segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Sites de áudio: vozes do passado


Leandro Narloch
Site tem áudio de discursos que marcaram a história mundial.
A internet é um acervo quase infinito de sons que marcaram a história. Com o endereço certo e dois ou três cliques, você pode ouvir o presidente americano Franklin Roosevelt declarando guerra ao Japão durante a Segunda Guerra ou escutar Che Guevara falando da importância do trabalho voluntário em Cuba.
Entre os endereços especializados em divulgar raridades de discursos e fatos inesquecíveis, um dos melhores exemplos é o Free Info Society, um site de upload que permite que você envie seus arquivos para compartilhá-los pela internet. Na seção de discursos históricos, há 109 gravações de grandes momentos e personalidades da história mundial. Algumas delas:

Apolo 13
Em 13 de abril de 1970, a base da Nasa, a agência espacial americana, em Houston, recebeu um chamado dos tripulantes da Apollo 13: “Houston, temos um problema aqui”. Dois tanques dela explodiram. Com pouco oxigênio, os astronautas improvisaram aparelhos para voltar à Terra. Foram resgatados no mar quatro dias depois.

Ataque e contra-ataque
“Ontem, 7 de dezembro de 1941, data que ficará conhecida como ‘dia da infâmia’, os Estados Unidos foram repentina e deliberadamente atacados por forças aéreas e navais do Império do Japão”, diz Franklin Roosevelt, declarando guerra ao Japão e entrando na Segunda Guerra. Em agosto de 1945, num avião sobre o oceano Atlântico, o presidente americano Henry Truman anuncia o fim do conflito. “A primeira bomba atômica foi solta sobre a cidade de Hiroshima, uma base militar”, diz.

Einstein, o pacifista
Em 1950, durante uma entrevista, o criador da Teoria da Relatividade considera Gandhi a mente mais iluminada do século 20. “Nós devemos tentar fazer as coisas com seu espírito: não usar a violência para lutar por uma causa, mas pela não-participação em nada que você acredita ser mau”, diz.

Clique certo
Tubo do tempo

Os portais de partilha de arquivos de vídeo aumentam a cada dia seu conteúdo relacionado à história. Dá para achar muita coisa no You Tube (www.youtube.com) e no Google Video (video.google.com) – este exibe um arquivo com a íntegra do “Eu tenho um sonho”, discurso de Martin Luther King em 1963. Basta digitar “Luther King” para ele aparecer.
Outras línguas

Quem não é habituado com o idioma inglês pode se divertir em portais brasileiros. No site www.comunismo.com.br/sons.html, por exemplo, há um extenso arquivo de discursos de figurões da esquerda. A maioria está em espanhol, como o de Salvador Allende em 1973, pouco antes de ser derrubado por Pinochet. Já no CPDOC (www.cpdoc.fgv.br), há discursos de Getúlio Vargas.
Aventuras na História n° 035

São Paulo, chocolate, Napoleão, Brasil: curiosidades


Paulicéia oitocentista
Não se sabia do registro da visita de estrangeiros a São Paulo antes da primeira década do século 19. Até agora. Encontrado numa gaveta de uma livraria de Londres – e ainda inédito em inglês – pelo bibliófilo José Mindlin, o manuscrito Diário de uma Viagem da Baía de Botafogo à Cidade de São Paulo (José Olympio) é um relato delicioso da viagem do comerciante britânico William Henry May em 1810. Seu testemunho sobre São Paulo minimiza a imagem de inóspita da cidade naquela época.

Resista se for capaz
Há poucas coisas mais difíceis do que resistir a um chocolate. Durante quatro anos, o jornalista americano Mort Rosenblum entrevistou cultivadores, doceiros e degustadores para entender as engrenagens da indústria que movimenta 60 bilhões de dólares por ano. O resultado é o – com ou sem trocadilho – saboroso Chocolate – Uma Saga Agridoce Preta e Branca (Rocco). Não se culpe se durante a leitura você atacar tabletes da delícia – até a cor escolhida para a impressão do texto atiça a vontade.

O último dia de Napoleão
Depois de publicados tantos relatos sobre a batalha de 18 de junho, é razoável indagar com que base espero despertar novo interesse para o assunto que o público conhece de longa data.” O texto, de 1849, é do sargento Edward Cotton, das tropas anglo-aliadas que derrotaram Napoleão em Waterloo. Agora, 150 anos depois, o historiador britânico Andrew Roberts ainda tem o que contar sobre A Batalha de Waterloo (Ediouro) e os eventos do dia que encerrou o longo século 18.

Diplomata e desenhista
Benjamin Mary, primeiro embaixador da Bélgica a atuar no Brasil, entre 1834 e 1838, ficou impressionado com o que viu por aqui. Tanto que, em quatro anos, fez mais de 300 desenhos com temática brasileira. Em O Diplomata e Desenhista Benjamin Mary e as Relações da Bélgica com o Império do Brasil (Linha Aberta), há textos sobre a presença belga aqui e o comércio entre os dois países. Mas seu grande trunfo são os desenhos de Mary, especialmente os do Rio de Janeiro do século 19.

Aventuras na História n° 035

Mafalda, a pequena notável


Mariana Della Barba
Criada na Argentina, a menina Mafalda enfrentou a ditadura militar de seu país para falar de censura, feminismo, crises econômicas e política internacional. Virou um dos símbolos dos anos 70.

Sempre que pode, o cartunista argentino Quino diz não se arrepender de ter parado de desenhar Mafalda nove anos depois da primeira tirinha, quando seu personagem tinha um número crescente de fãs. Entretanto, ele admite que se arrepende de algo que fez nas primeiras tiras da personagem: ter criticado tão duramente a presidência de Arturo Illia, que comandou a Argentina entre 1963 e 1966. E não é que aquele governo tenha sido assim tão bom. Quino é que não sabia que, depois do golpe militar que encerrou o mandato de Illia, a situação iria piorar tanto.
Mafalda apareceu pela primeira vez em 29 de setembro de 1964, na mais importante revista semanal argentina da época, a Primeira Plana. No ano seguinte, as tiras passaram a ser diárias, veiculadas no jornal El Mundo. Em 1967 Mafalda foi para a revista semanal Siete Días Ilustrados, onde ficou até a última historieta, publicada no dia 25 junho de 1973. Suas 1 928 tiras já foram publicadas em mais de 20 idiomas, incluindo russo, polonês e norueguês. Praticamente todas essas histórias, que ainda saem em jornais ao redor do mundo, estão reunidas na hilária coletânea Toda Mafalda.
Depois do golpe, as histórias da personagem e de seus amigos revelam as diferentes fases da ditadura argentina: a ineficácia do governo, a crise econômica, o endurecimento do regime. Durante quatro governos militares, Mafalda não se intimidou e permaneceu questionando a situação do país e fazendo perguntas bombásticas a seus pais. Para acompanhar a trajetória desse difícil trecho da história argentina, Toda Mafalda é uma verdadeira enciclopédia. Apesar de já ser quarentona, a personagem continua muito atual quando o assunto é a insatisfação diante da realidade social e política da América Latina.

Mudança de ares
Enquanto permaneceu no comando da Argentina, Arturo Illia sofreu críticas de todos os lados. Era comum que, dada sua lentidão em tomar decisões, ele fosse comparado a uma tartaruga – justamente o animal de estimação que Quino deu a Mafalda e batizou de “Burocracia”. “De um lado, Illia foi um presidente honesto e cauteloso, que evitou transformações abruptas num momento em que nacional e internacionalmente elas significariam riscos grandes”, afirma Júlio Pimentel Pinto, professor de História da América Latina da Universidade de São Paulo. “De outro, teve uma atuação inexpressiva na condução da economia e da política interna e externa.” Apesar do cenário desanimador, os argentinos pelo menos estavam vivendo um período de liberdade – algo muito valioso num país que tinha assistido a golpes de Estado nas três décadas anteriores. A imprensa aproveitava para satirizar Illia, coisa que Quino fazia muito bem.
Isso tudo tinha data para acabar. Não tardou para que os militares tomassem o poder e resolvessem as coisas à sua moda: o general Juan Carlos Onganía assumiu a presidência em 1966, onde permaneceu até 1970. Seus colegas de farda ficariam no poder até as eleições de 1973. A ascensão dos militares foi, como de costume, acompanhada por repressão. Quino respondeu à nova realidade de várias formas. Uma das mais geniais foi a última personagem criada por ele para a turma de Mafalda. Filha de hippies e esquerdista, ela tem duas características que a tornam uma metáfora explícita: é muito pequenina (tem menos da metade do tamanho de Mafalda) e se chama Liberdade.

Crise sem fim
Durante os nove anos das aventuras da Mafalda, foram várias as crises econômicas presenciadas pelos argentinos e registradas por Quino. Em 1964, por exemplo, havia uma conjunção de desvalorização constante da moeda e fraco desempenho agrícola. A consequente recessão deixou desempregados quase um terço dos trabalhadores. Apesar de alguns períodos mais prósperos (como em 1966, quando a taxa de crescimento anual foi de 5,6%), o que predominou, como podemos ver em Toda Mafalda, foi a crise generalizada e a estagnação. Quando tomou o poder, o general Onganía lançou seu Plano de Estabilização e Desenvolvimento. Uma das principais medidas foi facilitar a entrada de produtos estrangeiros no país, o que causou a falência de centenas de empresas argentinas, incapazes de competir com os importados.
O personagem que Quino melhor usa para falar de economia é Manolito, que trabalha na mercearia do pai, frequentada pela turma de Mafalda. Seu sonho é ter uma cadeia de supermercados e ganhar muito, muito dinheiro – em busca desse objetivo, não é raro que ele tente enganar seus clientes. Manolito, que adora o modo como a inflação faz aumentar o preço das mercadorias que vende, vai muito mal na escola e não dá valor a “super fluosidades”  tais como as canções dos Beatles.

