A cidade do México começou com uma águia, um cactus e uma serpente. De acordo com a profecia, os astecas deveriam erigir sua cidade no local em que avistassem uma águia, pousada sobre um cactus, a comer uma serpente. Essa cidade, Tenochtitlán, foi fundada em 1325, numa ilha do Lago Taxcoco, onde a tal águia foi vista. Ao longo dos anos, o lago foi drenado, e, quando os conquistadores espanhóis chegaram a Tenochtitlán, levaram um susto: encontraram um dos maiores e mais organizados centros urbanos do mundo.
Na época, seu mercado era duas vezes maior que o de Sevilha, e apenas duas cidades européias – Paris e Veneza – superavam-na em população. Em 1519, os espanhóis chegaram a Tenochtitlán. Em 1521, a cidade foi sitiada e praticamente destruída.Sobre as ruínas de Tenochtitlán foi construída a Cidade do México – chamada igualmente de DF, por Distrito Federal, ou, simplesmente, México. Hoje, é a área metropolitana mais populosa do planeta, com quase 20 milhões de habitantes.
Quem chega de avião, pode notar que a cidade é cercada de montanhas e vulcões.
O smog que a cobre indica que os ventos, fracos, não dispersam os resíduos industriais e que a poluição atmosférica, ali, é um problema real. Mas basta pouco tempo no México para dar-se conta de que a cidade é bem mais que uma megalópole contemporânea e seus clássicos problemas urbanos construída sobre ruínas astecas.
A população do DF é majoritariamente mestiça – embora embranqueça nos bairros ricos – e a cultura ancestral permaneceu forte. Comem-se tamales no café da manhã, enchiladas de mole no almoço e toma-se uma sopa de elote no jantar, porque viver a 2.240 metros de altitude torna a digestão noturna mais difícil. Por toda a cidade há exuberância visual. Em todos os bairros, são comuns edifícios e casas pintados de cores vivas, como amarelo ovo, laranja ou azul cobalto. Encontram-se muitas esculturas e monumentos, e até mesmo a história do país é contada em grandes murais coloridos expostos em prédios públicos.
Quem nasce ou vive na Cidade do México é chamado de chilango, palavra que sugere uma pessoa ardida como pimenta.
Entre os próprios chilangos, o uso da expressão é interpretado como sinal de carinho e parceria. Mas, utilizada por um forasteiro, ela pode ser entendida como algo pejorativo. Uma primeira lição para viver-se bem entre os chilangos é ter em mente que, no DF, a amabilidade e a cortesia constituem valores muito superiores à objetividade na hierarquia dos comportamentos sociais. Na vida cotidiana da Cidade do México, é fundamental observar regras de cortesia para qualquer coisa que exija contato pessoal. Ignorar essa regra básica pode representar dificuldades desnecessárias em um banco ou em uma repartição pública, por exemplo. Mais que em qualquer outra cidade do mundo consegue-se muito mais e melhor com um “Muy buenos dias, señor. Como le ha ido?” introdutório.
Os chilangos não cultivam o estresse, embora convivam com ele diariamente.
“Caos” é a palavra que melhor define o tráfego no DF. Os congestionamentos são intensos e freqüentes, e o chilango é um ser submetido aos caprichos do trânsito.
Diariamente, circulam cerca de 4 milhões de veículos. As carteiras de motorista são fáceis de conseguir e não têm prazo de validade. Ou seja: todo mundo dirige. Mas dirigir no DF pode ser assustador. Em alguns cruzamentos movimentados, revive-se a sensação infantil de estar num parque de diversões, brincando de bate-bate. No final, tudo acaba bem. Chega-se feliz – e tarde – em casa.
No DF, o caráter reservado da cultura indígena aliou-se ao moralismo do catolicismo espanhol. No centro histórico, um traje indígena chama menos a atenção que um adulto de bermudas. Pela cidade – em lojas, casas e ruas – vêem-se oratórios iluminados, dedicados aos santos de devoção.
Todas as festas são celebradas. Os chilangos adoram conviver. Bebe-se muito e come-se muito e bem, em todas as classes sociais. Aos domingos, famílias inteiras vão aos parques da cidade. Levam seus cachorros – porque os chilangos adoram cachorros – e assistem a treinos e lutas de boxe, que reúnem multidões.
Mas não se pode perder de vista que o DF, de algum modo, continua sendo a capital de um povo que foi conquistado pelos espanhóis e que, no entanto, soube manter a dignidade e a altivez. Que se trata da capital de um país que perdeu cerca de 42% de seu território na guerra com os Estados Unidos, em meados do século XIX, mas que conseguiu se redefinir e se afirmar. Seus habitantes são descendentes, genéticos ou morais, de um povo que, a partir de ruínas, construiu a maior cidade do planeta. O resultado é algo orgulhosamente próprio, que associa o espírito ancestral de Tenochtitlán a todas as outras influências e culturas presentes ao longo desta construção coletiva que, mais que nada, representa um testemunho de resistência e obstinação.
Boletim Mundo n° 2 Ano 15
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