sábado, 31 de março de 2012

Por que algumas pessoas espirram ao olhar para o céu?

Isso pode ocorrer não só quando alguém olha para o Sol, mas a qualquer exposição a luz muito intensa. O que acontece no interior do cérebro é que os nervos que conduzem os estímulos da visão ficam extremamente próximos àqueles responsáveis pelo olfato e pela contração da musculatura do nariz "Essa proximidade faz com que uma mensagem que deveria se limitar aos olhos e à visão acabe estimulando os outros nervos que estão em volta, disparando um reflexo do nariz - ou seja, o espirro. A essa reação se dá o nome de reflexo cruzado", afirma o otorrinolaringologista Ricardo Bento, da USP. Sua ocorrência, porém, é extremamente rara. "O mais comum é as pessoas olharem para cima para puxar o ar antes de espirrar, o que pode dar a impressão de estar acontecendo exatamente o contrário", diz o otorrinolaringologista Sung Ho Joo, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Aaaaaatchiiiim! Acredite se quiser: a luz forte pode causar espirros

1 - O bulbo raquidiano, na base do cérebro, concentra 12 pares de nervos cuja função é transmitir mensagens sensoriais e motoras para o sistema nervoso.
 2 - Entre esses 12 pares, está o nervo óptico (responsável pela visão), muito próximo ao nervo olfativo e ao trigêmeo, responsável, entre outras coisas, pela contração dos nervos da mucosa nasal.

 3 - Quando um estímulo visual é muito intenso, a mensagem que passa pelo nervo óptico pode estimular também o olfativo e o trigêmeo, causando o espirro.

 Revista Mundo Estranho Edição 3/ 2002




Por que sentimos frio quando estamos com febre?

A febre funciona como um alarme de que alguma infecção (seja por vírus, seja por bactérias) está atacando o organismo. Ela dá o sinal para acelerar a produção dos anticorpos que irão combater a doença e é essa atividade mais intensa em nosso organismo que aumenta sua temperatura. A sensação de frio ocorre porque o corpo passa a perder calor muito rapidamente, a partir do momento em que os vasos sangüíneos da pele se dilatam irradiando mais calor para o exterior. "Além disso, como os seres humanos têm sua temperatura equilibrada com a do ambiente (cerca de 37ºC), ao se aquecer a pessoa passará a sentir o ambiente mais frio. Por isso, embora o corpo esteja quente, a temperatura externa parecerá relativamente mais baixa", afirma o neurologista Paulo Monzillo, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Outro fator que contribui para reforçar a sensação de frio é o aumento da transpiração, que, ao evaporar sobre a pele, também tem a função de resfriar o corpo.

Revista Mundo Estranho Edição 3/ 2002

Por que o gargarejo com água morna e sal alivia a dor de garganta?

Essa mistura tem temperatura e composição química muito parecidas com as do nosso próprio organismo. Quando a água morna entra em contato com a mucosa ferida, seu calor faz com que haja uma dilatação dos vasos sanguíneos do local. Esse aumento da circulação auxilia um número maior de glóbulos brancos a passar do sangue para o tecido afetado, diminuindo a inflamação. Por esse motivo, só a água morna pura já bastaria para aliviar. Já o sal, muitos acreditam que sirva para limpar o local - mas não é bem assim. "Ele não limpa a boca. O que acontece é que temos aproximadamente 0,9% de sódio no sangue. Portanto, ao adicionarmos sal à água, fazemos com que sua composição fique parecida com a do líquido que temos no corpo, o que torna a mistura muito menos agressiva do que a água pura, aumentando sua eficácia na remoção do muco que se forma na garganta", afirma o otorrinolaringologista Celso Becker, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Revista Mundo Estranho Edição 3/ 2002

Quais são os piores agrotóxicos para a saúde humana?

Existem diversos tipos de agrotóxicos, que variam de acordo com a praga a ser combatida. Para ter uma idéia do tamanho do arsenal, são cerca de 900 princípios ativos em mais de 4 000 formulações diferentes. Como medida de segurança, o Brasil - e a maioria dos países - possui toda uma legislação determinando a quantidade a ser aplicada, o tempo que se deve esperar para colher o  alimento, e o tipo de produto a ser usado. "Cada região reúne condições climáticas diferentes e, consequentemente, as espécies de pragas também variam. É isso que determina o tipo de pesticida usado na plantação, razão pela qual não dá para relacionar cada agrotóxico a um grupo de alimentos específicos", afirma o químico Félix Reyes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Normalmente, se as normas de aplicação forem seguidas à risca, esses produtos - apesar de altamente venenosos - deixam na comida apenas resíduos químicos considerados "toxicologicamente aceitáveis" - ou seja, não são nocivos à saúde.
"O risco maior de intoxicação fica, na verdade, para aqueles que manuseiam e aplicam o produto nas plantações. Há também casos em que feirantes usam por conta própria o agrotóxico para que seus produtos permaneçam em bom estado por mais tempo", diz Maria Cecília de Figueiredo Toledo, engenheira de alimentos da Unicamp. "É bom lembrar que a penetração dos agrotóxicos se limita à parte externa do fruto ou da folha. Por isso, uma boa lavagem em água corrente dos alimentos que comemos crus pode retirar a maior parte do veneno, tornando-o não prejudicial", afirma o toxicologista Antony Wong, da Universidade de São Paulo (USP).

 Maldita trindade São três os tipos de defensivos agrícolas mais nocivos para o nosso organismo
 INSETICIDAS (combatem insetos)
 Organoclorados • Muito perigosos
Proibidos desde 1985, esses produtos deixam resíduos permanentes nos tecidos gordurosos de mamíferos, peixes e aves. Quem comer a carne de um desses animais contaminados, será igualmente afetado. O veneno também permanece no meio ambiente por mais de 100 anos.

 Organofosforados • Menos perigosos
Após a intoxicação, os efeitos desses pesticidas se manifestam em até 24 horas. Eles fazem parte da família dos chamados inibidores e, além de efeitos fisiológicos ainda podem causar reações esquizofrênicas.

 Carbamatos • Pouco perigosos
Enquanto os efeitos dos organofosforados levam um mês para desaparecer, os dos carbamatos levam apenas uma semana. Ambos têm as mesmas características e fazem parte da família dos inibidores.

HERBICIDAS (combatem ervas daninhas)
Paraquat • Muito perigosos
Extremamente tóxico, esse tipo de produto ataca gravemente todos os tecidos do organismo. A intoxicação pode se dar por inalação ou ingestão. Se consumido acidentalmente em estado puro, basta uma simples colher de chá para matar.

 Glifosate • Menos perigosos
Essa classe de agrotóxico apresenta toxicidade relativamente baixa para o ser humano, mas a ingestão acidental causa náuseas, vômitos e outros distúrbios gastrointestinais.

 Clorofenóxicos • Pouco perigosos
Se manuseados corretamente, os agrotóxicos desse grupo são muito pouco tóxicos. No entanto, em sua fabricação é liberada uma substância chamada dioxina, que deve ser mantida separada. Caso ela contamine o herbicida, a mistura torna-se cancerígena.

 RODENTICIDAS (combatem roedores)
Fluoracetato de sódio • Muito perigosos
A categoria dos rodenticidas é a mais venenosa de todas e esse produto em particular, um dos mais tóxicos entre eles. Seu uso é proibido no Brasil, mas em outros lugares - como Nova Zelândia, Estados Unidos e Europa - ele continua liberado.

 Fosfeto • Menos perigosos
Esse produto é utilizado para proteger as sementes em estoque antes do plantio. O uso doméstico contra ratos ainda é comum no Brasil, apesar de o fosfeto ser proibido. Ao se misturar com a água ou com a saliva, ele libera a fosfina, um gás venenosíssimo.

Hidroxicumarínicos • Pouco perigosos
 Por serem granulados, esses produtos dificilmente passam despercebidos a ponto de serem ingeridos por acidente. Em seres humanos, sua toxicidade é relativamente baixa, mas podem provocar hemorragias.
 Venenos poderosos Os pesticidas são perigosíssimos - mas só quando ingeridos ou inalados em estado puro.

 VIA AÉREA
A maioria dos agrotóxicos líquidos costuma ser pulverizada de aviões. Esse modo de aplicação torna-se especialmente perigoso em dias de muito vento, pois o veneno pode se espalhar e contaminar rios e populações vizinhas.

 SISTEMA CIRCULATÓRIO
Os pesticidas do grupo dos hidroxicumarínicos fazem o sangue perder sua propriedade coagulante, podendo provocar hemorragias.

 SISTEMA REPRODUTOR
Os organoclorados, os organofosforados e os carbamatos podem provocar aborto. Já os clorofenóxicos interferem na produção de espermatozoides.

 CORAÇÃO
Os defensivos agrícolas do grupo dos organofosforados e dos carbamatos causam descontroles nervosos que podem provocar até parada cardíaca. Já o paraquat queima e lesiona os tecidos internos, entre eles os do coração.

 FíGADO
Outro órgão atacado pelo paraquat, veneno que causa grandes estragos em todos os tecidos internos.

 SISTEMA DIGESTIVO
O glifosate, os carbamatos, os organofosforados e os clorofenóxicos também causam vômitos, náusea e diarréia. Até aí, nada de anormal: esses são os sintomas mais comuns e os primeiros a aparecer quando há qualquer intoxicação.

 CÉREBRO
Os organofosforados e os carbamatos paralisam enzimas essenciais do nosso sistema nervoso. Isso provoca tal descontrole que pode causar parada respiratória ou cardíaca fatal.

 ESÔFAGO
Se for inalado, o paraquat queima as paredes desse canal de comunicação entre a faringe e o estômago, a ponto de corroer seus tecidos.

 MÚSCULOS
Os organoclorados e os clorofenóxicos provocam fraqueza e dores musculares.