Repressão em alta
A partir de 1966, a Argentina viu sua liberdade ser dramaticamente reduzida. Estudantes viravam alvos da polícia, jovens desapareciam de um dia para o outro, jornais eram censurados  fenômenos bastante parecidos com o que ocorreu no Brasil e em outros países latino-americanos no mesmo período. As medidas autoritárias e impopulares do general Onganía, como o congelamento de salários, incomodavam muito os trabalhadores. Com a justificativa de combater o “comunismo”, o governo militar criou a Dipa (Direção de Investigação de Políticas Antidemocráticas) para perseguir, encarcerar e torturar militantes políticos e sindicais contrários ao governo. Onganía dissolveu partidos políticos e interveio nas universidades com ações violentas.
Dois episódios marcaram o aumento de violência do regime e foram, de maneira mais ou menos velada, retratados por Quino em tiras presentes em Toda Mafalda. O primeiro, ocorrido em 29 de julho de 1966, ficou conhecido como La Noche de Los Bastones Largos (ou “a noite dos cacetetes compridos”). Professores, diretores e alunos da Universidade de Buenos Aires foram arrancados das faculdades pela polícia, que tinha a ordem de não economizar no uso de seus bastones.
Três anos depois, um protesto semelhante aconteceu em Córdoba, com conseqüências ainda mais desastrosas. O ápice da truculência policial e militar foi batizado de Cordobazo e é considerado o equivalente argentino dos conflitos que marcaram o mês de maio de 1968 na França. Em 29 de maio de 1969, a maior manifestação de estudantes e trabalhadores já vista no país foi violentamente reprimida pelo exército (pois a polícia já havia se rendido diante da força dos manifestantes) e deixou dezenas de mortos e centenas de feridos. Marco na história recente da Argentina, o Cordobazo acabou tendo um efeito multiplicador, incitando manifestações país afora e enfraquecendo o regime militar.

Intragável censura
Mafalda odeia sopa. Todos os (muitos) dias que sua mãe insiste em lhe servir a iguaria, a menina faz questão de mostrar seu descontentamento. Esse foi um dos modos que Quino encontrou para manifestar seu desgosto com relação à ditadura. A sopa, segundo o cartunista, era “uma metáfora do autoritarismo militar”, assunto que não permitia abordagens muito diretas. Durante a ditadura, os veículos de comunicação que publicavam as tiras de Mafalda deixavam os limites bem claros: “Logo me advertiram que havia temas, como sexo, militares e repressão, em que não se podia tocar”, disse Quino em entrevista publicada no jornal argentino Clarín em 28 de julho de 2004.
Em Toda Mafalda, entretanto, existem tirinhas que dão a impressão de que os censores argentinos não eram assim tão rigorosos. Quino é bastante incisivo em certas alusões à tortura e à falta de liberdades democráticas, por exemplo. No fim dos anos 60, cartuns com esse conteúdo dificilmente poderiam ser publicados no Brasil – onde, após o Ato Institucional nº 5, de 1968, toda a produção jornalística e cultural foi ferozmente censurada. “Pode-se dizer que, no período que vai de 1968 até 1976, a censura foi um pouco mais branda na Argentina do que aqui”, diz o historiador Júlio Pimentel. “Entretanto, com o golpe militar argentino de 1976, a situação por lá ficou realmente complicada.” Quino acabou dando sorte, já que, nessa época, Mafalda não era mais publicada.

Mafalda se cala
Em 1973, Quino decidiu que era hora de deixar de desenhar Mafalda. Na época, ao se justificar, o cartunista disse que, diante do novo panorama argentino, a personagem teria de presenciar coisas que não suportaria. O curioso é que Quino não se referia a mais uma medida infeliz dos militares. A ditadura havia acabado e Héctor Cámpora havia sido eleito presidente em março daquele ano. O problema é que ele era um mero fantoche nas mãos de Juan Domingo Perón, líder populista que já tinha governado a Argentina por duas vezes. No exílio havia quase 18 anos, Perón tinha sido proibido pelos militares de se candidatar.
Em 20 de junho, Perón retornou ao país, vindo da Espanha. Uma recepção havia sido armada no Aeroporto de Ezeiza, nos arredores de Buenos Aires. Mas o local acabou sendo palco de um sangrento confronto entre facções rivais de peronistas. O evento, que ficou conhecido como Massacre de Ezeiza, deixou um saldo desconhecido de mortos e feridos. O ex-presidente pousou em outro local, mas o estrago já estava feito, revelando a grave crise no peronismo. Como Quino suspeitava, o retorno de Perón (que em setembro, após a renúncia de Cámpora, voltaria a ser eleito presidente) traria instabilidade à Argentina. Cinco dias depois do massacre, Mafalda despediu-se de seus fãs. Quino só voltaria a desenhá-la raríssimas vezes, como numa campanha do Unicef (o Fundo das Nações Unidas para a Infância) realizada em 1977 para divulgar a Declaração dos Direitos das Crianças.

"M" de Mansfield
Quino criou Mafalda para uma campanha publicitária.
Foi só aos 7 anos, ao ingressar na escola primária, que o argentino Joaquín Salvador Lavado descobriu que não se chamava Quino. Haviam lhe dado esse apelido logo após o nascimento, em 17 de julho de 1932, para que não fosse confundido com seu tio Joaquín Tejón, que era desenhista publicitário. Além do primeiro nome, Quino compartilhou com ele desde cedo a vocação para o desenho. Aos 13 anos, enquanto retratava vasos e naturezas mortas na Escola de Belas Artes de Mendoza, o jovem descobriu a revista de quadrinhos Rico Tipo e decidiu que queria ver seus desenhos publicados nela. Em 1951, depois de ter abandonado a Belas Artes, Quino visitou todas as redações de Buenos Aires em busca de emprego como cartunista, sem sucesso. Só em 1954 ele veria seu primeiro desenho publicado, no semanário Esto Es. A partir daí, seus trabalhos passariam a sair em diversos veículos, incluindo a Rico Tipo – onde começou a colocar texto em suas tiras. Em 1960, se casou e passou a lua-de-mel no Brasil, onde entrou em contato com colegas e editores estrangeiros pela primeira vez. Dois anos depois, publicou a primeira compilação de seus desenhos. O cartunista criou sua mais conhecida personagem em 1963, para estrelar uma campanha publicitária da marca de eletrodomésticos  Mansfield (a empresa exigia que o nome de sua mascote também começasse com “M”). Como a campanha não vingou, Mafalda só apareceria no ano seguinte, na revista Primeira Plana – as tiras dessa época, consideradas ruins pelo próprio autor, não estão em Toda Mafalda. Hoje, mais de 30 anos após ter parado de desenhar regularmente sua mais famosa criação, Quino continua fazendo tiras que abordam temas como a vida moderna, o poder e a corrupção. Mas elas não têm personagens fixos.

Aventuras na História n° 035

Qual a diferença entre piratas, corsários e bucaneiros?


Danila Moura
No fundo, no fundo, todos são piratas. Corsários e bucaneiros são, portanto, tipos de piratas. Os piratas, versão marítima dos saqueadores que atacam caravanas comerciais desde que os povos negociam entre si, existem desde que existe o comércio marítimo. Os mais antigos registros vêm dos gregos. Em 730 a.C., eles já pilhavam navios fenícios e assírios, segundo relato de Homero, em Odisséia.
Porém a imagem que hoje temos dos piratas (e que aparece reproduzida aí ao lado) é a dos bandidos europeus dos séculos 17 e 18. Nessa época, a exploração das colônias na América e na África havia se tornado a principal atividade econômica mundial. Uma fortuna em ouro, prata, madeira, escravos e marfim, entre outras coisas, atravessava o Atlântico todos os anos. E é aí que aparecem os corsários. Países que não tinham suas próprias colônias (ou as tinham em número insuficiente para proporcionar grandes lucros), como Inglaterra, França e Holanda, incentivavam os ataques aos navios de outros países.
Para dar um ar oficial a esses atos de sabotagem, eles usavam a Carta do Corso, documento que liberava um capitão de navio e sua tripulação para perseguir e atacar qualquer embarcação que levasse a bandeira de um país inimigo. O saque deixava de ser crime, tornando-se uma atividade legal e tributável – desde que fosse em cima dos outros.
Bucaneiros, outro nome utilizado para esse tipo de atividade, é a forma como eram chamados os piratas franceses que aportaram na região da ilha de Hispaniola, atual Haiti, por volta de 1600. O nome vem do termo francês bucan, que designava a grelha com a qual defumavam carne. Esses piratas logo se apossaram da então colônia espanhola e criaram suas próprias regras, sem obedecer a ninguém – o que acabou atraindo gente de todo tipo para a região, incluindo ex- presidiários, escravos fugitivos e perseguidos da Inquisição Católica. Os bucaneiros foram expulsos em 1620, quando a Espanha resolveu dar um basta no que já estava se transformando em uma verdadeira terra de ninguém. Os piratas franceses escolheram então a ilha de Tortuga como novo destino. Lá, continuaram a praticar a pirataria, tendo as embarcações espanholas como alvo predileto. Toda a região das Antilhas ficou famosa pela violência bucaneira.

Aventuras na História n° 035

Cair no conto-do-vigário


Adriana Lui

Desde que existem os ingênuos, sempre houve alguém pronto a se aproveitar deles. Mas quando enganar o outro virou “conto-do-vigário”? Segundo Vasco Botelho do Amaral, autor do Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, foi no século 19. Indo de cidade em cidade e apresentando-se como emissários do vigário, um grupo de malandros dizia-se portador de grande quantia em dinheiro, confiada a eles pelo próprio vigário e guardada numa mala pesadíssima. Para seguirem a viagem, coitados, precisavam de um lugar seguro para guardar o volume. Pediam em troca uma pequena soma em dinheiro, só como garantia. Não é que os portugueses caíam? Foram tantos que os golpes ficaram famosos e deram origem ao termo “vigarice” e seus derivados.
No Brasil, há uma versão segundo a qual, no século 18, uma imagem de Nossa Senhora era disputada por duas paróquias de Ouro Preto: a do Pilar e a da Conceição. O vigário da primeira sugeriu que a santa fosse colocada num burrico a meio caminho dos dois templos – a direção escolhida pelo animal definiria a igreja vencedora. O burro rumou para a igreja de Pilar. Também pudera, o bichinho pertencia ao vigário vigarista de lá.

