição mundial. Calcula-se que, em 2030, as emissões totais dos países em desenvolvimento superem as do mundo industrializado.
O novo mapa das emissões implica mudanças na política internacional para o clima. Se o Protocolo de Kyoto tiver uma segunda versão, os chamados países emergentes – China, Índia, Brasil e México, principalmente – serão inevitavelmente pressionados a adotar limites compulsórios de emissões. Por sorte, justamente nesses países se concentram as melhores oportunidades de redução de emissões, pois o crescimento da infra-estrutura industrial e energética poderia ocorrer já, com o uso de tecnologias “limpas”. No fundo, atrás dos discursos ambientais, esconde-se a corrida rumo a essas tecnologias – uma disputa que toca nos interesses econômicos vitais das grandes potências globais.

Boletim Mundo n° 1 Ano 15

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