 PULMÃO
Uma vítima de vários agrotóxicos - do paraquat aos organofosforados, carbamatos e fluoracetato de sódio. Todos eles aumentam a secreção pulmonar, causando parada respiratória. Já o fosfeto pode provocar parada respiratória e até morte por sufocação.

 RINS
Como o paraquat causa lesões graves em todos os tecidos internos, os rins também são extremamente prejudicados.

 GORDURA
Os organoclorados se alojam nos tecidos adiposos, podendo, a longo prazo, desenvolver doenças como o câncer.

Revista Mundo Estranho Edição 3/ 2002

Quem eram os bobos da corte?

Tudo indica que eram os melhores comediantes da sua época, a Idade Média. Ao contrário do que muita gente pensa, esses plebeus pagos para entreter a nobreza e a realeza não eram loucos, nem faziam parte do time de vítimas de deformidades físicas, como corcundas e anões, que muitas cortes adotavam como circo particular. "Os bobos da corte não eram nada bobos. Eles possuíam várias habilidades: versejavam, faziam malabarismos e mímica. Eram, principalmente, gente com talento, sabedoria e sensibilidade para divertir os outros", afirma o historiador Nachman Falbel, da USP.
Principalmente nos séculos XIV e XV, o bobo fazia parte do grupo de artistas sustentados pelas cortes, junto com pintores, músicos e poetas. Quem melhor definiu sua posição junto aos poderosos foi o gênio do teatro inglês William Shakespeare (1564-1616), que destacou a figura dos bobos dando a eles papéis de grande importância em sua obra. "Em peças como Rei Lear e A Noite de Reis, o bobo é o mais esperto dos personagens. Ele tem licença para falar aquilo que ninguém mais ousa dizer", diz John Milton, professor de Literatura Inglesa da USP. A liberdade do personagem é tão grande que ele chega a criticar os próprios reis, com comentários ácidos e que divertem o público. "No teatro de Shakespeare, o público não ri dos bobos da corte, ri junto com eles", afirma Milton.

Revista Mundo Estranho Edição 3/ 2002

Computadores

Norton Godoy

Eles são jovens, amam a paz e seus computadores e fazem prodígios com eles - como penetrar os segredos de governos e grandes organizações. São os hackers, que querem livre acesso às informações.
Na noite de 28 de setembro passado aconteceu algo estranho na cidade alemã de Hamburgo: agentes do serviço secreto da polícia francesa invadiram o número 85 da Schenckerstrasse e de lá saíram carregando caixas com equipamentos eletrônicos e mais de quatrocentas folhas de formulário contínuo (o papel utilizado em computadores). Dez dias antes, em Washington, um porta-voz do governo americano reconheceu,  encabulado que um grupo de garotos alemães conseguira, com seus microcomputadores, penetrar nos sistemas de segurança da NASA - Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço.
Apesar de acontecerem tão longe, os dois fatos têm estreita ligação. Um dia antes da entrevista do porta-voz alguns membros do Clube de Computador Caos, de Hamburgo, haviam denunciado publicamente o envolvimento da NASA - entidade criada para fins pacíficos de exploração espacial -  no desenvolvimento de armas para o programa “Guerra nas estrelas” do governo americano. Eles haviam obtido essas informações diretamente dos computadores da NASA, cujos sistemas de segurança conseguiram penetrar, como reconheceu o porta-voz. O prédio invadido era a sede do clube, cujos membros haviam violado, também, os computadores da polícia francesa.
Se não fosse verdade, daria o enredo para um bom filme de ficção científica - que, por sinal já foi feito. Quem não se lembra de Jogos de guerra, uma envolvente história em que um menino habilidoso invade o computador de uma agência do governo americano e quase leva o mundo à guerra nuclear? Os membros do Caos são assim também - garotos habilidosos no uso do computador. São  uma espécie diferente de jovens, espalhados por todo o mundo (inclusive no Brasil) que se apelidam hackers.
Em português, seria algo  como “fuçadores”. Pois fuçar é o que eles mais adoram fazer especialmente no campo da informática. Os primeiros hackers apareceram em 1959, quando ainda não havia computadores pessoais. Moravam perto do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e ficavam andando pelos corredores da famosa instituição, de madrugada, vendo tudo e mexendo no que fosse possível. Gostavam sobretudo do prédio 26 da universidade, onde estavam instalados os primeiros computadores eletrônicos, máquinas gigantescas. De lá para cá, várias gerações das melhores cabeças da técnica da informática foram influenciadas pelo que se costuma chamar filosofia hacking, essa mania de procurar saber tudo.
Vamos acompanhar a história dos meninos do Caos. Eles são noventa, espalhados pela Alemanha. A sede do clube que a polícia invadiu é a casa do seu líder, Wau Holland. Lá eles tinham vários computadores com seus periféricos como impressoras, modems (que convertem a linguagem binária dos computadores em sinais eletrônicos modulados que podem ser enviados pelo telefone), drives (que gravam e reproduzem as informações da memória dos computadores em disquetes). Uma parafernália eletrônica que justifica o lema do clube: “Salada de fios é saudável”.
O objetivo do Caos é entrar nos segredos dos grandes computadores do mundo inteiro, que trabalham para complexas instituições como a NASA ou a polícia francesa. Esses segredos são protegidos por códigos formados por letras e números. Há códigos específicos para cada arquivo, e um que dá acesso ao sistema operacional da máquina - uma espécie de chave que põe o computador em funcionamento. É por aí que os hackers começam.
Eles põem o computador a funcionar, mas não sabem como abrir as portas que guardam os segredos. Usam, então, o truque chamado “cavalo de Tróia”: põem na memória do computador um programa simples que eles mesmos preparam. Esse programa manda o computador responder a qualquer chamada com os procedimentos de rotina: o nome da instituição, uma saudação ao usuário e o pedido da senha para o arquivo que quer utilizar. Quando o usuário fornece a senha, o programa não abre a porta, que os hackers nem sabem qual é - mas registra o código na memória.
O computador então passa a operar com seu programa normal, dá o nome da instituição outra vez, saúda o usuário e pede a senha. Este pensa que houve algum problema com a ligação telefônica e repete tudo. Depois de introduzir esse programa na memória do computador, os hackers esperam alguns dias, e voltam a fazer contato. Chamam o seu programa e fatalmente vão encontrar nele uma coleção de senhas que o computador guardou para eles. Os garotos do Caos fizeram isso com 135 computadores de vários países, descobriram um monte de segredos, como as armas da NASA - sem gastar um tostão com ligações internacionais. Pois outra especialidade dos hackers é descobrir números telefônicos desativados nas centrais e mandar a conta para eles.
Os hackers gostam dos computadores, acreditam que eles existem para tornar a vida das pessoas melhor. Por isso os sócios do Caos, que são pacifistas, denunciaram o envolvimento da NASA com armas. Não há dúvida de que essa atividade de furar os segredos alheios é ilícita e com as provas materiais recolhidas pela polícia francesa os hackers alemães correm sério risco de acabarem na cadeia. Mas isso não acabará com a preocupação de governantes e dirigentes de grandes organizações: se garotos utilizando computadores comuns conseguem tais façanhas, qual a garantia de que seus segredos podem ser mantidos realmente secretos?
Ilustres Pioneiros
A galeria dos hackers ilustres inclui esses nomes:Stephen “Woz” Wozniak - Nasceu em San José, perto de São Francisco, nos Estados Unidos. Prodígio da eletrônica, construiu o primeiro microcomputador Apple para se divertir. Acabou sendo um dos fundadores da Apple Computer.Steven Jobs - Colega de Woz na fundação da Apple, seu amigo desde a infância. Na adolescência, especializaram-se em fazer ligações telefônicas internacionais sem pagar - e chegaram a ligar para o Vaticano, para falar com o papa em nome do então secretário de Estado Henry Kissinger. Bill Gates -  Outro garoto prodígio que largou no meio do curso a Universidade de Harvard para escrever o primeiro programa Basic para o primeiro computador pessoal, o Altair. Hoje é um jovem empresário riquíssimo, proprietário da Microsoft, que anda brigando com a empresa brasileira Scopus, que acusa de copiar um dos seus programas. Adam Osborne - Nasceu em Bangkok, na Tailândia, mas fez carreira como hacker nos Estados Unidos. Diz-se um filósofo, mas encontrou tempo para criar a Osborne Computer.Peter Samson - Pode ser considerado um pioneiro hacker: gostava de sistemas eletrônicos, trens em miniatura, música. Fundou o primeiro clube de hackers, o Clube Técnico de Ferromodelismo, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Steve Russel - Escreveu o primeiro programa de vídeo game, o Spacewar, num velho computador gigante POP-1. Ao contrário da maioria dos outros hackers, não ganhou dinheiro com suas habilidades.Roberta Williams - A única mulher da lista dos hackers notáveis. Manifestou sua criatividade produzindo videogames juntamente com o marido, Ken Russel. Eles criaram uma empresa de video games, a On-Line.Os hackers brasileiros se reúnem em clubes CBBS - sigla americana de Computer Bulletim Board System, uma espécie de sistema de recados por computador. O primeiro foi fundado em 1983 por Paulo Sérgio Pinto, no Rio de Janeiro. A moda pegou rápido. Eles preferem ser chamados de micromaníacos, pois vivem trocando recados e informações através de seus microcomputadores. Os maiores CBBS estão em São Paulo: o Sampa, com cerca de 800 usuários, e o Sampinha, com 250. Quem tiver um micro e quiser contatar com eles, ligue para (011) 37-4107 (Sampa) e (011) 64-7199 (Sampinha).

Revista Super Interessante n° 006

Eletrônicos: Novidades para todos os gostos

As em indústrias apresentam a mais nova safra de equipamentos portáteis que prometem facilitar a vida de todos os dias - em casa, no trabalho, na rua e até no bar.