Aventuras na História n° 035

Galeria Nacional de Arte


Adriana Maximiliano
Um lugar para se perder entre obras de Da Vinci, Monet e Van Gogh.
A National Gallery of Art (Galeria de Arte Nacional), localizada em Washington, Estados Unidos, é um labirinto de arte e história. Um lugar perfeito para se perder entre obras de nomes como Van Gogh, Leonardo da Vinci, Matisse e Monet.
Ela foi inaugurada em 1937, após a morte do colecionador de arte Andrew W. Mellon. Filho e neto de banqueiros, Mellon foi secretário do Tesouro e embaixador, mas seu grande sonho era dar aos Estados Unidos uma galeria nacional. Por isso, começou a colecionar arte nos anos 20 e doou todas as suas peças – 126 pinturas e 26 esculturas – para a instituição, além do dinheiro para a construção do primeiro prédio da galeria. Entre os destaques da coleção estavam 21 quadros de Rafael, Rembrandt e outros, que ele comprou do Museu Hermitage, de São Petersburgo, na Rússia. Com o tempo, centenas de outros colecionadores doaram obras de arte para a National Gallery.
A instituição é formada hoje por dois prédios, que abrigam mais de 110 mil objetos. Um móbile gigante do escultor americano Alexander Calder decora o lobby de um dos edifícios. Há quadros, fotografias, esculturas e esboços de artistas famosos espalhados por mais de 100 salas e corredores. Nos fins de semana, o cinema da galeria abre suas portas para o público. As atrações vão de desenhos japoneses a filmes mudos acompanhados de um pianista ao vivo. Tudo de graça.

Parede forrada
São mais de 110 mil objetos em dois prédios.

1. Na cova dos leões
Daniel na Cova dos Leões é muito mais do que uma música da Legião Urbana. A história do herói bíblico condenado a passar a noite com leões foi pintada por Peter Paul Rubens entre 1614 e 1616,e retrata o dia seguinte, quando Daniel agradece a Deus por ter sobrevivido.

2. Noite em claro
Pintor oficial do Império Napoleônico, Jacques-Louis David retratou o chefe em três quadros. O último, Napoleão em seu Escritório, é de 1812. Detalhes como o cabelo bagunçado, o relógio marcando 4h13 e as velas quase apagadas foram usados para mostrar que Napoleão teria passado a noite em claro, preparando o Código Napoleônico.

3. Lá vem a noiva
Para celebrar o noivado de Ginevra, a família Benci foi ao estúdio do escultor Andrea del Verrocchio, em Florença, e contratou um jovem pintor para fazer o retrato da moça. O nome do artista? Leonardo da Vinci. O quadro Ginevra de· Benci foi feito entre 1474 e 1478 e é um de seus primeiros trabalhos. Na ocasião, Ginevra tinha cerca de 15 anos e Da Vinci, pouco mais de 20.

4. filho de Madona
Entre centenas de obras da Galeria Nacional sobre o tema “Madona e a Criança”, uma se destaca. Pintada em 1508, Madona Niccolini-Cowper foi provavelmente o último quadro que o italiano Rafael pintou em Florença, antes de se mudar para Roma. A criança segura inquieta a roupa da mãe, como se quisesse ser amamentada.

5. A grande notícia
Em A Anunciação, Jan van Eyck pintou, entre 1434 e 1436, o momento em que Maria recebe do anjo Gabriel a notícia de que seria mãe de Jesus, segundo consta na Bíblia. Nos contrastes entre a parte superior e a inferior da igreja retratada, Eyck estaria mostrando a transição do Velho para o Novo Testamento.

6. Renoir aos montes
A Dançarina, de 1874, é um dos 78 trabalhos do francês Auguste Renoir expostos no museu –há quadros, esculturas e esboços do artista de 1870 a 1916. A obra mostra sua admiração por outros tipos de arte. Antes de ser pintor, Renoir fez parte do coro da Ópera de Paris.

7. Falta de cores
A Galeria Nacional tem 20 quadros do francês Henri Matisse. Feito em 1901, La Coiffure é o mais sensual, mas também o mais antigo e menos conhecido. A obra é curiosa mais pelo que não apresenta do que pelo que está nela: falta o colorido que marcaria o nome do artista e acabaria influenciando a pintura do século 20.

8. Tudo em família
Rembrandt e Rubens foram batizadoscom nomes de pintores famosos por causa da paixão do pai, Charles Willson Peale, pelas artes. Um acabou mesmo virando pintor, enquanto o outro foi parar dentrodo quadro. Rembrandt Peale quis pintaro irmão Rubens para comemorar seu sucesso como botânico – ele teria plantado o primeiro gerânio da América. Rubens Peale com um Gerânio é de 1801.

9. Deuses e ninfas seminuas
O quadro renascentista A Festa dos Deuses foi feito por Giovanni Bellini, em 1514, quando ele já tinha 88 anos. Maior pintor veneziano do século 15, Bellini morreria dois anos depois, mas sua obra seria retocada por outro mestre de Veneza, Ticiano, em 1529. No quadro, deuses da mitologia grega bebem vinho com ninfas seminuas. No canto direito, Príapo, deus da fecundidade, tenta levantar a saia da ninfa Lótis para violentá-la.

10. Tema repetido
Entre 1892 e 1894, o impressionista francês Claude Monet alugou um quarto perto da Catedral da cidade de Rouen, na França, e retratou-a em mais de 30 telas, em diferentes horários e estações do ano. A obra que está exposta na Galeria Nacional mostra a fachada oeste à luz do dia. Há outros 24 quadros de Monet nas paredes da galeria, inclusive outro que tem a catedral como tema.

Aventuras na História n° 035

Charles Darwin: o homem da evolução


Clarissa Passos
O naturalista inglês Charles Darwin foi criado como um lorde, mas prefere a linguagem coloquial para comentar o impacto de suas idéias e relembrar suas aventuras a bordo do navio Beagle.

Charles Robert Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809, na Inglaterra. Seu pai queria que ele seguisse a profissão dos homens da família, a medicina. Mas o curioso estudante, que colecionara insetos e pedras quando criança, não suportou a primeira cirurgia a que assistiu. O pai sugeriu, então, que se tornasse clérigo. No entanto, logo viu o rapaz embarcar como naturalista do barco inglês Beagle, cuja missão era mapear a costa sul-americana.
Resignado, o pai acabou fazendo investimentos que permitiram ao jovem não ter que trabalhar. Assim, Darwin pôde dedicar-se a pesquisar e desenvolver teorias. E que teorias! Com a publicação de A Origem das Espécies, ele concluiu que os seres evoluem por meio da chamada "seleção natural" - em que os indivíduos que nascem mais aptos às condições do ambiente prevalecem sobre os outros e passam suas características adiante. A idéia sacudiu o pensamento da época, acostumado a ver homens e animais como fruto da criação divina.
O senhor embarcou no Beagle aos 22 anos, em 1831, e viajou até 1836. A jornada forneceu a base das observações usadas para formular as teorias da evolução e da seleção natural. Mas A Origem das Espécies só foi publicado em 1859. Por quê?

CHARLES DARWIN - Minha filha, você pensa que uma teoria dessas surge assim, do nada? Não bastou embarcar no Beagle, dar um rolê pelos mares e continentes afora, olhar aí uma meia dúzia de passarinhos e tartarugas, voltar e tirar o homem da confortável posição de centro do Universo e rei da criação – que a Igreja se esmerou em lustrar por tanto tempo. Precisei desenvolver minhas idéias: cataloguei o que havia coletado, continuei observando os seres em seu meio e queimei muitos, muitos neurônios.
Pensei que o senhor fosse chegado ao linguajar da aristocracia inglesa, que se expressasse como um gentleman...

Ah, sim. Mas isso foi em vida, minha doce flor do campo. Depois que a gente bate a caçuleta e passa para o outro lado, fica mais relaxado, sabe?
Sei... Mas sigamos: o senhor esperava que sua teoria causasse tanta balbúrdia?

Lógico! Desconfiava seriamente de que o pessoal mais chegado à Igreja ia mesmo querer me pegar. E, naquela época, a teoria da criação representava muito mais que a simples idéia de que Deus criou o mundo e seus habitantes em seis dias e desde então a vida seguiu. Essa crença estava na base de quase tudo. Acreditar na evolução era coisa de ateu, revolucionário ou maluco.
O que achou da reação da sociedade?

Claro que a gente nunca espera se ver retratado com o corpo de um macaco, mas... Quer saber? Eu nem liguei para as caricaturas. Isso porque, antes de tornar públicas minhas idéias, pensei um bocado. Tive, inclusive, que superar minhas próprias crenças num Deus bondoso e benevolente, cuja expressão máxima seria a perfeição da criação. Conforme os anos foram se passando, uma coisa eu aprendi: o ser humano gosta de pensar que está acima dos animais, mas não é bem assim, não. Eu disse, em um dos meus livros, que “o homem ainda traz em sua estrutura física a marca indelével de sua origem primitiva”. Tô certo ou tô errado?
Como foi sua relação com o antropólogo, biólogo e geógrafo inglês Alfred Russel Wallace, que desenvolvia simultaneamente uma teoria semelhante à sua? Há quem diga que o senhor passou a perna nele...

Nada a ver. Ele foi um grande interlocutor e colaborador, trocávamos cartas. Isso acontece direto: mais de uma pessoa tem a mesma idéia ao mesmo tempo. Só levei a fama porque acabei publicando oficialmente antes dele.
Seu pai chegou a sugerir que o senhor virasse padre. O senhor acha que teria dado certo na carreira religiosa?

