Alexandre Versignassi
Os critérios são menos subjetivos do que parecem. É mais ou
menos como se o conjunto de movimentos das ginastas fosse uma obra de
engenharia: levantar os alicerces obrigatórios rende bônus, mas um azulejo
trincado faz a atleta perder preciosos pontos. Esse conceito vale para todas as
provas de ginástica, mas, para você entender melhor as coisas, vamos nos fixar
nas exibições no solo, onde a gaúcha Daiane dos Santos vem dando show. A
primeira coisa a saber é que os exercícios são classificados por grau de
dificuldade, numa escala que vai de "A" (mais fáceis) até "Super
E" (mais complexos). Um salto mortal simples é um exercício nível
"A". Se, durante esse mortal, a ginasta ainda dá um parafuso no ar, girando
como um pião, ele já pula para o nível "B", e assim por diante. Para
obter uma nota 10, a primeira tarefa da atleta é cumprir as "exigências
mínimas": ao longo dos 90 segundos de apresentação, ela precisa fazer pelo
menos quatro exercícios "A", três "B" e três "C".
Só por completar isso, leva 2,8 pontos. "Mas as atletas de ponta
substituem alguns desses requisitos mínimos por exercícios mais difíceis",
diz a ex-ginasta Clarice Morales, presidente da Confederação Paulista de
Ginástica. Os "D" e "Super E" usados no lugar de movimentos
simples dão bônus, que, no total, podem somar até 1,2 ponto. Se a seqüência de
exercícios for considerada completa, ela ganha mais 1 ponto. Total até agora: 5
pontos. A outra metade da nota é dada pelo ineditismo dos movimentos e por
critérios menos objetivos, como "elegância" e
"flexibilidade". Pronto, se tudo estiver ok, temos um 10, certo?
Errado. Esse eventual 10 seria só a nota de partida da ginasta, pois, enquanto
ela dava piruetas, alguns juízes ficavam de olho só nas falhas dela. Erros como
uma aterrissagem ruim podem tirar até 0,5 ponto, enterrando uma apresentação.
Então, se você testemunhar uma nota 10 na etapa da Copa do Mundo de ginástica
que acontece no Rio até o dia 4 de abril, saiba que viu algo quase impossível.
10, nota 10!
Dois grupos de juízes
analisam as acrobacias que dão bônus e os erros que tiram pontos.
1. DANÇAR PRA NÃO
DANÇAR
Além de acrobacias, a
ginasta precisa mostrar na sua apresentação que entende de dança. A coreografia
não conta pontos de bonificação, mas serve para a atleta se dar bem em
conceitos subjetivos que os juízes analisam - entre eles,
"personalidade", "elegância" e "valor atrativo".
No fundo é tudo mais ou menos a mesma coisa. Mas que conta, conta.
2. BÊ-á-BÁ PARA
ESQUENTAR
Depois de uma rápida
coreografia, aquela sequência de movimentos que levam a ginasta a atravessar o
palco normalmente começa com um exercício mais fácil, de nível "A".
Aqui neste trecho, ela faz um dos mais comuns, o flick-flack, uma pirueta com o
apoio das mãos. As acrobacias mais complexas ficam para o final do movimento,
para criar um clímax.
3. EMENDA MELHOR QUE
O SONETO
Não basta executar dois ou três movimentos em seguida para
cruzar o palco. É importante que a ligação entre o final de um exercício e o
início de outro seja harmoniosa, criando uma continuidade natural. Se conseguir
boas ligações entre os movimentos, a atleta ganha 0,1 ou 0,2 ponto de bônus,
dependendo do grau de dificuldade de cada acrobacia.
4. FINAL MATADOR
Uma boa sequência
termina com um exercício "Super E", que dá 0,3 ponto de bônus. Este
daqui, um "duplo twist carpado", foi criado pela ginasta Daiane dos
Santos e seus técnicos: um giro sobre o próprio corpo para endireitá-lo e dois
mortais com as pernas estendidas. Por ser inédito, o movimento foi batizado de
"Dos Santos", em homenagem à brasileira.
5. FALHA NOSSA
Cada imperfeição da
ginasta é anotada pelos juízes. Terminar o salto desequilibrada, apoiando as
mãos no chão, como aqui, tira muito ponto: 0,5 - ou seja, mais que os 0,3 que
ela ganharia de bônus por fazer uma acrobacia "Super E". Dar um
pulinho para trás, para recuperar o equilíbrio, tira só 0,05; acabar um
exercício fora dos limites do palco, 0,1.
6. DE OLHO NOS
ACERTOS...
Os juízes que dão a
nota da apresentação são divididos em dois grupos. No chamado painel A, ficam
dois deles, que dão a nota inicial, avaliando só se a atleta fez ou não os
exercícios que se propôs.
7. ... E NOS ERROS
Outros seis juízes
formam o painel B, que só se preocupa em anotar as falhas que serão descontadas
da nota da ginasta. Os seis não conversam entre si, cada um tira o quanto bem
entender da apresentação.
8. PLACAR FINAL
A nota do painel A é
a média da que os dois juízes deram. Do painel B, são descartados o juiz que
deu a maior e o que deu a menor penalização. Os pontos negativos dos quatro
juízes B restantes são deduzidos da nota do painel A, ficando a ginasta com
quatro notas. Digamos que, com os descontos, ela tenha 8,3, 8,4, 8,45 e 8,5. A
nota final, que aparece no placar, é a média disso: 8,412.
Cheia de graça
A ginasta intercala seus saltos mais impressionantes com
movimentos graciosos, que não precisam de muito impulso. A maior parte deles
são exercícios simples ("A" ou "B"), que fazem parte de uma
série de giros obrigatórios. Para extrair alguma bonificação daqui, só se a
ginasta for muito fera mesmo.
Revista Mundo Estranho Edição 26/ 2004
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