 A palavra inglesa gadget tanto pode designar um equipamento ou dispositivo engenhoso como um acessório de atividade bastante duvidosa. Na última Feira de Eletrônica de Chicago, realizada no ano passado, o que se viu foi um festival dessas engenhocas – que muitas vezes se reúnem os dois significados. Ninguém duvida que um alarme contra a radiação atômica, que cabe em qualquer bolso, é engenhoso – mas todos torcem para que não venha a ter utilidade alguma. Aliás, nos novos lançamentos da indústria eletrônica os alarmes vivem disparando. Um  dos mais solta e sinais de alerta, por exemplo, entre em ação para advertir os pais de que o filho está se afastando além de certa distância.
Para quem gosta, o admirável mundo novo da eletrônica e para todos os usos é um prato cheio: o mais apressadinho pode ser acordado por um despertador e uma xícara fumegante de café preparado automaticamente pelo mesmo equipamento. É interessante notar que, se antes se dizia que muita coisa podia ser feita pelo homem com um mero apertar de botões, hoje em dia até o simplíssimo ato de apertar tecla está sendo aposentado: relógios  diz com telefones, canetas de luz programam aparelhos de vídeo.
Os lançamentos mostram ainda que na eletrônica não há limites para o que pode ser miniaturizado: uma copiadora Xérox pode ser portátil.
E, como qualquer aparelho parece caber na palma da mão, não é absurdo imaginar que numa única maleta- executivo uma pessoa possa levar telefone,, gravadoras e projetor de vídeo, calculadora e ainda um dicionário - eletrônico, naturalmente. Além isso, a tecnologia caminha no sentido de juntar duas com mais funções em pequenos objetos: régua funcionam como calculadora, canivetes carregam grande fiadores e porta-fita adesiva, relógios acendem cigarros – quando não substituem a agenda de telefones.

