Suzana Paquete
É um estrago e tanto. Na área que recebe o grande lago que
serve de reservatório da hidrelétrica, a natureza se transforma: o clima muda,
espécies de peixes desaparecem, animais fogem para refúgios secos, árvores viram
madeira podre debaixo da inundação... E isso fora o impacto social: milhares de
pessoas deixam suas casas e têm de recomeçar sua vida do zero num outro lugar.
No Brasil, 33 mil desabrigados estão nessa situação, e criaram até uma
organização, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Pode parecer uma
catástrofe, mas, comparando com outros tipos de geração de energia, a
hidrelétrica até que não é ruim. Quando consideramos os riscos ambientais, as
usinas nucleares são mais perigosas. E, se pensarmos no clima global, as
termoelétricas - que funcionam queimando gás ou carvão - são as piores, pois
lançam gases na atmosfera que contribuem para o efeito estufa. A verdade é que
não existe nenhuma forma de geração de energia 100% limpa. "Toda extração de
energia da natureza traz algum impacto. Mesmo a energia eólica (que usa a força
do vento), que até parece inofensiva, é problemática. Quem vive embaixo das
enormes hélices que geram energia sofre com o barulho, a vibração e a poluição
visual, além de o sistema perturbar o fluxo migratório de aves, como acontece
na Espanha", afirma o engenheiro Gilberto Jannuzzi, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Outro problema das fontes alternativas é o
aspecto econômico: a energia solar, por exemplo, é bem menos impactante que a
hidrelétrica, mas custa dez vezes mais e não consegue alimentar o gasto elevado
das grandes cidades. Por causa disso, os ambientalistas defendem a bandeira da
redução do consumo. Pelas contas do educador ambiental Sérgio Dialetachi, coordenador
da campanha de energia do Greenpeace, daria para economizar 40% da energia
produzida no país com três medidas. Primeiro, instalando turbinas mais
eficientes nas usinas antigas. Segundo, modernizando as linhas de transmissão e
combatendo o roubo de energia. Terceiro, retornando ao comportamento da época
do racionamento, em 2001, com equipamentos e hábitos menos gastadores. Tudo
isso evitaria que novas hidrelétricas precisassem ser construídas, protegendo
um pouco mais nosso planeta.
Natureza estremecida
Lago das usinas altera o clima e toda a biodiversidade
aquática.
SUBIDA ÍNGREME
Para garantir que peixes migradores, consigam subir o rio
para acasalar, uma das maneiras é construir "escadas" aquáticas. Cada
grupo de degraus tem uma área de descanso para que o peixe não tenha cãibras
por esforço muscular na hora da subida.
RIO SOFREDOR
O nível do reservatório das hidrelétricas precisa ser
mantido em um patamar constante. Para isso, os técnicos abrem e fecham as
comportas dependendo do regime de chuvas. Quem perde com isso é o rio que
recebe a água do lago: a alteração do volume d´água
desordena toda a vida aquática sobretudo nas margens, que enfrentam períodos
de seca e inundação.
CAOS CLIMÁTICO
O que antes era uma floresta vira, de uma hora para outra,
um lago. Essa mudança aumenta a quantidade de água que evapora e, por consequência,
mexe em outros três fatores climáticos: o total de chuvas, a umidade e a
temperatura, que sofre variações de até 3 ºC. Com essa bagunça, as plantações
que sobreviveram à inundação podem ser prejudicadas.
SALVAMENTO IMPROVISADO
Parte da fauna que ocupava a região do lago fica ilhada com
a inundação. Quando o lago da barragem de Itaipu foi formado, por exemplo, 30
mil animais foram resgatados e levados a áreas de reserva. Alguns morreram por
não se adaptar ao novo hábitat. O salvamento continua até hoje: quando as
turbinas param para manutenção, os peixes que entram nos dutos são retirados.
COMEÇAR DE NOVO
No alagamento para a formação da barragem, muitas espécies
vegetais ficam submersas, reduzindo a biodiversidade. Para diminuir o problema,
as construtoras de hidrelétricas têm programas de reflorestamento em suas
margens. A usina de Itaipu, por exemplo, recebeu 20 milhões de mudas no entorno
de seu reservatório.
PESCARIA ALTERADA
A formação de um lago muda os hábitos da vida aquática,
fazendo algumas espécies de peixe sumirem e outras se multiplicarem. No rio
Paraná, os tipos mais numerosos mudaram com a instalação de Itaipu:
ANTES DE ITAIPU
Cascudo-preto - 22%
Dourado - 17%
Pacu - 13%
DEPOIS DE ITAIPU
Armado - 38%
Corvina - 15%
Mapará - 13%
BOLHAS PERIGOSAS
Submersas no lago por vários anos, árvores e plantas
apodrecem e liberam bolhas de gás metano, um poluente que corrói turbinas,
impede a reprodução de alguns peixes e permite a proliferação de algas,
causando desequilíbrio aquático. Algumas bolhas de metano são tão grandes que
chegam a virar um barco pequeno de alumínio!
Revista Mundo Estranho Edição 33/ 2004
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