quinta-feira, 28 de julho de 2011

11 DE MARÇO DE MADRI ASSINALA O FRACASSO DA “GUERRA AO TERROR”

Minha promessa  é um compromisso”. Foi assim que, no dia 18 de março, uma semana após os atentados que deixaram mais de duas centenas de mortos em Madri, José Luis Zapatero, primeiro-ministro eleito da Espanha, rejeitou o pedido de John Kerry para que as tropas espanholas permanecessem no Iraque. Zapatero já tinha respondido de modo similar a um pedido idêntico formulado por George Bush: até junho, as forças espanholas desligam-se da coalizão de ocupação do Iraque. Assim, a Doutrina Bush sofria sua primeira derrota eleitoral na Europa.
Os atentados de 11 de março em Madri mudaram o rumo das eleições espanholas. O primeiro-ministro conservador José María Aznar temeu o desfecho logo que eclodiram as explosões assassinas da Al-Qaeda – e lançou uma ofensiva de contra-informação destinada a enganar a opinião pública. Aznar responsabilizou o ETA, procurando criar um cenário eleitoral favorável à sua política de dura repressão contra o terrorismo basco. Ocultou os indícios e, depois, as evidências que apontavam para a Al- Qaeda. A mídia, vergonhosamente, repercutiu a farsa governamental .
Mas a farsa não conseguiu se sustentar até as eleições de 14 de março. A negativa formal do ETA, as mensagens da Al-Qaeda assumindo a autoria e todo um conjunto de evidências difundiram-se entre a opinião pública.
Na véspera das eleições, manifestações de rua diante das sedes do governista Partido Popular exigiam a verdade.
E, nas urnas, os eleitores condenaram, ao mesmo tempo, a manipulação de Aznar e a sua política de alinhamento à Doutrina Bush. A reviravolta deu a vitória ao Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e seu candidato, Zapatero, que prometera na campanha eleitoral retirar as forças espanholas do Iraque.
A invasão do Iraque, em 2003, dividiu a Europa.
A “velha Europa”, na denominação jocosa do secretário da Defesa americano Donald Rumsfeld, sob a liderança da França e da Alemanha, rejeitou o pedido de Washington de autorização da ONU para a operação militar. A “nova Europa” – essencialmente, Grã- Bretanha, Espanha, Itália e Polônia – engajou-se na coalizão americana, desafiando a opinião pública que se manifestava contra a guerra. Depois da queda de Bagdá e da captura de Saddam Hussein, evidenciou-se que o argumento central da Casa Branca para justificar a invasão – a ameaça das armas de destruição em massa – não passava de uma fraude. A notícia abalou a coalizão, mas não a destruiu. A reviravolta espanhola pode destruí-la.
França e Alemanha recuperaram a iniciativa diplomática.
Colocaram em marcha um processo de discussão de uma política unificada européia contra o terror.
Em linha diametralmente oposta à Doutrina Bush, definiram que o combate ao terror baseia-se no “estado de direito”, ou seja, no respeito à democracia e às liberdades.
Distinguindo-se de Washington, reafirmaram que o terror fundamentalista nutre-se da ocupação do Iraque e da intransigência de Israel na Palestina. Em síntese, ofereceram uma alternativa estratégica à “guerra ao terror” desenhada pelos neoconservadores republicanos dos Estados Unidos.
A Espanha é a primeira peça a cair no jogo de dominó da “nova Europa”. Na Itália, pipocaram manifestações públicas pela retirada das forças militares do país no Iraque. Na Grã-Bretanha, a posição de Tony Blair voltou a parecer vulnerável. Os Estados Unidos, temendo o isolamento, procuram uma saída capaz de envolver a ONU na estabilização do Iraque. Toda a política internacional começou a se descongelar. Mas a chave da porta não está na Europa – está nos Estados Unidos. As repercussões do 11 de março de Madri na campanha eleitoral americana podem selar o destino da candidatura de Bush à reeleição e da própria Doutrina Bush.
O 11 de março foi interpretado pela Casa Branca como prova de que a “guerra ao terror” deve ser aprofundada. Bush pediu a unidade da Europa em torno da liderança americana e praticamente acusou Zapatero de traição. Mas a outra interpretação do 11 de março parece influenciar uma parcela crescente dos eleitores nos Estados Unidos. As pesquisas de opinião sugerem que praticamente metade dos americanos avalia os atentados de Madri como prova do fracasso da “guerra ao terror” de Bush. É uma avaliação razoável: afinal, dois anos e meio depois do 11 de setembro de 2001 e um ano depois da queda de Bagdá, o mundo ficou muito mais inseguro.

E A MÍDIA EMBARCOU...
A mídia espanhola – tevês e jornais – embarcou alegremente na operação de manipulação de informações deflagrada pelo governo do primeiro-ministro José María Aznar logo depois dos atentados de 11 de março em Madri. E não foram só os órgãos alinhados com o Partido Popular, de Aznar.
A agência de notícias EFE, por exemplo, conhecida por suas posições independentes, insistiu na autoria do ETA ao longo de toda a quinta-feira, o 11 de março. Continuou na mesma linha mesmo após o partido Herri Batasuna, aliado político do ETA, haver negado a participação do grupo. Os noticiários eletrônicos dos principais diários nacionais – El País e El Mundo – seguiram trajetória idêntica. Na sexta-feira e até mesmo no sábado, desafiando evidências contundentes, a mídia ainda apresentava o ETA como hipótese principal, deixando a “hipótese” Al-Qaeda em plano secundário. No domingo, dia da eleição, a farsa foi apenas amenizada: as duas “hipóteses” dividiam o noticiário.
Mais grave ainda foi o comportamento da TVE, maior grupo de rádio e TV do país, emissora pública mantida por uma mistura de fundos estatais e publicidade. Ao longo de toda a quinta-feira, os repórteres da TVE começavam suas matérias com: “Os atentados cometidos pela ETA”. Um jornalista, inclusive, começou dessa forma a sua reportagem ao entrar ao vivo, exatamente depois da coletiva em que o Herri Batasuna negou a responsabilidade do ETA. Nenhum espaço sequer para a dúvida. Na sexta-feira à noite, a TVE alterou subitamente a sua programação para exibir um antigo documentário sobre o ETA. Manipulação pouca é bobagem.
Depois das eleições, quando tudo terminou, o diário El País, que tem (ou tinha) a fama de um dos melhores do mundo, dedicou uma página a se justificar. Chamou Aznar de mentiroso e informou que o primeiro-ministro, pessoalmente, havia telefonado na quinta-feira para o diretor de redação assegurando que o ETA era o responsável. O jornal esqueceu de explicar por que não publicou isso na sexta-feira.
Também esqueceu  do primeiro princípio do jornalismo: desconfiar do governo.

Boletim Mundo Ano 12 n° 2

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