Revista Super Interessante n° 06

Viagem ao planeta vermelho

Martha San Juan França

O homem está começando a arrumar as malas para conhecer o planeta de seus sonhos: Marte. Depois de longos preparativos, uma difícil viagem permitirá descobrir os segredos de um outro mundo - e assim também aprender mais sobre a própria Terra.
A maior montanha, que se eleva a 20 mil metros de altura, faz o Everest parecer um simples monte. Desfiladeiros escarpados rasgam quilômetros de superfície — um deles é dez vezes maior do que o Grand Canyon que atravessa o Arizona, no sudoeste dos Estados Unidos. As paisagens são desérticas, secas e frias, recortadas por sulcos que no passado teriam sido rios caudalosos. O Sol se põe no horizonte cor-de-rosa por causa da poeira em suspensão das rochas avermelhadas. E essas rochas talvez contenham fósseis de microorganismos ou de formas de vida primitiva extintas há milhões de anos junto com a água que teria existido ali. Bem-vindo a Marte, nosso vizinho mais próximo depois de Vênus — onde o homem pensa em pôr os pés daqui a 22 anos. Esse planeta só é maior do que Mercúrio e Plutão. Sua área de 149 milhões de quilômetros quadrados corresponde à soma de quase todos os continentes e ilhas da Terra. Como a Terra, tem um dia de 24 horas (mais 23 minutos, exatamente), estações bem definidas, gelo nos pólos (feito de dióxido de carbono) e noites enluaradas — duplamente enluaradas, porque Marte tem dois satélites:
Phobos (medo, em grego) e Deimos (terror). Mas cuidado com a aparência inofensiva do planeta vermelho. A temperatura de Marte que no verão equatorial pode estar acima de zero grau centígrado, no inverno polar desce a 120 graus negativos. O ar, composto principalmente de dióxido de carbono, tem apenas 1 por cento da densidade da atmosfera terrestre. A quantidade da mistura de oxigênio e nitrogênio é insuficiente para um ser humano respirar. E o ozônio é tão raro que a radiação ultravioleta do Sol penetra à vontade até a superfície do planeta — um cenário de arrepiar os cabelos dos ecologistas, que em seus piores pesadelos temem que a poluição faça isso acontecer um dia na Terra. Há milhões de anos, Marte deve ter sido um planeta muito diferente. Como modernos Sherlock Holmes, os geólogos do espaço procuram no relevo acidentado de agora as pistas daquilo que Marte foi no passado — um planeta um pouco mais quente e úmido, com atmosfera muito mais densa. Naquela época, a água estaria cobrindo 15 por cento da superfície do planeta e talvez formasse um grande oceano, além de lagos e rios. E onde havia água, especulam os cientistas, pode ter existido vida. Em toda a sua extensão, marcas lembram os leitos dos rios em época de seca — alguns com centenas de quilômetros. Pode ser que quase toda a água do planeta esteja escondida no subsolo, abaixo do gelo, como em regiões polares da Terra.
A erosão provocada por essa água, pelo vento e pelo gelo desgastou o relevo marciano. O hemisfério norte parece moldado também por ação vulcânica em período posterior. Seus vulcões têm quilômetros de extensão. Isso porque, como a crosta marciana não se move tanto, ao contrário do que acontece na Terra, a válvula de escape de vulcões hoje extintos continua a ocupar imensas áreas. Por exemplo, a cratera do monte Olimpo, o maior vulcão do planeta, tem 65 quilômetros de largura. Falhas geológicas também podem ter provocado as grandes depressões, como o Vallis Marineris, um canyon que chega a 3 mil metros de profundidade e corta quase a metade dos 6 800 quilômetros de diâmetro do planeta. Desde 1976, quando as sondas americanas Viking 1 e 2 pousaram no solo de Marte, os cientistas da Terra conhecem prós e contras desse planeta. Mas, como no século XV, quando Cristóvão Colombo arriscou a vida e a reputação à procura de um caminho pelo Ocidente até as Índias, os planejadores da conquista espacial querem saber mais sobre esse novo mundo para talvez colonizá-lo no futuro. A meta é enviar os primeiros homens e mulheres a Marte no ano 2010. Quem sabe, os primeiros marcianos de verdade comecem a nascer já por volta de 2050. Não se trata de sonho, mas de cálculo. Tíche iêdesh dálhche búdesh: “Quanto mais devagar se vai, mais longe se chega”, diz o velho provérbio russo. Fiéis a ele, os cientistas espaciais soviéticos estão se preparando para chegar a Marte. Viagens precursoras deverão tornar o planeta quase tão conhecido quanto a Terra.
Enquanto isso, uma dezena de cosmonautas — os antecessores dos primeiros homens a pisar em Marte — continuarão a passar longas temporadas em treinamento nas estações orbitais Salyut-7 e Mir. Na era da glasnost (transparência, em russo) do líder Mikhail Gorbachev, os soviéticos parecem não querer repetir os erros do passado, quando Estados Unidos e União Soviética gastavam tempo, dinheiro e vidas numa competição espacial que rendia mais dividendos políticos do que científicos. A conquista de Marte pode ser uma vitória da cooperação internacional. O Instituto de Pesquisas Espaciais da URSS promoveu em Moscou em março do ano passado um encontro entre 450 cientistas de todo o mundo para uma troca de idéias sobre as futuras viagens espaciais. A proposta soviética de uma viagem a Marte a múltiplas mãos foi aceita por cientistas de vários países. Doze nações já se associaram à URSS na etapa exploratória a desenrolar-se este ano. Mas os parceiros mais cortejados — os americanos — permanecem indecisos. Alguns especialistas ligados ao Departamento de Defesa em Washington querem manter a competição. Outros apontam diferentes prioridades para o programa espacial, como a construção de uma estação orbital ou de uma base permanente na Lua. Mas boa parte dos cientistas pressiona o Congresso — de onde deve vir o dinheiro dos projetos futuros — para investir em Marte. Um expoente dessa linha é o astrônomo Carl Sagan. Outro é o geólogo Bruce Murray.
O  professor Murray, que leciona Ciências Planetárias no Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena, disse que “a comunidade científica só poderá ganhar com a cooperação com os soviéticos”. Murray, vice-presidente da Sociedade Planetária, uma entidade de cientistas americanos presidida pelo astrônomo Carl Sagan, acredita também que “o projeto de um vôo tripulado a Marte reabilitaria a NASA”, depois do desastre da Challenger há dois anos, e traria novo interesse público pelas pesquisas espaciais. De qualquer maneira, a primeira etapa da conquista de Marte já tem data marcada em Moscou. Está previsto para julho o lançamento de dois poderosos foguetes Próton da base de Baikonour, no Casaquistão, Asia Central. Cada um transportará uma sonda Phobos. No espaço, as sondas deverão percorrer 56 milhões de quilômetros, ou seja, 140 vezes a distância da Terra à Lua em duzentos dias para conseguir uma sintonia perfeita com a órbita de Phobos, o maior dos satélites de Marte. Phobos é a porta de entrada escolhida pelos soviéticos. O principal interesse por esse pequeno satélite de 27 quilômetros de diâmetro, praticamente grudado no planeta — fica apenas a 6 mil quilômetros do seu equador —, está na sua história. Phobos, assim como Deimos, pode ser um asteróide atraído pelo campo gravitacional de Marte.
Ao contrário da nossa Lua, tem um formato bastante irregular — parece uma batata esburacada com uma grande cratera numa extremidade, provavelmente lembrança da passagem de um meteorito por sua superfície. Se Phobos for realmente um asteróide, talvez sejam descobertas amostras de condrito carbonáceo no solo. Trata-se de um material rico em carbono, presente em alguns meteoritos. Os asteróides, corpos celestes situados entre os planetas Marte e Júpiter, podem ser restos de um antigo planeta que por algum motivo se espatifou. Esses restos contêm os mesmos materiais dos meteoritos, ou seja, os mais primitivos materiais do sistema solar. É por esse motivo que as principais experiências dos países convidados a participar da expedição soviética a Phobos são de análise da composição do solo. Uma das sondas passará a 50 metros da superfície e acionará várias vezes durante milésimos de segundo um feixe de raios laser. Como um sopro num monte de algodão, a poeira do solo do satélite, cuja massa é muito pequena e não tem atmosfera. Volatiliza-se projetando-se  contra um espectrômetro — instrumento que separa partículas segundo a energia radiante que emitem — a bordo da sonda. Enquanto uma das sondas estiver observando a superfície de Marte, a outra lançará por uma espécie de arpão dois pequenos módulos sobre o satélite. Um desses módulos estará à procura de condritos.
Ele saltará sobre o terreno analisando amostras do solo — e por isso já foi apelidado gafanhoto. O outro, com uma incumbência mais tranquila, medirá as variações da posição do Sol e das estrelas e tirará fotografias panorâmicas da superfície. Se tudo correr bem, a expedição que deverá durar quinze meses poderá fazer medições também em Deimos — por mais insignificantes que seus 13 quilômetros de diâmetro possam parecer. Outra expedição, já marcada para 1992, dessa vez irá direto ao alvo: Marte. Ela deverá contar com os inestimáveis serviços da grande estrela do programa espacial soviético. Trata-se do Marsokhod, um veículo de seis rodas, semelhante ao que foi usado na Lua pelos próprios russos, capaz de transportar 45 quilos de instrumentos e de percorrer durante meses dezenas de quilômetros da superfície marciana, graças a um sistema de propulsão nuclear. Ao mesmo tempo, dois balões de 17,5 metros de diâmetro analisarão a atmosfera do planeta. Sensíveis às grandes mudanças de temperatura entre o dia e a noite de Marte, os balões vão elevar-se até 6 mil metros de altitude ao amanhecer, para pousar novamente depois que o Sol se puser. Veículos e balões serão depositados no solo por enormes pára- quedas que funcionarão como freios na atmosfera rarefeita de Marte, a exemplo do que aconteceu em 1976 com os módulos das Vikings. Mesmo que os americanos não participem diretamente do programa patrocinado pela União Soviética, não ficarão totalmente apartados.
A NASA tem preparada a sonda Mars Observer, que permanecerá dois anos em órbita de Marte. O lançamento dessa sonda deverá coincidir com o da nave russa e os cientistas dos dois países já decidiram trocar as informações obtidas. A Mars Observer vai tentar suprir alguns claros deixados pelo programa Viking. Ou seja, enquanto as suas antecessoras se limitaram a analisar pontos esparsos do solo marciano, essa sonda fará um mapeamento cuidadoso de toda a superfície do planeta. A experiência americana em Marte por sinal não deve ser subestimada. Foram os americanos os únicos que conseguiram pousar sondas no planeta e enviar fotografias de sua superfície à Terra. Isso aconteceu já em 1971 com a Mariner 9. De seu lado, todos os quinze lançamentos soviéticos falharam. Duas vezes, eles tiveram um azar incrível. Em 1971, a sonda Marte 3 chegou a pousar no solo do planeta e transmitir fotos durante 20 segundos, até seus sinais desaparecerem misteriosamente. O mesmo aconteceu com a Marte 6 no ano de 1973. Os soviéticos pretendem voltar com suas sondas a Marte em 1996 ou 1998. Até lá, o Marsokhod já terá se aperfeiçoado o bastante para coletar amostras do solo. Estas serão armazenadas num módulo que as levará para a sonda de regresso à Terra.
Até o final do século calcula-se que os cosmonautas soviéticas tenham ultrapassado o limite de permanência de três anos no espaço — tempo que deverá durar uma viagem tripulada de ida e volta. Atualmente, o recorde é de 326 dias a bordo da estação Mir. Bater esse recorde não será fácil. Um dos objetivos das prolongadas missões na Mir é justamente testar a capacidade de adaptação do organismo às condições do espaço. Essas condições submetem o corpo humano a duras provações. Por exemplo, na ausência de gravidade, a coluna vertebral deixa de sustentar o peso do corpo e assim a distância entre as vértebras aumenta, “esticando” a pessoa. Quando puseram os pés na Terra depois de 238 dias a bordo da Salyut-7, em 1985, os cosmonautas Leonid Kizim, Vladimir Soloviov e Oleg Atkov mal podiam com as próprias pernas. Desacostumados aos efeitos da gravidade, eles tinham os músculos enfraquecidos e haviam crescido cerca de 3 centímetros. Outra penosa dificuldade que os cosmonautas terão de enfrentar é o enjôo do espaço, provocado pela ausência de gravidade nos ouvidos (veja quadro). Não menos importante são os  efeitos psicológicos de uma viagem tão prolongada. Os exemplos dos problemas de comportamento surgidos nos intermináveis confinamentos numa área equivalente à de um quartinho são inúmeros — e graves.
O cosmonauta Valentim Lebedev, após 211 dias a bordo da Salyut-7, queixou-se de atritos com o restante da tripulação, insônia e medo de perder o autocontrole. Iuri Romanenko, o atual campeão de permanência no espaço, quase morreu em 1977, após uma temporada na Salyut-6. Habitualmente calmo, ele brigou com seu colega de bordo Georgy Grechko e com o comando de Terra. Para piorar as coisas, resolveu sair da nave sem o cabo que prende os cosmonautas ao seu interior. Foi preciso que Grechko o agarrasse até ele se acalmar. Diante desses problemas, alguns especialistas chegam a suspeitar que uma viagem a Marte talvez esteja fora do alcance da fisiologia humana. Se isso se revelar verdadeiro, será um duro golpe na fantasia de um dia percorrermos o sistema solar: o homem, quando muito, só conseguiria ir à Lua. Outros alegam que o ser humano não vai se contentar com fotos e cifras enviadas por máquinas e tentará alargar ao máximo o limite de resistência do organismo. Mas não se trata apenas da invencível curiosidade que guia o homem em sua aventura na Terra — e fora dela. Além disso, existem as demandas da ciência. Diz o astrofísico Enos Picazzio, do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP: “Em última análise, o que o homem procura encontrar em Marte são respostas para aquilo que ainda não sabe sobre o passado remoto da Terra”.
O Brasil em Marte
Entre os cientistas de trinta países que foram convidados em março do ano passado pela Academia de Ciências de Moscou para participar do simpósio sobre o Projeto Marte estava o físico brasileiro José Marques da Costa, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) de São José dos Campos, São Paulo. Marques da Costa, paraense de Belém, com formação em universidades americanas e especialista em geomagnetismo, tinha a incumbência de mostrar aos soviéticos as pesquisas que os brasileiros poderiam desenvolver a bordo das sondas espaciais. Acertou-se que os brasileiros deverão receber dados das sondas Phobos através da antena de 13,7 metros do Rádio- Observatório de Itapetinga, em Atibaia, São Paulo. Além disso, a sonda soviética que for lançada em 1992 terá a bordo um equipamento desenvolvido no INPE pelos físicos  Ênio Bueno Pereira e Daniel Jean Roger Nordemann. Trata-se de um medidor de radônio, um dos elementos responsáveis pelas radiações naturais da atmosfera, ao lado do urânio, tório e potássio-40 contidos no solo e nas rochas. O INPE vem utilizando o medidor desde 1986 para detectar sinais de radônio na Antártida. Segundo o físico francês Nordemann, o gás radônio, gerado pelo decaimento do rádio, escapa para a atmosfera. Embora não apresente afinidade química com outros elementos, tem a curiosa propriedade de ser solúvel na água. É por isso que aparece pouco sobre oceanos, terras inundadas ou cobertas de gelo. Essa propriedade será testada em Marte como parte do complicado quebra-cabeça de descobrir o que aconteceu com a água do planeta. Além disso, o radônio é um indicador seguro dos movimentos das massas de ar e dos fenômenos climáticos que afetam a atmosfera — assim na Terra como em Marte.
“Tudo se move em câmara lenta”
Em julho de 1975, o astronauta Donald Kenneth Slayton foi um dos quatro americanos que participaram do vôo conjunto Apollo-Soyuz com dois cosmonautas soviéticos. Atualmente com 64 anos, empresário, Slayton lembrou recentemente a SUPERINTERESSANTE como foram os dez dias daquela missão, cinco dos quais com os russos.
Qual a sensação de flutuar no espaço?
É como estar debaixo da água. Tudo se move em câmara lenta e a gente nem sempre consegue controlar os movimentos. É preciso ter paciência no começo, mas depois você se acostuma.
Como era a alimentação?
Bem variada. O cardápio da NASA tem mais de 150 tipos de refeições. É claro que havia limitações: não podíamos fritar um ovo, por exemplo. Mas havia sopa e café. Quando encontramos os russos, eles nos ofereceram latas de borsht (sopa de beterraba). De brincadeira pusemos rótulos de vodca nas latas. Naquele tempo não se podia beber nem refrigerante. Depois, eu soube de astronautas que tomaram Pepsi e Coca-Cola numa viagem dos ônibus espaciais.
Como vocês dormiam?
Na ausência de gravidade é preciso prender o corpo para não flutuar no vácuo. Nós ou usávamos um cinto de segurança ou dormíamos em sacos, que não eram muito confortáveis porque não permitiam grande mobilidade.
Como foi o encontro com os soviéticos no espaço?
Foram cinco dias de convívio constante. Várias vezes tomamos café da manhã ou almoçamos na nave russa e vice-versa. As duas naves estavam acopladas e passávamos de um lado para o outro sem problemas. Quando o homem quer, a cooperação é perfeitamente possível, qualquer que seja o país ou a crença. Aprendemos muito nesse vôo.
A ilusão dos canais
Um mundo velho, onde uma civilização muito superior à nossa tentava heroicamente sobreviver em condições adversas. Esta era a idéia que os habitantes da Terra tinham sobre Marte, apelidado planeta vermelho por causa de sua coloração diferente de todos os outros astros. Essa noção veio das observações dos astrônomos do final do século XIX. Tudo começou quando o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli (1835-1910) resolveu desenhar um mapa de Marte em 1877. Ao telescópio, Schiaparelli notou uma série de linhas escuras e finas que uniam áreas escuras maiores, da mesma forma que valas e canais unem duas massas de água. E chamou-as canali. Do italiano, a palavra foi traduzida como channel em inglês, que significa canal construído pelo homem e não um acidente geográfico natural.
A imaginação popular, entusiasmada com a construção de canais como o de Suez, completado em 1869, logo fantasiou engenheiros marcianos. A fantasia contagiou até cientistas. O astrônomo americano Percival Lowell (1855-1916) construiu um observatório no Arizona através do qual durante quinze anos viu os canais de Schiaparelli e muito mais. Ele achava que as áreas escuras ao lado dos canais seriam sinais de vegetação irrigada cuidadosamente pela água trazida das calotas polares.
A maioria dos astrônomos não via nada do que Lowell dizia enxergar. Mas o público adorava as suas histórias — e falava dos “canais de Marte” como uma realidade indiscutível, dos quais só não se conhecia ao certo a origem. Nos últimos trinta anos, sondas espaciais mapearam Marte de ponta a ponta e nada foi descoberto que se parecesse com canais. Hoje em dia, os astrônomos estão convencidos de que tudo não passou de uma ilusão de ótica — e de mentalidade.

