quinta-feira, 28 de julho de 2011

VOLTANDO PARA CASA

O Censo 2000 confirmou o arrefecimento das migrações inter-regionais.E também registrou o crescimento das migrações de retorno direcionadas para o Nordeste.

Regina Araújo
O Brasil sempre foi um país de grandes deslocamentos populacionais. Antes ainda da independência, no século XVIII, quando a economia açucareira apresentava sinais de estagnação e se iniciava a febre de metais preciosos na região das Minas Gerais, o nordeste da América portuguesa transformou-se em área de repulsão populacional. Bem mais tarde, com o declínio das atividades mineradoras, nordestinos e mineiros iriam se deslocar para as regiões de expansão cafeeira do oeste paulista. Quase simultaneamente, na segunda metade do século XIX, o trabalho de extração da borracha nas seringueiras amazônicas surgia como uma alternativa de sobrevivência para contingentes importantes da população nordestina, expulsos de sua região de origem pela estagnação da produção e do consumo.
Em meados do século XX, a atividade industrial passou a comandar a economia, articulando as diversas regiões produtivas às necessidades da Região Sudeste.
O rápido processo de urbanização que acompanhou o arranque industrial foi alimentado pelo fluxo de trabalhadores agrícolas de todas as partes do Brasil – em especial da Região Nordeste – na direção das grandes cidades do Sudeste. Um pouco mais tarde, a modernização da agricultura e a concentração fundiária no Centro- Sul  geraram fluxos migratórios para as fronteiras agrícolas do país: primeiro, no Centro-Oeste e, em seguida, na Amazônia.
Mas, ao que tudo indica, o Brasil está parando.
Os últimos censos demográficos revelaram redução significativa dos movimentos migratórios, principalmente aqueles que envolvem mudanças de domicílio entre os estados da federação. Na década de 60, o número de indivíduos recenseados em um estado diferente daquele em que nasceram apresentou crescimento anual de 4,2%; na década de 70, o crescimento médio anual foi de 3,3%, baixando para 1,6% entre 1980 e 1991 e permanecendo neste último patamar até o fim da década de 1990. O esgotamento da oferta de empregos nos centros industriais e a concentração fundiária nas antigas fronteiras agrícolas agem, em conjunto, para produzir um assentamento demográfico inédito na história do país: cada vez mais, a busca de oportunidades de terra e trabalho se realiza dentro dos limites dos estados de origem da população.
Ainda que o fluxo de migrantes entre os estados brasileiros tenha diminuído sensivelmente nas últimas décadas, suas marcas ainda estão presentes nas pirâmides etárias de muitos estados brasileiros. Esses gráficos narram, na linguagem fria dos números, a história dos fluxos migratórios do pós-guerra.
O caso de Rondônia é exemplar. O estado funcionou como um grande pólo de atração de migrantes nas décadas de 1970 e 1980, quando diversos projetos de colonização agrícola foram implementados  ao longo da BR-364, a rodovia Brasília-Acre. Em 1991, cerca de 62% da população do estado era constituída por migrantes, a maior parte dos quais vindos do Paraná, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. No ano 2000, a população não-natural representava 52% do total – e era constituída principalmente por adultos, em especial na faixa dos 30 aos 40 anos. A parte inferior da pirâmide registra a redução e interrupção do fluxo migratório: cerca de 80% dos naturais de Rondônia têm menos de 20 anos e seus pais, na maioria dos casos, nasceram em outros estados .
O Paraná narra história parecida com a de Rondônia, mas cronologicamente anterior. No ano 2000, a maior parte da população migrante paranaense já tinha mais de 50 anos de idade. Nesse caso, as mais importantes correntes migratórias aconteceram entre as décadas de 40 e 50, quando as terras agrícolas do norte do estado foram ocupadas pela cultura de café. A concentração fundiária e o avanço irresistível da soja, entre o final da década de 60 e a década de 80, bloquearam o fluxo de entradas e promoveram migrações de saída. Entre as centenas de milhares de paranaenses que deixaram sua terra natal nessa época, muitos são pais das crianças e jovens de Rondônia registrados nos dois últimos censos.
O Censo 2000 mostra que apenas três estados da federação – Amapá, Amazonas e Roraima – apresentaram crescimento superior a 40% da população de não-naturais depois de 1991. Isso significa que estes estados continuam a receber fluxos migratórios importantes, pelo menos relativamente ao tamanho de suas populações. A grande maioria desses migrantes partiu de cidades do Pará e do Maranhão e se estabeleceu nos centros urbanos locais, em processo acelerado de crescimento.
O Maranhão, em particular, ocupa o pólo oposto: enquanto ocorre forte evasão populacional, a população de não-naturais cresceu apenas 0,8% no último período inter-censitário.
A Região Nordeste traz uma novidade significativa.
Embora o Nordeste continue a comportar-se como área de expulsão de populacional, o ritmo da evasão retrocedeu sensivelmente e – aí está o ponto – entre 1995 e 2000 intensificou-se o fluxo migratório direcionado para as cidades da região. O Censo 2000 seguiu as pistas desse fluxo e elas sugerem que os migrantes são, em sua maioria, nordestinos que retornaram para a sua região de origem depois de viverem por muitos anos no Sudeste.
Essa história também tem forte conteúdo etário.
O saldo migratório negativo concentra-se nos grupo de 20 a 24 anos de idade: são trabalhadores que buscam oportunidades de emprego nas outras regiões do país. O saldo migratório positivo concentra-se nos grupos de 25 a 34 anos e de 7 a 15 anos: são adultos que constituíram família e retornam, junto com seus filhos, para sua região de origem. Moral da história: parcela crescente dos migrantes do Brasil contemporâneo está, na verdade, apenas voltando para casa.

Boletim Mundo Ano 12 n° 2

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