Imagina. Ia pegar mal à beça para um clérigo dizer que aquela história bíblica de “faça-se a luz” era uma papagaiada.
Como foi a viagem a bordo do Beagle?

Teve seus altos e baixos. Recolhi material suficiente para, depois, desenvolver uma teoria revolucionária. Por outro lado, eu enjoava que só vendo. E, hoje em dia, desconfiam que fui picado pelo barbeiro e contraí a doença de Chagas na América do Sul. Ninguém soube me curar, mas foi a viagem da minha vida.
O que o senhor acha dos debates atuais entre evolucionismo e criacionismo? E da teoria do design inteligente, que afirma que há uma inteligência superior por trás da evolução?

Cada um acha o que quiser. Mas é preciso que todos tenham acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade para escolherem como preferem responder à velha pergunta: “De onde viemos?”
Existe um prêmio, o Darwin Awards, que, segundo os organizadores, “honra aqueles que ajudaram a melhorar o gene humano matando a si mesmos”...

Ha, ha, ha! Boa piada, espero que não seja mal interpretada. Sei que algumas de minhas idéias foram bastante distorcidas pelo nazismo, por exemplo, que recorreu à seleção natural para fundamentar a eugenia. Isso me deixa fulo.
Sabe que correram boatos de que o senhor se converteu no leito de morte?

Besteira. Eu nunca fui ateu. Jamais neguei a existência de Deus. Só disse que a criação não ocorreu como a Bíblia prega. Minha esposa ficava meio ressabiada. Tinha medo de que minhas idéias impedissem a gente de se encontrar após a morte, no paraíso.
Falando no além, após seu enterro na Abadia de Westminster, em Londres, ao lado de Isaac Newton, seu filho declarou que imaginava as longas conversas que vocês dois teriam durante o descanso eterno. Sobre o que vocês falam?

Trivialidades, acredita? Nossa contribuição para a ciência já foi feita em vida. Agora, comentamos sobre o jogo do Arsenal ou trocamos receitas de peixe com batatas.

Aventuras na História n° 035

Refrigerantes: É isso aí


Celso Miranda e Ricardo Giassetti
De bebidas vendidas em farmácias e indicadas para tratar dor de barriga, os refrigerantes viraram símbolo de rebeldia e hoje estão entre os nomes mais conhecidos do mundo.

"Amada minha, ficarei deveras lisonjeado se aceitares me acompanhar à pharmacia para um xarope carbonatado.” Um convite para tomar xarope na farmácia pode não soar como uma cantada lá muito romântica hoje em dia, mas, no fim do século 19, era tudo que uma jovenzinha americana queria ouvir. Afinal, quem não queria experimentar a grande onda, os refrigerantes? Os primeiros deles nasceram numa época em que se confundiam as propriedades medicinais das fontes de águas minerais com as recentes invenções de Joseph Priestley (1767) e John Mathews (1832). Priestley criou um meio de produzir água gaseificada artificialmente, a soda. Mathews desenvolveu o que ficaria conhecido como soda fountain, um aparato que produzia água com gás de forma simples, diretamente no balcão da farmácia. Acreditava-se que a água gaseificada tinha propriedades terapêuticas e por isso ela era recomendada para diversos tipos de tratamento, de simples cólicas à poliomielite.
Por volta da metade do século 19, já era comum encontrar fontes de soda instaladas nas farmácias por todos os Estados Unidos. “Não se sabe exatamente quem foi o primeiro a colocar substâncias adoçantes e corantes na água gasosa, mas certamente isso aconteceu numa farmácia, onde as misturas eram feitas e vendidas como tônicos”, diz Jorge Fantinel, engenheiro químico e consultor das empresas do setor, autor de Os Refrigerantes no Brasil. As primeiras experiências foram feitas com xarope de limão, a soda limonada. Imediatamente depois vieram as misturas com morango, noz-de-cola – um fruto africano parente do cacau, rico em cafeína, conhecido no Brasil como orobô  e ginger-ale, feito de gengibre. Nessa época, eles ainda não tinham o nome de refrigerantes e eram chamados de xaropes gasosos. Mas, vendidos a 1 centavo de dólar, já eram um sucesso.

O crescimento do consumo fez muitas farmácias se transformarem em pontos de encontro. Outras deixaram de lado a venda de remédios para aumentar o espaço de atendimento dos ávidos bebedores de xaropes gasosos. Fenômeno semelhante ocorreu com os proprietários, que começaram a competir pelos fregueses criando xaropes cada vez mais elaborados, fechando suas lojas para se dedicar à produção e venda no atacado. As três maiores marcas norte-americanas atuais foram criadas num espaço de pouco mais de dez anos, por três desses ex- farmacêuticos. Charles Alderton inventou a fórmula da Dr. Pepper, em 1885. No ano seguinte John Pemberton tirou da manga um concentrado com “qualidades estimulantes” à base de noz-de-cola, folhas de coca e outros ingredientes ao qual daria o nome de Coca-Cola. Em 1898 surgiu a Pepsi-Cola, que usava a mesma noz-de-cola e uma enzima para “ajudar na digestão”, a pepsina.
Mas sair das drogarias e chegar sãos, salvos e borbulhantes à casa do consumidor era uma tarefa impossível para os refrigerantes. O limitador, nesses primeiros tempos da indústria, era a embalagem. “Apesar de o primeiro xarope engarrafado datar de 1835, antes da invenção da máquina para moldar vidro, obra do americano Michael Owen, em 1904, as garrafas eram sopradas artesanalmente e variavam na forma e tamanho, dificultando o transporte e o empilhamento”, afirma Jorge. Outra dificuldade era a vedação das garrafas. Das rolhas com arame (similares às de champanhe) às tampas Hutchinson, que seguravam a pressão de dentro para fora, os progressos foram tímidos e os acidentes em depósitos, constantes, transformando o estoque de refrigerantes numa atividade barulhenta (e dispendiosa). A revolução que levou definitivamente o refrigerante para dentro das casas das pessoas foi a tampinha coroa, inventada em 1892 pelo americano William Painter. A rolha metálica recoberta de cortiça (posteriormente trocada pelo plástico) era perfeita para conter a pressão do líquido gasoso. Daí por diante, os xaropes continuariam sendo vendidos nos balcões, mas o caminho até a mesa do almoço de domingo estava definitivamente aberto.

Guaraná Brasil
Por aqui, a moda das fontes de soda não pegou e a indústria partiu direto para o engarrafamento. “Os equipamentos eram precários para gaseificar água e mais ainda para produtos com açúcar, que necessitam de temperaturas de operação mais baixas e pressões maiores. Nosso clima não ajudava a indústria”, diz Jorge Fantinel. Enquanto Coca, Pepsi e Dr. Pepper se industrializavam, abriam novas fábricas e melhoravam a distribuição nos Estados Unidos, um médico de Resende, no Rio de Janeiro, descobriu que uma frutinha vermelha e tipicamente brasileira, o guaraná, dava um tremendo xarope. Em 1905, o doutor Luiz Pereira Barreto elaborou um método de processamento da fruta.
A partir de 1906 a F. Diefenthalerr, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, lançou a primeira linha de refrigerantes industrializados, incluindo a Limonada Gazosa, o Guaraná Cyrilla e a Água Tônica de Quinino. Cervejarias como a Brahma não demoraram a entender o potencial comercial dos gaseificados. A empresa carioca lançou a marca Excelsior em 1907. A paulistana Antarctica começou a produzir a Soda Limonada em 1912 e, em 1921, lançou o Guaraná Champagne. “A fórmula é a mesma até hoje, adaptada apenas para se adequar melhor às mudanças da linha de produção,” afirma o químico Orlando de Araújo, consultor da AmBev, uma das principais empresas do setor.
As precárias condições da infra-estrutura de estradas e ferrovias brasileiras e as dificuldades logísticas mantinham os fabricantes e distribuidores reféns de suas próprias regiões. A demanda crescente, mas limitada geograficamente, fez com que marcas menores aparecessem para atender cidades do interior dos estados. Em São Paulo, maior mercado nacional, surgiram, na década de 1930, fábricas em Jundiaí, Itu, Bauru e São José do Rio Preto. No Maranhão, Jesus Norberto Gomes criou, em 1920, um guaraná cor-de-rosa que até hoje é comercializado. O guaraná Jesus atende seus adoradores e é um dos mais vendidos da região.
“Até os anos 60, alguns processos ainda eram manuais. Usávamos máquinas com pedais mecânicos para colocar as tampinhas nas garrafas e colávamos os rótulos com cola de maisena”, afirma Ricardo Vontobel, que na infância trabalhou na fábrica do pai, a Vonpar, fundada em 1953, no Rio Grande do Sul, e que hoje é uma das maiores franquias da Coca-Cola no país. Se engarrafar era difícil, imagine distribuir. “Na época, o setor de logística não passava de um estábulo com burros e carroças. Sem estradas que comportassem caminhões, usamos esses animais por anos”, lembra Ricardo. “Os burrinhos ficavam tão acostumados com o itinerário que paravam sozinhos diante das vendas e mercados e lá ficavam esperando até a carroça ser descarregada. Mesmo quando não havia entrega, o funcionário tinha que descer e fingir que tirava a carga da carroça. Só assim para enganar o animal e ele concordar em continuar seu caminho.” É por essas e por outras que para cumprir um roteiro de entregas de 300 quilômetros às vezes eram necessários vários dias de viagem.
“As dificuldades de transporte e estocagem mantiveram as gigantes americanas afastadas do Brasil por algum tempo, criando uma base consistente de consumidores para as pequenas indústrias regionais”, afirma Humberto Pandolpho, consultor de empresas no setor. Assim, não é de estranhar que o cantor e compositor mineiro Milton Nascimento só tenha tomado sua primeira Coca-Cola no Rio de Janeiro, a bordo de um avião da Pan Air, como ele afirma na música “Conversando no Bar”, de 1975. Mesmo ano em que, aliás, a palavra “refrigerante”, com o sentido de hoje, apareceu pela primeira vez no dicionário Aurélio.

