quarta-feira, 27 de julho de 2011

GLOBALIZAÇÃO DISSEMINA AS EPIDEMIAS POR TODO O PLANETA

José Arnaldo Favaretto e Helio Trebbi

Embora ainda não exista o definitivo fiat lux sobre a evolução humana, evidências atuais reforçam a hipótese de que o Homo sapiens tenha se originado na África, de onde migrou e se espalhou para os outros continentes. Até o fim do Paleolítico, os grupos humanos obtinham alimento pela caça e coleta; há cerca de 10 mil anos, já no Neolítico com o cultivo de plantas e a domesticação dos animais  os grupos humanos, até então nômades, fixaram-se à terra e tornaram-se sedentários. O cultivo das plantas e a fixação trouxeram mudanças tão intensas na evolução humana que marcaram um período denominado primeira revolução agrícola.
A maior oferta de alimentos abriu espaço para a revolução urbana: seguindo a “explosão demográfica”, os agrupamentos de agricultores (principalmente nos vales de rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, Nilo, no Egito, e Amarelo, na China) deram origem a cidades, onde se desenvolveram técnicas como a cerâmica, a tecelagem e a metalurgia.
Os excedentes da produção agrícola e de artefatos estimularam as relações de troca entre populações, inaugurando o comércio.
Nos séculos XV e XVI, uma “bolha” de capitalismo expandiu-se a partir da Europa para todo o mundo, estabelecendo as bases de um mercado mundializado. A economia chega hoje à globalização, em que as fronteiras nacionais estão permeáveis ao capital e vulneráveis ao mercado  mundial. Sob o ponto de vista das corporações transnacionais, essas fronteiras virtualmente não mais existem, a não ser como linhas de mapa ou conceito abstrato.
Tornou-se  emblemático apontar os tênis da Nike como modelos da globalização. Desenhados em um país, são confeccionados em outro com insumos provenientes de um terceiro. Finalmente, são comercializados em todo o mundo. Livros didáticos para ensino da língua inglesa são escritos na Nova Zelândia, impressos em São Paulo e param nas mãos de alunos da rede pública do Paraguai e da África do Sul!
A fragilidade das fronteiras nacionais torna-se também evidente para outros fenômenos, como a chuva ácida, o aquecimento global e a rarefação da camada de ozônio, todos de dimensão planetária.
Essas formas de agressão ambiental mereceram até um documento internacional: a Convenção sobre Poluição Ambiental de Longo Alcance, de 1983.
Fluem pelo mundo dinheiro, matérias primas e mercadorias, mas não só! Por paradoxal que possa parecer, a globalização concentra o capital e dispersa pessoas. Pelas fronteiras abertas ao capital, passam também pessoas que buscam trabalho, passam soldados, pessoas que fogem de guerras civis, que fazem negócios ou cujo emprego impõe deslocamentos, como pilotos e comissários de bordo, executivos etc. Também é inegável, nas últimas décadas, o aumento do fluxo de turistas entre países e continentes. Todas essas pessoas deslocam-se levando algo mais que bagagens: suas colônias de microrganismos comensais e parasitas.
A história da humanidade não pode ser dissociada da história de seus parasitas. O primeiro Homo Sapiens já os encontrou prontos para o assalto, e o último não se despedirá da vida sem a presença deles. A relação entre seres humanos e parasitas nunca foi amistosa, quando muito tolerada. A expressão mais desastrosa de nossa relação com tais organismos são as epidemias – ou pandemias, quando em escala global –, que já dizimaram populações ao longo do tempo, chegando a alterar o curso da História.