Revista Super Interessante n° 006

A pior tragada

Uma pesquisa com 990 fumantes, realizada no Arizona, Estados Unidos, sugere que quem fuma maconha prejudica muito mais os pulmões do que quem fuma cigarros convencionais – mesmo quando o número de cigarros de maconha consumidos é bem menor. Foi um trabalho cuidadoso, que durou dois anos, a envolvendo testes de capacidade respiratória em diversos grupos de pessoas. Ainda assim, o pneumologista Flávio Tavares Martins, do hospital Albert Einstein, em São Paulo, acha que não se pode encarar o resultado como uma verdade científica. "É certo que a maconha faz mal aos pulmões", diz ele. "Se mais ou se menos que o tabaco, não se sabe. Na verdade, fumaça por fumaça, todas são ruins."

Revista Super Interessante n° 006

Ar-condicionado, só em ordem

Dores de cabeça, espirros, obstrução nasal, irritação nos olhos e até náuseas podem acometer pessoas que passam muitas horas em lugares com o ar-condicionado ligado – sobretudo em prédios de escritórios onde as janelas  não abre. Só há pouco tempo começou-se a relacionar tais sintomas com o ambiente. Descobriu-se, por exemplo, que aparelhos de ar-condicionado mal conservados disseminam fungos e bactérias responsáveis pela asma e pela rinite. Existe até um tipo de bronquite asmático batizada pelos especialistas de asma do ar-condicionado.
Um tipo de fungo capaz de passar pelos filtros dos condicionadores é o actinomiceto, que causa dos alvéolos pulmonares, pequenos sacos de a que aumentam em diminui com a respiração e por onde o sangue é o oxigenado. O legista Júlio Croce, professor da Universidade de São Paulo, explica que "seu contato intermitente, a inflamação dos alvéolos se torna crônica e os pulmões perdem sua plena movimentação". Pior ainda é a combinação do ar-condicionado com a fumaça dos cigarros: na opinião dos médicos que estudam as chamadas doenças de escritório, essa é a mais séria forma de poluição interna.