É guerra!
O conteúdo era importante, mas as embalagens foram um fator decisivo na conquista territorial dos refrigerantes. Em 1934, nos Estados Unidos, a Pepsi deu um salto e tanto, dobrando o volume das garrafas de 170 para 350 mililitros sem mexer no preço. O resultado foi uma explosão de vendas quase sem alterar o custo de produção. A Coca reagiu, apostando em dois elementos importantes e até hoje indissociáveis da indústria dos refrigerantes: o design e a propaganda. Logotipos e slogans foram criados na velocidade em que se espalharam por pontos de venda, jornais e revistas. “Os refrigerantes tiveram grande influência no desenvolvimento da indústria da publicidade. Um exemplo, sempre citado nesse caso, é o uso do Papai Noel pela Coca-Cola”, diz o colecionador Geraldo Gayoso. “A empresa não inventou o Papai Noel, mas utilizou de forma tão maciça sua imagem que acabou imortalizando sua visão do personagem. Hoje ele é um senhor gorducho que se veste de vermelho graças às campanhas publicitárias da Coca-Cola”, diz Geraldo, reconhecido pela própria empresa como o quarto maior colecionador de produtos da marca no mundo.
A Coca foi pioneira em desenvolver garrafas exclusivas, acreditando que o desenho delas teria papel fundamental tanto para a rápida identificação da marca quanto para a fidelização dos clientes. “Enquanto as outras empresas utilizavam garrafas padronizadas, a Coca-Cola lançou um modelo exclusivo. O sucesso foi tamanho que a garrafa – cujo desenho, com pouquíssimas alterações, é mantido até hoje – foi apelidado de Mae West, a curvilínea estrela de Hollywood, símbolo sexual dos anos 30”, diz Geraldo.
Mas o grande salto da Coca-Cola foi durante a Segunda Guerra. Quando os Estados Unidos entraram no conflito, o lendário presidente da Coca, Robert Woodruff, garantiu que os soldados se sentiriam em casa onde quer que estivessem. Casa, para ele, significava poder comprar em qualquer lugar do mundo uma garrafa de Coca por 5 centavos de dólar. Onde não era possível enviar o produto engarrafado foram instalados kits manuais para misturar e envasar o refrigerante. Essas primeiras minifábricas do produto abriram caminho para o licenciamento de fabricantes de Coca-Cola pelo mundo afora, o que daria à empresa o porte de gigante multinacional e a fama de representar os interesses norte-americanos pelo mundo afora.
Na década de 1950 e nas duas décadas seguintes, a Coca e a Pepsi se tornariam símbolos do poder global dos americanos: armas da propaganda política, para o bem e para o mal, na época da Guerra Fria. Símbolo da sociedade de consumo, os refrigerantes se transformaram em pilares do american way of life, ou do jeito americano de ser. O que quer dizer que, ao lado das calças jeans e do rock’n’roll, viraram ícones de um mundo em que liberdade e consumo se equivaliam. E assim, na mesma medida em que a Coca-Cola e a Pepsi eram barradas no Leste Europeu, na União Soviética e na China, elas invadiram a Europa Ocidental, a Ásia e o Brasil.
A aceitação da Coca por aqui não foi imediata. “Antes de sua chegada, os refrigerantes eram vendidos em garrafas escuras e o líquido tinha sabores e cores reconhecíveis, como laranja e limão. Os brasileiros estranharam a cor escura da Coca-Cola, vendida em garrafas transparentes. A empresa realizou operações maciças de degustação para atrair o consumidor”, conta Ricardo Vontobel, da Vonpar. A Coca deu um novo sentido à produção em escala industrial, abrindo fábricas na cidade fluminense de São Cristóvão, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Porto Alegre hospedou a primeira franquia da rede.
Nos anos 1950, houve o primeiro salto no consumo per capita de refrigerante no Brasil. E a primeira medida tomada pela indústria foi o aumento do volume das garrafas. As caçulinhas, garrafinhas de 180 mililitros, perderam espaço para as garrafas de 270 mililitros, que se tornaram a medida padrão nacional. Com a crescente urbanização do país e a chegada dos eletrodomésticos, incluindo as geladeiras, às casas de classe média, o próximo passo da indústria de refrigerantes foi óbvio: a criação das garrafas de 1 litro. Embora nunca tenha deixado de crescer, a outra grande explosão de consumo no Brasil só se daria nos anos 90. O Plano Collor pôs fim a diversas reservas de mercado e abriu a possibilidade de importação de máquinas a preços convidativos até para os pequenos fabricantes.
Isso numa época em que a grande novidade do ponto de vista tecnológico e de mercado era a garrafa one-way (ou não-retornável). A substituição do vidro pelo polietileno tereftalato, o PET, fez com que os vasilhames ficassem mais baratos e, mesmo em grandes formatos, descartáveis. Isso deu à indústria de refrigerantes, a partir dos anos 80 nos Estados Unidos e dos 90 no Brasil, um alcance quase ilimitado. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas, hoje são mais de 300 empresas fabricando refrigerantes no Brasil, com vendas totais da ordem de 12,2 bilhões de litros ao ano. No mundo, são 185 bilhões de litros, pouco mais de 30 litros por pessoa.
Com números como esses e pontos de venda que vão dos restaurantes luxuosos aos camelôs nos cruzamentos das grandes cidades, é impossível imaginar um dia sem pelo menos avistar uma latinha ou garrafa de refrigerante. Ele finalmente encontrou seu lugar e, no mundo todo, as pessoas abriram espaço em suas geladeiras para a enorme garrafa de água colorida, com sabor artificial e bolhas de gás.

Da rolha à Mae West
Imagem é tudo: pioneira no design inovador das garrafas, a Coca-Cola lançou modelos exclusivos.
1894
Embora a tampinha coroa já existisse, a Coca-Cola foi vendida em garrafas com a rolha Hutchinson até 1902.
1900
Com um desenho mais moderno, as garrafas vinham nas versões transparente e âmbar até 1916.
1915
O modelo exclusivo – apelidado de Mae West por causa das curvas – fez sucesso e quase não mudou mais.
1975
Nos Estados Unidos, a garrafa de plástico one-way com tampa de rosca foi testada já na década de 70.
Supertamanho
Em 30 anos, as famílias brasileiras diminuíram 44%. Já os refrigerantes triplicaram de volume.
Eu cresci nos anos 1970, no Sumarezinho, em São Paulo. Colecionava figurinhas, adorava gibis do Pato Donald e, como os meninos de hoje, quando não estava na escola, estava jogando futebol. Fora os videogames, o acesso aos celulares e à internet, a grande diferença entre minha infância e a de hoje é que, na época, eu quase nunca bebia refrigerante. Em casa era raro, raríssimo, e a gente só tomava quando ia ao cinema com minha mãe ou ao clube com meu pai. Aí eu tomava Fanta Uva e meu irmão Sérgio, guaraná. Mas, mesmo de longe, eu os amava, tanto que colecionava tampinhas, que eu catava no chão, que nem doido, em todo lugar (lembro-me da tampa do refrigerante Minuano, que um amigo meu trouxe do Sul e que, até hoje, eu nunca tomei).
Não me lembro bem o porquê disso. Nunca perguntei para os meus pais. Mas me recordo de levar muita groselha com leite (argh!) no lanche da escola e tomar chá gelado e Q-Suco (pronuncia-se “quissuco”) no almoço. Não sei se os refris eram muito caros, ou talvez fosse o trabalho que dava. Pode parecer incrível dizer isso hoje em dia, mas não era tão simples comprar refrigerante nos anos 70, na maior cidade brasileira. Para comprar uma Coca grande (ou família, como se dizia), você tinha que levar uma garrafa vazia. E tinha que ser de Coca. Se só tivesse garrafa de Fanta, tinha que tomar Fanta. Então, a gente guardava tudo quanto é garrafa. Na minha casa, elas ficavam debaixo do tanque e eu achava nojento ir pegá-las, porque, dado seu conteúdo açucarado, não era raro haver baratas e outros insetos lá dentro. No supermercado, a necessidade de trocar vasilhames cheios por vazios fazia com que a gente ficasse na fila, geralmente do lado de fora das lojas, com uma sacola cheia de garrafas de vidro na mão. Para quem não tinha um casco (que era como a gente chamava a garrafa vazia), restava a opção de deixar um depósito. Funcionava assim: você ia à venda mais próxima e em vez de pagar, vamos supor, 1 cruzeiro (que era o dinheiro daquela época) pela Coca, pagava 3 (a relação era mais ou menos essa mesmo, ou seja, o casco era bem mais valioso que o conteúdo). Aí o vendedor lhe dava um papelzinho – que podia ser um pedaço daquele papel de seda de embrulhar pão, ou o verso em branco dos pacotes de cigarros – onde ele escrevia o valor do depósito (2 cruzeiros) e assinava. Eu achava o máximo, porque, no outro dia, se meu pai esquecesse, eu voltava e trocava o papelzinho por dinheiro. Chegando em casa, hora de procurar o abridor. Que nunca, nunca estava na mesma gaveta. Porém o que mais me intriga e o que permanece mais vivo na minha memória é que, depois de tudo isso, vencidos todos os percalços, a gente se sentava em volta da mesa, meu pai abria a garrafa de 1 litro e o conteúdo satisfazia quatro crianças e dois adultos. Hoje as famílias diminuíram e os refrigerantes cresceram. Não sei bem, mas talvez isso queira dizer alguma coisa, não é?

Aventuras na História n° 035

A morte de PC Farias


Leandro Narloc
Hora a hora, um dos maiores mistérios do Brasil.
Dez anos depois, ninguém sabe como morreu o tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor, Paulo César Farias. Para a polícia, Suzana Marcolino matou o namorado e suicidou-se. Em 1999, porém, Augusto Farias (irmão de PC) e mais seis pessoas foram indiciados por envolvimento nas mortes de 23 de junho de 1996. Ninguém foi preso.

