O Brasil defende uma reforma no Conselho de Segurança da ONU. Quais são as propostas específicas do Brasil para essa reforma?
Celso Amorim – O Brasil sustenta que a legitimidade e credibilidade do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aumentarão se sua composição for mais representativa da realidade contemporânea, em particular no que se refere à participação de países em desenvolvimento.
Consideramos que a ampliação do número de membros do CSNU deve ocorrer tanto na categoria de membros permanentes, como na de não-permanentes, envolvendo – em ambas – maior presença de países em desenvolvimento. Pode-se falar da existência de uma certa convergência em torno da idéia de um Conselho de 24 a 26 membros, com cinco ou seis novos membros permanentes e um número comparável de não-permanentes.
Paralelamente à proposta de reforma no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil faz campanha para se tornar membro permanente.
Alguns críticos dizem que a campanha é um gesto voltado apenas para o público interno, pois o tema não está na agenda de discussões da ONU. A Argentina manifestou-se contrária à pretensão brasileira. Como o sr. enxerga essas críticas e posicionamentos?
Celso Amorim – A reforma do sistema de segurança coletiva das Nações Unidas vem recebendo atenção especial do Secretário-Geral, Kofi Annan, que convocou um painel de notáveis para discutir o tema. Os membros do painel deverão apresentar um relatório antes do início da próxima Assembléia Geral das Nações Unidas. O assunto, que já se encontra na agenda formal da ONU há mais de dez anos, transformou-se em tema central para toda Chancelaria interessada em paz e segurança internacional.
A aspiração brasileira a um assento permanente baseia-se na convicção de que a presença de grandes países em desenvolvimento, com influência em suas respectivas regiões, contribui para que o Conselho de Segurança se torne um órgão mais legítimo e eficaz. A articulação de nossa postulação, no plano externo, encontra ambiente internacional propício, como comprova o número expressivo de apoios ao Brasil, entre os quais oito países sul-americanos, além de três dos cinco atuais membros permanentes do Conselho de Segurança.
Entre as novas iniciativas da política externa do Brasil destacou-se a criação do G-3. Qual é a vocação desse grupo?
Celso Amorim – O G-3 ou IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), como também é conhecido, foi concebido para aprofundar as relações entre três grandes democracias de regiões em desenvolvimento, com influência regional e até mesmo mundial. Na Declaração de Brasília, de 6 de junho de 2003, os três países comprometeram- se a aprimorar a coordenação política sobre uma ampla gama de temas que incluem a reforma da ONU, paz e segurança internacional, temas sociais, questões ambientais e assuntos comerciais, entre outros.
Também se estabeleceu o objetivo de desenvolver a cooperação trilateral em esferas como transporte, desenvolvimento urbano e agricultura.
O Brasil desempenhou papel decisivo para articular, no quadro da OMC, o G-20. Mas os países ricos parecem mais dispostos a romper de uma vez a Rodada de Doha, que a reduzir substancialmente os subsídios agrícolas. O sistema multilateral de comércio está ameaçado pela intransigência dos EUA e da União Européia. O que fazer face a essa situação?
Celso Amorim – Os impasses da reunião de Cancún, em setembro de 2003, geraram algumas previsões sombrias sobre a Rodada de Doha. De nosso ponto de vista, embora a Conferência não tenha produzido resultados, ela foi palco de um processo diplomático a ser valorizado em si, com a emergência do G-20 e a preservação do nível de ambição da Rodada no seu tema central – que é o agrícola.
No final do ano, as presenças do Diretor-Geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, e do Comissário da União Européia para Comércio, Pascal Lamy, na reunião do G-20 em Brasília contribuíram para consolidar o papel do grupo como interlocutor indispensável sobre agricultura. Em carta enviada a todos os membros da OMC, o Representante para Comércio norte-americano, Robert Zoellick, sugere que as discussões se concentrem em algumas questões básicas, especialmente no tema central do acesso a mercados em agricultura, bens e serviços.
O Governo brasileiro está comprometido com um sistema multilateral de comércio livre e aberto, baseado no princípio da reciprocidade. O sucesso da Rodada de Doha é fundamental para aperfeiçoar as regras que hoje regem as transações comerciais globais, garantindo a países como o Brasil maior participação no comércio internacional. Estamos empenhados na retomada das negociações da agenda de Doha.
Há uma mudança de ênfases e prioridades na política externa brasileira. No governo FHC, o foco era a América do Sul. No governo Lula, é o Sul (o antigo Terceiro Mundo) e a América do Sul aparece como uma dimensão desse conjunto maior. É uma retomada das linhas seguidas pela Política Externa Independente do início da década de 1960?
Celso Amorim – A pergunta não reflete com precisão a evolução da política externa brasileira. Se a América do Sul já constituía o foco de nossa diplomacia, ela passou a merecer uma atenção ainda maior, com a criação, no Itamaraty, de uma Subsecretaria dedicada exclusivamente a assuntos sul-americanos e uma multiplicação de contatos em nível Presidencial e Ministerial entre o Brasil e seus vizinhos.
Hoje vivemos na América do Sul uma interação característica de processos de integração avançados, como se observa na União Européia. A conclusão de um acordo CAN-Mercosul criou as bases para uma aproximação comercial efetiva, que poderá evoluir no sentido de uma “Comunidade Sul-Americana de Nações”, na expressão do Presidente Toledo, do Peru. Ao mesmo tempo, temos trabalhado, junto aos Governos da região, pela solução pacífica de crises, como a enfrentada pela Bolívia no segundo semestre de 2003.
A prioridade concedida à América do Sul, contudo, não é excludente. A magnitude e a diversidade dos interesses do Brasil orientam a nossa política de “redimensionar a geografia de nossas relações internacionais”, como afirmou o Presidente Lula, em recente viagem à Índia.
A independência da política externa do Governo Lula deriva de uma avaliação circunstanciada das possibilidades de inserção ativa e altiva do Brasil no cenário internacional com vistas à superação de nossas vulnerabilidades sociais. Como reconhecido pelo Presidente Chirac e outras lideranças mundiais, o Brasil tem logrado mudar a agenda internacional, fortalecendo a multi- polaridade.
A disposição anunciada pelos governos dos EUA e do Brasil é de ter, até o fim do ano, um acordo definitivo sobre a Alca. No Brasil, há um forte movimento por um plebiscito ou referendo popular sobre esse acordo. Mas o sr. posicionou-se contra essa proposta. Por que o futuro acordo não deve ser submetido a plebiscito ou referendo?
Celso Amorim – As negociações para a formação de uma área de livre comércio nas Américas vêm sendo conduzidas com extremo cuidado pelo Governo brasileiro.
Felizmente, o debate sobre o assunto chegou à população, que se tem manifestado, pelos canais pertinentes, a favor ou contra os diferentes aspectos da complexa negociação.
Entendemos que o caminho percorrido para a formação de uma posição brasileira atende a todos os requisitos do exercício democrático, com a presença de representantes dos mais diversos segmentos da sociedade nesse processo de reflexão e atuação. Existem formas de consulta e acompanhamento, sobretudo pelo Congresso Nacional, que estão sendo postas em prática e fortalecem a atuação do Executivo, conferindo grande legitimidade a todo o processo negociador. Ademais, é preciso assinalar que o acordo eventualmente alcançado e firmado deverá ser submetido à aprovação final do Legislativo, que representa, pelo voto depositado em seus integrantes, as aspirações e interesses da sociedade brasileira.
Boletim Mundo Ano 12 n° 1
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