Evaristo Camara Machado Netto
O agribusiness – a produção agropecuária empresarial de alta tecnologia – vem batendo recordes a cada ano no Brasil. Nos primeiros oito meses do ano, o setor exportou nada menos que US$ 19,2 bilhões. O saldo comercial do agronegócio brasileiro nos últimos doze meses foi de US$ 24,8 bilhões. O Brasil pode assumir em breve o posto de maior exportador mundial de soja e carne bovina, e é o segundo do mundo em exportação de carne de frango. Só a venda externa de frango gerou US$ 1,39 bilhão em divisas, no ano passado.Lideramos a produção mundial de café, e a adição de álcool à gasolina – já adotada pela Suíça e Colômbia, e em estudo no Japão – abrirá enormes perspectivas para nosso setor sucroalcooleiro, o mais dinâmico do planeta.
Não é exagerado afirmar que o agribusiness é o grande responsável pelos bons resultados da balança comercial e que garante que as atuais dificuldades econômicas do país não sejam muito, muito maiores. Em recente artigo no jornal Gazeta Mercantil, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, lembrou que o crescimento do agribusiness brasileiro incomoda os pesos-pesados da economia mundial. Rodrigues citou, ainda, um documento do USDA (Ministério da Agricultura dos Estados Unidos) alertando para o “perigo” do crescimento da agropecuária brasileira. Não por acaso, a liderança do Brasil nas negociações da OMC, exigindo a liberalização dos mercados agropecuários da América do Norte e União Européia, incomoda os senhores da economia mundial.
Na verdade, o que o Primeiro Mundo quer é apenas a abertura unilateral de nossos mercados, exigência com a qual o Brasil não concorda. E é a força do agronegócio que garante ao país o punch, as condições de liderar as economias em desenvolvimento rumo a uma negociação mais justa com os Estados ricos.
Apenas as cooperativas agropecuárias de São Paulo, por exemplo, contam com 113 mil associados e empregam mais de 20 mil pessoas. No Brasil, 80% dos agricultores associados a cooperativas possuem áreas inferiores a 100 hectares. Números como esse indicam que o agribusiness não tem nada a ver com o conceito de latifúndio improdutivo.
E qual é a relação entre o agribusiness e a reforma agrária? Em primeiro lugar, em um quadro de economia globalizada, e levando-se em conta a complexidade do tecido social e da estrutura fundiária brasileira, seria absurdo defender a hegemonia absoluta de uma forma de produção sobre a outra. Não há sentido em apoiar o fim do agribusiness – altamente produtivo em função de um suposto modelo de pequena propriedade familiar. Isso significaria retroagir dois séculos, ao tempo em que se contrapunham o minifúndio e o latifúndio estéril.
Na mão oposta, não se pode deixar de reconhecer o caráter social dos assentamentos da reforma agrária, que podem prover sustento a milhões de famílias.
A inclusão consistente dos assentados na cadeia do agronegócio, a partir de uma produção diversificada, gerando renda e trabalho, passa necessariamente pelo cultivo de produtos e pelo desenvolvimento de práticas de alto valor agregado – como a agricultura orgânica, a piscicultura, a fruticultura, a suinocultura, que estenderão muito seus horizontes. As cooperativas agropecuárias já existentes podem auxiliar bastante nesse processo.
Ocorre que, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o nível nacional de evasão nos assentamentos de reforma agrária está próximo dos 30%. Uma das razões é evidente: não basta garantir a terra ao agricultor; é preciso abrir linhas de crédito para a compra de insumos e criar estruturas de armazenagem, capacitação, transferência de tecnologia e escolas para seus filhos... E, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, nada menos que 87% dos assentamentos não contam sequer com luz elétrica. Sem condições de progredir, muita gente vai à busca de outras oportunidades, é claro. Isso é humano.
O fato é que o país, em dificuldades, não consegue garantir crédito e recursos necessários nem à plena manutenção dos assentamentos existentes, nem o apoio ao pequeno proprietário tradicional. Veja-se o caso do Oeste de Santa Catarina, onde a pequena propriedade entrou em crise nos anos 80, fazendo com que milhares de agricultores formassem as primeiras fileiras do Movimento dos Sem Terra (MST). Caso não consigamos recuperar a produtividade e a competitividade da pequena propriedade histórica do país, os malefícios serão terríveis.
Mas, se o problema já é grave, torna-se muito pior quando a liderança sem-terra, aproveitando a ligação histórica com o atual governo, tenta engrossar desordenadamente seus exércitos recrutando multidões de desempregados urbanos. Ora, essa nova geração terá dificuldades muito maiores para fazer a terra produzir, pois muitos neo-sem-terra nunca viram uma foice, um arado... Nesse quadro, a distribuição indiscriminada de lotes vem gerando um comércio informal e negativo: surgiu a figura do sem-terra profissional no campo, que vive de vender a terra e receber cestas básicas.
A verdade é que a reforma agrária não pode servir como muleta para o combate ao desemprego urbano.
E a criação de empregos, no campo ou na cidade, só pode vir com um novo surto de desenvolvimento econômico. No desespero de ocupar espaço no cenário político brasileiro, a liderança sem-terra abandona velhos princípios e invade terras produtivas. Chega ao extremo de ocupar – e inviabilizar – projetos agropecuários desenvolvidos pela Contag, o braço da CUT entre os trabalhadores rurais.
Não é assim que teremos desenvolvimento econômico e inclusão social. O agribusiness tem que ser reconhecido como ponta de lança do desenvolvimento no campo e coexistir com a função social dos assentamentos de uma reforma agrária feita dentro da lei. É preciso que a liderança dos sem-terra reconheça os limites do movimento e admita a necessidade de coexistir com outras formas de organização, no campo e na cidade.
O presidente Luís Inácio Lula da Silva, consciente das diversidades da economia agrária no país, teve a clareza de colocar, lado a lado, em seu gabinete um dos grandes nomes do agribusiness, o ministro Roberto Rodrigues, e um aliado dos sem-terra, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. É preciso, agora, que a liderança dos sem-terra aceite o jogo da convivência democrática. Paz e desenvolvimento: é disso que o campo brasileiro precisa.
Boletim Mundo Ano 11 n° 6
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