22 de junho,12h - A véspera
Depois de passar a semana fazendo compras e indo ao dentista em São Paulo, Suzana Marcolino volta a Alagoas ao meio-dia do sábado, 22 de junho. No começo da noite, vai ao cabeleireiro e, depois, à mansão de PC Farias em Guaxuma, litoral norte de Maceió. Segundo Claudia Dantas, outra namorada de PC, ele teria ligado para ela às 17h dizendo que, naquele dia, romperia com Suzana.

22h - O último jantar
PC passou o fim da tarde em casa acertando a candidatura de seu irmão, Augusto Farias (que hoje controla sua fortuna), que se lançaria a prefeito de Maceió. Por volta das 22h, PC, a namorada, os irmãos Augusto e Cláudio, além de duas amigas, jantam espetinhos de camarão e uma garrafa de uísque trazida da Suíça pela filha de PC. À 1h, Augusto Farias, que era o último convidado, vai embora.

23 de junho, 3h30 - Quebra-pau
Segundo os garçons e os seguranças da casa disseram em seus depoimentos à polícia, PC e Suzana beberam e discutiram muito depois do jantar. Por volta das 3h30, o empresário disse a seu mordomo que queria ser acordado às 10h30. Os seguranças da casa haviam sido dispensados. Os outros funcionários da mansão estavam dormindo na residência dos empregados, a 50 metros dali.

3h48 - Vozes na madrugada
Numa ligação para o dentista Fernando Colleoni (foto), Suzana deixa o recado: “Eu liguei para você para dizer que nunca vou esquecer você e tenho certeza que eu vou lhe encontrar. Beijos”. Ao fundo, uma voz de homem: “O que você está fazendo? Te arruma, te arruma...”.

Horário incerto - A primeira morte
Exames dos resíduos de alimentos que havia no corpo de PC Farias indicaram que ele teria morrido às 3h – fato que não bate com o relato fornecido pelos funcionários. A tese da polícia de Alagoas é que Suzana estava em pé quando atirou nele. PC estaria deitado de lado na cama e, com o impacto da bala no peito, teria ficado com a barriga para cima.

4h57 - Silêncio na mansão
Os funcionários da casa dormem, segundo eles, sem notar os tiros disparados durante a madrugada. Suzana liga mais duas vezes para o dentista Fernando Colleoni, em São Paulo, com quem tinha trocado beijos na semana anterior ao crime. Na segunda vez, às 5h01, deixa mais um recado no celular dele:“Espero um dia encontrar você, nem que seja na eternidade”.

Horário incerto - A segunda morte
Para a polícia alagoana, Suzana se matou logo após fazer o último telefonema para o dentista. A arma do crime – um revólver calibre 38 – havia sido comprada por ela dias antes. Suzana teria segurado o revólver com as duas mãos e dado um tiro no próprio peito, à queima-roupa. Outras versões contestam o suicídio e afirmam que ela foi assassinada pelos seguranças de manhã.

8h - Cadáver no rádio
Em Itabuna, na Bahia, o técnico em radiotransmissão Madson Costa intercepta uma mensagem de radioamador. Segundo ele, uma voz afirmava repetidamente que tinha visto PC Farias morto na praia. “PC morreu na praia”, dizia a voz. A perícia da polícia de Alagoas, porém, não encontrou vestígios de areia nos corpos que comprovassem essa versão.

10h30 - Sem resposta
De acordo com a versão dos seguranças, na manhã de domingo eles teriam ido ao quarto acordar o patrão, conforme ele havia pedido. O segurança Reinaldo Correia de Lima Filho vê uma marca de tiro na parede. Como ninguém no quarto responde, o grupo decide espiar pela janela, vendo os dois deitados. Sem saber o que fazer, eles ligam para Augusto Farias, que volta à mansão.

11h - Pijamas e sutiã
Augusto Farias e os seguranças afirmam ter decidido arrombar a janela do quarto do casal. O grupo teria encontrado PC e Suzana já mortos na cama. PC estava de pijama. A namorada vestia camisola e sutiã. Segundo sua família, porém, ela nunca dormia de sutiã. Uma análise posterior mostrou que a arma encontrada no local não tinha as impressões digitais da namorada de PC.

Aventuras na História n° 035

Perfil de vida nos EUA: viva o americano médio!


Adriana Maximiliano
Eu sempre me perguntei se Deus existia. Agora eu sei que ele existe – sou eu!” Não, não foi George W. Bush nem Tom Cruise quem disse isso. Foi Homer Simpson, depois de algumas cervejas. O pai barrigudo e egocêntrico do desenho Os Simpsons é o retrato mais fiel do americano médio que o mundo já viu.
Religioso, glutão de fast food e viciado em esportes que quase ninguém pratica além de suas fronteiras, o tal americano médio mora no interior do país e a, no máximo, 20 minutos de distância de um supermercado Wall-Mart. Nos fins de semana, assiste a uma longa partida de beisebol, depois da missa. Para manter o corpinho inchado, devora sanduíches que estão 23% maiores que os de 20 anos atrás. Para ajudar a descer, os refrigerantes aumentaram 52% no mesmo período. Resultado: o americano médio engordou 5 quilos desde os anos 80.
Esse cidadão, que eles chamam de John Doe, ou Zé Mané, tem certeza de que a língua falada no Brasil é o espanhol. Já ouviu falar do Carnaval – e pára por aí. Exatos 52% dos cidadãos do país com renda per capita anual de 44 200 dólares por ano não sabem que a Terra leva 365 dias para dar uma volta em torno do Sol.
O americano médio apóia a guerra, mas não gasta mais do que 7 minutos por semana pensando nisso. O jornal mais lido dos Estados Unidos é o USA Today, notável por seus textos curtos, gráficos e mapas e que tem mais de 2 milhões de leitores todo dia. John Doe ama sua TV. Quatro em cada cinco já dispararam armas de fogo e 84% têm muito orgulho de ser americanos.

American Way, o jeitinho deles
Como vive, se alimenta, transa e faz compras.

TV
O americano não vive sem ela: ele tem pelo menos três aparelhos em casa. Por dia, sua TV fica ligada durante 7 horas e 13 minutos. Quando fizer 70 anos, já terá desperdiçado de sete a dez anos em frente à TV. Só de comercial, será um ano inteirinho. Cerca de 70% das creches têm salas de TV. Os pais não podem reclamar: gastam 3 minutos por semana falando com os filhos. No mesmo período, as crianças passam 1 680 minutos na frente da TV, em média.

Carro
Todo americano médio tem um carro grande. Grande, não: enorme.As pesquisas mostram que 89% das famílias têmum ou mais na garagem. Depois de casa e comida, o carro é o que mais come seu salário. Durante toda a vida, ele vai gastar entre 240 mil e 350 mil dólares com sua paixão. Nove entre dez viagens são feitas sobre quatro rodas.

Sexo
Os americanos têm um troço com banheiro: 70% deles dizem ter feito (ou “do it”, como eles dizem) na pia ou no vaso sanitário. Mas o lugar preferido de nove entre dez casais americanos é mesmo o banco de trás de um automóvel.

Esporte
Futebol é coisa de mulher. Homem que é homem joga futebol americano, hóquei, beisebol e basquete. O atleta que ele admira corre, pula, se joga, derruba e, acima de tudo, bate. Uma pesquisa da NBA (a liga que organiza o basquete) mostrou que 40 dos 66 atletas premiados no ano passado estão entre os mais agressivos. Os comentaristas de esporte adoram usar linguagem de guerra ao descrever o que acontece nos campos. Para o americano, quanto mais violência em jogo e comida na arquibancada, maior é a diversão.

Drogas
Os americanos são os maiores consumidores de cocaína e heroína e os Estados Unidos são maiores produtores de metanfetamina. Um em cada dois americanos já fumou pelo menos um cigarro de maconha. Inclusive os dois últimos presidentes do país, George W. e Bill Clinton. Para completar o quadro, o primeiro presidente americano, George Washington, ainda na época da independência, 1776, plantava maconha.

Shopping
Em 1987, o número de shopping centers superou o número de high schools (as escolas secundárias) nos EUA: 32 563. Hoje, há cerca de 50 mil shoppings por lá. Para 93% das adolescentes, ficar passeando no shopping é a atividade favorita. O americano médio passa 6 horas por semana vendo lojas. Quando vai para casa, atende cerca de 300 ligações de telemarketing por ano. O americano compra tanto, mas tanto, que vira e mexe faz um garage sale (um feirão particular) para vender tudo o que comprou no mês passado e abrir espaço para novas aquisições. O que ele compra? TVs maiores. E flamingos (!). Uma pesquisa mostrou que 250 mil flamingos são vendidos todos os anosnos Estados Unidos.

Comida
Para o americaninho médio, o palhaço Ronald McDonald’s é o personagem infantil mais famoso do mundo, logo depois do Papai Noel. Não é à toa que, quando cresce, cada adulto consome três hambúrgueres e quatro pacotes de batata frita por semana. De sobremesa, um sundae: o americano médio toma 1 tonelada de sorvete durante a vida. Talvez para economizar, um em cada oito americanos trabalha ou já trabalhou numa loja do McDonald’s. Em compensação, 60 milhões de americanos são obesos. Quandoa barriga não agüenta mais e até a consciência pesa, ele come um lanche diet, cujo mercado já movimenta 34 bilhões de dólares por ano, o que daria para pagar metade dos juros da dívida do Brasil.

Lixo
A cada dois anos, os Estados Unidos poderiam fazer uma fila de caminhões de lixo lotados daqui até a Lua. Os americanos são apenas 5% da população mundial, mas geram 30% de todo o lixo do planeta. O lixo do americano médio equivale ao de três japoneses, seis mexicanos, 14 chineses, 38 indianos, 168 bengalis e 531 etíopes. Durante toda a vida, o americano médio vai jogar fora 600 vezes o seu peso adulto. E do jeito que ele está engordando...