Revista Super Interessante n° 006

E como dói

Lúcia Helena de Oliveira

Só há pouco tempo, passou-se a estudar o fenômeno da dor como um mal em si mesmo, que merece tratamento específico. E descobertas surpreendentes conduzem à cura na esmagadora maioria doas casos.
Alguns podem suportar uma dor durante certo tempo, mas decididamente ninguém suporta quem reclama de dor muito tempo. Como vai?” — alguém lhe pergunta, e o maria- das- dores, em vez de um cortante tudo mal”, explica que arde, aperta, pinica, perfura, belisca, queima, irrita, estremece, lateja aqui e ali. No início, até dói no coração de quem ouve, que retira um providencial analgésico do bolso, lembra-se de um fantástico chá da vovó, procura o endereço daquele médico que curou outro amigo. Mas há dores que vencem não só esses primeiros socorros como também todas as demais manifestações de caridade. Esgotam ainda as receitas do médico da família. Porque não têm domínio da situação, as pessoas tendem a achar que o problema de fato não existe ou se sentem constrangidas pela falta de solução. E quem já sofria de uma dor experimenta outra — a da solidão. Esse chato de doer” talvez ignore que hoje existem médicos especializados em compreender suas queixas e curá-lo. A Medicina nos últimos anos passou a pesquisar o fenômeno da dor, que agora é muitas vezes considerado uma doença em si. Pode ser um alívio saber que existem tratamentos — embora nem sempre cura definitiva — para todos os casos. Talvez por não contar com os recursos modernos, o homem tentou no passado encontrar consolo valorizando a dor. Sofrer, como escreveu o poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), é um divino remédio para as nossas impurezas”. Várias religiões propagaram essa idéia: basta lembrar os sofrimentos da paixão de Cristo ou o martírio dos santos. Apenas em 1957, uma encíclica de Pio XII autorizou os médicos católicos a usar a morfina em doses moderadas” para acalmar o suplício dos pacientes. Em geral, é sempre assim: no cinema, o bandido leva um soco e fica se contorcendo no chão; o herói leva um tiro, range os dentes, passa a mão na camisa ensanguentada e vai à luta. Isso porque permanece inconscientemente a idéia de que quem aguenta a dor é íntegro e corajoso. Mas, na hora H, ninguém quer ser admirado por aguentá-la. Só pessoas com distúrbios psíquicos, os masoquistas, sentem prazer na dor. A grande maioria quer é distância dessa sensação inapelavelmente desagradável. A princípio, porém, a dor aguda tem uma causa nobre, pois faz parte de um importante sistema de alarme do organismo, chamado nociceptor ou receptor de agentes nocivos. Na verdade, dor é uma interpretação cerebral de estímulos captados por estruturas nervosas existentes na pele, nos músculos e vísceras, encarregadas de registrar e comunicar qualquer anormalidade de pressão, temperatura ou eletricidade. Assim, quando um agente externo danifica o corpo, como um prego que fura o pé ou uma panela que queima a mão, sente-se uma dor que, primeiro, afasta a pessoa do que a machuca e, depois, a obriga a cuidar da região afetada. Da mesma forma, dores alertam para problemas internos: a digestão malfeita se manifesta em ardor no estômago, por exemplo. Existem ainda dores mais sofisticadas, que não se limitam a dar o alarme. A angina no peito informa que um infarto pode estar a caminho. É claro que todos têm uma  certa consciência disso e, sentindo a queimação no peito, não saem correndo para buscar socorro, evitando esforços para o coração. Mesmo assim, o organismo parece tomar suas precauções; a dor típica no braço esquerdo dos cardíacos dificulta qualquer movimentação, praticamente obrigando a pessoa a ficar imóvel e, dessa maneira, poupar o coração em crise. Outro exemplo é o parto. A inesperada pontada na barriga da grávida — a dor da primeira contração — é que impede que a criança nasça na rua. Mas, além de ordenar a ida para a maternidade, essa dor tem outra função. Ser mãe é padecer de uma contração dolorosa do útero atrás de outra — ao menos, até que se tome anestesia. Em partos normais, para os quais o corpo da mulher naturalmente se prepara, a dor ajuda a expulsão da criança cada vez que obriga a mãe a contrair a barriga num espasmo. Quem não sente dor alguma — pessoas portadoras de uma doença congênita chamada analgesia — costuma ter muitos problemas no dia-a-dia e até morrer cedo. Felizmente, são raridades: não há mais que trinta casos registrados neste século no mundo inteiro. O primeiro deles, da década de 20 foi o de uma garotinha inglesa, Mary Andrews, que chegou em casa com uma perna inchada. Os médicos acharam que era mais um caso de reumatismo infantil. Depois de vários tratamentos fracassados, descobriram que a menina tinha três fraturas na perna — sem sentir dor; porém, ela caminhava normalmente e, por não ter sido imobilizada a tempo, a perna ficou defeituosa. Diz o ditado que a gente tem aquilo que dói. Pois foi o filósofo francês René Descartes (1596-1650), o mesmo que afirmou penso, logo existo”, quem primeiro desenhou um possível caminho da dor, que seria uma ligação direta da área dolorida até o cérebro. Não é bem assim, sabe-se hoje. As microestruturas nervosas que captam alterações que afetam o corpo estão ligadas a nervos que na verdade não seguem direto ao cérebro. Em primeiro lugar, o estímulo é desencadeado quando essas estruturas liberam para os nervos determinadas substâncias que formam uma corrente elétrica. Esta passa pela medula da espinha e só então segue para o cérebro ou, mais especificamente, para o tálamo, onde se tem as sensações. Aqui já se sente a dor, mas não se sabe ainda nem a intensidade nem o que a provoca. Enfim, não se interpreta a sensação — isso só acontecerá quando a informação alcançar o córtex cerebral, uma fração de segundo mais tarde. Os cientistas definem esse percurso como processo ascendente da dor. O processo descendente” é quando o cérebro, em resposta, manda socorro para a medula. O remédio orgânico são substâncias analgésicas que ou bloqueiam totalmente ou ao menos aliviam a dor. Isso acontece porque elas se encaixam como uma chave na fechadura nas substâncias que desencadeiam a informação dolorosa. Tais analgésicos, as endorfinas, foram descobertos em 1975 por cientistas americanos. Já se sabia que, estimulando com choques elétricos certas regiões cerebrais, conseguia-se um efeito analgésico. Os cientistas começaram a operar ratinhos usando esse estímulo como anestesia. Mas, para surpresa geral, os bichos continuavam sem demonstrar dor mesmo quando os choques eram interrompidos. Se fosse o mero estímulo de uma área do cérebro a causa da ausência de dor, esta deveria se manifestar com a interrupção dos choques. O fato de isso não acontecer indicava que existia algo mais — daí a descobrir que os choques estimulavam a produção de analgésicos naturais foi um passo. As endorfinas são muito parecidas com as drogas sintetizadas pelo homem, como a morfina. Acredita-se que a diferença na produção dos analgésicos biológicos — seja de indivíduo para indivíduo ou de situação para situação — faça da dor uma experiência pessoal e intransferível. Por exemplo, descobriu-se que, quando se está concentrado numa atividade qualquer e não na dor em si, a produção de endorfinas aumenta. O povo parece ter aprendido isso antes dos cientistas: quem, sentindo dor, já não ouviu o conselho: Pense em outra coisa, que passa”? Os atletas são craques em driblar a dor: um jogador de futebol pode levar caneladas  e continua em campo. Depois da partida, pode até chorar de dor. Mas só depois. A vida de quem se sente feliz também é menos dolorida. Está provado que aqueles que ficam deprimidos por algum motivo ou estressados têm sua produção de endorfinas diminuída. Com isso, a dor é percebida como se estivesse sob uma lente de aumento. De uma forma ou de outra, todos já puderam testar essa diferença do próprio limiar da dor: quando se está louco para ir a um encontro e aparece uma dor de cabeça, toma-se um comprimido, mas não se perde o programa; quando a perspectiva é um tedioso dia no escritório, a dor pode tornar o trabalho impossível. Tudo ainda leva a crer que a produção de endorfinas é maior no sexo feminino. Portanto, o ditado deveria ser mulher que é mulher não chora”, pois os homens nesse aspecto são o sexo mais frágil. As dores também tendem a provocar reações diferentes, conforme as origens de cada um. Ao levar um beliscão, um japonês, por exemplo, limita-se, regra geral, a retirar o braço; o mesmo beliscão num italiano costuma gerar um berreiro. Por mais cuidado que se deva ter com tais generalizações, as pesquisas indicam que os campeões mundiais de resistência à dor são os orientais; no outro extremo, estariam os italianos e os judeus. Os brasileiros, segundo os pesquisadores, estariam entre os mais resistentes. Resta saber se essas pessoas sentem a dor da mesma maneira, mas a demonstram de formas diferentes, ou se a produção de endorfinas pode ser influenciada pelo ambiente familiar e pela herança cultural transmitida na educação. Existem, é claro, regiões do corpo, como os olhos e os lábios. Mais sensíveis à dor — porque têm um número maior de nociceptores. Os cientistas acham que qualquer estrutura sensitiva pode desencadear a dor e não apenas os nociceptores especializados. Os corpúsculos de Ruffini, por exemplo, são microestruturas das células que enviam ao cérebro informações sobre temperatura. Se tremendamente excitados, quando se toca a língua em um líquido muito quente ou se encosta a mão num cigarro aceso, o cérebro interpreta a sensação intensa como dor. Enfim, como os nociceptores não atuam sozinhos, a intensidade de uma dor torna-se ainda mais relativa. Para a ciência — embora isso agrida a experiência concreta de cada um — não há dores menos ou mais dolorosas. Em matéria de intensidade da dor, não existe um campeão absoluto. Segundo uma teoria, a percepção seria também efeito da memória de dor” — um conjunto de conceitos, lembranças e associações. Assim, um médico poderia sentir mais a dor de uma injeção que um paciente — por saber o que acontece exatamente e o que pode dar errado quando a agulha penetra na pele. Da mesma forma, índios que nunca tinham passado por tratamentos dentários nada sentiram numa extração sem anestesia — eles simplesmente ignoravam que aquilo ia doer. Ou seja, a antecipação da dor, causada pelo medo, influiria na intensidade da dor.Para medir uma dor, os médicos só contam com um instrumento: o relato de quem a sente. Nossa filosofia é sempre acreditar no paciente”. diz o neurologista Jorge Roberto Pagura, 39 anos, da Escola Paulista de Medicina. Há oito anos, ele fundou em São Paulo a primeira clínica particular do Brasil para tratamento da dor — não aquela que serve como alarme, mas as dores crônicas. “Elas não são um aviso. Elas são o próprio problema”, diz. Quase sempre, segundo o neurologista, o diagnóstico é encontrado. “A dor tem uma razão fisiológica que deve ser tratada” explica Pagura .“Muitas vezes, localizada a causa da dor o paciente é encaminhado a especialistas e fisioterapeutas — exercícios específicos e medicação resolvem mais de 70 por cento dos casos.” O restante deve apelar para o bisturi. Só a cirurgia, por exemplo, descomprime o nervo trigêmeo, que desce das têmporas para os lábios, cuja dor chega a paralisar a face. Quem já sentiu diz que não há nada pior em matéria de suplício físico.As cirurgias, em geral, podem interferir de duas maneiras: interrompendo o processo ascendente da dor, ou seja, cortando os nervos que levam os sinais dolorosos, ou estimulando a produção de endorfinas mediante o implante de eletrodos na medula e no cérebro. Esses eletrodos são controlados por um marcapasso similar ao usado pelos cardíacos A dor de que os brasileiros mais padecem — sem falar, é claro, da dor-de-cotovelo — é a terrível dor de cabeça, mais especificamente a afamada enxaqueca. Os ambulatórios para tratamento dessa dor, existentes em muitas faculdades de Medicina do país, atendem uma média de quarenta casos por dia. Foi trabalhando num desses ambulatórios, o do Hospital dos Servidores Públicos de São Paulo, que o neurologista Célio Levymann acabou se especializando em dor de cabeça. “A cura de dores crônicas como a enxaqueca é fácil, desde que o diagnóstico seja adequado”, diz ele.Os brasileiros consomem por ano 3 bilhões de comprimidos para dor de cabeça — sem dúvida uma enormidade, mas ainda assim dez vezes menos que os americanos. Os cientistas, porém, estão quase certos de que, em excesso, analgésicos eventualmente se viram contra o feiticeiro e, em vez de fazerem a dor sumir num piscar de olhos, como num passe de mágica, podem aumentá-la. Quem não tem crises frequentes de enxaqueca pode optar por remédios sintomáticos, que aliviam a dor quando ela aparece. Para quem tem duas a três crises por mês — é a média dos casos, de acordo com Levymann —, a solução é prevenir, também com medicamentos, combinados conforme a situação. A mais famosa enxaqueca do Brasil pertence ao poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto, autor de Morte e vida severina e de Ode à aspirina. O que não falta são teorias para explicar a enxaqueca. A clássica é de que se trata de uma alteração na irrigação sanguínea do cérebro. Hoje. porém, também se leva em conta que, quando existe enxaqueca, há também uma alteração nos hormônios cerebrais que produzem as endorfinas. E estudos muito recentes mostram que os enxaquecosos, como dizem os médicos, têm uma tendência maior que as pessoas normais a formar coágulos sanguíneos. Isso faz muitos cientistas encararem essa dor como um problema hematológico, que diz respeito ao sangue, e não neurológico. Para o acupunturista Jou El Jia, de São Paulo, a dor — como prega a medicina tradicional chinesa — é cansada quando a energia que deve fluir, por todo o corpo fica estagnada ou não passa por um determinado ponto. As agulhas da acupuntura restabeleceriam o fluxo normal. O doutor Jou, porém. não discrimina as explicações da ciência ocidental para o fenômeno. Embora a questão da energia seja fundamental para a tradição chinesa”, diz, estudos avançados provaram que as agulhas, na verdade, estimulam a produção das endorfinas, além de bloquear a chegada dos sinais de dor.” O doutor Jou assegura que as agulhas eliminam qualquer dor em duas ou três sessões. Outros médicos, porém, afirmam que nem sempre esse tratamento oferece resultados positivos. De fato”. esclarece o doutor Jou, “as agulhas eliminam cólicas renais ou menstruais. Mas, se a pessoa está com a energia muito baixa, precisamos elevar esse nível, antes de tratar de outras dores mais complexas.” Num livro publicado no começo do ano na França, L’homme sans douleur, o neurocirurgião Gabriel Mazar escreve com todas as letras que “a ciência possui todos os meios de dominar a dor, seja qual for a sua origem ou os órgãos afetados”. Primeiro clínico parisiense a tratar da dor como tal, já em 1960 Mazar oferece um verdadeiro cardápio de alternativas médicas, algumas extremamente sofisticadas, para o combate à dor. Por exemplo, injeções de morfina no cérebro ou a coagulação de uma pequena área da medula espinhal, Mazar insiste em que mesmo pacientes desenganados podem ser poupados do sofrimento. Para ele, em suma, deve-se viver e morrer sem dor.

 Armas do alívio
Uma vez diagnosticada, qualquer dor tem tratamento. Mesmo nos casos sem cura, pelo menos algum alívio temporário sempre se consegue. Eis as armas mais utilizadas nessa guerra sem fim:Fisioterapia — Indicada na maioria dos casos, sozinha ou ainda como tratamento auxiliar. Os resultados são positivos apenas quando o especialista encontra o ponto exato que está gerando a dor — assim se tira maior proveito dos exercícios. Acupuntura — A aplicação de agulhas em determinados pontos do corpo bloqueia a mensagem da dor para o cérebro e ainda estimula a produção das endorfinas. Em casos de dor muito forte, os acupunturistas intensificam o tratamento girando as agulhas aplicadas no paciente ou recorrendo a choques elétricos nesses pontos de dores. Em crianças, o raio laser pode substituir a agulha; no adulto, que tem a pele mais grossa, o laser não consegue estimular o suficiente. Cirurgias — Em casos graves, como as dores de câncer, drogas como a morfina estão sendo substituídas pela cirurgia que destrói a glândula hipófise: isso gera uma série de processos químicos no cérebro que impedem a sensação de dor.Estímulo transcutâneo. Diversos eletrodos são ligados ao corpo da pessoa para que ondas elétricas bloqueiem a dor. Serve apenas para as dores temporárias, como as do pós-operatório, pois ninguém sai por aí envolto em fios e eletrodos.Analgésicos — Não mexem com a causa, mas eliminam a sensação da dor, com substâncias que irão se juntar aos receptores nervosos, impedindo que captem os sinais dolorosos.

