quinta-feira, 28 de julho de 2011

PLANO REAL ESTABILIZOU A ECONOMIA MAS NÃO GEROU CRESCIMENTO

Dez anos atrás, o plano anti-inflação ativou as esperanças na expansão do PIB e na redução das desigualdades. As estatísticas provam que essas promessas não foram cumpridas.

É preciso que o bolo cresça,  para depois dividir as fatias”, dizia o então ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto, entre o final dos anos 60 e meados dos 70, quando o “milagre econômico” brasileiro era responsável por algumas das taxas mais elevadas de crescimento do mundo. “Bolo”, no caso, era o Produto Interno Bruto (PIB, a soma total da riqueza produzida pelo país).
O PIB cresceu (na média, 10% ao ano), graças a um brutal endividamento externo, mas o “bolo” serviu quase apenas para engordar os mais ricos. A maioria da população continuou miserável como sempre.
Nada de novo. As Estatísticas do século XX, um trabalho sem precedentes, divulgado em setembro de 2003 pelo IBGE, mostram a vocação histórica da economia brasileira para proporcionar concentração de renda. Entre 1901 e 2000, o PIB foi multiplicado por 110 e a população por dez, mas não houve divisão da riqueza.
O anúncio do Plano Real, em 1994, parecia oferecer a oportunidade de mudar a história. A proposta era acabar com a inflação e estabilizar a economia, assegurando a milhões de brasileiros pobres a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho e se tornarem consumidores. Na economia estabilizada, o “imposto inflacionário” não conseguiria mais devorar o valor real dos salários. Os dados divulgados pelo IBGE demonstram que, do segundo semestre de 1994 a 1996, o rendimento real dos trabalhadores cresceu 27%, enquanto o PIB per capita (produto da divisão do PIB pela população) teve uma expansão de 4%.
Em 1960, os 10% mais ricos do país ganhavam 34 vezes o recebido pelos 10% mais pobres; a diferença chegou a 60 vezes em 1991 e caiu para 47 vezes em 1995, um ano após o início do Plano Real.
A estabilização da moeda proporcionou a primeira eleição presidencial de Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Fazenda de Itamar Franco que apareceu como responsável pelo Plano Real. O crescimento da renda real dos pobres proporcionou a reeleição no primeiro turno, em 1998.
O real foi lançado pouco antes do início da campanha eleitoral de 1994, quando o candidato Lula tinha cerca de 40% das intenções de voto e parecia virtualmente eleito. Na época, o economista do PT, hoje senador, Aloizio Mercadante vaticinou que a nova moeda não teria impacto eleitoral.
Mas, num prazo um pouco mais longo, o Plano Real foi incapaz de realizar suas promessas. Em 2002, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), organizada pelo IBGE, os 10% mais ricos recebiam renda 58,7 vezes superior à dos 10% mais pobres. O mesmo estudo mostrou que os poucos postos de trabalho abertos entre 2001 e 2002 foram precários, destinados apenas a assegurar a sobrevivência: 96,3% das ocupações geradas no país foram para pessoas não-remuneradas ou com renda inferior a um salário mínimo. De cada dez ocupações abertas, apenas 3 tiveram carteira assinada.
Em 2001, a PNAD já havia indicado que o número de trabalhadores sem carteira assinada havia ultrapassado metade do total. Entre 1996 e 2002, o recuo do rendimento médio do brasileiro, assalariado ou não, foi de 10,5%. Os ganhos de renda dos pobres, obtidos nos primeiros dois anos do real, derivaram essencialmente da freada no “imposto inflacionário”. Depois, esses ganhos foram sugados pelo fraco crescimento econômico.
Um estudo detalhado de seis anos da nova moeda concluiu:
“No que se refere ao Plano Real, não dispomos de evidência alguma de que tenha produzido qualquer impacto significativo sobre a redução da desigualdade”.
(Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques e Rosane Mendonça, Desigualdade e pobreza no Brasil: a estabilidade inaceitável. Rio de Janeiro, IPEA, 2000).
Em outros termos: como sempre na história do Brasil, durante o Plano Real o crescimento do PIB (de R$ 1,1 trilhão, em 1994, para R$ 1,3 trilhão em 2002, a preços praticados em 2002, segundo o Ipea) não significou distribuição de riqueza. Encerrado o breve período de glória em sua primeira fase, os mecanismos que perpetuam a desigualdade voltaram a dominar o cenário. Entre julho de 1997 e julho de 2001, o PIB per capita cresceu apenas 1%, e o rendimento real do trabalhador brasileiro caiu 4%. Isso significa que a renda criada no período não foi apropriada pelos salários .
A tragédia social fica mais facilmente perceptível quando se considera o índice de Gini, adotado pela ONU. O índice, que tem o nome do matemático que o elaborou, oscila entre os valores zero e um, e serve para medir internacionalmente a distribuição de renda.
Quanto mais perto do zero, melhor a distribuição.
O índice de Gini do Brasil experimentou forte piora nos tempos do “milagre econômico” da ditadura militar.
Durante o Plano Real, o Gini do Brasil permaneceu praticamente estacionado em 0,6. Esse índice está entre os mais elevados do mundo: no mesmo grupo da África do Sul, Suazilândia, Paraguai e Honduras; melhor apenas que os índices da Namíbia, Botsuana e Serra Leoa .
O Plano Real foi um sucesso político de curto prazo mas, sob os pontos de vista do crescimento econômico e da distribuição da renda, fracassou. Como explicar esse fracasso? Não há, obviamente, uma resposta única, ainda mais por se tratar de um processo histórico em andamento. Mas é inegável que o modelo econômico adotado pelo governo privilegiou o capital financeiro, em detrimento do trabalho e das necessidades básicas da população mais pobre. A liberalização da economia, a privatização das estatais e o conseqüente aumento dos preços dos serviços públicos, a captação de investimentos especulativos mediante o pagamento de juros astronômicos, o enxugamento dos recursos destinados à educação e saúde não geraram expansão acelerada do PIB e acirraram as desigualdades sociais.
O sucesso inicial do Plano Real elegeu FHC duas vezes. O seu fracasso elegeu Lula. Mas, apesar de tudo, as receitas econômicas de 1994 continuam a ser aplicadas em 2004.

Boletim Mundo Ano 12 n° 1

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