Religião
O americano médio é muito religioso. Existem entre 92 e 98 milhões de evangélicos convertidos hoje nos Estados Unidos. Um deles é George W. Bush, que se converteu depois de aprontar todas na adolescência. Segundo os dados da CIA, a população se divide em protestantes (52%), católicos (24%), mórmons (2%), judeus (1%), mulçumanos (1%), outros (10%) e ateus (10%).

Crime
Para um americano médio, lugar de bandido é na cadeia. Ou no caixão. Mas não necessariamente nessa ordem. Os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo, com 2 milhões de presos, e são o quarto país que mais condenou prisioneiros à pena de morte. Aliás, o recorde entre os governadores ainda é de Bush: 150 pessoas condenadas à pena de morte passaram desta para melhor durante os seis anos de seu governo no Texas. A polícia americana é, proporcionalmente, a que mais dispara armas de fogo e mata em diligências ou perseguições.Para completar, nos Estados Unidos existe uma arma e meia para cada americano vivo e uma em cada 20 pessoas vai passar algum tempo na cadeia.

O verdadeiro "John Doe"
Ele tem três filhos e é superfã de esportes
Qual seu assunto favorito para uma entrevista.
MATTHEW BRIDGES – Esporte!
Para que time você torce?
No futebol, sou Detroit Lions até morrer. No basquete, Pistons. No beisebol, meu time é o Tigers e, no hóquei, Red Wings.
Dá pra torcer pra todo mundo?
A gente se esforça. Não há jogos dos quatro esportes ao mesmo tempo. Quando o futebol americano chega às finais, vem o basquete. Quando o basquete acaba, começa o beisebol, e assim o ano passa.
O que você vê na TV?
SportsCenter, da ESPN. À noite assisto ao Bill O·Reilly, na Fox News (noticiário líder de audiência e considerado o mais conservador da TV americana).
O que faz nos fins de semana?
Programas em família, vou aos jogos e à igreja.
Qual é sua religião?
Eu sou Born-Again Christian (“convertido ao Evangelho”). Vou com minha mulher e meus três filhos duas ou três vezes por semana à igreja.
Bush também é evangélico convertido. Você votou nele?
Não votei em ninguém na primeira vez, mas votei nele na segunda porque o pastor pediu. Aprovo os valores morais dele.
E quanto à guerra?
A guerra é necessária. Precisamos atacar os inimigos para garantir a proteção dos nossos filhos. Mas vamos falar de outra coisa?
Que tal comida?
Bem melhor! Eu sempre fui um homem-sanduíche. Mas engordei e resolvi tentar algo mais dietético. Ando viciado em sanduíche de peru com queijo e maionese. Hummmm... Acho que vou preparar um agora.
Ok. Mas, antes do sanduíche, o que você sabe sobre o Brasil?
Eu já vi imagens do Carnaval na TV. Que festa! Mas acho que não levaria minha família. Tinha muita gente dançando pelada.

Aventuras na História n° 035

Berlim, a capital do mundo


Gustavo Heidrich
Tribos bárbaras, invasões napoleônicas, nazismo: 700 anos de rivalidade marcam a história da cidade-sede da final da Copa.
A região às margens do rio Spree, ao norte do Danúbio e rumo ao mar Báltico, sempre foi alvo de disputas e refregas. Os registros mais antigos dão conta da presença de populações vivendo da exploração das florestas e da caça, no século 3 a.C. Mas até o século 1, o que se sabe dessas tribos é que eram boas de agricultura, de caça e de guerra. Os romanos, que não se arriscavam muito por ali, chamavam a região – que incluía as atuais Rússia e Ucrânia – de Germânia, como aparece nos mapas do historiador Cornélio Tácito.
De lá, muitas dessas tribos saíram, no século 4, para colocar fim ao império de Tacitus. Com a migração dos germânicos, a região foi ocupada por povos eslavos, vindos do leste. O território só voltaria às mãos germânicas em 948 com Oto I, imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Mas não por muito tempo. Em 983, os eslavos reocuparam o local, dominando-o por mais 150 anos. No século 11, germânicos restabeleceram seu poder, quando o guerreiro saxão Albrecht cristianizou os povos da região e tornou-se o primeiro duque de Brandemburgo. O primeiro documento histórico berlinense é de 1237, e fala sobre as povoações de Colln e Berlim, situadas uma em cada margem do Spree. Em 1307, as duas localidades aliaram-se e constituíram uma só cidade: Berlim.
Mas foi no século 15, com a intervenção do Sacro Império Romano-Germânico, que a cidade cresceu e se tornou sede da dinastia Hohenzollern, que governaria por 500 anos.
A reforma protestante, no século 16 (que, aliás, começou perto dali – foi a 120 quilômetros de Berlim, no castelo de Wittemberg, que o monge Martinho Lutero expôs suas 95 teses desafiando o poder do Papa), dividiu o país, colocando-o na alça de mira das grandes potências da época – Suécia, Áustria, Dinamarca, Boêmia e França. Em nome da fé, católicos e protestantes travaram a Guerra dos Trinta Anos. Ao fim dos combates, em 1648, Berlim contou os estragos: um terço de suas casas fora destruído e 40% da população, morta. A Alemanha devastada tornou-se uma colcha de retalhos de 234 reinos, 51 cidades autônomas e um sem-número de minirreinos, principalmente no oeste. No leste, consolidavam-se Estados poderosos, como Bavária, Saxônia e Brandemburgo.
Em 1701, Brandemburgo se une a territórios vizinhos e se proclama o reino da Prússia, com sede em Berlim. A cidade se transforma em pólo cultural, artístico e científico da Europa, rivalizando com Viena, na Áustria, pelo predomínio entre as cidades de língua germânica. Em 1806, Berlim é tomada por tropas francesas durante as guerras napoleônicas. A invasão francesa e a natural reação a ela, no entanto, tiveram um efeito inesperado: unificaram os pequenos reinos do oeste sob influência prussiana.
A Prússia (e Berlim) se tornaria então a sede da revolução industrial na Alemanha. Em 1837 surge a primeira fábrica de locomotivas. No ano seguinte, a primeira linha férrea, ligando Berlim a Potsdam. Nascem e florescem os pensamentos filosóficos de Marx, Engels, Hegel, Schopenhauer e Max Stirner, a poesia de Goethe e os movimentos sindicais. Sob o comando da Prússia e com a mão forte do chanceler Bismark, as nações germânicas são unificadas em 1871 e Berlim se torna a capital do Império.
Efêmero, ele durou apenas até 1918, quando, na Alemanha derrotada por França, Inglaterra e Rússia na Primeira Guerra Mundial, é proclamada a República de Weimar. As indenizações impostas pelos vencedores geram 450 mil desempregados em Berlim, resultado da inflação que empobrece seus 4 milhões de habitantes. A situação estimulou o nacionalismo que culminou na ascensão do Partido Nazista, de Hitler. E Berlim passou a ser a capital do Terceiro Reich. Com a queda do nazismo, em 1945, a Alemanha é dividida em duas em 1949 e Berlim é ocupada e repartida pelos Aliados. Em 1961, os comunistas erguem o Muro de Berlim, que, separando a cidade em dois territórios, tornou-se símbolo da Guerra Fria entre soviéticos e americanos. O muro foi derrubado em 1989 e a Alemanha, reunificada no ano seguinte.

 A capital resiste
Cidade alemã foi invadida, destruída e dividida
Guerras e uma constante instabilidade marcaram a história de Berlim – além de diversos braços fortes, a maior parte composta por estrangeiros.

1415 dinastia de Frederico
Ungido por Sigismundo, o todo-poderoso do Sacro Império Romano-Germânico, Frederico de Hohenzollern assumeo território de Brandemburgo. Sua dinastia perduraria até 1918.

1701 unificação da Prússia
Neto de Frederico de Hohenzollern, outro Frederico, o III, unifica Prússia e Brandemburgo, é coroado rei da Prússia e sobe ao trono em Berlim com o título de Frederico I.

1806 invasão de Napoleão
Napoleão derrota o exército prussiano e, como símbolo da vitória, leva para Paris a Quadriga, escultura que adornava o topo do Portão de Brandemburgo, construído em 1788 pelos prussianos.

1862 império alemão
Otto von Bismarck, chanceler da Prússia, lidera o país em guerras contra França, Áustria e Dinamarca, unifica as nações germânicas sob a liderança da Prússiae cria, em 1871, o Império Alemão.

1933 início do nazismo
Numa crise econômica, o austríaco Adolf Hitler, do Partido Nacional Socialista, é eleito chanceler e conquista o apoio da maioria dos alemães. Berlim vira a capital do Terceiro Reich nazista.

1945 invasão soviética
Entre abril e maio, no período conhecido como Batalha por Berlim, os soviéticos invadem a cidade com 2,5 milhões de soldados, 6 300 tanques e 7 500 aviões, deixando um rastro de destruição.

1961 muro da divisão
Um muro é erguido pelos soviéticos para separar fisicamente a República Federativa da Alemanha e a República Democrática da Alemanha, criadas em 1943. Em 1989, o Muro de Berlim cai.

Aventuras na História n° 035

sábado, 13 de outubro de 2012

Videogame para falar melhor


IBM de Paris lança videogame que pode ajudar as pessoas com deficiência vocal e auditiva a falar melhor.
Como a imagem de um macaquinho subindo numa palmeira pode ajudar as pessoas com deficiência vocal ou auditiva a falar melhor? Após dez anos de pesquisa, técnicos dos laboratórios da IBM de Paris conseguiram criar um programa que funciona como um videogame, destinado a melhorar a pronúncia, a modulação e o tom de voz do jogador. O SprechViewer, como foi chamado, obedece a comandos de voz ao microfone. Assim, num dos jogos que compõe o programa, o macaquinho só alcança o alto da árvore se o usuário pronunciar corretamente determinada palavra. O computador analisa os sons e fornece um parecer imediato ao monitor. Como foi lançado em vários países, existem variações do programa em inglês, francês, espanhol e português, mas com a pronúncia de Portugal. Embora tenha sido apresentado na Feira de Informática realizada em São Paulo em setembro último, não está a venda no mercado nacional.