O circuito da dor
1) Um furo de prego, por exemplo, excita terminações nervosas especiais, os nociceptores, que então liberam substâncias químicas desencadeadoras de uma corrente elétrica.
2) A corrente mensageira da dor percorre os nervos até chegar à medula espinhal.
3) Da medula, vai para o tálamo, região cerebral onde a dor é sentida: nesse instante, a pessoa afasta o pé do prego.
4) Três décimos de segundo depois, o estímulo alcança o córtex cerebral, onde a intensidade da dor é analisada. Aqui termina o chamado processo ascendente da dor” com a ordem do cérebro de enviar substâncias para atenuar a sensação.
5) A medula passa a liberar endorfinas, substâncias analgésicas biológicas produzidas pelo cérebro.
6) As endorfinas, graças ao formato de suas moléculas, se encaixam com as substâncias que desencadeiam a corrente elétrica, ficando assim bloqueada a mensagem da dor.

Emoções doloridas
A pontada de susto no estômago, o aperto da paixão no peito, o nó na garganta da tristeza — sentimentos fortes estão associados à dor fisiológica. O suplício de uma saudade não é apenas uma imagem literária: machuca mesmo por dentro. Isso acontece porque, ao se emocionar, a pessoa perde parte do controle do sistema nervoso vegetativo, que comanda o funcionamento de diversos órgãos do corpo. Assim, desencadeia-se uma série de alterações drásticas e repentinas nas secreções em geral — daí o coração partido, por causa do disparo do hormônio adrenalina; eis também a razão orgânica da sensação de pancada no estômago que, na verdade, é uma contração súbita misturada a uma descarga extra de sucos gástricos. Tensão emocional automaticamente se transforma em tensão muscular e o corpo fica todo dolorido. Não há como não sentir essas dores pois não há como não sentir emoções.

Revista Super Interessante n° 006

Íris: Espelho do corpo

Olhos no olhos: assim poderão ser feitos diagnósticos no futuro. Cientistas que estudam a relação entre doenças e manchas na íris – a parte colorida do olho – acreditam que a íris mantém um contato nervoso direto com cada órgão do corpo. Quando um deles adoece, provoca espasmos nos vasos sanguíneos dos olhos, perturbando o afluxo de sangue para a região que lhe corresponde na íris. Daí as manchas.
Em testes com 1876 pessoas, cientista  soviéticos observaram que a íris de crianças sadias não tem manchas. Já em crianças com doenças crônicas, as manchas aparecem, embora ainda bem menor do que em adultos com as mesmas doenças. Por isso, presume- se que o exame da íris será muito útil principalmente na pediatria, focalizando doenças ainda no berço.

Revista Super Interessante n° 006

Pílula do aborto

Cientistas franceses anunciam uma revolução - a pílula que provoca aborto no começo da gravidez. A droga, chamada Mifepristona ou RU 486, bloqueia a passagem da progesterona, hormônio fundamental na gravidez, para o óvulo fecundado. Sem a progesterona, os tecidos que fixam o ovo no útero deixam de crescer e ocorre, sem traumas para o organismo, dois ou três dias depois.
A "pílula francesa", como já é conhecida, pode mexer nos dados da discussão sobre o aborto em países como o Brasil, onde a prática é proibida. Mas na própria França a tendência é confinar o medicamento às clínicas do governo onde o aborto é autorizado. Seja como for, a sua eficiência nunca é total: funciona em 70 por cento dos casos em gestações de até sete semanas; quando a gravidez  têm de oito a dez semana, o índice cai para 50 por cento.

Revista Super Interessante n° 006

Buda: Um príncipe encontra a Perfeição

Sidarta Gautama saiu em busca da verdadeira paz e acabou fundando uma religião que tem hoje 250 milhões de fiéis.