Na Bíblia, há registros de epidemias, como se lê no Livro do Êxodo: “Eles tomaram cinza de forno e a apresentaram ao Faraó; Moisés atirou-a para o céu, e ela se tornou em tumores que se arrebentavam em úlceras nos homens e nos animais”. No século XIV, a chamada peste negra – isto é, a peste bubônica – dizimou um quarto da população da Europa, chegando a eliminar 70% dos habitantes de algumas cidades. No século XVI, o espanhol Cortês conquistou o grande e belicoso Império Asteca com a ajuda do “general varíola”, que eliminou quase a metade da população asteca. No século XX, mal a Europa contava os 15 milhões de mortos na Primeira Guerra Mundial, a gripe espanhola irrompeu no continente e espalhou-se pelo mundo, fazendo pelo menos 20 milhões de vítimas fatais.
Na década de 80, foram diagnosticados os primeiros casos de uma doença – até então desconhecida – e descoberto seu agente etiológico, hoje chamados de AIDS (acquired immune deficiency syndrome, ou síndrome da imunodeficiência humana) e HIV (human immunodeficiency virus, ou vírus da imunodeficiência humana), respectivamente O comissário de bordo canadense Gaetan Douglas é considerado o “paciente zero” da AIDS, a última pandemia do século XX .
A primeira pandemia do século XXI é a SARS (severe acute respiratory syndrome ou síndrome respiratória aguda grave). Em novembro de 2002, pessoas da região de Guangdong, na China, desenvolveram essa nova e letal forma de pneumonia. Em fevereiro, um médico que tratou de pessoas em Guangdong hospedou-se em um hotel de Hong Kong, e infectou 12 outras pessoas. A partir desses casos, acendeu-se um rastilho epidemiológico que, até a metade desse ano, havia passado por 18 países, atacado mais de 6 mil pessoas e matado pelo menos 470. A cortina de silêncio imposta pelas autoridades sanitárias chinesas impediu que medidas de controle fossem implementadas  mais precocemente.
A partir da divulgação maciça da epidemia pela imprensa mundial, o governo chinês chegou a ameaçar com prisão perpétua pacientes que desrespeitassem as normas de isolamento.
Essas pandemias são exemplos do chamado “efeito borboleta”, segundo o qual o bater de asas de uma borboleta pode causar um vendaval devastador mesmo a milhares de quilômetros de distância. A Aids e a Sars têm muitas características em comum: seus agentes são vírus que romperam a barreira biológica entre animais e seres humanos e se disseminaram graças a brechas nos sistemas nacionais e internacionais de vigilância. São produtos da globalização, e seus efeitos políticos, econômicos e sociais são devastadores.
As epidemias, tão antigas quanto as primeiras populações humanas, certamente continuarão a ocorrer, quem sabe alcançando, no futuro remoto, colônias humanas em outros planetas. Pensando em prevenção em escala cósmica, cientistas da Nasa consideram a possibilidade de arremessar a sonda espacial Galileu contra o planeta Júpiter, incinerando-a na entrada na atmosfera do planeta, com o objetivo de evitar que ela caia sobre o satélite Europa e o contamine com microrganismos terrestres que possam ter resistido às hostis condições do espaço.

Guerra na Guiné-Bissau difundiu o HIV-2
O HIV-1, que infecta mais de 40 milhões de pessoas, é o vírus mais difundido da AIDS. O HIV-2, menos conhecido, infecta “apenas” um milhão e está mais ou menos confinado à África Ocidental.
O HIV-1 originou-se de chimpanzés. O HIV-2, de uma outra espécie de macaco, e parece ter saltado a barreira das espécies duas vezes, por volta de 1940 e 1945, quando infectou os primeiros humanos na colônia portuguesa de Guiné-Bissau.
Até a década de 60, o vírus permaneceu raro e geograficamente confinado à colônia. Mas a guerra de independência da Guiné-Bissau (1963-1974) gerou intensa circulação de tropas, compostas por homens sexualmente ativos, criando as condições para a difusão do vírus. Então, rapidamente, o HIV-2, que infectava poucas centenas de pessoas, disseminou-se por centenas de milhares, na própria Guiné-Bissau e nos países vizinhos.

Boletim Mundo Ano 11 n° 6

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