Clarissa Passos
O naturalista inglês
Charles Darwin foi criado como um lorde, mas prefere a linguagem coloquial para
comentar o impacto de suas idéias e relembrar suas aventuras a bordo do navio
Beagle.
Charles Robert Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809, na
Inglaterra. Seu pai queria que ele seguisse a profissão dos homens da família,
a medicina. Mas o curioso estudante, que colecionara insetos e pedras quando
criança, não suportou a primeira cirurgia a que assistiu. O pai sugeriu, então,
que se tornasse clérigo. No entanto, logo viu o rapaz embarcar como naturalista
do barco inglês Beagle, cuja missão era mapear a costa sul-americana.
Resignado, o pai acabou fazendo investimentos que permitiram
ao jovem não ter que trabalhar. Assim, Darwin pôde dedicar-se a pesquisar e
desenvolver teorias. E que teorias! Com a publicação de A Origem das Espécies,
ele concluiu que os seres evoluem por meio da chamada "seleção
natural" - em que os indivíduos que nascem mais aptos às condições do
ambiente prevalecem sobre os outros e passam suas características adiante. A
idéia sacudiu o pensamento da época, acostumado a ver homens e animais como
fruto da criação divina.
O senhor embarcou no Beagle aos 22 anos, em 1831, e viajou
até 1836. A jornada forneceu a base das observações usadas para formular as
teorias da evolução e da seleção natural. Mas A Origem das Espécies só foi
publicado em 1859. Por quê?
CHARLES DARWIN - Minha filha, você pensa que uma teoria
dessas surge assim, do nada? Não bastou embarcar no Beagle, dar um rolê pelos
mares e continentes afora, olhar aí uma meia dúzia de passarinhos e tartarugas,
voltar e tirar o homem da confortável posição de centro do Universo e rei da
criação – que a Igreja se esmerou em lustrar por tanto tempo. Precisei
desenvolver minhas idéias: cataloguei o que havia coletado, continuei
observando os seres em seu meio e queimei muitos, muitos neurônios.
Pensei que o senhor fosse chegado ao linguajar da
aristocracia inglesa, que se expressasse como um gentleman...
Ah, sim. Mas isso foi em vida, minha doce flor do campo.
Depois que a gente bate a caçuleta e passa para o outro lado, fica mais
relaxado, sabe?
Sei... Mas sigamos: o senhor esperava que sua teoria
causasse tanta balbúrdia?
Lógico! Desconfiava seriamente de que o pessoal mais chegado
à Igreja ia mesmo querer me pegar. E, naquela época, a teoria da criação
representava muito mais que a simples idéia de que Deus criou o mundo e seus
habitantes em seis dias e desde então a vida seguiu. Essa crença estava na base
de quase tudo. Acreditar na evolução era coisa de ateu, revolucionário ou
maluco.
O que achou da reação da sociedade?
Claro que a gente nunca espera se ver retratado com o corpo
de um macaco, mas... Quer saber? Eu nem liguei para as caricaturas. Isso
porque, antes de tornar públicas minhas idéias, pensei um bocado. Tive,
inclusive, que superar minhas próprias crenças num Deus bondoso e benevolente,
cuja expressão máxima seria a perfeição da criação. Conforme os anos foram se
passando, uma coisa eu aprendi: o ser humano gosta de pensar que está acima dos
animais, mas não é bem assim, não. Eu disse, em um dos meus livros, que “o
homem ainda traz em sua estrutura física a marca indelével de sua origem
primitiva”. Tô certo ou tô errado?
Como foi sua relação com o antropólogo, biólogo e geógrafo
inglês Alfred Russel Wallace, que desenvolvia simultaneamente uma teoria
semelhante à sua? Há quem diga que o senhor passou a perna nele...
Nada a ver. Ele foi um grande interlocutor e colaborador,
trocávamos cartas. Isso acontece direto: mais de uma pessoa tem a mesma idéia
ao mesmo tempo. Só levei a fama porque acabei publicando oficialmente antes
dele.
Seu pai chegou a sugerir que o senhor virasse padre. O
senhor acha que teria dado certo na carreira religiosa?
Imagina. Ia pegar mal à beça para um clérigo dizer que
aquela história bíblica de “faça-se a luz” era uma papagaiada.
Como foi a viagem a bordo do Beagle?
Teve seus altos e baixos. Recolhi material suficiente para,
depois, desenvolver uma teoria revolucionária. Por outro lado, eu enjoava que
só vendo. E, hoje em dia, desconfiam que fui picado pelo barbeiro e contraí a
doença de Chagas na América do Sul. Ninguém soube me curar, mas foi a viagem da
minha vida.
O que o senhor acha dos debates atuais entre evolucionismo e
criacionismo? E da teoria do design inteligente, que afirma que há uma
inteligência superior por trás da evolução?
Cada um acha o que quiser. Mas é preciso que todos tenham
acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade para escolherem como preferem
responder à velha pergunta: “De onde viemos?”
Existe um prêmio, o Darwin Awards, que, segundo os
organizadores, “honra aqueles que ajudaram a melhorar o gene humano matando a
si mesmos”...
Ha, ha, ha! Boa piada, espero que não seja mal interpretada.
Sei que algumas de minhas idéias foram bastante distorcidas pelo nazismo, por
exemplo, que recorreu à seleção natural para fundamentar a eugenia. Isso me
deixa fulo.
Sabe que correram boatos de que o senhor se converteu no
leito de morte?
Besteira. Eu nunca fui ateu. Jamais neguei a existência de
Deus. Só disse que a criação não ocorreu como a Bíblia prega. Minha esposa
ficava meio ressabiada. Tinha medo de que minhas idéias impedissem a gente de
se encontrar após a morte, no paraíso.
Falando no além, após seu enterro na Abadia de Westminster,
em Londres, ao lado de Isaac Newton, seu filho declarou que imaginava as longas
conversas que vocês dois teriam durante o descanso eterno. Sobre o que vocês
falam?
Trivialidades, acredita? Nossa contribuição para a ciência
já foi feita em vida. Agora, comentamos sobre o jogo do Arsenal ou trocamos
receitas de peixe com batatas.
Aventuras na História n° 035