Buda percorria certa vez um caminho quando um homem, percebendo que estava diante de um ser incomum, perguntou-lhe: “Você é um deus?” E o Buda respondeu: “Não”. “É um demônio?” E o Buda respondeu: “Não”. “É um homem?” E o Buda respondeu: “Não”. “Quem é você, então?”
E o Buda respondeu: “Eu estou acordado”. Esta pequena lenda talvez resuma todo o sentido da vida de Sidarta Gautama, o Buda, título que significa justamente “O desperto” ou “O iluminado”. Entender o que esse despertar ou essa iluminação querem dizer, porém, é algo que, segundo seus seguidores, está além das palavras. Também chamado Sakyamuni, que quer dizer “O santo do clã dos Sakya”, ele nasceu provavelmente no século VI a.C. no principado indiano de Kapilavastu, na região da cordilheira do Himalaia, no sul do atual Nepal. Mais ainda do que a de Cristo, sua biografia está de tal forma amalgamada com o mito que se torna praticamente impossível separar vida e lenda. Até porque, de acordo com os budistas, isso nem seria desejável, pois o mito é considerado uma forma perfeitamente válida de conhecimento. O próprio Buda empregou largamente o discurso mitológico em suas falas destinadas a um público mais amplo, enquanto em comunicações mais restritas empregava uma requintada linguagem filosófica. Seu pai, Sudohodana, era o rajá de Kapilavastu, o que significa que Sidarta nasceu príncipe. Sua casta de origem, a dos guerreiros, não ocupava, entretanto, o topo da rígida hierarquia indiana. O poder pertencia aos brâmanes, os sacerdotes. Quando Sidarta nasceu, a casta dos guerreiros contestava a estrutura social dominada pelos brâmanes. O nome da localidade natal de Sidarta, Kapilavastu, significa “Morada de Kapila”. Fundador do Sankhyan, sistema filosófico que influenciou fortemente o budismo e também o ioga clássico, Kapila dizia que uma das mais perniciosas servidões humanas é a daqueles que tem de dar presentes aos sacerdotes. Os ecos do pensamento desse antecessor estão claramente presentes na doutrina do Buda, que condenou o sistema de castas da Índia. Por unta série de complexas razões históricas — a principal delas, a invasão muçulmana ocorrida no século XII —, o budismo não se enraizou na Índia, embora tivesse conquistado espiritualmente quase todo o Extremo Oriente. Destino de certa forma semelhante ao do cristianismo, que não foi aceito pelos judeus, mas espalhou-se pelo mundo. Também como na biografia mítica de Cristo, a concepção e o nascimento de Buda estão cercados de condições sobrenaturais. Sua mãe, Maya — na mitologia, o mesmo nome da força mágica que cria o universo ilusório —, sonhou que entrava em seu flanco um elefante branco com a cabeça cor de rubi e seis presas. Desse encontro Sidarta foi concebido. A imagem tem evidentes conotações simbólicas. O elefante, na Índia, representa a mansidão; seis, o número de presas, simboliza os sentidos do Universo — norte, sul, leste, oeste, para cima e para baixo. No corpo de sua mãe, o futuro Buda — o Bodhisatva — espera rezando a hora de seu nascimento, que se dará pelo flanco direito de Maya, sem entretanto lhe causar mal. Quando nasce, uma série de marcas evidenciam nele o “incomparável”, conforme proclama o vidente Asita: tem cor dourada, altura igual à extensão dos braços abertos, uma coroa orgânica no alto do crânio, pestanas de boi, quarenta dentes alvíssimos e unidos, membranas interdigitais e centenas de formas desenhadas nas plantas dos pés. A narrativa tradicional descreve o Buda como belíssimo. A imagem popular que se tem dele no Ocidente, que o apresenta como um homem obeso, se deve a uma confusão entre a sua figura e a de uma divindade mitológica chinesa. Maya morreu sete dias depois do parto e Sidarta foi criado por uma tia, Mahaprajapati, que se tornaria a primeira monja budista. Sabendo que estava destinado a seu filho um futuro excepcional, diz ainda a lenda, Sudohodana fez construir para ele três palácios, dos quais excluiu tudo o que pudesse lembrar os males do mundo. A narrativa indiana — que se caracteriza por exagerar os fatos, sem maiores preocupações com o que no Ocidente se chama verdade objetiva — se excede em exuberância ao descrever o fausto da juventude do futuro Buda. Seu harém tinha 84 mil mulheres e ele era o primeiro em todas as competições, que incluíam modalidades tão diversas como caligrafia e natação, gramática e corrida, botânica e luta. Aos 19 anos, Sidarta se casa com sua prima Yasodhara e vive mais dez anos nesse mundo de idílica felicidade e requintada satisfação dos sentidos. Da união com Yasodhara, nasce seu filho Rahula. Mas essa vida privilegiada seria bruscamente sacudida, segundo a tradição, em três passeios que Sidarta fez fora dos limites de seus palácios. Na primeira, viu um homem de aparência decrépita que precisava apoiar-se num bastão para caminhar. O cocheiro de Sidarta explica que se trata de um velho e que o destino de todos os homens é se tornar um dia como ele. Na segunda, vê um homem com o corpo corroído pela lepra; o cocheiro explica que é um doente e que qualquer pessoa está sujeita a esse mal. Na terceira, vê um defunto transportado em cortejo fúnebre; o cocheiro explica que é um morto e que a morte é o fim para o qual caminham todos os seres vivos. O impacto dessas três visões tumultua enormemente os pensamentos de Sirdarta e ele decide partir em busca do esclarecimento. Deixa para trás os palácios, as mulheres, o filho e cavalga rumo ao Oriente. Como São Francisco de Assis na Itália do século XIII, se desfaz das roupas. Entrega seu cavalo ao criado que o acompanhara e corta os cabelos. Sozinho, decide iniciar uma nova vida. Tem 29 anos de idade. Um asceta, ou, segundo a lenda, um anjo que assumiu a forma de asceta, lhe entrega os únicos pertences pessoais a que futuramente terão direito os monges mendicantes budistas: o traje amarelo, o cinto, a navalha para raspar os cabelos, a agulha, a tigela para esmolas e a peneira para filtrar a água. Sidarta parte em busca dos grandes mestres espirituais da época, homens como Alara Kalama e Uddaka Ramaputta, mas estes não conseguem satisfazer suas dúvidas. A tradição procurará apresentar todos os elementos essenciais da doutrina budista como uma descoberta pessoal do Buda, decorrente de sua iluminação. Mas. se há elementos que realmente lhe são próprios e inconfundíveis, há também a influência da filosofia Sankhyan e do hinduísmo, expresso nos Vedas, a antiquíssima coleção de textos religiosos da Índia. Desta influência e também de outras sínteses posteriores se formaram a cosmologia e a mitologia budista. Abandonando seus mestres, Sidarta refugiou-se por seis anos no bosque de Sena, território de Magadha. É uma região escolhida pelos eremitas para afastar-se dos apelos do mundo. Ali, junto a cinco companheiros, Sidarta se dedica à automortificação. Faz jejuns prolongados; quando come, sua alimentação se resume a frutos; permanece dias seguidos imóvel em posição de meditação, castigado pela chuva ou pelo sol. Enfraquecido física e mentalmente, percebe que essas práticas não o aproximam do que mais procura — as respostas para os sofrimentos do mundo. Deixando os companheiros, banha-se no rio Nairanjana e se fortalece com o alimento oferecido por uma aldeã. Depois, senta-se à sombra de uma figueira sagrada para meditar. Ali vive a experiência da iluminação que lhe teria dado consciência plena da verdade absoluta. Segundo o relato tradicional, ele “vê” simultaneamente os infinitos mundos do Universo, suas infinitas encarnações anteriores e as de todos os outros seres, a concatenação de todas as causas e efeitos. Ao amanhecer, intui as Quatro Verdades Nobres, as colunas- mestras do budismo: 1) o sofrimento é inerente a toda forma de existência; 2) a ignorância é a origem do sofrimento; 3) pela extinção da ignorância é possível extinguir o sofrimento; 4) o caminho que leva a isso é equidistante da entrega aos prazeres e apelos do mundo e dos rigores do ascetismo e da automortificação. Buda vai referir-se a esse caminho médio com a metáfora de um alaúde, cujas cordas  não podem estar nem muito frouxas nem muito tensas para que se produza o som adequado. Ela se expressa na Nobre Senda Óctupla: compreensão correta, pensamento correto, palavra correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção correta, concentração correta. São oito atitudes de meditação cujo entendimento pleno não pode ser dado por meio de palavras. Por essa senda se chega à extinção da ignorância, que não é associada no budismo à prosaica falta de informações, mas ao desconhecimento do sentido profundo da existência. Depois da iluminação, Sidarta se tornou o Buda e também adotou o título de Tatágata  “Aquele que veio da verdade”. Procurou seus cinco ex- companheiros de ascetismo e os converteu numa única pregação. Em seguida converteu os irmãos Kassapa, adoradores do fogo, e os brâmanes Sariputra e Moggollana, que serão seus mais importantes discípulos. É o início da Sangha, a comunidade budista, que justamente com o Buda e o Dharma, a doutrina, forma as Três Jóias do budismo. Diz a lenda que o Buda comunicou sua doutrina também aos nagas, serpentes com face humana que habitam o mundo subterrâneo, e aos deuses dos vários céus, que, apesar de suas vidas imensamente longas, ou talvez exatamente por causa delas, são incapazes de chegar sozinhos à iluminação. Durante 45 anos, o Buda perambulou ensinando. A região nordeste da Índia, que acolheu em primeiro lugar os seus ensinamentos, vivia então uma época de crise. Não havia centralização política: a antiga unidade tribal fora rompida pelo surgimento e expansão de vários pequenos reines. A religião predominante, o bramanismo, que cultuava um deus criador — Brahma  era contestada por numerosos movimentos organizados em torno de mestres carismáticos. Mais do que tudo, os unia uma oposição ao sistema de castas que dividia a sociedade indiana e assegurava os privilégios da elite sacerdotal. O terreno era propício à aceitação do budismo. No rastro da pregação de Buda formou-se uma numerosa comunidade de monges e monjas que renunciaram aos bens materiais e às atividades profissionais para viver de esmolas, meditar e pregar a doutrina. Formou-se também uma vastíssima comunidade de fiéis leigos de ambos os sexos. Entre os convertidos pelo Buda estava seu próprio filho, Rahula. Três marcas são características do budismo; consideradas em conjunto, o distinguem de todas as outras religiões: as noções de impermanência, ou seja, todos os fenômenos são efêmeros, sujeitos à contínua transformação; insubstancialidade, isto é, os seres não possuem qualquer núcleo estável que determine sua natureza, mas são uma complexa e sempre cambiante teia de relações; e nirvana, o estado de extinção dos sofrimentos que se manifesta quando o homem compreende profundamente a impermanência e a insubstancialidade, e se libera de sua ilusão de “eu” e dos apegos egoístas que ela engendra. Buda superou o samsara, o mundo das aparências, e encontrou o nirvana em sua iluminação sob a figueira. Segundo a doutrina, ele atingiu o para- nirvana, ou nirvana pleno, após  sua morte, ocorrida quando tinha mais de 80 anos. Ela foi apressada pela ingestão, supostamente voluntária, de alimentos deteriorados, que lhe teriam sido oferecidos pelo ferreiro Cunda, na aldeia de Pava. Ele se preparou para morrer banhando-se pela última vez e esperou a consumação deitado sobre o lado direito, com a cabeça voltada para o norte e o rosto virado para o poente. Conforme a tradição, seu corpo foi cremado pelo discípulo Aranda e coberto com mel para que nenhuma partícula se perdesse. Uma terça parte foi entregue aos nagas, outra aos deuses e a terceira aos homens. Como ocorreu com praticamente todas as grandes religiões, o budismo sofreu metamorfoses e divisões após a morte de seu fundador. O principal cisma, que tomou forma apenas 140 anos depois, foi entre a corrente Hinayana (Pequeno Veículo) e a Mahayana (Grande Veículo). Essas denominações vêm de uma pergunta metafórica: no caso de um incêndio, como um homem deveria se salvar? Num pequeno carro puxado por uma cabra, que Ihe asseguraria a salvação individual, ou num grande carro de bois, que Ihe permitiria levar muitos outros junto? A corrente Mahayana respondeu com a segunda alternativa e se tornou amplamente predominante. Dela resultaram, através da fusão com numerosas tradições religiosas orientais, escolas tão diversas quanto o austero e filosófico zen japonês (derivado do chan chinês) e o exuberante e  mitológico lamaísmo tibetano. O budismo tem expressão muito reduzida na Índia contemporânea, alcançando apenas 2 por cento da população, mas tornou-se a principal religião do Extremo Oriente, com mais de 250 milhões de adeptos espalhados por países como o Nepal, Tibete, Butão, Sikkim, China, Mongólia, Birmânia, Tailândia. Laos, Kampuchea, Vietnã, Sri Lanka, Coréia e Japão — além de provocar interesse cada vez maior no Ocidente. Ao contrário do cristianismo, o budismo não acredita num deus criador: os infinitos universos de sua cosmologia passariam por um processo também infinito de destruição e criação, sem começo nem fim, regido por uma lei eterna. Os seres que povoam cada um desses universos — e que podem assumir a forma de animais, homens, deuses, demônios etc.— estariam sujeitos a sucessivos nascimentos e mortes. Não há propriamente uma alma imortal: são as ações, palavras e pensamentos de uma existência que tecem a trama (karma) que determina a existência futura. Esse processo é considerado extremamente doloroso, e escapar dele deve ser o fim visado por todos os seres. Eles têm a oportunidade rara de consegui-lo apenas quando renascem na forma humana e conseguem desapegar-se totalmente do mundo ilusório. Libertar-se é atingir o nirvana, a cessação de todos os desejos, a suprema e eterna paz.
Brasileiro, budista e monge
O maior especialista em budismo no Brasil tem o nome impecavelmente ocidental de Ricardo Mário Gonçalves — o que talvez ensine algo sobre a difusão da doutrina budista para além da Ásia e de suas muitas etnias. Mas foi em contato com amigos japoneses em São Paulo que, ainda estudante de ginásio, Ricardo ouviu falar pela primeira vez em Buda. “Decidi então empregar minha vida em descobrir o que era”, lembra ele. Depois de frequentar durante dez anos um templo zen-budista no bairro paulistano da Liberdade, centro da colônia japonesa, foi ao Japão, onde ficou um ano estudando numa escola budista de orientação esotérica. “De volta ao Brasil”, conta Ricardo, “percebi que o esoterismo não seria corretamente compreendido aqui, a não ser por uma minoria.” Por isso, aproximou-se da Escola da Terra Pura, uma corrente bem mais popular do budismo. Numa segunda viagem ao Japão, em 1981, foi ordenado monge. Cinco anos mais tarde, de novo no Japão, recebeu o título de mestre e a patente de missionário — a primeira conferida a um ocidental pelo ramo da Terra Pura. Como monge, poucas coisas distinguem o dia-a-dia de Ricardo do de uma pessoa comum. Casado, divide seu tempo entre a Universidade de São Paulo, onde leciona História, e a atividade num templo budista da zona sul da cidade, onde dirige o setor de pesquisas sobre o budismo. Ali ele reúne os interessados no estudo de textos clássicos indianos, chineses e japoneses. Ricardo edita, enfim, um jornal em português e japonês dirigido à comunidade dos seguidores da corrente da Terra Pura.

Revista Super Interessante n° 006