Revista Super Interessante n° 026

Como funciona uma placa solar?


Kenzi Icimoto
As placas ou coletores solares servem para captar a energia da luz do Sol e converte-la em energia elétrica. As suas células fotovoltaicas, feitas de materiais semicondutores de eletricidade, como o silicone, são as responsáveis por essa conversão. Quando tais células são iluminadas, ganham um pólo positivo e outro negativo, como uma bateria comum. O efeito fotovoltaico foi descoberto, em 1887, pelo físico alemão Henrich R. Hertz (1857-1894). Esses geradores elétricos têm sido cada vez mais usados em aparelhos eletrônicos e em satélites. Fora da atmosfera terrestre, um sistema de placas solares é capaz de absorvem 14 por cento da energia solar que incide nelas. Cada metro quadrado de coletor fornece 170 watts (pouco menos que três lâmpadas comuns de 60 watts).

Revista Super Interessante n° 026

Robôs: Perfeito Manequim


Uma nova geração de robôs imita com crescente realismo o corpo humano e suas funções. Um deles até consegue suar a camisa - literalmente. Mais difícil é o homem imitar certos robôs.
Como qualquer pessoa, ele fala, anda, cruza as pernas e chuta bola. O mais novo tipo de recruta a alistar-se no Exército americano parece assim exatamente igual aos outros - ou quase. Pois, apesar de trabalhar horas a fio sem sequer parar para descansar e ainda por cima expor-se a grandes riscos, jamais se queixa em segredo de seus superiores, nem sonha com uma licença, como um praça normal. Um autêntico caxias, em suma. Com tais virtudes sobre-humanas, só poderia ser o que é - um manequim robotizado. Ele tem uma missão na vida, digamos assim: testar trajes de proteção para uso em situações de extremo perigo, mesmo para um soldado.
Manny, como é apropriadamente chamado esse robusto manequim de 1,80 m e 75 quilos, pode lembrar à primeira vista um simples boneco de polietileno do tipo que se vê em lojas de departamentos. Nada menos verdadeiro: ele é o robô mais parecido com o homem que o homem já conseguiu produzir. Construir uma máquina à nossa imagem e semelhança é tarefa relativamente fácil - quando a criatura se destina a operar em estúdios de cinema, ajudando a compor a grande ilusão proporcionada pela arte dos efeitos especiais. Mas na vida real tudo muda de figura. Por isso, como ninguém tinha ainda construído robôs tão humanóides, os cientistas e engenheiros do Laboratório Battele, nos arredores de Washington, tiveram de dar tratos à bola e improvisar bastante para criar o manequim-soldado.
“Quando começamos o projeto, deparamos com um desafio evidente”, conta Dave Benett, gerente de pesquisa da empresa. “O corpo humano é muito complexo e bem desenhado - não é fácil imitá-lo”. Depois de três anos de gestação e investimentos que passaram a marca de 2 milhões de dólares, chegou finalmente ao campo de provas do Exército, em Dugway, Utah, o equipamento que combina robótica avançada, multiprocessadores de dados, Bioengenharia, computação gráfica e novos produtos químicos. De fato, para determinar como os movimentos do corpo, a transpiração e até a respiração desgastam os pesados trajes militares, várias funções humanas tiveram de ser reproduzidas com o máximo de fidelidade.
Extremamente articulados - ao menos no sentido mecânico da expressão -, Manny tem 42 graus de movimento livre em quinze juntas, bem menos que as setenta e tantas juntas de um homem, é certo, mas o suficiente para imitar nossos movimentos básicos. Tubos e eixos formam o esqueleto, preso atrás por um suporte ligado ao cérebro de computadores. O movimento é executado por músculos hidráulicos, isto é cilindros dotados de pistões que esticam e se retraem em cada junta. No início do projeto, os técnicos descobriram e resolveram testar um braço mecânico utilizado num show do cantor pop Michael Jackson. Deu certo. A respiração por sua vez é simulada pelo movimento do peito para dentro e para fora, além do ar úmido que sai da boca e do nariz. Placas de filmes sensíveis cobrem o corpo, dando-lhe temperatura própria.
Ao exercitar-se, Manny se aquece, respira mais rápido e começa a transpirar como uma pessoa de verdade. Um sistema de finos tubos leva água a vários pontos na superfície da pele, na tentativa de imitar a função dos 2 milhões de glândulas de transpiração existentes na derme humana. Para sorte de Manny, sua pele tem uma composição especial para lhe dar aspecto humano e proteger da contaminação o seu interior. No cérebro do robô, um arquivo de movimentos básicos, facilmente acionados por comandos de computador, coloca-o em atividade pelo tempo que se quiser. Sua agilidade foi conseguida graças à gravação da imagem de um atleta em ação. Os computadores marcaram as posições do corpo em uma parte do filme e agora as reproduzem com a coordenação do movimento de todas as juntas, no tempo e na velocidade correta.
Quando der baixa do Exército, Manny já tem emprego garantido. As indústrias americanas que mexem com detritos tóxicos e proteção contra fogo, além da agência espacial NASA, também precisam testar trajes mais seguros. A medição da resistência que as roupas proporcionam ao corpo, uma das atribuições do manequim-robô, pode ajudar um dia a criar trajes mais confortáveis, servindo às confecções. São aplicações como essas - testar materiais de uso humano - que justificam a construção de robôs com aparência de homem, um tendência que se afirma cada vez mais no campo da robótica. Não é de hoje que existem aparelhos para substituir mão-de-obra e, afinal, este é o conceito mais amplo de robótica, termo derivado do checo robota, que significa trabalho forçado.
As máquinas operadas automaticamente já substituíram o homem em muitos serviços ingratos, monótonos ou perigosos. A presença de braços computadorizados deixou de ser novidade nas linhas de produção industrial - a tal ponto que muitos projetistas passaram a se perguntar se o corpo humano não seria, afinal, um molde muito inadequado para o design de robôs.
Assim, técnicos procuram desenvolver modelos com um terceiro olho, ou um pescoço modular, que dobra de comprimento, ou ainda juntas com rotação total. Mas a maioria dos pesquisadores tenta imitar o ente mais complexo criado pela natureza nestes últimos 3 bilhões de anos terrestres - o próprio homem. A lista dos mais recentes avanços nesse campo é digna de um conto de ficção científica: no Instituto de Tecnologia de Tóquio, por exemplo, o professor Toyosaka Moriizumi anunciou, no ano passado, a criação de um robô capaz de sentir cheiros. Seu criador promete uma grande utilização do robô farejador no departamento de controle de qualidade das indústrias de alimentos e de cosméticos.
Após vinte anos de pesquisa, outro japonês, Ichiro Kato, lançou o robô andarilho WL-10, que imita com perfeição o andar humano. A destreza da mão também já foi aperfeiçoada pelos pesquisadores - no caso, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. Além de funções repetitivas e de aplicar força bruta, a mão de um robô de última geração realiza delicadas operações cerebrais, ajuda em missões policiais de alto risco e cuida de idosos e deficientes físicos. O robô Infant, criação de uma pequena companhia americana, reproduz as funções do cérebro para aprender a se adaptar a novas situações, igualzinho ao homem. Um motor elétrico, da espessura de um fio de cabelo, foi criado na Universidade da Califórnia para acionar robôs microscópicos que os cientistas pretendem usar a fim de explorar o interior do corpo humano - a vida assim imita a arte do filme. A viagem fantástica.
O sonhado computador que não só é capaz de obedecer a comandos de voz, como também de falar, tem seu nascimento previsto pata 1993 pela maior empresa mundial de informática, a IBM. Apesar de tais conquistas, as pesquisas esbarram ainda num limite decisivo: a chave para se fazer robôs mais espertos está na esperteza dos computadores que os controlam e, como se sabe, não há computador que se compare ao cérebro humano. De fato, a maioria dos robôs e assemelhados em uso hoje no espaço, sob o mar e em instalações atômicas são operados a distância por pessoas. Os construtores de robôs chamam a isso telerrobótica - uma extensão dos sentidos e da capacidade de manipulação. “A idéia é estar lá sem ir até lá”, resume John Merrit, consultor da indústria americana de robótica.
O que o operador tem a fazer é usar um capacete que recebe os sons e as imagens da máquina, a qual repete seus movimentos, graças à armadura eletrônica colocada nos braços do homem. A telerrobótica é importante em situações de alto risco, em que se precisa contar com o julgamento e a inventividade humana - qualidades ainda inconcebíveis num computador. O desenvolvimento atual da telerrobótica é uma das principais razões para imitar os padrões típicos do homem. Isso porque, quanto mais se consegue reproduzir a experiência das pessoas em certas tarefas, mais facilmente elas conseguem comandá-lo. “Você esquece onde realmente está. Com o robô diante de si, parece que você se vê encarnado nele”, ilustra Merrit.
Para conseguir essa sensação, que os especialistas chamam telepresença, a tecnologia de vídeo teve de desenvolver um sistema semelhante aos olhos - duas câmaras paralelas captam a mesma imagem, criando a percepção de profundidade espacial que uma simples tela de TV não oferece. Todas as pesquisas sobre máquinas, para surpresa de muitos cientistas, abriram um novo caminho para conhecer os seres humanos . Os robôs que se tornaram parte do mundo moderno não se parecem, de forma alguma, com os andróides que a ficção científica e a imaginação popular anteciparam há muitos anos. Mas hoje efetivamente se conhece - e se aprende a imitar - a máquina humana com uma riqueza de detalhes inimaginável aos avôs dos atuais fazedores de robôs. Manny que o diga.

Revista Super Interessante n° 026